
Apelação Cível Nº 5028234-80.2023.4.04.7200/SC
RELATOR Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença, publicada em 16/04/2024, proferida nos seguintes termos ():
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para DECLARAR o exercício de atividade especial, pela parte autora, no período de 02/02/1987 a 31/10/1990, devendo o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS proceder à devida averbação para efeitos previdenciários.
Sucumbente majoritariamente, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios sucumbenciais, que para a etapa de conhecimento (art. 85, caput, do CPC/2015) fixo no percentual de 10% do valor atualizado da causa (§ 2º), cuja obrigação resta suspensa ante a AJG deferida.
Sentença não sujeita à remessa necessária (art. 496, § 3º, inciso I, CPC).
Interposta a apelação e eventuais contrarrazões, encaminhem-se os autos imediatamente ao Egrégio TRF da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1010, § 3º, do CPC), cabendo à Secretaria conceder vista à parte contrária caso em contrarrazões sejam suscitadas as matérias referidas no § 1º do art. 1009, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo.
Intimem-se.
Oportunamente, dê-se baixa.
Em suas razões recursais, a parte autora pretende a anulação da sentença, com o retorno dos autos à origem, a fim de que seja realizada audiência de instrução, com oitiva de testemunhas para provar o labor rural. Sucessivamente, pleiteia a reforma do decisum, a fim de que seja reconhecido o tempo de labor rurícola no intervalo de 20/02/1980 a 01/02/1987, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ().
Contrarrazões no .
Foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Tempo de serviço rural do menor de 12 anos
Em suas razões recursais, a parte autora se insurge pela falta de reconhecimento do período de labor rural no intervalo de 20/02/1980 a 01/02/1987, interregno que abarca idade inferior a 12 (doze) anos de idade.
Em primeiro lugar afasto óbice ao reconhecimento da atividade rural inferior aos 12 anos.
Conforme decidido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível o cômputo de período de trabalho rural realizado mesmo antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09-04-2018). Na mesma linha recentes julgados do STJ (AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020).
Ademais, esta Corte, no julgamento do IRDR nº 17, firmou entendimento no sentido de que "Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.".
Não é demais dizer que, recentemente, esta Corte aplicou o entendimento para os casos em que o segurado apresenta autodeclaração do exercício de atividades rurais, cuja discussão envolve o labor anterior aos 12 anos de idade. Ante a relevância, trago à baila a ementa do referido julgado (grifos meus):
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE. 1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC. 3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal. 4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa - insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural -, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares. 5. Reclamação provida para cassar a sentença do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal. (TRF4 5003943-19.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 28/07/2023)
Realmente, a Corte tem assentado que o reconhecimento do labor rural somente é possível desde que a prova da atividade do menor de 12 anos seja conclusiva e detalhada, de forma que seja possível avaliar a essencialidade do labor para o regime de economia familiar, não sendo suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado. Corolário do entendimento mais rigoroso é que a prova, na espécie, deve ser feita em juízo, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, com ênfase para a prova testemunhal, cuja função é ancorar o início de prova material acostado com a inicial.
Tenho, assim, que o feito foi julgado prematuramente, haja vista a não realização de audiência de instrução para oitiva da parte autora e de testemunhas, o que pode corroborar, ou não, as alegações autorais; permitindo uma análise mais completa e aprofundada dos fatos, notadamente a contribuição do autor para o regime de economia familiar. Assim, tão somente após a oitiva de testemunhas, com a coleta de mais informações acerca da experiência campesina da parte autora é que o julgador estará apto a apreciar o mérito da controvérsia.
Por ser oportuno, destaco a previsão do art. 370 do Código de Processo Civil, no sentido de que "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito".
Conforme lições de Humberto Theodoro Jr., "Os poderes do juiz, no domínio da prova, permanecem reconhecidos e reforçados no direito positivo, capacitando-o a realizar de ofício a instrução processual. Munido de tais poderes instrutórios, estará ele sempre credenciado a atuar de modo coerente e compatível com os ideais constitucionais, relacionados com a garantia de acesso efetivo à justiça e, particularmente, com a meta de promover a justa composição dos litígios" (grifos meus) (Código de Processo Civil Anotado. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1602, versão digital).
Este Tribunal já decidiu no sentido de que a essencialidade da oitiva de testemunhas justifica a anulação da sentença para a realização do ato, veja-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. A qualidade de segurado especial deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar. 2. Anulação da sentença com retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução e oitiva de testemunhas. (TRF4, AC 5025939-20.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/05/2021)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. PROVA TESTEMUNHAL. ATO ESSENCIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Sendo a realização de prova testemunhal em juízo ato essencial para o deslinde do feito, impõe-se a anulação da sentença a fim de propiciar a reabertura da instrução processual. Precedentes da Corte. (TRF4, AC 5014062-16.2021.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 05/05/2022)
É de se considerar, ainda, em situações como a da espécie, a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são propostas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, devendo ser concedida a oportunidade de produzir as provas pretendidas, que eventualmente tenham o condão de esclarecer sobre a realidade do labor.
Nessa senda, a meu sentir, o melhor caminho processual a ser adotado neste momento é a anulação da sentença no que diz respeito ao labor rural anterior aos 12 anos de idade, para que seja reaberta a instrução probatória em relação ao período de 20/02/1980 a 01/02/1987, possibilitando-se à parte autora a produção de prova testemunhal.
Conclusão:
- Sentença anulada, por cerceamento de defesa, quanto ao período de 20/02/1980 a 01/02/1987 (anterior aos 12 anos de idade), ante a existência de início de prova material do labor rural sem que tenha havido a realização de audiência de instrução, com produção de prova testemunhal, para melhor elucidar acerca da experiência rurícula do segurado.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor, a fim de anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, com a reabertura da instrução processual, para a colheita de prova testemunhal quanto ao período de alegado labor rural de 20/02/1980 a 01/02/1987, e posterior reapreciação da controvérsia pelo juízo a quo.
Documento eletrônico assinado por LUISA HICKEL GAMBA , Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005445892v5 e do código CRC 1323e6f7.
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Apelação Cível Nº 5028234-80.2023.4.04.7200/SC
RELATOR Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE LABOR RURAL. PROVA ORAL. IMPRESCINDIBILIDADE PARA O DESLINDE DA CAUSA. NULIDADE.
Diante da imprescindibilidade da produção, em juízo e sob o crivo do contraditório, de prova oral em lides cuja controvérsia reside na comprovação de labor rurícola do menor de 12 anos, mostra-se imperativa a anulação da sentença, para a reabertura da fase instrutória e produção de prova testemunhal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor, a fim de anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, com a reabertura da instrução processual, para a colheita de prova testemunhal quanto ao período de alegado labor rural de 20/02/1980 a 01/02/1987, e posterior reapreciação da controvérsia pelo juízo a quo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de novembro de 2025.
Documento eletrônico assinado por LUISA HICKEL GAMBA , Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005445893v3 e do código CRC 645055ab.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/11/2025 A 12/11/2025
Apelação Cível Nº 5028234-80.2023.4.04.7200/SC
RELATORA Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
PRESIDENTE Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A) ORLANDO MARTELLO JUNIOR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/11/2025, às 00:00, a 12/11/2025, às 16:00, na sequência 262, disponibilizada no DE de 24/10/2025.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, A FIM DE ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, COM A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, PARA A COLHEITA DE PROVA TESTEMUNHAL QUANTO AO PERÍODO DE ALEGADO LABOR RURAL DE 20/02/1980 A 01/02/1987, E POSTERIOR REAPRECIAÇÃO DA CONTROVÉRSIA PELO JUÍZO A QUO.
RELATORA DO ACÓRDÃO Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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