
Apelação Cível Nº 5016476-30.2020.4.04.7000/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5016476-30.2020.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a revisão de benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição (NB 42/149.316.275-3 - DER 29/01/2010), mediante averbação de tempo especial.
Processado o feito, sobreveio sentença (evento 59), cujo dispositivo restou assim fixado:
"III - Dispositivo
Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Benefício da gratuidade da justiça deferido ao evento 03.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, devidamente atualizadas, e dos honorários advocatícios, no importe de 10% sobre o valor atribuído à causa, conforme o preceituado no artigo 85, §2º do Novo Código de Processo Civil. Fica a exigibilidade de tais valores suspensa nos termos do artigo 98 do Códex supracitado.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, observado o disposto no artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Havendo interposição de recurso de apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões no prazo legal. Em seguida, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, observado o disposto no artigo 1.010, §3º, do Código de Processo Civil.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se".
A parte autora apela, alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de provas testemunhal e pericial, em relação aos períodos de 05/07/1979 a 31/01/1995, 02/05/1995 a 07/10/1999 e 04/09/2000 a 28/01/2010. Pede a anulação da sentença e a determinação de reabertura da instrução probatória. No mérito, alega, em síntese, que, nos períodos em questão, nos quais trabalhou como kardexista e encarregado de escritório, esteve exposto a agentes químicos e ruído, sendo que os documentos técnicos fornecidos pela empregadora (formulários PPP e laudos técnicos) não correspondem com as reais e verdadeiras condições ambientais laborais. Argumenta que o exercício das suas atividades se dava praticamente no mesmo ambiente em que ficavam os mecânicos e as peças automotivas, existindo apenas uma divisória simples que separava o ambiente laboral da oficina mecânica, de modo que estava exposto aos mesmos agentes nocivos existentes na oficina. Acresce que os documentos técnicos fornecidos pela empregadora limitaram a descrever apenas parte das atividades e omite as condições do local de trabalho. Pede a reforma da sentença com o reconhecimento da especialidade do labor exercido nos períodos e a inversão dos ônus sucumbenciais.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
CERCEAMENTO DE DEFESA
A alegação de ocorrência de cerceamento de defesa, no caso concreto, confunde-se com o mérito e será analisada no momento próprio.
MÉRITO
DAS ATIVIDADES ESPECIAIS
Com relação ao reconhecimento das atividades exercidas como especiais, cumpre ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Tal entendimento foi manifestado pelo STJ em julgamento de recurso repetitivo já transitado em julgado - que estabeleceu também a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum, mesmo após 1998. É teor da ementa, que transitou em julgado em 10/05/2011:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. RITO DO ART. 543-C, § 1º, DO CPC E RESOLUÇÃO N. 8/2008 - STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE FÁTICA. DESCABIMENTO. COMPROVAÇÃO DE EXPOSIÇÃO PERMANENTE AOS AGENTES AGRESSIVOS. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ.
[...]
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.
1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.
2. Precedentes do STF e do STJ.
CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. OBSERVÂNCIA DA LEI EM VIGOR POR OCASIÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. DECRETO N. 3.048/1999, ARTIGO 70, §§ 1º E 2º. FATOR DE CONVERSÃO. EXTENSÃO DA REGRA AO TRABALHO DESEMPENHADO EM QUALQUER ÉPOCA.
1. A teor do § 1º do art. 70 do Decreto n. 3.048/99, a legislação em vigor na ocasião da prestação do serviço regula a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais. Ou seja, observa-se o regramento da época do trabalho para a prova da exposição aos agentes agressivos à saúde: se pelo mero enquadramento da atividade nos anexos dos Regulamentos da Previdência, se mediante as anotações de formulários do INSS ou, ainda, pela existência de laudo assinado por médico do trabalho.
2. O Decreto n. 4.827/2003, ao incluir o § 2º no art. 70 do Decreto n. 3.048/99, estendeu ao trabalho desempenhado em qualquer período a mesma regra de conversão. Assim, no tocante aos efeitos da prestação laboral vinculada ao Sistema Previdenciário, a obtenção de benefício fica submetida às regras da legislação em vigor na data do requerimento.
3. A adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático e não de regra previdenciária.
4. Com a alteração dada pelo Decreto n. 4.827/2003 ao Decreto n. 3.048/1999, a Previdência Social, na via administrativa, passou a converter os períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época pela regra da tabela definida no artigo 70 (art. 173 da Instrução Normativa n. 20/2007).
5. Descabe à autarquia utilizar da via judicial para impugnar orientação determinada em seu próprio regulamento, ao qual está vinculada. Nesse compasso, a Terceira Seção desta Corte já decidiu no sentido de dar tratamento isonômico às situações análogas, como na espécie (EREsp n. 412.351/RS).
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp 1151363/MG, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 05/04/2011)
Isto posto, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, faz-se necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n° 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n° 8.213/91 (Lei de Benefícios) em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor/frio, casos em que sempre será necessária a mensuração dos níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes). Para o enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos n° 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n° 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n° 83.080/79 (Anexo II);
b) de 29/04/1995 e até 05/03/1997 foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997 (período em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n° 9.032/95 no artigo 57 da Lei de Benefícios), é necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova - considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico (com a ressalva dos agentes nocivos ruído e calor/frio, cuja comprovação depende de perícia, como já referido). Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n° 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n° 83.080/79 (Anexo I);
c) a partir de 06/03/1997, quando vigente o Decreto n° 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n° 1.523/96 (convertida na Lei n° 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerado os Decretos n° 2.172/97 (Anexo IV) e n° 3.048/99.
d) a partir de 01/01/2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (artigo 148 da Instrução Normativa nº 99 do INSS, publicada no DOU de 10/12/2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Intermitência
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, § 3º, da Lei n° 8.213/91) não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual ou ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho, e em muitas delas a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24/10/2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011).
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Equipamentos de Proteção Individual - EPI
A Medida Provisória n° 1.729/98 (posteriormente convertida na Lei 9.732/1998) alterou o §2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha i) informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância, e ii) recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Por esse motivo, em relação à atividade exercida no período anterior a 03/12/1998 (data da publicação da referida MP) a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador. A própria autarquia já adotou esse entendimento na Instrução Normativa n° 45/2010 (art. 238, § 6º).
Em período posterior a 03/12/1998, foi reconhecida pelo e. STF a existência de repercussão geral quanto ao tema (Tema 555). No julgamento do ARE 664.335 (Tribunal Pleno, Rel Min. Luiz Fux, DJe 12/02/2015), a Corte Suprema fixou duas teses: 1) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; e 2) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Ou seja: nos casos de exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites de tolerância sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI, ou de menção em laudo pericial à neutralização de seus efeitos nocivos, uma vez que os equipamentos eventualmente utilizados não detêm a progressão das lesões auditivas decorrentes.
Recentemente foi julgado por esta Corte o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n° 5054341-77.2016.4.04.0000/SC (IRDR Tema 15), que trata justamente da eficácia do EPI na neutralização dos agentes nocivos. Naquele julgado foi confirmado o entendimento supra referido, sendo relacionados ainda outros agentes em que a utilização de EPI não descaracteriza o labor especial. É teor do voto:
Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:
a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:
Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:
"§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)"
b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:
b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)
b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)
b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:
Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017)
Em suma, de acordo com a tese fixada por esta Corte a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor: i) em períodos anteriores a 3-12-1998; ii) quando há enquadramento da categoria profissional; iii) em relação aos seguintes agentes nocivos: ruído, agentes biológicos, agentes cancerígenos (asbestos e benzeno) e periculosos.
Em sede de embargos de declaração, nos autos do IRDR em questão, o rol taxativo foi ampliado para acrescentar: a) calor, b) radiações ionizantes, e c) trabalhos sob condições hiperbáricas e trabalhos sob ar comprimido.
Outrossim, apenas para os casos em que o LTCAT e o PPP informem a eficácia do EPI, o julgado determina a adoção de um 'roteiro resumido', apontando a obrigatoriedade de o juiz oficiar o empregador para fornecimento dos registros sobre o fornecimento do EPI. Caso apresentada a prova do fornecimento do EPI, na sequência, deverá o juiz determinar a realização da prova pericial. Apenas após esgotada a produção de prova sobre a eficácia do EPI, persistindo a divergência ou dúvida, caberá o reconhecimento do direito de averbação do tempo especial.
Ou seja, restou fixada presunção de ineficácia do EPI, sob a qual foi invertido o ônus da prova, ressalvando-se que a prova da existência do agente nocivo persiste necessária, cabendo ao segurado sua demonstração.
Em suma, de acordo com a tese fixada por esta Corte no IRDR:
- quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, há a especialidade do período de atividade;
- quando a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI;
- a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor, pois é presumida a sua ineficácia: i) em períodos anteriores a 3-12-1998; ii) quando há enquadramento da categoria profissional; iii) em relação aos seguintes agentes nocivos: ruído, agentes biológicos, agentes cancerígenos (como asbestos e benzeno) e agentes periculosos (como eletricidade), calor, radiações ionizantes e trabalhos sob condições hiperbáricas, trabalhos sob ar comprimido.
CASO CONCRETO
a) Períodos de 05/07/1979 a 31/01/1995, 02/05/1995 a 07/10/1999 e 04/09/2000 a 28/01/2010.
A sentença afastou o pedido de reconhecimento da especialidade do labor, como segue:
Períodos | 05/07/1979 a 31/01/1995 02/05/1995 a 07/10/1999 04/09/2000 a 28/01/2010 |
Empresa | MagParaná S/A |
Função | 05/07/1979 a 03/07/1985 - kardexista - setor administração 01/08/1990 a 31/01/1995 - encarregado de escritório - setor administração 02/05/1995 a 07/10/1999 - encarregado de escritório - setor administração 04/09/2000 a 28/01/2010 - encarregado de escritório - setor administração |
Agentes Nocivos | |
Enquadramento Legal | Não enquadrado |
Prova | PPP: evento 16, PROCADM2, p. 26/32 PPRA de 2006: evento 26, LAUDO2 PPRA de 2007: evento 26, LAUDO3 PPRA de 2011: evento 26, LAUDO4 |
Conclusão | Os PPPs não registram a exposição da autora a agentes nocivos, o que restou confirmado nos PPRAs, que destacam a inexistência de exposição a fatores de risco físicos, químicos ou biológicos nas atividades da autora, de natureza administrativa.
Ao evento 37, a empresa informou que a autora trabalhou na unidade de Irati; que realizava apenas as atividades descritas nos PPPs, não havendo outras, quanto mais no setor de serviços; e que era a única pessoa a trabalhar na administração. Aduziu que:
1) De 1989 a 2010 o layout manteve-se igual, onde o setor Administração situava-se no referido local, conforme fotos em anexo (1), possuindo cobertura e divisórias, repartições e a existência de parede dividindo o setor Administração/Gerência/Peças, do setor Oficina Serviços; e esse local deixou de existir em 2011 com a reforma da edificação (informações colhidas junto ao atual Gerente de filial Marcelo Luis Alves o qual trabalha na Magparaná Irati desde 25/04/2007 e o mesmo complementou que sabe que a loja manteve esse projeto desde o início das atividades da empresa). 2) Em 2011, houve a mudança do layout do local de trabalho (Administração) e permanece atualmente, conforme fotos em anexo (2). 3) De 1989 a 2019 o setor administração mesmo com a mudança de layout manteve-se isolado do setor da Oficina e Serviços, através de parede divisória e porta de acesso. (grifou-se)
Frise-se que, constando dos autos os documentos técnicos necessários ao equacionamento da demanda, produzidos pela empregadora, conforme obrigação legal à mesma atribuída, devem os mesmos ser acolhidos como prova. Ausentes quaisquer indícios objetivos capazes de desconstituir o conteúdo dos documentos fornecidos pela empresa, não há razão que justifique a produção de outra prova com a mesma finalidade. Saliente-se que as fotografias apresentadas pela autora ao evento 47 não colocam sob dúvida a informação prestada pela empresa ao evento 37, e que a realização de perícia no presente momento não retrataria as condições de trabalho anteriores à alteração de layout.
Nesse sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Ora, se já constam nos autos laudos técnicos das empresas empregadoras, não se cogita da utilização de laudo de empresa similar ou de realização da prova pericial. Nesse ponto, compete à parte autora apresentar elementos objetivos aptos a desconstituir a prova emitida pelas empresas" (5002788-17.2019.4.04.7103, SEGUNDA TURMA RECURSAL DO RS, Relator GABRIEL DE JESUS TEDESCO WEDY, julgado em 15/05/2020).
De outra parte, conforme entendimento da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, "não cabe ao Juízo conferir a correção de alegação de erro no preenchimento de formulários PPP, DSS, Laudo pericial e outros, pelas empresas, quando formalmente corretos, porquanto essa fiscalização é de ser feita por outras entidades, às quais se pode recorrer o segurado, pessoalmente ou via sindicato profissional, como Ministério do Trabalho, Conselhos Profissionais, Entidades Fazendárias e outros (IUJEF 0000160-10.2009.404.7195, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator PAULO PAIM DA SILVA, D.E. 27/07/2012). |
A parte autora alega, preliminarmente, cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de provas testemunhal e pericial, em relação aos períodos sob estudo. No mérito, alega, em síntese, que esteve exposto a agentes químicos e ruído, sendo que os documentos técnicos fornecidos pela empregadora (formulários PPP e laudos técnicos) não correspondem com as reais e verdadeiras condições ambientais laborais. Argumenta que o exercício das suas atividades se dava praticamente no mesmo ambiente em que ficavam os mecânicos e as peças automotivas, existindo apenas uma divisória simples que separava o ambiente laboral da oficina mecânica, de modo que estava exposto aos mesmos agentes nocivos existentes na oficina. Acresce que os documentos técnicos fornecidos pela empregadora limitaram a descrever apenas parte das atividades e omite as condições do local de trabalho.
A sentença merece ser mantida.
Para os períodos em questão, a documentação técnica fornecida pela empregadora é clara ao registrar a ausência de exposição a agentes de risco nos cargos e funções ocupados pelo autor (evento 16 - PROCADM2 - p. 26-33, evento 26 - LAUDO2, LAUDO3 e LAUDO4).
A parte autora argumenta, em síntese, que os documentos técnicos fornecidos pela empregadora (formulários PPP e laudos técnicos) não correspondem às reais e verdadeiras condições ambientais laborais, já que teria exercido outras atividades além das descritas nos formulários de profissiografia, bem como o seu local de trabalho praticamente coincidia com o da oficina mecânica, onde eram realizadas reformas e manutenções em equipamentos agrícolas, de modo que estava sujeito aos mesmo agentes nocivos (químicos e físicos) existentes na oficina.
Ocorre as impugnações trazidas pela parte autora não são suficientes para afastar as conclusões constantes da documentação técnica apresentada.
Com efeito, as funções exercidas pelo autor na empresa MagParaná sempre foram de caráter administrativo (kardexista e encarregado de escritório), e, ainda que, eventualmente transitasse por outros setores da empresa ou mesmo que realizasse esporadicamente alguma outra atividade, tal fato não é suficiente para caracterizar exposição habitual e permanente a agentes nocivos químicos ou físicos, tal como alega. No ponto, frise-se que a empregadora informou que o autor trabalhou na unidade de Irati e que realizava apenas as atividades descritas nos PPPs, não havendo outras, quanto mais no setor de serviços (evento 37 - PET1).
Outrossim, não é suficiente para infirmar as conclusões técnicas as alegações de que o trabalho era exercido em ambiente que praticamente coincidia com o da oficina (separação por apenas uma divisória).
Primeiro porque, conforme reconhece o próprio, autor havia separação entre os ambientes, não podendo se considerar que os mesmo agentes nocivos verificados em um ambiente existissem no outro. Segundo, e mais importante, porque as funções exercidas eram distintas, de modo que, ainda que exercidas próximas, não se pode equiparar a exposição sofrida, por exemplo, pelo mecânico, profissional diretamente responsável pelo reparo e manutenção dos equipamentos agrícolas ao kardexista/encarregado de escritório, a quem cumpria exercer atividades de cunho administrativo.
Dito de outro modo, a exposição a agentes químicos e/ou físicos (óleos, graxas, hidrocarbonetos, ruído e etc.) não é ínsita às atividades do autor, como aliás, concluíram os documentos técnicos, não ensejando o reconhecimento da especialidade do labor.
Anote-se que o fato dos formulários PPPs relativos aos períodos de 02/05/1995 a 07/10/1999, 01/08/1990 a 31/01/1995 e 05/07/1979 a 03/07/1985 (evento 16 - PROCADM2 - p. 28-33) consignarem na descrição das atividades a observação "Não há registros ambientais nesse período" em nada lança dúvida acerca da conclusão de que inexistia exposição a agentes de risco, como defende o recorrente.
Isso porque a referida observação se deve ao fato de que a empresa não dispunha de laudos técnicos da época, apenas, por essa razão, deixando de inserir nos documentos a descrição das atividades constantes no primeiro laudo técnico confeccionado para o cargo/função, qual seja, o PPRA/LTCAT de 2006 (evento 26 - LAUDO2).
De qualquer modo, o laudo técnico de 2006, assim como os subsequentes, é claro ao descrever as funções do autor, bem como registrar expressamente a ausência de exposição a agentes de risco e não há elementos que indiquem que houve alteração do layout de trabalho nos períodos em análise.
Ao contrário, as informações prestadas pela empresa no evento 37 (PET1) denotam que até o ano de 2010 não houve alteração no layout de trabalho.
Portanto, apresentados formulários PPPs e laudos técnicos da própria empregadora, contra os quais não é oposta impugnação consistente, não é o caso de se adotar laudo paradigma e/ou prova emprestada, ou deferimento de prova pericial ou testemunhal.
No caso dos autos, a documentação técnica fornecida pela própria empregadora, produzida por profissionais legalmente habilitados para tanto (Médicos e/ou Engenheiros do Trabalho), após regular vistoria in loco, afasta o caráter especial do labor exercido nos períodos em análise, por exposição efetiva.
A mera irresignação da parte autora em relação à documentação técnica fornecida pelo empregador não constitui motivo suficiente para afastá-la.
Conclusão: mantida a sentença.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA RECURSAL
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, §11, do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo da PARTE AUTORA: conhecido e improvido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por conhecer da apelação e negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5016476-30.2020.4.04.7000/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5016476-30.2020.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. revisão de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADES ESPECIAIS. FORMULÁRIOS PPPS E LAUDOS TÉCNICOS DA PRÓPRIA EMPREGADORA. INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO CONSISTENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.
1. Com relação ao reconhecimento das atividades exercidas como especiais, cumpre ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
2. Apresentados documentos técnicos da própria empregadora, contra os quais não é oposta impugnação consistente, não é o caso de deferir a produção de prova testemunhal e pericial.
3. A mera irresignação da parte autora em relação à documentação técnica fornecida pelo empregador não constitui motivo suficiente para a adoção de laudo paradigma e/ou prova emprestada, ou deferimento de prova pericial.
4. Hipótese em que a documentação técnica fornecida pela própria empregadora, produzida por profissionais legalmente habilitados para tanto (Médicos e/ou Engenheiros do Trabalho), após regular vistoria in loco, afasta o caráter especial do labor exercido nos períodos em análise, motivo pelo qual a sentença merece ser mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer da apelação e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 19 de novembro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/11/2024 A 19/11/2024
Apelação Cível Nº 5016476-30.2020.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/11/2024, às 00:00, a 19/11/2024, às 16:00, na sequência 579, disponibilizada no DE de 30/10/2024.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DA APELAÇÃO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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