
Reclamação (Seção) Nº 5014513-59.2025.4.04.0000/RS
RELATOR Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Trata-se de reclamação proposta em face de decisão, nos autos do processo 5001562-36.2023.4.04.7135, proferida pela 3ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul.
O reclamante sustenta, em síntese, que o acórdão impugnado desrespeitou a autoridade daquilo que decidido no julgamento do IRDR 12 deste Tribunal Regional. Pede seja julgada procedente a presente reclamação a fim de ser cassada a decisão impugnada.
A autoridade reclamada prestou informações.
O INSS apresentou contestação.
O Ministério Público Federal opinou pela procedência da reclamação.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal, na sessão de 21.02.2018, ao julgar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 12 (50130367920174040000), fixou a seguinte tese jurídica ():
O limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade.
O IRDR 12 foi admitido e julgado por este Tribunal Regional quando ainda se reconhecia a possibilidade de apreciar o incidente oriundo de ação com trâmite perante o Juizado Especial Federal (TRF4 5033207-91.2016.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 05/10/2016).
Posteriormente, à luz do entendimento que veio a ser firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.881.272 e do AREsp 1.617.595, este Regional passou a não mais admitir a instauração de IRDR proveniente de ação do JEF (TRF4 5005810-47.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/05/2022).
Não obstante a atual compreensão desta Corte Regional, fato é que, no dia 12.09.2024, operou-se o trânsito em julgado do acórdão paradigma do IRDR 12 (, e ), que havia sido instaurado a partir de processo do Juizado Especial.
Convém registrar que a tese jurídica firmada por Tribunal Regional Federal em IRDR é de observância obrigatória em toda a região, inclusive para os Juizados Especiais Federais. Assim dispõe o art. 985 do CPC:
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986 .
§ 1º Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.
(grifei)
O papel do incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado por Tribunal Regional Federal é justamente o de definir a interpretação sobre determinada questão jurídica no âmbito da respectiva região a fim de conferir maior segurança jurídica e tratamento isonômico na aplicação do Direito aos jurisdicionados que litigam tanto no juízo comum quanto no JEF.
Longe de se negar a importância da missão da TNU na uniformização da interpretação de lei federal pelas Turmas Recursais de diferentes regiões, é preciso destacar, no entanto, que o legislador não conferiu status de precedente obrigatório às suas decisões (estas não constam do rol do art. 927 do CPC). A existência de tese jurídica firmada pela TNU sequer poderia obstar a instauração de IRDR, diferentemente do que ocorre quando o tema já tiver sido afetado para julgamento no regime dos recursos repetitivos pelo STF ou pelo STJ (assim estatui o art. 976, § 4º, do CPC: É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva). Disso se depreende que a aplicação obrigatória da tese jurídica firmada em IRDR por Tribunal Regional independe da existência de tese (anterior ou posterior) fixada pela TNU em sentido contrário.
Nesse sentido, a tese jurídica firmada pela TNU no julgamento do Tema 122 (O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova), porque carente de efeito vinculante, não constitui motivo suficiente para repelir a aplicação do precedente obrigatório regional ou para caracterizar distinção do caso em relação aos contornos do IRDR 12/TRF4. O precedente obrigatório somente poderia ser rechaçado em caso de reconhecida distinção, de revisão da tese pelo Tribunal que julgou o IRDR ou de suplantação da tese por tribunal superior.
Com isso, considerada a força obrigatória do acórdão proferido em IRDR, é preciso verificar a adequação do acórdão impugnado nesta reclamação à tese jurídica firmada no repetitivo regional ou a presença de eventual distinção no caso concreto.
Pois bem. Extrai-se da ratio decidendi do precedente vinculante regional formado a partir do julgamento do IRDR 12 do TRF4 que o reconhecimento da presunção absoluta de miserabilidade visa justamente a conter o subjetivismo judicial na avaliação da miserabilidade naquelas situações em que a renda per capita declarada/provada se mostrar inferior a 1/4 do salário mínimo. Transcrevo, nesse sentido, o seguinte excerto da fundamentação do acórdão paradigma do IRDR 12/TRF4 ():
[...]
Outra corrente entende que se cuida de uma presunção relativa de miserabilidade, tal qual recentemente concluiu a Quarta Turma Recursal do RS, verbis:
A exclusão de tais rendas (e dos seus beneficiários) torna a renda per capita abaixo do limite que servia de parâmetro para aferir a miserabilidade (1/4 do salário mínimo). No entanto, de acordo com o atual entendimento da TNU, o fato de a renda familiar estar abaixo do limite legal, não serve para presumir miserabilidade (Recurso Cível 5003996-54.2015.4.04.7110, Relator Juiz Federal Osório Ávila Neto, sessão do dia 29 de março de 2017, grifei)
O precedente da TNU referido considerou que a presunção decorrente da renda mínima per capita 'pode ser afastada quando o conjunto probatório, examinado globalmente, demonstra que existe renda não declarada, ou que o requerente do benefício tem as suas necessidades amparadas adequadamente pela sua família' (TNU, INUJ no Processo nº 5000493-92.2014.4.04.7002, Relator Juiz Federal Daniel Machado da Rocha).
Com efeito, a técnica legislativa adotada - presunção legal absoluta - dispensa o esforço interpretativo e probatório, permitindo, no caso em tela, que a Administração não tivesse que analisar de forma exaustiva e quase que impossível mesmo de ser investigada a situação particularizada de cada aspirante ao BPC, a exemplo do que fizera ao determinar como absoluta a presunção de dependência do cônjuge, companheiro (a), filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, previstos no art. 16, I, da Lei 8.213/91, que especifica os 'dependentes de primeira classe'.
Desse modo, não há motivo para perquirir a renda desses dependentes de primeira classe para a configuração da dependência econômica necessária para o reconhecimento da condição de dependente do segurado da Previdência Social, nos termos do art. 16, § 4º, da LBPS/91, tampouco caberia duvidar da condição de miserabilidade daqueles cuja renda familiar sequer atinge o patamar mínimo fixado pela LOAS (1/4 do salário mínimo)!
Saliente-se, por oportuno, que dados da pesquisa Deficiência e Estado, ANIS 2008 e 2009, fornecidos pelo INSS, atestam que apenas 13,2% dos requerimentos administrativos de BPC são indeferidos em razão da renda per capita superior a um quarto de salário mínimo, enquanto que 82,7% dos indeferimentos é motivado por parecer contrário da perícia médica.
Esse percentual reduzido de indeferimentos por excedimento de renda permite confirmar a eficácia da presunção legal (absoluta) de vulnerabilidade aos que comprovem a renda no patamar máximo permitido pela lei.
Por isso, não compensaria ao INSS fazer a investigação particularizada de eventual sinal de riqueza do aspirante ao benefício. Gastaria mais para isso do que despende com eventuais benefícios indevidos.
Da mesma forma, o Poder Judiciário não pode ser mais realista do que o próprio Rei, investigando o que a via administrativa não se interessa. Até porque isso implicaria adoção de um critério anti-isonômico. Para alguns se faz a análise, quando judicializado o pedido, e para outros, que obtém o benefício na via administrativa, não.
Note-se que esse raciocínio está amparado na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores.
[...] grifei.
Qualquer objeção à renda familiar per capita, tal como a alegação de possível renda ocultada ou não detectada, deve ser afirmada e demonstrada pelo INSS ou revelada na prova dos autos por meio de evidências gritantes de riqueza incompatível com a baixa renda. Não se pode admitir a presunção de renda oculta a partir de meras suspeitas ou indícios decorrentes de boas condições de habitação ou de materiais empregados em sua construção ou de mobília e eletrodomésticos que a guarnecem, muitas vezes adquiridos por obra de uma vida laboral do sujeito e de sua família, que apontam para a segurança financeira de outra época, na qual havia capacidade de obtenção de renda, mas que não retratam a atual situação de penúria vivenciada, decorrente de contingências sociais advenientes (idade avançada ou deficiência - TRF4, Rcl 5001287-84.2025.4.04.0000, 3ª Seção, Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, julgado em 24/07/2025).
No caso concreto, a decisão reclamada aponta as seguintes condições (e. do feito originário):
Em que pesem os argumentos da parte recorrente, a decisão recorrida está em harmonia com o entendimento desta Turma Recursal. A fim de evitar tautologia, adotando-os como razões de decidir, destaco os seguintes fundamentos ():
"O grupo familiar é composto por duas pessoas: a Autora (Lenir) e seu marido, Jorge, de 66 anos. O casal tem dois filhos que, segundo o laudo, não prestam auxílio aos pais por falta de condições financeiras.
A Autora não possui renda própria. Jorge aufere aposentadoria por idade de valor mínimo ( R$ 1.412,00 - ).
O valor percebido pelo marido da Autora não pode ser incluído no cálculo da renda per capita de Lenir, conforme já referido no item "composição da renda familiar", devendo seu titular também ser excluído.
Destarte, a renda computável à Autora resta nula.
Anoto que a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência decidiu que mesmo em casos em que a renda é inferior a 1/4 do salário mínimo, esse elemento não é o único a ser sopesado em avaliações desta natureza, havendo que se prosseguir na análise dos demais indicadores econômicos do contexto.
Neste sentido:
"PEDIDO NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. Benefício assistencial. Miserabilidade. O critério objetivo de renda inferior a ¼ do salário mínimo não exclui a utilização de outros elementos de prova para aferição da condição sócio-econômica do requerente e de sua família. Inexistência de presunção absoluta de miserabilidade, nos termos da mais recente jurisprudência desta TNU. Aplicação da questão de ordem n.º 020 deste Colegiado. Consectários legais. Incidência do novo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Incidente formulado pelo INSS conhecido e provido em parte. representativo de controvérsia (art. 17, incisos I e II, do RITNU)."(PEDILEF 50004939220144047002, TNU, Relator Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, DOU de 15/04/2016, p. 292/423) (grifei).
No dizer do relator, tem se admitido a concessão do benefício em situações nas quais a renda supera o limite de ¼ do salário mínimo, e do mesmo modo, parece razoável também negá-lo, ainda que a renda comprovada seja inferior ao indicado limite, quando presentes elementos fáticos que demonstram a inexistência de necessidade premente de sua concessão.
Incumbe salientar os seguintes trechos elucidativos do voto-condutor deste entendimento da TNU:
"15. Não se pode perder de vista que a assistência social tem papel supletivo, devendo ser alcançada quando o amparo familiar não é suficiente para evitar que o indivíduo acabe sendo lançado em situação extrema de vulnerabilidade social e econômica. Por isso, embora a renda situada no limite de 1/4 do salário mínimo per capita seja um forte indicativo, constituindo sim uma presunção da necessidade de concessão da prestação, esta presunção não pode ser considerada absoluta.
16. Assim, sendo a miserabilidade no seu contexto global, o elemento relevante para a concessão do benefício, a renda gera em favor dos cidadãos uma presunção do atendimento do requisito legal, mas que pode ser afastada quando o conjunto probatório, examinado globalmente, demonstra que existe renda não declarada, ou que o requerente do benefício tem as suas necessidades amparas adequadamente pela sua família. Em suma, entendo que a presunção absoluta não é compatível com a exigência de avaliação de todo o contexto probatório" (grifei).
Observa-se que o caso em análise pode guardar relação com o Tema do IRDR n° 12 do TRF da 4ª Região, no âmbito do qual foi fixado que há presunção absoluta de miserabilidade quando constatada renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo e transitou em julgado em 13/09/2024.
No entanto, é controverso, inclusive, sua aplicabilidade no âmbito dos juizados especiais, ante a possibilidade de criar decisão conflitante com a uniformização de jurisprudência da TNU, o que seria o presente caso.
Por outro prisma, a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade.
Acerca da subsidiariedade da proteção estatal, destaco o entendimento atual da TRU da 4ª Região:
"PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PARADIGMAS DO STF E DO TRF4. EXCLUSÃO DE OUTRO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INEXISTÊNCIA DE DIVERGÊNCIA. MISERABILIDADE AFASTADA NO CASO CONCRETO. RENDA OCULTA. REAPRECIAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INCIDENTE NÃO CONHECIDO.
1. Paradigmas oriundos do STF e do TRF da 4ª Região não se prestam a embasar pedido de uniformização regional, porque necessária a demonstração de divergência entre as Turmas Recursais da região ou, ainda, em relação ao entendimento uniformizado pela própria TRU.
2. Quanto aos paradigmas válidos indicados, não se verifica a existência da divergência alegada, pois a Turma Recursal não negou a possibilidade de exclusão do benefício assistencial recebido por outro integrante do grupo para fins de aferição da renda familiar.
3. Situação de miserabilidade não evidenciada no caso concreto a partir da análise do conjunto probatório, o qual também indicava a existência de renda oculta/não declarada suficiente à manutenção digna do grupo familiar.
4. A alteração destas conclusões demandaria a reapreciação do conjunto fático-probatório, providência vedada nesta instância uniformizadora.
5. Entendimento da Turma Recursal em consonância com o entendimento da TNU, no sentido de que "o benefício assistencial de prestação continuada somente deve ser concedido se o requerente não puder ter afastada sua condição de miserabilidade mediante a prestação de alimentos civis pelos devedores legais" (TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0026467-47.2016.4.03.6301, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juiz Federal FABIO CESAR DOS SANTOS OLIVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 28/05/2018).
6. Incidente de uniformização regional não conhecido" (grifei) (5000629-13.2016.4.04.7134, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator FERNANDO ZANDONÁ, juntado aos autos em 02/10/2018).
"(...) as instâncias ordinárias, soberanas na análise da prova, concluíram, mediante análise pormenorizada do conjunto probatório, pela impossibilidade de concessão do benefício de amparo assistencial eis que não restou comprovada a situação de risco social, a condição de miserabilidade da autora. A não aferição do requisito baseou-se na análise das provas e nas circunstâncias do caso concreto, sendo ressaltado que não restou afastada a possibilidade de prestação de alimentos pelos devedores legais.
Assim, não foi considerada exclusivamente a renda do marido da autora para afastar o requisito. Ainda que desconsiderada a renda do benefício previdenciário de valor mínimo recebido pelo marido da autora, a Turma Recursal entendeu que não restou comprovado o requisito com base em outros fundamentos, entre eles a possibilidade de prestação de alimentos pelos devedores legais.
De tal modo, para chegar à conclusão diversa, seria indispensável a análise do contexto fático-probatório, o que, repito, não se admite em sede de incidente de uniformização de jurisprudência. Não cabe à instância uniformizadora verificar o acerto ou desacerto das instâncias ordinárias na análise dos fatos e das provas.
Restou expressamente consignado, igualmente, que essa Turma Regional possui entendimento no sentido de que "o benefício assistencial de prestação continuada somente deve ser concedido se o requerente não puder ter afastada sua condição de miserabilidade mediante a prestação de alimentos civis pelos devedores legais" (TRU4, 5000965-61.2017.4.04.7108, Relator Fernando Zandoná, juntado aos autos em 02/10/2018)" (5003938-47.2017.4.04.7121, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator CAIO ROBERTO SOUTO DE MOURA, juntado aos autos em 02/04/2019).
Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
Desta forma, considerando estarmos diante de interpretação de direito material, adoto, por ora, o posicionamento da TNU, forte no artigo 14 da Lei 10.259/2001.
Assim, a renda não é o único elemento a ser considerado em avaliações desta natureza, devendo este Juízo prosseguir na análise dos demais indicadores econômicos do grupo familiar.
Nesse passo, há que se prosseguir na análise dos demais indicadores econômicos do grupo familiar.
As condições materiais registradas no laudo social não induzem à presença de miserabilidade.
Assim, vejamos:
As despesas mensais são básicas: luz, água, alimentação e gás. A medicação é fornecida pelo SUS (https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2022/01/RENAME-2022.pdf) com exceção de sertralina, cujo gasto não foi comprovado. Não há despesas com transporte e a casa é própria.
As condições de conservação do imóvel estão assim descritas no laudo correlato:
"Autora reside no local há vinte anos, sendo a casa própria, localizada em uma rua com calçamento e de fácil acesso. A construção da moradia é de madeira, com piso de madeira, teto com forro de madeira, constituída de dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro. Provida de energia elétrica e água. Na sala tem estofados e uma estante com televisor. A cozinha é composta de mesa com cadeiras, armários, refrigerador, fogão a gás, pia de cozinha, forno elétrico, forno de micro-ondas e máquina de lavar roupa. Em um dormitório tem uma cama de casal, um móvel e um guarda-roupa. No segundo dormitório tem uma cama de casal, um colchão de casal e um móvel. O banheiro é composto de vaso sanitário, pia e chuveiro elétrico. A residência se encontra em bom estado de conservação, contendo móveis necessários à sobrevivência, estando estes, em boas condições de conservação."
O registro fotográfico revela que a residência da Autora consiste em imóvel misto de madeira/alvenaria, muito limpo e organizado. A sala e os quartos são em madeira e têm estrutura precária, com muitas frestas, mas contam com mobiliário satisfatório e em bom estado. A cozinha, em alvenaria, possui fogão de seis bocas, geladeira duplex, forno elétrico, forno de micro-ondas e lavadora de roupas.
Sublinho que os filhos da Autora, Igor e Maria Luisa, estão formalmente empregados. Em que pese Lenir informe no laudo que seus filhos não tem condições de ajudá-la em vista de seus baixos redimentos, constato que Igor auferiu, no corrente ano, em média valor próximo de R$ 6.000,00 (). Maria Luisa, por sua vez, ganhou em média cerca de R$ 6.800,00 ().
Cumpre assinalar que entre pais e filhos há o dever -legal - de assistência recíproca, cabendo ao Estado prestar assistência aos necessitados apenas subsidiariamente, depois de esgotadas todas as possibilidades no seio da própria família.
Isso em razão das disposições dos artigos 229, da Constituição Federal, e 1.696 e 1.697, do Código Civil, in verbis:
Constituição Federal
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Código Civil
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Em reforço da obrigação filial ressalto que o Código Penal, em seu artigo 244, atento ao programa sobre a família, prevê o abandono material em figura criminosa e destaca como figura central do crime de omissão de assistência à família, praticado por aquele que "Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)."
Desse modo, tenho que a Demandante tem condições de ser devidamente socorrida por quem detém obrigação de fazê-lo, lembrando que o benefício estatal é sempre subsidiário, cabendo à família, em primeiro lugar, a manutenção da genitora desamparada.
No caso, constata-se que a Parte Autora, apesar de não ter renda, possui o marido e os filhos em condições de socorrê-la, ainda que estes últimos o façam pela via judicial. Atente-se que é a demonstração da condição concreta de miserabilidade o fator determinante a ensejar a proteção assistencial em comento.
Por todo o exposto, conclui-se que a situação socioeconômica da Parte Autora não se equipara ao estado de miserabilidade exigido pela Lei nº 8.742/93.
Vale lembrar que o benefício em questão não se destina a complementar a renda de pessoas pobres, mas à elisão da miséria e à reabilitação da dignidade humana.
Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITO FINANCEIRO. RENDA PER CAPITA NÃO SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. 1. O benefício assistencial é devido: a) à pessoa portadora de deficiência ou à pessoa idosa; b) pertencente a grupo familiar cuja renda mensal per capita não seja igual ou superior a ¼ do salário mínimo. 2. O benefício destina-se a suprir o mínimo para subsistência de quem se encontra efetivamente em estado de miserabilidade e não tem recursos para prover seu o próprio, e nem potenciais alimentantes com obrigação legal de fazê-lo. 3. Não se pretende, com o benefício assistencial, elevar o padrão de vida de famílias que se encontram acima da linha de pobreza, e nem fazer com que o Estado se substitua à família suprindo as obrigações recíprocas entre seus membros. 4. No caso, ainda que se aplique a mitigação do critério para aferição da miserabilidade o requisito financeiro não se faz presente.
(Apelação 0015825-25.2011.404.9999, Rel. Des. Cláudia Cristina Cristofani, D.E. 09/02/2012)
À vista disso, força é concluir que a parte autora não se encontra em situação de vulnerabilidade social, porquanto as condições materiais nas quais se encontra não reclamam o auxílio estatal" (grifos no original e acrescidos).
De plano, vislumbra-se que o caso em análise guarda relação com o Tema do IRDR n° 12 do TRF da 4ª Região, no âmbito do qual se discutia se haveria presunção absoluta ou relativa de miserabilidade quando constatada renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Nesse contexto, incumbe salientar que esta 3ª Turma Recursal vinha decidindo principalmente de forma alinhada à tese fixada pela TNU no julgamento do Tema nº 122, de acordo com a qual "o critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova", como a comprovação de que os devedores legais poderiam prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção, em atenção ao princípio da subsidiariedade da atuação estatal. Nesse sentido:
"ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO - LOAS. A ANÁLISE DO REQUISITO SOCIOECONÔMICO NÃO SE LIMITA AO CÁLCULO DA RENDA PER CAPTA. SUBSIDIARIDADE DA ATUAÇÃO ESTATAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Para fins de cálculo da renda per capta, o grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 20 da Lei n.º 8.742/1993. Inteligência do Tema 73 da TNU.
2. Todavia, a análise do requisito socioeconômico não fica restrito a este aspecto, pois "O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capta inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova" (Tema 122 da TNU).
3. O benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção, em atenção ao princípio da subsidiariedade da atuação estatal (TNU, PEDILEF n.º 0517397-48.2012.4.05.8300, Relator Juiz Federal Fábio Cesar dos Santos Oliveira, j. 23.02.2017).
4. No caso concreto, observo que a Turma de origem afastou o caráter subsidiário da atuação estatal, o que vai de encontro ao entendimento da TNU.
5. Incidente de Uniformização conhecido e provido" (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 1003267-61.2020.4.01.3600, GUSTAVO MELO BARBOSA - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 27/06/2022).
Entretanto, no julgamento do IRDR nº 12 (50130367920174040000), o TRF da 4ª Região fixou o seguinte entendimento:
"O limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade".
E o respectivo acórdão transitou em julgado em 13.09.2024.
Nesse contexto, ainda que no microssistema dos juizados especiais federais, passou-se a seguir nesta Turma Recursal a partir de então o entendimento fixado no IRDR nº 12.
Ocorre que, no presente caso, embora seja cabível a exclusão da renda proveniente do benefício de aposentadoria recebido pelo marido idoso da autora, o conjunto probatório revela que a renda do grupo familiar é suficiente para assegurar sua subsistência de forma digna. Além disso, consoante exposto na sentença, foi apurado que os dois filhos da autora possuem rendimentos elevados o suficiente para contribuir de forma efetiva à manutenção da genitora.
Nesse contexto, é válido reforçar que os filhos são devedores legais de alimentos, de modo que a prestação de assistência material à ascendente portadora de deficiência não se trata de uma faculdade, mas sim, de uma obrigação inafastável.
Outrossim, denota-se que a autora reside em imóvel próprio e que as condições materiais da moradia atendem às necessidades básicas do grupo familiar composto por duas pessoas, não sendo identificados indícios de miserabilidade.
Portanto, conclui-se que as circunstâncias apuradas no caso concreto evidenciam a superação do estado de miserabilidade presumido nos termos do IRDR nº 12.
Logo, não obstante a renda familiar per capita declarada pelo grupo familiar seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, forçoso é reconhecer que o contexto sócio-econômico comprovado nos autos não se enquadra na tese do IRDR nº 12 do TRF da 4ª Região.
Destarte, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso da parte autora.
Registre-se que, a prevalecer o posicionamento da Turma Recursal, retornaria-se ao status quo anterior à fixação da tese do IRDR 12/TRF4, no qual, ainda que a renda mensal per capita familiar se revelasse abaixo do patamar previsto em lei, pedidos de BPC eram negados judicialmente sob análise e fundamentação subjetivista das condições de habitação ou de vida.
Há de se concluir, portanto, que o órgão julgador reclamado, ao negar a prestação de benefício assistencial, contrariou o entendimento firmado no julgamento do IRDR 12/TRF4.
A reclamação, portanto, deve ser julgada procedente com fundamento nos arts. 988, IV, e § 4º, e 992 do CPC, a fim de cassar a decisão impugnada para que outra seja prolatada pela autoridade reclamada em conformidade com a tese jurídica firmada no IRDR 12/TRF4.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a reclamação.
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Reclamação (Seção) Nº 5014513-59.2025.4.04.0000/RS
RELATOR Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RECLAMAÇÃO. IRDR 12/TRF4. DECISÃO CONTRÁRIA AO PRECEDENTE OBRIGATÓRIO REGIONAL. EXISTÊNCIA DE TESE em sentido oposto FIRMADa PELA TNU. ausência de caráter vinculante. preponderância do irdr. PROCEDÊNCIA.
1. É cabível reclamação contra decisão que contrariar acórdão proferido em incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 988, IV, e 985, § 1º, do CPC).
2. A tese jurídica firmada por Tribunal Regional Federal em IRDR é de observância obrigatória em toda a região, inclusive para os Juizados Especiais Federais (art. 985, I, do CPC), e sua aplicação independe da existência de tese (anterior ou posterior) fixada pela Turma Nacional de Uniformização em sentido contrário, uma vez as decisões da TNU não possuem status de precedente vinculante.
3. No caso, a decisão impugnada, contrariou o acórdão do IRDR 12/TRF4 (O limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade). A existência da tese jurídica firmada pela TNU no julgamento do Tema 122 não constitui motivo suficiente para repelir a aplicação do precedente obrigatório regional ou para caracterizar distinção do caso em relação aos contornos do IRDR 12/TRF4. O precedente obrigatório somente poderia ser rechaçado em caso de reconhecida distinção, de revisão da tese pelo Tribunal que julgou o incidente ou de suplantação da tese por tribunal superior - nenhuma das hipóteses configuradas.
4. Assim, a reclamação deve ser julgada procedente com fundamento nos arts. 988, IV, e § 4º, e 992 do CPC, a fim de cassar a decisão impugnada para que outra seja prolatada pela autoridade reclamada em conformidade com a tese jurídica firmada no IRDR 12/TRF4.
5. Reclamação julgada procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de outubro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 23/10/2025
Reclamação (Seção) Nº 5014513-59.2025.4.04.0000/RS
RELATORA Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
PRESIDENTE Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 23/10/2025, na sequência 4, disponibilizada no DE de 13/10/2025.
Certifico que a 3ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª SEÇÃO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante Juíza Federal IVANISE CORRÊA RODRIGUES PEROTONI
Votante Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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