
Apelação Cível Nº 5035898-36.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença, publicada em 22/07/2024, que acolheu parcialmente os pedidos autorais, nos seguintes termos (ev.
):Ante o exposto,
JULGO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO o pedido de retirada do indicativo de extemporaneidade lançado no CNIS em relação às contribuições efetuadas por meio da UNIMED, e o faço com fulcro no art. 485, VI do CPC;
JULGO PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS formulados na inicial e extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar o INSS a:
a) AVERBAR como tempo comum os períodos de 01-07-2000 a 30-07-2000, 01-10-2000 a 31-10-2000, 01-03-2001 a 30-04-2001 e 01-09-2001 a 30-09-2001;
b) AVERBAR como tempo especial os períodos de 01-03-1992 a 08-06-1993, 01-05-1996 a 31-07-2002, 01-09-2002 a 31-12-2003 e 01-02-2004 a 12-11-2019, com o acréscimo de 20%;
c) IMPLANTAR o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (aposentadoria programada) a partir da data do requerimento administrativo (DER 10-07-2020), de acordo com as regras anteriores à EC nº 103-2019, sem a incidência do fator previdenciário;
d) CONSIDERAR, no cálculo da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria, a soma dos salários de contribuição, limitada ao teto, nos períodos em que houve o exercício de atividades concomitantes;
e) PAGAR os valores atrasados, respeitada a prescrição quinquenal, conforme cálculos a serem realizados em fase de execução.
Em razão do julgamento pelo plenário do STF dos Embargos de Declaração no RE 870.947, em 03-10-2019, definindo o tema 810, e da tese firmada no Tema 905 STJ, incide atualização monetária pelo INPC nos benefícios previdenciários e pelo IPCA-E nos assistenciais.
Juros de mora, contados a partir da citação, devidos no percentual de 0,5% ao mês, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494-1997, no período de julho-2009 a abril-2012, a partir de quando passam a seguir o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ou seja, 0,5% ao mês, enquanto a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos (MP nº 567-2012, convertida na Lei nº 12.703-2012).
Por força do art. 3º da EC nº 113-2021, a contar de 09-12-2021, aplicação da SELIC, uma única vez, englobando correção monetária e juros moratórios.
Foi deferido o benefício da gratuidade da justiça no evento 4.
Havendo sucumbência recíproca, com base no art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 8º, e 14 e no art. 86, ambos do CPC, fixo os honorários para cada um dos patronos. Sendo assim:
[a] condeno o INSS ao pagamento, a título de honorários sucumbenciais, de 10% dos valores atrasados, vencidos até a data da prolação da sentença (Súmula 111 do STJ);
[b] condeno a parte autora ao pagamento de honorários sucumbenciais ao INSS, consistente em 10% sobre a diferença entre o valor atualizado da causa, na data da sentença, e o valor dos atrasados na condenação.
Por ter sido deferido o benefício da assistência judiciária à parte autora, fica suspensa a exigibilidade enquanto perdurar o benefício. No entanto, o recebimento de valor expressivo pelo beneficiário, na via judicial, ainda que resultante do somatório de parcelas acumuladas ao longo do tempo, implica alteração da situação de hipossuficiência anterior, pelo menos para efeito de adimplemento das custas e despesas processais, incluindo a verba honorária, uma vez que denota uma capacidade financeira antes inexistente, a ser apurada em fase de cumprimento de sentença. Nesse sentido: (TRF4, AG 5046692-22.2020.4.04.0000, Quarta Turma, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 29-04-2021).
Publicação e registro eletrônicos. Intimem-se.
Sem reexame necessário, forte no art. 496, § 3º, I, do CPC. Interposto recurso voluntário, intime-se a parte apelada para contrarrazões e, oportunamente, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, nos termos do art. 1.010, §§1º e 3º do CPC.
Certificado o trânsito em julgado da ação e não remanescendo quaisquer providências a serem adotadas, arquivem-se os autos.
Em suas razões recursais, a autarquia previdenciára busca, em síntese, o afastamento da especialidade dos períodos de 01/03/1992 a 08/06/1993, 01/05/1996 a 31/07/2002, 01/09/2002 a 31/12/2003 e 01/02/2004 a 12/11/2019, sob os seguintes argumentos: imprestabilidade do formulário PPP para o fim de reconhecimento da especialidade, pois não conta com indicação do responsável técnico pelos registros ambientais; imprestabilidade de laudo judicial, pois baseado apenas em informações prestadas pelo segurado; ausência de habitualidade e permanência da exposição a agentes biológicos; impossibilidade de cômputo especial de labor prestado por contribuinte individual a partir de 29/04/1995; e ausência de prévia fonte de custeio (ev.
).Contrarrazões no ev.
.Foram os autos remetidos a esta Corte para novo julgamento.
Era o que cabia relatar.
VOTO
1. Do juízo de admissibilidade recursal. Apelação do INSS. Razões recursais dissociadas dos fundamentos da decisão recorrida
À luz do estatuído no art. 1.010 do CPC, dentre outros elementos, o recurso de apelação deve apresentar no seu bojo a exposição do fato e do direito (inciso II) e as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade (inciso III), tratando-se, portanto, de requisitos de admissibilidade da apelação. Por outras palavras, a parte deve expressar as razões de fato e de direito que ensejaram a sua inconformidade com a decisão prolatada, sob pena de não conhecimento do recurso.
Ora, de acordo com o princípio da dialeticidade recursal, exige-se "que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-os ao debate com a parte contrária" (THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil. vol. 3. 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 827).
Acaso a parte recorrente apresente razões genéricas e/ou dissociadas dos fundamentos sentenciais, o recurso não deve vencer o juízo de admissibilidade. Nesse sentido, dispõe o art. 932, inciso III, do CPC que incumbe ao relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida".
A propósito do tema, trago à baila julgados desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. RAZÕES DISSOCIADAS. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. Não conhecida a remessa necessária, considerando que, por simples cálculos aritméticos, é possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 salários mínimos (artigo 496 do CPC). 2. A impugnação dos fundamentos da decisão recorrida é requisito essencial da petição de qualquer recurso por respeito ao princípio da dialeticidade recursal. Estando as razões do recurso em exame dissociadas dos fundamentos da sentença, inviável o seu conhecimento. (TRF4 5018561-13.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 04/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO. INTERESSE DE AGIR. REVISÃO DE BENEFÍCIO. TETO. 1. Não se conhece da apelação, por ausência de requisito de admissibilidade, no ponto em que deixa o apelante de atacar especificamente os fundamentos da sentença em suas razões recursais, caracterizando a deficiente fundamentação do recurso. 2. Considerando que o salário de benefício foi apurado em valor inferior ao teto vigente na data da concessão, não tendo havido limitação ao teto, e ausentes revisões do salário de benefício, a parte autora não tem interesse na readequação da renda mensal aos novos limites de salário de contribuição estabelecidos pelas Emendas Constitucionais n. 20/1998 e n. 41/2003. 3. Feito extinto por falta de interesse de agir, com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil, quanto à revisão dos tetos. Sobrevindo eventual revisão do salário de benefício a ponto de elevá-lo ao teto do salário de contribuição, a parte autora poderá buscar, em nova ação, a revisão com base na definição de teto futuro. (TRF4, AC 5014055-29.2018.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 01/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO DA PARTE AUTORA QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. 1. Não se conhece da apelação que não ataca os fundamentos da sentença, ou seja, que não atende ao requisito do art. 1.010, II, do CPC. 2. Hipótese em que a Autarquia Previdenciária, em sua peça de apelação, limita-se a reproduzir o conteúdo decisório da via administrativa e tecer considerações genéricas acerca das regras atinentes ao reconhecimento de tempo especial, sem vinculá-las ao caso concreto e sem impugnar os fundamentos da sentença. 3. Não há interesse recursal em apelação que pretenda exclusivamente a ampliação de fundamentos referentes a períodos especiais já reconhecidos em sentença, tendo em vista que apenas a parte dispositiva da decisão é apta a produzir coisa julgada material, nos termos do artigo 504 do CPC. Caso o Tribunal venha a afastar os fundamentos que ensejaram o reconhecimento pelo magistrado a quo, a apelação da parte adversa devolverá ao tribunal automaticamente o conhecimento dos demais fundamentos invocados no processo (art. 1.013, §2º, CPC). (TRF4 5022745-46.2019.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 04/08/2022)
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que "São insuficientes ao cumprimento do dever de dialeticidade recursal as alegações genéricas de inconformismo, devendo a parte recorrente, de forma clara, objetiva e concreta, demonstrar o desacerto da decisão impugnada" (AgInt no AREsp n. 801.522/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 9/9/2019, DJe de 13/9/2019); bem como que "A dissociação entre as razões articuladas no agravo interno e os reais fundamentos da decisão agravada expõe a deficiência da argumentação e impede o conhecimento do agravo interno" (AgInt na Rcl n. 43.262/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 20/9/2022, DJe de 23/9/2022).
No caso dos autos, no que tange ao período de 01/03/1992 a 08/06/1993, o juízo sentenciante reconheceu a especialidade pelo enquadramento em categoria profissional. Não obstante, as razões recursais da autarquia não tratam do tema, já que voltada à exposição a agentes biológicos em conformidade com a prova técnica produzida nos autos.
No mais, destaco que os argumentos do INSS acerca da valoração de formulário PPP sem a indicação de responsável técnico e de laudo judicial com base, unicamente, em declarações do segurado também estão desvinculados da matéria e da fundamentação invocada na sentença.
Conforme se depreende da análise processual, esta Turma, no ev.
-2, anulou a sentença extamente pela ausência de indicação de responsável técnico no formulário PPP e, por tal motivo, determinou-se a realização de prova pericial. Tal prova, valorada na sentença para fins de reconhecimento da especialidade, foi produzida no ev. , tendo o perito afirmado, expressamente, que a metodologia envolveu "Entrevista, inspeção e registro fotográfico de ambiente atual de trabalho da autora". Ou seja, o perito compareceu presencialmente no Hospital em que prestado o labor pela parte autora, de forma que a argumentação da autarquia está totalmente desconexa da realidade dos autos.Destaco, inclusive, que o perito assim respondeu o quesito específico da autarquia (p. 14):
Não é demais dizer que o perito acostou diversas fotografias do local de trabalho da parte autora, especialmente o setor de diálise (p. 7-8).
Assim, tenho que a argumentação da autarquia, para além de estar dissociada dos fundamentos sentenciais e da realidade processual, beira a litigância de má-fé (art. 80 do CPC).
Ante o exposto, não conheço da apelação do INSS, no(s) referido(s) ponto(s), uma vez que suas razões estão dissociadas dos fundamentos da decisão recorrida.
2. Prescrição quinquenal
Em se tratando de benefício previdenciário de prestação continuada, a prescrição não atinge o fundo de direito, mas somente os créditos relativos às parcelas vencidas há mais de 5 (cinco) anos, contados da data do ajuizamento da ação, consoante a iterativa jurisprudência dos Tribunais. A prescrição quinquenal das prestações vencidas não reclamadas, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, historicamente sempre vigorou em ordenamento jurídico próprio, estando prevista atualmente no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.
Dito isso, tendo a parte autora ajuizado a presente demanda em 18/11/2021 inexistem parcelas prescritas, porque não transcorrido um lustro entre as datas de entrada do requerimento administrativo (10/07/2020) e de propositura da ação.
3. Limites da controvérsia
Não se tratando de hipótese de remessa necessária e diante das razões recursais, tem-se que a(s) questão(ões) controvertida(s) nos autos cinge(m)-se à (im)possibilidade de reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/05/1996 a 31/07/2002, 01/09/2002 a 31/12/2003 e 01/02/2004 a 12/11/2019.
Pois bem.
4. Do tempo especial no caso concreto
Na espécie, estas foram as condições de labor apresentadas:
Período(s): 01/05/1996 a 31/07/2002, 01/09/2002 a 31/12/2003 e 01/02/2004 a 12/11/2019.
Empresa(s): contribuinte individual (médico) perante a Irmandade do Senhor Jesus dos Passos e Imperial Hospital de Caridade.
Função(ões): médico nefrologista.
Agente(s) nocivo(s): agentes biológicos.
Enquadramento legal:
*[agentes biológicos]: Código 1.3.2 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64; Código 1.3.4 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79; Códigos 3.0.1 dos Anexos IV dos Decretos nº 2.172/97 e 3.048/99 e Anexo 14 da NR nº 15 do MTE.
Prova(s): anotação do vínculo previdenciário no CNIS (ev.
, p. 63); formulário PPP, sem indicação do responsável técnico pelos registros ambientais (ev. , p. 10-11); declaração da UNIMED Florianópolis acerca das contribuições rpevidenciárias recolhidas em nome da parte autora (ev. , p. 12-17); laudo judicial (ev. ).Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no(s) período(s) antes indicado(s), conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição a agentes biológicos. Explico.
4.1 Da possibilidade de cômputo de tempo especial pelo labor prestado por contribuinte individual
Inicialmente, ressalto que a falta de previsão legal para o autônomo recolher um valor correspondente à aposentadoria especial não pode obstar-lhe o reconhecimento da especialidade, o que se constituiria em ato discriminatório, se ele exerceu a atividade enquadrável como especial.
De fato, é assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a orientação de que "o artigo 57 da Lei 8.213/91 não traça qualquer diferenciação entre as diversas categorias de segurados, permitindo o reconhecimento da especialidade da atividade laboral exercida pelo segurado contribuinte individual. O artigo 64 do Decreto 3.048/99 ao limitar a concessão do benefício aposentadoria especial e, por conseguinte, o reconhecimento do tempo de serviço especial, ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado, extrapola os limites da Lei de Benefícios que se propôs a regulamentar, razão pela qual deve ser reconhecida sua ilegalidade. Destarte, é possível o reconhecimento de tempo de serviço especial ao segurado contribuinte individual não cooperado, desde que comprovado, nos termos da lei vigente no momento da prestação do serviço, que a atividade foi exercida sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou sua integridade física" (grifos meus) (AgRg no Resp 1.540.164, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/10/2015).
No mesmo sentido, as decisões proferidas pelo STJ no julgamento do REsp 1.436.794, do AgRg no Resp 1.422.313, AgRg no REsp 1.535.538 e AgRg no REsp 1.555.054.
Realmente, "quanto ao reconhecimento de tempo especial na condição de contribuinte individual, esclareço que a Lei n. 8.213/91, ao mencionar a aposentadoria especial no artigo 18, inciso I, alínea “d”, como um dos benefícios devidos aos segurados, não faz nenhuma diferença entre as categorias de segurados. A dificuldade do contribuinte individual de comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não justifica negar a possibilidade de reconhecimento de atividade especial" (STJ, Resp nº 1.585.009/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/03/2016).
Com efeito, nunca houve na legislação sobre a matéria vedação envolvendo o reconhecimento da natureza especial das atividades exercidas pelos contribuintes individuais (antigos autônomos), e assim tratamento normativo nesse sentido implicaria afronta injustificável ao princípio da isonomia, considerando que o fato gerador do benefício em tela sempre foi o exercício de labor em condições insalubres, penosas ou perigosas, desde a redação original do art. 31 da Lei nº 3.807/60 (atualmente, o art. 57 da Lei nº 8.213/91 utiliza a expressão condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física).
A Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 2008.71.95.002186-9, ocorrido em 29/03/2012 (DOU 27/04/2012), aliás, firmou a seguinte tese jurídica, consolidada com a edição da Súmula nº 62: "O segurado contribuinte individual pode obter reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários, desde que consiga comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física".
O fundamento da Súmula é idêntico ao adotado pelo STJ, segundo se infere do assentado pela TNU no julgamento do PEDILEF nº 2009.71.95.001907-7 (DOU 09/03/2012): "Ao contribuinte individual é reconhecido o direito à aposentadoria especial, eis que não há na Lei n. 8.213/91 vedação à concessão do referido benefício a essa categoria de segurados. Atos administrativos do INSS não podem estabelecer restrições que não são previstas na legislação de regência".
Não há falar em afronta ao art. 195, § 5º, da Constituição Federal, ao argumento de que a Lei nº 9.732/98 criou contribuição para financiar a aposentadoria especial e que a contribuição só incide sobre as remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, não alcançando os segurados contribuintes individuais.
Sobre a questão, a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 2008.71.95.002186-9, concluiu que "a falta de previsão legal de contribuição adicional para aposentadoria especial (alíquota suplementar de riscos ambientais do trabalho) sobre salário de contribuição de segurado contribuinte individual não impede o reconhecimento de tempo de serviço especial. Do contrário, não seria possível reconhecer condição especial de trabalho para nenhuma categoria de segurado antes da Lei n. 9.732/98, que criou a contribuição adicional".
Dessa forma, a TNU considerou que já existia previsão de fonte de custeio de aposentadoria especial para todas as categorias de segurado desde antes da Lei nº 9.732/1998 e que a superveniência da criação de fonte de custeio adicional e específica não eliminaria a anterior fonte de custeio. Dessa forma, admitida a hipótese de que antes da Lei nº 9.732 não havia fonte de custeio para a aposentadoria especial, não teria sido possível conceder esse benefício para qualquer categoria de segurado antes da vigência da referida lei.
Nesse sentido, para evitar tautologia, adoto os fundamentos de excerto de voto do Relator Desembargador Federal Celso Kipper (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000024-65.2009.404.7210/SC, DE 31-10-2012):
De outra banda, é verdade que, a teor do art. 195, § 5º, da Constituição Federal, nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
No entanto, para a concessão de aposentadoria especial ou conversão de tempo exercido sob condições especiais em tempo de trabalho comum, previstas nos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios, existe específica indicação legislativa de fonte de custeio: o parágrafo 6º do mesmo art. 57 supracitado, combinado com o art. 22, inc. II, da Lei n. 8.212/91, os quais possuem o seguinte teor:
Art. 57 - (...) § 6º - O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inc. II do art. 22 da Lei 8.212, de 24/07/91, cujas alíquotas serão acrescidas de 12, 9 ou 6 pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.
Art. 22 - (...) II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Ademais, não vejo óbice ao fato de a lei indicar como fonte do financiamento da aposentadoria especial e da conversão de tempo especial em comum as contribuições a cargo da empresa, pois o art. 195, caput e incisos, da Constituição Federal, dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, dentre outras ali elencadas, das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei.
Por fim, ressalto que, a rigor, sequer haveria, no caso, necessidade de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), hipótese em que sua concessão independe de identificação da fonte de custeio (STF, RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03-03-1998; RE n. 170.574, Primeira Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 31-05-1994; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20-11-2007; ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30-10-1997; RE n. 215.401-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 26-08-1997; AI n. 553.993, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 28-09-2005), regra esta dirigida à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Diante dessas considerações, havendo prova do efetivo exercício de atividades em condições nocivas à saúde do trabalhador na condição de contribuinte individual e comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, não há óbice ao cômputo do tempo de serviço como especial.
4.2 Da exposição a agentes biológicos
Quanto à exposição do segurado a agentes biológicos, ressalto que o código 3.0.1 do anexo IV ao Decreto nº 3.048/99 não exige que o trabalho do profissional de saúde se dê em ambiente isolado, em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. Ao contrário, a interpretação do preceito legal indica que é suficiente o trabalho em ambiente hospitalar em contato direto com pacientes doentes, entre eles os portadores de moléstias infecto-contagiantes. O risco de contágio é iminente e pode se dar mediante um único contato do profissional com o paciente portador de tais enfermidades ou com o material contaminado, restando configurada a especialidade objeto da norma previdenciária.
Na esteira deste entendimento, o próprio INSS alterou a sua orientação no âmbito administrativo, tendo em conta que a IN/INSS nº 77/2015 revogou o art. 244, parágrafo único, da IN/PREs nº 45, que exigia, para o cômputo de tempo especial do profissional de saúde, o trabalho exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas em áreas de isolamento. Tal entendimento foi mantido com a IN/INSS nº 128/2022 (art. 299).
Conforme dispõe a NR-15 do MTE, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo 14, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados.
Analisadas as atividades desenvolvidas pela parte autora, descritas no formulário PPP e confirmadas no laudo judicial, conclui-se que era ínsito ao labor a realização de procedimentos em contato com pacientes, suficientes para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador, tais como vírus, bactérias, protozoários, bacilos, parasitas, fungos e outros microorganismos.
Não é demais dizer que o perito judicial concluiu que "no atendimento e assistência de pacientes em processo de diálise, no acompanhamento e tratamento pós-operatório, atendimento em geral, etc, a exposição a agentes biológicos via transmissão direta e indireta era inerente ao exercício da atividade profissional" (ev.
, p. 12).Oportunamente, destaco que ainda que a parte autora também realizasse tarefas administrativas, é possível afirmar que em razoável parcela da sua jornada de trabalho ela, diuturna e continuamente, estava em contato com os agentes nocivos no seu ambiente de trabalho. As provas produzidas permitem concluir que além das atividades em contato com pacientes/materiais infectocontagiantes, eram exercidas atividades de cunho burocrático.
No ponto, ressalte-se que "A exposição a agentes biológicos decorrentes do contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou materiais infecto-contagiantes enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. (...) A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes." (TRF4, AC 5001810-72.2017.4.04.7212, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 19/03/2021). "Conforme entendimento firmado pela 3ª Seção deste Tribunal Regional Federal, é cabível o reconhecimento da especialidade do trabalho exercido sob exposição a agentes biológicos. A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio sempre presente." (TRF4, AC 5026636-17.2015.4.04.9999, DECIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 27/08/2019).
Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
A Turma Nacional de Uniformização, sobre a questão altercada, já se pronunciou no sentido de que "a identificação entre o conceito de permanência com integralidade da jornada, constante na redação original do regulamento da previdência – Decreto 3.048/99 [Art. 65. Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante a jornada integral, em cada vínculo trabalhista, sujeito a condições especiais...] já foi abandonada pela própria Previdência Social há quase uma década, quando o Decreto 4.882/2003 deu nova redação ao dispositivo, relacionando o conceito de permanência ao caráter indissociável da exposição em relação à atividade, e não mais à integralidade da jornada [Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço]". (PEDILEF nº 244-06.2010.4.04.7250/SC, Relator Juiz Federal André Carvalho Monteiro, DJ 17/05/2013, DOU 31/05/2013).
Na mesma toada, a TNU, no julgamento do PEDILEF nº 0501219-30.2017.4.05.8500/SE, representativo de controvérsia (Tema 211), concluiu por firmar a tese no sentido de que, "Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada." (Relator Juiz Federal Bianor Arruda Bezerra Neto, trânsito em julgado em 12/02/2020).
Além disso, a nocividade do trabalho não foi neutralizada pelo uso de EPI.
A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89.
A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que "O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial" (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).
Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere da leitura do art. 291 da IN/INSS nº 128/2022.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, na sessão de julgamento realizada em 22/11/2017, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que "a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário" (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. "Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório".
Ademais, em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se no bojo do IRDR 15 deste Regional ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS em 2017, aprovado pela Resolução nº 600, de 10/08/2017, "como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação".
Com base nesse entendimento, a responsabilização do contribuinte individual pela utilização de EPI se revela, ao fim e ao cabo, irrelevante. Sobre a discussão, este Regional já ponderou que "Mesmo que se entenda que o contribuinte individual é responsável pela higidez das próprias condições de trabalho, não é possível afastar o tempo especial dada a reconhecida ineficácia dos EPIs com relação ao labor exercido com a exposição do trabalhador a agentes biológicos" (TRF4, AC 5000452-04.2019.4.04.7115, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 15/03/2022). No mesmo sentido e no âmbito desta 9ª Turma, concluiu-se que: "Embora o segurado contribuinte individual que exerce atividade nociva figure como o único responsável pelo resguardo de sua integridade física, recaindo sobre ele o ônus de se preservar dos efeitos deletérios do trabalho, mediante efetivo emprego de EPIs, em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no julgamento do Tema nº 15 deste Regional, ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS e aprovado pela Resolução nº 600/17, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação" (TRF4, AC 5001312-65.2020.4.04.7213, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 25/05/2021).
Nessa senda, sob a ótica da exposição a agentes biológicos, concluo ser devido o reconhecimento da especialidade do labor prestado nos períodos de 01/05/1996 a 31/07/2002, 01/09/2002 a 31/12/2003 e 01/02/2004 a 12/11/2019.
5. Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, § 5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
6. Da conclusão quanto ao tempo de serviço
Possível o reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/05/1996 a 31/07/2002, 01/09/2002 a 31/12/2003 e 01/02/2004 a 12/11/2019.
7. Da análise do direito da parte autora à concessão do benefício
7.1 Aposentadoria por tempo de contribuição
Sobre a aposentadoria por tempo de contribuição, trago à baila breves apontamentos sobre a sua previsão ao longo do tempo, como bem sintetizado pelo Des. Federal João Batista Pinto Silveira, no voto condutor de acórdão recentemente prolatado pela 6ª Turma deste Regional (TRF4, AC 5018213-40.2017.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/07/2022):
Em razão da promulgação da Emenda Constitucional 20/1998, em 16/12/1998, houve alteração das regras inicialmente consagradas pela Lei nº 8.213/1991 para a aquisição do direito à aposentadoria. Assim, a então chamada Aposentadoria por Tempo de Serviço foi extinta, sendo instituídas novas regras para o alcance da Aposentadoria por Tempo de Contribuição.
Ressalte-se, entretanto, que a referida Emenda, em seu art. 3.º, ressalvou o direito adquirido dos segurados que, até a data de sua publicação, haviam preenchido os requisitos legais para a concessão de benefício previdenciário, bem como introduziu a Regra de Transição (art. 9.º), a qual assegura a concessão de Aposentadoria por Tempo de Contribuição proporcional ou integral ao segurado filiado ao RGPS até a data de publicação dessa emenda.
Já a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, a Aposentadoria por Tempo de Contribuição foi extinta, tendo sido unificada com a Aposentadoria por Idade, através da adoção do requisito etário, aliado ao tempo mínimo de contribuição. Essa nova modalidade de inativação vem sendo chamada de Aposentadoria Programada ou também de Aposentadoria Voluntária.
Assim, a depender da data em que o segurado tiver adquirido o direito à aposentação (momento de implementação dos requisitos), poderão incidir no caso concreto as seguintes hipóteses:
1) Aposentadoria por Tempo de Serviço pelas regras anteriores à EC 20/1998, proporcional ou integral, com limitação do tempo de serviço e carência em 16.12.1998, data da promulgação da EC 20/1998: exige-se o implemento da carência (prevista art. 142 da Lei n.º 8.213/1991) e do tempo de serviço mínimo de 25 anos para a segurada ou 30 anos para o segurado, o que corresponderá a 70% do salário de benefício, e será acrescido de 6% (seis por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que dará ensejo à inativação integral (conforme previsto nos arts. 142, 52 e 53, I e II, todos da Lei n.º 8.213/91).
2) Aposentadoria pelas regras de transição da EC 20/1998, proporcional ou integral: para a inativação proporcional é preciso o implemento da carência (art. 142 da Lei n.º 8213/1991); do tempo de contribuição mínimo de 25 anos, se mulher, ou 30 anos, se homem; da idade mínima de, respectivamente, 48 anos ou 53 anos e, ainda, do pedágio de 40% do tempo que, em 16.12.1998, faltava ao segurado para atingir aquele mínimo necessário à outorga da inativação (art. 9.º, § 1.º, I, "a" e "b", da EC n.º 20/1998), ao que corresponderá 70% do salário de benefício, e será acrescido de 5% (cinco por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que corresponderá à inativação integral (inciso II da norma legal antes citada). Ressalte-se que não é aplicável a exigência da idade e do pedágio previstos para a concessão da aposentadoria integral, porquanto mais gravosa ao segurado, entendimento, inclusive, do próprio INSS (Instrução Normativa INSS/DC 57/2001), mantido nos regramentos subsequentes.
3) Aposentadoria por Tempo de Contribuição pelas regras da EC 20/1998, com limitação do tempo de contribuição e carência em 13.11.2019, data da promulgação da EC 103/2019: é devida ao segurado que, cumprindo a carência exigida (art. 142 da Lei n.º 8213/1991), completar 30 anos de contribuição, se mulher, ou 35 anos de contribuição, se homem.
4) Aposentadoria por Idade, Programada ou Voluntária, pelas regras da EC 103/2019, para os segurados que se filiarem à Previdência Social a partir de 13.11.2019, data da promulgação da EC nº 103/2019, cujos requisitos são o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para a mulher ou 20 anos para o homem (art. 19, EC 103/2019), além da idade mínima de 62 anos para a mulher ou 65 anos para o homem (art 201, § 7°, I, CF).
Para os segurados do sexo masculino já filiados ao sistema até a data da promulgação da EC 103/2019, mas que somente implementam os requisitos à inativação após essa data, o art. 18 da referida emenda estabelece que o tempo de contribuição mínimo é de 15 anos. Para as seguradas que também já eram filiadas à Previdência Social em 13.11.2019 mas que computarem tempo de contribuição posterior a essa data para a aquisição do direito ao benefício, a regra de transição do art. 18 estabelece redução temporária do requisito etário, para 60 anos em 2019, aumentando 6 meses de idade a cada ano civil a partir de 01.01.2020, atingindo o limite de 62 anos (regra permanente) em 2023.
5) Aposentadoria por Idade, Programada ou Voluntária pelas regras de transição da EC 103/2019: o texto da EC 103/2019 estabeleceu ainda algumas regras de transição aplicáveis aos segurados que já estavam filiados à Previdência Social na data da promulgação do novo regramento. São elas:
5.a) Aposentadoria Programada pela regra de transição dos pontos progressivos (art. 15, EC 103/2019): a aposentadoria é devida ao segurado que cumprir 30 anos de contribuição, se mulher, ou 35 anos de contribuição, se homem, além de implementar um valor mínimo de pontos, resultantes da soma da idade do segurado com seu tempo de contribuição, sendo essa pontuação variável anualmente, iniciando-se em 2019 com 86 pontos para mulher ou 96 pontos para o homem, até atingir 100 pontos para a mulher ou 105 para o homem. Salienta-se que a progressão de um ponto por ano estabelecida pela Emenda Constitucional atinge o limite para as seguradas do sexo feminino (100 pontos) em 2033, e, para os segurados homens (105 pontos), em 2028;
5.b) Aposentadoria Programada pela regra de transição da idade progressiva (art. 16, EC 103/2019): a aposentadoria é devida ao segurado que cumprir 30 anos de contribuição, se mulher, ou 35 anos de contribuição se homem, além de implementar a idade mínima, variável de acordo com o ano da concessão da inativação, iniciando-se em 2019 com 56 anos de idade para a mulher ou 61 anos para o homem, e chegando até os limites de 62 anos para a mulher ou 65 anos para o homem. Salienta-se que a regra estabelece uma progressão no requisito etário de seis meses de idade por ano civil a partir de 01.01.2020, até atingir os limites de 62 anos para a mulher, em 2031 e de 65 anos para o homem, em 2027;
5.c) Aposentadoria Programada pela regra de transição do pedágio (art. 17, EC 103/2019): a aposentadoria é devida ao segurado que cumprir o tempo de contribuição de 28 anos, se mulher, ou 33 anos, se homem, até a data da promulgação da EC 103/2019, bem como o tempo de contribuição de 30 anos, se mulher, ou 35 anos, se homem, na DER, além de um pedágio equivalente a 50% do tempo que faltava, na data da promulgação da EC 103/2019, para atingir o tempo de contribuição de 30/35 anos;
5.d) Aposentadoria Programada pela regra de transição da idade com pedágio (art. 20, EC 103/2019): a aposentadoria é devida ao segurado que cumprir o tempo de contribuição de 30 anos, se mulher, ou 35 anos, se homem, na DER, bem como a idade mínima de 57 anos, se mulher, ou 60 anos, se homem, além de um pedágio equivalente a 100% do tempo que faltava, na data da promulgação da EC 103/2019, para atingir o tempo de contribuição de 30/35 anos.
Quanto ao fator de conversão, deve ser observada a relação existente entre os anos de trabalho exigidos para a aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição na data do implemento das condições e os anos exigidos para a obtenção da aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos de tempo de atividade, conforme o caso).
Em se tratando de benefício a ser deferido a segurado que implementou as condições já na vigência da Lei nº 8.213/91, como sabido, a concessão do benefício depende da comprovação de 35 anos de tempo de serviço ou de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Nesse contexto, a relação a ser feita para a obtenção do fator aplicável para a conversão do tempo de serviço especial para comum, quando se trata de enquadramento que justifica a aposentadoria aos 25 anos de atividade, é de 25 anos para 35, se homem, e 25 anos para 30, se mulher, resultando, assim, num multiplicador de 1,4 para aquele e 1,2 para esta.
Prestado o serviço sob a égide de legislação que o qualifica como especial, o segurado adquire o direito à consideração como tal até quando possível a conversão. A conversão, todavia, só pode ser disciplinada pela lei vigente à data em que implementados todos os requisitos para a concessão do benefício. Não se pode confundir critério para reconhecimento de especialidade com critério para concessão de benefício, aí incluídas a possibilidade e a sistemática de conversão de tempo especial pretérito.
O Decreto nº 3.048/99, em seu art. 70, determina a utilização do fator 1,40 quanto ao homem e 1,20 quanto à mulher para a conversão do tempo especial sob regime de 25 anos, independentemente da data em que desempenhada a atividade.
Porém, após a vigência da EC nº 103/2019, vedou-se a conversão do tempo especial em comum (art. 25, § 2º).
No caso, essa é a contagem de tempo de contribuição da parte autora:
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM (com conversões)
Data de Nascimento | 09/08/1963 |
---|---|
Sexo | Feminino |
DER | 10/07/2020 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da Reforma - EC nº 103/19 (13/11/2019) | 24 anos, 3 meses e 13 dias | 292 carências |
Até a DER (10/07/2020) | 24 anos, 11 meses e 10 dias | 300 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | tempo especial reconhecido na sentença | 01/03/1992 | 08/06/1993 | 0.20 Especial | 1 anos, 3 meses e 8 dias + 1 anos, 0 meses e 6 dias = 0 anos, 3 meses e 2 dias | 0 |
2 | tempo especial reconhecido na sentença | 01/05/1996 | 31/07/2002 | 0.20 Especial | 5 anos, 10 meses e 0 dias + 4 anos, 8 meses e 0 dias = 1 anos, 2 meses e 0 dias (*) Ajustada concomitância | 0 |
3 | tempo especial reconhecido na sentença | 01/09/2002 | 31/12/2003 | 0.20 Especial | 1 anos, 4 meses e 0 dias + 1 anos, 0 meses e 24 dias = 0 anos, 3 meses e 6 dias | 0 |
4 | tempo especial reconhecido na sentença | 01/02/2004 | 12/11/2019 | 0.20 Especial | 15 anos, 10 meses e 0 dias + 12 anos, 7 meses e 16 dias = 3 anos, 2 meses e 14 dias | 0 |
5 | tempo comum e especial reconhecido na sentença | 01/07/2000 | 30/07/2000 | 1.20 Especial | 0 anos, 1 meses e 0 dias + 0 anos, 0 meses e 6 dias = 0 anos, 1 meses e 6 dias | 1 |
6 | tempo comum e especial reconhecido na sentença | 01/10/2000 | 31/10/2000 | 1.20 Especial | 0 anos, 1 meses e 0 dias + 0 anos, 0 meses e 6 dias = 0 anos, 1 meses e 6 dias | 1 |
7 | tempo comum e especial reconhecido na sentença | 01/03/2001 | 30/04/2001 | 1.20 Especial | 0 anos, 2 meses e 0 dias + 0 anos, 0 meses e 12 dias = 0 anos, 2 meses e 12 dias | 2 |
8 | tempo comum e especial reconhecido na sentença | 01/09/2001 | 30/09/2001 | 1.20 Especial | 0 anos, 1 meses e 0 dias + 0 anos, 0 meses e 6 dias = 0 anos, 1 meses e 6 dias | 1 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da Reforma - EC nº 103/19 (13/11/2019) | 29 anos, 7 meses e 18 dias | 297 | 56 anos, 3 meses e 4 dias | 85.8944 |
Até a DER (10/07/2020) | 30 anos, 4 meses e 2 dias | 305 | 56 anos, 11 meses e 1 dias | 87.2583 |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Em 13/11/2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - art. 3º da EC 103/2019), a segurada não tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 30 anos. Ainda, não tem interesse na aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (regras de transição da EC 20/98) porque o pedágio da EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I, é superior a 5 anos.
Em 10/07/2020 (DER), a segurada: a) tem direito à aposentadoria conforme art. 16 das regras de transição da EC 103/19 porque cumpre o tempo mínimo de contribuição (30 anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e a idade mínima (56.5 anos). O cálculo do benefício deve ser feito conforme art. 26, §§ 2º e 5º da mesma Emenda Constitucional. Desnecessária a análise do direito conforme o art. 15 da EC 103/19 porque é benefício equivalente ao que a parte já tem direito; b) tem direito à aposentadoria conforme art. 17 das regras de transição da EC 103/19 porque cumpre o tempo mínimo de contribuição até a data da entrada em vigor da EC 103/19 (mais de 28 anos), o tempo mínimo de contribuição (30 anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e o pedágio de 50% (0 anos, 2 meses e 6 dias). O cálculo do benefício deve ser feito conforme art. 17, parágrafo único, da mesma Emenda Constitucional ("média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991"); c) não tem direito à aposentadoria conforme art. 20 das regras de transição da EC 103/19, porque não cumpre a idade mínima (57 anos) e nem o pedágio de 100% (0 anos, 4 meses e 12 dias).
No ponto, destaco que, apesar de o juízo sentenciante ter reconhecido que a parte autora fazia jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição conforme as regras anteriores à EC n° 103/2019, parece-me, salvo melhor juízo, que houve um erro de cálculo no somatório do tempo de serviço.
Isso porque o juízo a quo considerou o tempo reconhecido pelo INSS na DER (10/07/2020) e procedeu à soma com o período reconhecido judicialmente para fins de análise do direito em 13/11/2019 (data de entrada em vigor da Reforma da Previdência). Porém, não poderia ter considerado o somatório administrativo de 24 anos, 11 meses e 10 dias (tempo apurado em 10/07/2020), mas sim o de 24 anos, 3 meses e 13 dias, pois esse foi o total computado pelo INSS em 13/11/2019 (vide ev.
, p. 124).No ponto, destaco que o art. 494, I, do CPC permite a correção pelo juiz, de ofício ou a requerimento, de inexatidões materiais ou erros de cálculo, sendo essa a hipótese dos autos.
8. Do direito ao melhor benefício
A teor da regra inserta no art. 122 da Lei nº 8.213/91, o segurado tem direito à implantação do benefício mais vantajoso, "pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no julgamento do RE nº 630.501/RS" (Relatora Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJE 26/08/2013). A análise da jurisprudência deste Tribunal acena na mesma direção, conforme se infere dos precedentes abaixo reproduzidos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RETROAÇÃO DA DIB PARA A DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. 1. Segundo decisão do Plenário do Egrégio STF (RE nº 630501), o segurado do regime geral de previdência social tem direito adquirido ao benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a jubilação. 2. Se, no segundo processo administrativo, ficar demonstrado que o segurado reunia os requisitos para o benefício já quando do primeiro requerimento administrativo, é devida a retroação da DIB para a primeira DER. Precedentes desta Corte. (TRF4, AC 5000732-82.2021.4.04.9999, 9ª TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/06/2021)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO COM OU SEM A INCIDÊNCIA DE FATOR PREVIDENCIÁRIO. OPÇÃO PELO MELHOR BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Ao julgar a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 630.501/RS, em 21-02-2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria de votos, que, em reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício, ainda que sob a vigência de uma mesma lei, teria o segurado direito a eleger o benefício mais vantajoso 2. É inconteste o direito do segurado à opção pelo melhor benefício, de modo que, em estando preenchidos os requisitos à aposentadoria por tempo de contribuição, apurada forma do art. 29, I, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.876/99, ou nos termos do art. 29-C do mesmo diploma, pode ele optar pela que lhe é mais vantajosa. 3. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral, com ou sem a incidência do fator previdenciário, na data do requerimento administrativo, devendo a Autarquia realizar os cálculos e implantar o benefício que resultar mais vantajoso, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91. (...) (TRF4, AC 5016607-74.2017.4.04.7205, 9ª TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/04/2021)
Idêntica orientação foi adotada administrativamente pelo INSS, sendo que, segundo o art. 688 da IN/INSS nº 77/2015, "Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles", o que foi mantido no art. 577 da IN/INSS nº 128/2022.
No caso dos autos, verifica-se que a parte autora faz jus (1) ao benefício de aposentadoria programada conforme o art. 16 das regras de transição da EC nº 103/2019, bem como (2) à aposentadoria programada conforme o art. 17 das regras de transição da EC nº 103/2019.
9. Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
9.1 Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
9.2 Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
9.3 Atualização monetária a partir de 09/12/2021
A partir de 09/12/2021, data da publicação da Emenda Constitucional nº 113/2021, aplicável a previsão contida no seu art. 3º, in verbis:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
9.4 Dos honorários advocatícios
Considerando o conjunto da postulação e o acolhimento de quase a totalidade dos períodos controvertidos, tenho que há sucumbência mínima da parte autora, cabendo ao INSS arcar com a integralidade das verbas inerentes, na forma do art. 86, p. ú., do CPC.
Assim, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, do CPC, vai fixada a verba honorária da fase de conhecimento em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmulas nº 111 do STJ).
Na eventualidade de o montante da condenação ultrapassar 200 salários mínimos, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.
Oportunamente, destaco que para a incidência da regra do art. 85, § 11, do CPC, o Tribunal da Cidadania exige a satisfação dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/03/2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente (vide Tema 1.059 do STJ); e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso (vide jurisprudência em teses do STJ, edição nº 129, tema 4).
No caso, satisfeitos todos os requisitos exigidos pelo STJ, majoro a verba honorária devida pelo INSS para 15% (quinze por cento) sobre a base de cálculo fixada
9.5 Das custas processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
10. Da tutela específica. Implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 1925226830 |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Tempo de Contribuição |
DIB | |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES | (*) Verifica-se que a parte autora faz jus à (i) aposentadoria programada conforme o art. 16 das regras de transição da EC nº 103/2019 ou (ii) aposentadoria programada conforme o art. 17 das regras de transição da EC nº 103/2019. Diante do direito da parte autora ao melhor benefício, caberá ao INSS realizar projeções e implantar o benefício mais vantajoso, assim considerado, a priori, aquele com a maior renda mensal. (*) Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada. (*) Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele. |
Requisite a Secretaria da 9ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
11. Conclusão
Apelação não conhecida quanto ao período de 01/03/1992 a 08/06/1993, imprestabilidade do formulário PPP e do laudo judicial, uma vez que dissociadas dos fundamentos da decisão recorrida e da realidade dos autos.
Sentença mantida quanto ao reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/05/1996 a 31/07/2002, 01/09/2002 a 31/12/2003 e 01/02/2004 a 12/11/2019.
Corrigido, de ofício, erro de cálculo/inexatidão material da sentença quanto ao somatóriodo tempo de contribuição e, por consequência, reconhecido o direito da parte autora à concessão do benefício de aposentadoria programada conforme o art. 16 ou 17 das regras de transição da EC n. 103/2019, resguardado o direito ao melhor benefício, a contar da DER (10/07/2020), desde quando são devidas as parcelas em atraso, acrescidas de juros de mora e correção monetária, na forma da fundamentação.
Reconhecida a sucumbência mínima da parte autora.
Majorada a verba honorária devida pelo INSS, na forma do art. 85, § 11, do CPC.
12. Dispositivo
Ante o exposto, voto por (i) conhecer em parte do apelo e, nessa extensão, negar-lhe provimento; (ii) de ofício, corrigir erro de cálculo/inexatidão material da sentença; e (iii) determinar a imediata implantação do melhor benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004721295v11 e do código CRC 897bea10.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5035898-36.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. VIOLAÇÃO À DIALETICIDADE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. MÉDICO NEFROLOGISTA. COMPROVADO. DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO.
1. Com fulcro no permissivo do art. 932, inciso III, do CPC, não se conhece do recurso no(s) ponto(s) em que apresenta razões genéricas e/ou dissociadas dos fundamentos sentenciais, por violação ao princípio da dialeticidade recursal. Precedentes.
2. A falta de previsão legal para o contribuinte individual recolher um valor correspondente à aposentadoria especial não pode obstar-lhe o reconhecimento da especialidade, o que se constituiria em ato discriminatório, se ele exerceu a atividade sujeita a agentes nocivos previstos na legislação de regência.
3. Para caracterizar a insalubridade em razão da sujeição a agentes biológicos, não se exige que o trabalho do profissional de saúde se dê em ambiente isolado, em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. É suficiente o labor em ambiente hospitalar ou em outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, em contato direto com pacientes doentes, entre eles os portadores de moléstias infecto-contagiantes, assim como com objetos contaminados. Isso porque o risco de contágio é iminente e pode se dar mediante um único contato do profissional com o paciente portador de tais enfermidades ou com o material contaminado, restando configurada a especialidade objeto da norma previdenciária.
3.1 Analisadas as atividades desenvolvidas pela parte autora, conclui-se que era ínsito ao labor a realização de procedimentos e atividades que a expunham a agentes biológicos, tais como vírus, bactérias, protozoários, bacilos, parasitas, fungos e outros microorganismos, caracterizando o risco à saúde do trabalhador.
4. Esta Corte, no julgamento do IRDR 15, decidiu que o uso de EPI não afasta a especialidade da atividade em se tratando dos agentes nocivos ruído, calor, radiações ionizantes, trabalhos sob condições hiperbáricas, de agentes biológicos, agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos e no caso de atividades exercidas sob condições periculosas.
4.1 Ademais, a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89.
5. Embora o segurado contribuinte individual que exerce atividade nociva figure como o único responsável pelo resguardo de sua integridade física, recaindo sobre ele o ônus de se preservar dos efeitos deletérios do trabalho, mediante efetivo emprego de EPI, não é possível afastar o tempo especial quando a utilização do equipamento não tem o condão de neutralizar a agressividade do agente.
6. Preenchendo a parte autora os requisitos para a obtenção de mais de um benefício, deve ser assegurada a concessão do mais vantajoso (direito ao melhor benefício), nos termos da decisão proferida pelo STF no RE 630.501 (Tema 334 da repercussão geral). No caso, estão preenchidos os requisitos aposentadoria programada conforme os art. 16 e 17 das regras de transição da EC nº 103/2019.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, (i) conhecer em parte do apelo e, nessa extensão, negar-lhe provimento; (ii) de ofício, corrigir erro de cálculo/inexatidão material da sentença; e (iii) determinar a imediata implantação do melhor benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004721296v4 e do código CRC f1f71077.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/11/2024 A 12/11/2024
Apelação Cível Nº 5035898-36.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/11/2024, às 00:00, a 12/11/2024, às 16:00, na sequência 148, disponibilizada no DE de 23/10/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, (I) CONHECER EM PARTE DO APELO E, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO; (II) DE OFÍCIO, CORRIGIR ERRO DE CÁLCULO/INEXATIDÃO MATERIAL DA SENTENÇA; E (III) DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO MELHOR BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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