
Apelação Cível Nº 5010869-54.2025.4.04.7002/PR
RELATOR Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança em que a parte impetrante pretende a concessão de ordem, a fim de que seja determinado à autoridade coatora que proceda à ativação e liberação do pagamento do benefício de prestação continuada já concedido administrativamente (NB 717.738.586-0).
Sobreveio sentença, proferida em 01/07/2025 que, ante a emissão de carta de exigência pela autoridade impetrada (), entendeu que houve a renovação do prazo para proferir a decisão definitiva, afastando assim o interesse de agir da parte impetrante e extinguindo o feito sem resolução do mérito ().
Apela a parte impetrante alegando, em síntese, a ilegalidade do ato do INSS, que suspendeu o pagamento do benefício já concedido administrativamente por ausência de cadastro biométrico. Requer seja determinada a análise da revisão do benefício, tendo em vista a omissão do impetrado ().
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação ().
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
A sentença foi publicada em data posterior a 18.3.2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.3.2015).
Preliminar
A parte impetrante requereu o benefício de prestação continuada em 06/11/2024 (DER), sendo-lhe reconhecido o direito ao benefício em 24/04/2025 (, p. 27 e ). Em 14/05/2025, todavia, foi informada da suspensão do benefício e o bloqueio do crédito, em razão da ausência de identificação em registro biométrico (), ensejando o ajuizamento desta ação.
A sentença extinguiu o feito sem resolução do mérito, sob o fundamento de falta de interesse processual superveniente decorrente da emissão de nova carta de exigências no processo administrativo, o que, em tese, conferiria à autarquia a renovação do prazo para proferir nova decisão.
A carta de exigência assim dispõe ( - grifado):

Observa-se que a carta de exigência requereu a juntada de comprovante biométrico, mediante a apresentação dos mesmos documentos já demandados no processo administrativo, cuja impossibilidade de apresentação pela parte impetrante, pelo fato de ser de nacionalidade estrangeira, exigiu o ajuizamento desta ação.
Destarte, verifica que subsiste o interesse processual da parte impetrante, pois a referida carta apenas ratifica as exigências demasiadamente difíceis de atendimento.
Afastada a preliminar e estando o processo em condições imediatas de julgamento, nos termos do art. 1.031, § 3º, do Código de Processo Civil, passa-se à análise do mérito.
Mérito
O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei nº 12.016/09.
O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança deve ser comprovado de plano mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Na lição de Hely Lopes Meireles, trata-se do direito:
"...que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda não indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais." (Mandado de Segurança. Ação Popular. Ação Civil Pública. Mandado de Injunção. "Habeas Data". 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989)
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) - Lei nº 8.742/1993, teve sua redação alterada pela Lei nº 14.973, de 16 de setembro de 2024, que incluiu o § 12-A ao art. 20, passando a exigir o registro biométrico ao requerente do benefício de prestação continuada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (...)
§ 12-A. Ao requerente do benefício de prestação continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional (CIN), do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nos termos de ato conjunto dos órgãos competentes. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)
Observa-se que o dispositivo legal restringiu o registro biométrico aos cadastros da Carteira de Identidade Nacional - CIN, do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e que, à exceção do último, os demais documentos são de emissão exclusiva a brasileiros.
No caso dos autos, o impetrante é menor impúbere, representado por sua genitora, que é de nacionalidade estrangeira e, dessa forma, não pode ter expedido em sua titularidade nem a Carteira de Identidade Nacional - CIN, nem o título eleitoral, que são exclusivos a nacionais, restando-lhe unicamente a possibilidade de apresentar a Carteira Nacional de Habilitação - CNH, caso seja habilitada a dirigir veículos automotores em território nacional.
Compulsando os autos, verifica-se que a representante do impetrante juntou a Carteira de Registro Nacional Migratório - CRNM ao processo administrativo (, p. 9-10), documento emitido pela Polícia Federal mediante mapeamento das impressões digitais de seu detentor.
Portanto, é perfeitamente possível aferir que a CRNM é um documento com registro biométrico. O que ocorre, todavia, é que o INSS não tem acesso ao cadastro de registros biométricos da CRNM, o que não se mostra plausível, uma vez que o benefício não é exclusivo aos nacionais, já que nem Constituição Federal, nem a Lei nº 8.742/1993 restringiram a concessão do BPC apenas a brasileiros.
Felizmente, a fim de solucionar esse impasse, foi recentemente noticiada a realização de acordo entre o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, INSS, AGU e DPU, validando o RNM para o requerimento do BPC por estrangeiros residentes no Brasil.

https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/acordo-reconhece-registro-nacional-migratorio-rnm-para-acesso-ao-bpc-por-estrangeiros-residentes-no-brasil#:~:text=O%20acordo%20estabelece%20que%20a,ferramentas%20tecnol%C3%B3gicas%20para%20valida%C3%A7%C3%A3o%20biom%C3%A9trica.
Ainda que o acordo esteja em prazo de implementação, não há por que deixar de aplicar o resultado do referido ajuste no caso dos autos, de forma que o apelo merece provimento, determinando-se que a CRMN seja aceita como documento com registro biométrico, na data de sua primeira apresentação ao INSS, dando-se desde então como atendida a exigência do INSS para o desbloqueio do crédito decorrente do benefício deferido administrativamente pela autarquia.
Consectários da Sucumbência
Honorários Advocatícios
Incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em sede de mandado de segurança, consoante entendimento consolidado pela jurisprudência pátria, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/09 e nas Súmulas nºs 512 do STF e 105 do STJ.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- Apelação da parte impetrante provida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5010869-54.2025.4.04.7002/PR
RELATOR Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. BPC. REGISTRO BIOMÉTRICO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança deve ser comprovado de plano, mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória.
2. Determinada a aplicação do acordo firmado entre o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, INSS, AGU e DPU que reconhece Registro Nacional Migratório (RNM) para acesso ao BPC por estrangeiros residentes no Brasil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de novembro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/10/2025 A 04/11/2025
Apelação Cível Nº 5010869-54.2025.4.04.7002/PR
RELATOR Juiz Federal LEONARDO CASTANHO MENDES
PRESIDENTE Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A) ANDREA FALCÃO DE MORAES
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/10/2025, às 00:00, a 04/11/2025, às 16:00, na sequência 768, disponibilizada no DE de 17/10/2025.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal LEONARDO CASTANHO MENDES
Votante Juiz Federal LEONARDO CASTANHO MENDES
Votante Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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