
Apelação Cível Nº 5032785-63.2019.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que indeferiu a petição inicial ( ), nos seguintes termos:
Ante o exposto, segundo o disposto no inciso IV do artigo 330 do Código de Processo Civil, indefiro a petição inicial, julgando extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do inciso I do artigo 485 do Código de Processo Civil.
Sem condenação em honorários advocatícios.
A parte autora alega ser indevido o indeferimento da inicial, pedindo o "provimento do recurso de apelação para anular a r. sentença proferida pelo juízo singular, para fins de reconhecer o contido na petição inicial e documentos juntados preliminarmente como suficiente para iniciar a instrução processual e permitir à parte a comprovação do direito postulado, determinando-se a baixa dos autos em diligências, para o regular prosseguimento do feito e adequada instrução processual". (
)Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Noticiado o falecimento do autor, os sucessores foram devidamente habilitados nos autos. (
)É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Instrução Probatória e Regularidade Processual
No presente caso, o Juízo de Origem optou pelo indeferimento da petição inicial, sob a seguinte fundamentação:
Intimada a emendar a petição inicial com a base no artigo 321 do Código de Processo Civil, a parte autora não cumpriu integralmente a determinação. Deixou de apresentar PPP e LTCAT referente ao período trabalhado na empresa Nosa – A.B. Nogueira Comércio e Indústria de Madeiras Ltda.
A alegação de que a empresa está baixada não é óbice para que o autor diligencie na obtenção dos referidos documentos, como consignou-se na determinação de emenda (EVENTO4):
1.1.2. Caso a empresa esteja inativa ou encerrada, o autor deverá diligenciar junto ao representante legal para a obtenção dos referidos documentos, trazendo aos autos certidão da situação cadastral da empresa, emitida pela Junta Comercial competente, bem como cópia da última alteração do estatuto ou contrato social.
Ademais, a utilização de prova emprestada, conforme requerido pela autora, é medida subsidiária, que tem lugar quando infrutíferas as diligências para obtenção dos documentos originais. No presente caso, sequer houve diligência pela autora. E, ainda que se aceitasse de plano a utilização da prova emprestada, essa deveria obedecer ao determinado na decisão do evento 4, o que também não se verifica:
1.1.3. Anoto que, não sendo possível a apresentação do PPP e/ou do laudo técnico, e pretendendo a parte autora a prova por similaridade, deverá acostar PPP e/ou laudo técnico de empresa paradigma para a mesma função/atividade, juntamente com o contrato social da referida empresa.
Observo, ainda, que não há previsão legal para sobrestamento ou suspensão do processo nesta hipótese e não seria caso de se conceder novo prazo: tratando-se de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, ou de documentos e providências essenciais ao ajuizamento que deveriam compor ou acompanhar a petição inicial, não há como prosseguir a demanda sem a emenda determinada.
Ante o exposto, segundo o disposto no inciso IV do artigo 330 do Código de Processo Civil, indefiro a petição inicial, julgando extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do inciso I do artigo 485 do Código de Processo Civil.
Como visto, a razão do indeferimento da inicial foi o fato de não ter o autor juntado formulários ou laudos quanto ao período de 02/06/1977 a 24/11/1977, em que trabalhou como servente junto à empresa empresa Nosa – A.B. Nogueira Comércio e Indústria de Madeiras Ltda.
Dito isso, é notório que nas atividades de marceneiro/serviços gerais em madeireiras, marcenarias e serrarias os trabalhadores estão expostos a ruídos excessivos advindos das máquinas e equipamentos utilizados, como serra circular, serra fita, plaina, lixadeira, furadeira, tupia, entre outas.
No caso do auxiliar de serviços gerais, via de regra trata-se de trabalhador envolvido em todo o processo produtivo, realizando atividades em que exigido menor grau de especialidade, porém sujeito aos mesmos agentes agressivos.
Ademais, a praxe do que se observa em processos dessa natureza evidencia não só a exposição a ruídos que superam os limites de tolerância, mas também a presença, no ambiente laboral, de poeira de madeira em níveis elevados.
A respeito do referido agente nocivo, transcrevo excerto do voto lavrado pela Desembargadora Salise Monteiro Sanchotene, na AC 5000808-41.2010.4.04.7203, em acórdão proferido pela Sexta Turma deste Tribunal:
A poeira oriunda do beneficiamento da madeira, seja nas serrarias ou na indústria moveleira, é prejudicial ao trabalhador e enseja o reconhecimento da atividade como especial, desde que a ela exposto de modo habitual e diuturno em sua jornada de trabalho. Embora, a rigor, possa haver alguma dificuldade em enquadrá-la como agente químico ou orgânico típico, trata-se de agente patogênico com características físicas, químicas e biológicas, e o sistema do organismo mais comumente lesado pelo contato é o trato respiratório. Por ser partícula relativamente grande, sua inalação frequente pode provocar dermatite de contato no delicado tecido das vias aéreas superiores e no sensibilíssimo tecido pulmonar. A literatura médica relata com frequência a incidência de alergias, asma e pneumonia por irritação, em que a inflamação do pulmão e bronquíolos dá-se não em razão da presença de agentes químicos em si, mas pela intromissão do agente físico irritante em local desprovido de qualquer resistência. Isto se dá de forma gradativa, escapando, no mais das vezes, à atenção do trabalhador. Os sintomas podem surgir de forma mais rápida se o indivíduo inalar a poeira de madeira pela boca. Assim, o processo lesivo ao organismo nem sempre é aparente, constituindo-se, no mais das vezes, em tosses secas crônicas, dificuldade respiratória, bronquite crônica, rinites, entre outros, podendo evoluir, com o tempo, para doença pulmonar obstrutiva crônica, quando seus efeitos maléficos tornam-se mais evidentes e, em geral, irreversíveis.
Em suma: a poeira de madeira provoca, ao longo dos anos, redução da função pulmonar, em maior ou menor escala, conforme o indivíduo. Ademais, o pó de madeira também pode ser veículo para agentes químicos tóxicos (presentes em tintas, solventes e outros) e biológicos (fungos), igualmente agressivos ao trato respiratório. Nestes casos, em geral a asma é a patologia mais frequente, e tem natureza alérgica. Portanto, as atividades exercidas sob as condições acima descritas ensejam seu reconhecimento como especial, desde que demonstrada a exposição por meio de laudo técnico.
Comprovada a agressividade do agente e o malefício à saúde do trabalhador, pela exposição continuada ao longo da jornada de trabalho, o reconhecimento da especialidade pode ser feito mesmo sem enquadramento nos decretos regulamentadores, pois seu rol não é exaustivo. De qualquer sorte, podendo ser veículo de agentes químicos e biológicos, e mesmo tóxicos, cabe enquadrar a poeira de madeira sob os Códigos 1.2.11 do Anexo do Decreto 53.831/64, e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
No mesmo sentido, alguns precedentes desta Corte: AC 5005883-92.2022.4.04.9999, Sexta Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 01/08/2022; AC 5007718-52.2021.4.04.9999, Nona Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, juntado aos autos em 12/04/2022; AC 5032850-29.2017.4.04.7000, Décima Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 10/08/2022.
Embora não conste expressamente nos Decretos, impende referir seu potencial patogênico, considerando o contato habitual com o pó de madeira na cavidade nasal e seios paranasais, o que caracteriza a atividade como especial, em face do contato com o referido agente ser indissociável do labor exercido.
Outrossim, o rol dos Decretos não é taxativo, passível de enquadrarem-se outras situações, desde que agressoras à integridade física do trabalhador. Não havendo a previsão da poeira orgânica vegetal como agente nocivo nos Decretos de regência, o reconhecimento da especialidade das atividades desempenhadas com exposição a poeira de madeira deve ter por base o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Repetitivo 1.306.113, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, e a previsão da Súmula 198 do Tribunal Federal de Recursos.
Desta forma, é possível reconhecer a especialidade da atividade de marceneiro/serviço gerais em marcenarias, serrarias e madeireiras por exposição a ruído e poeira de madeira, mediante a apresentação apenas da CTPS, para vínculos anteriores a 28/04/1995, desde que o ramo de atuação da empregadora permita inferir-se a natureza do trabalho desenvolvido.
Com efeito, trata-se de atividade que guarda muitas similaridades em sua realização e a exposição aos agentes nocivos é quase que inevitável, ainda que nem sempre ocorra de modo permanente.
A partir de 29/04/1995, mostra-se necessária a demonstração da exposição habitual e permanente aos fatores de risco, nos termos da Lei 9.032/1995 por meio de formulário próprio (DSS8030/PPP).
No presente caso, seria possível o reconhecimento do direito do autor à especialidade do período com base na CTPS do
. O conhecimento da matéria por esta Instância fica bloqueado, no entanto, pelo fato de não ter sido angularizada a relação processual. Ainda que tal entendimento não vincule o Juízo de Origem, o autor apresentou resposta tempestiva à determinação de emenda à inicial ( ), informando a inatividade da empresa e pugnando pela consideração de prova emprestada e laudos similares para o período em questão. Também poderia ter sido aventada a possibilidade de oitiva de testemunhas para a comprovação das atividades realizadas.Ademais, há nos autos pedido de reconhecimento de especialidade de diversos períodos anteriores a 1995 em que o autor trabalhou como vigilante, cabendo o enquadramento por categoria profissional. Cumpre referir, por fim, que a eventual inépcia da inicial em relação a um dos pedidos não prejudica o prosseguimento do processo quanto aos demais.
Assim, não estando o feito em condições de imediato julgamento, determino o retorno ao primeiro grau para regular instrução.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo para anular a sentença e determinar o retorno à origem para regular processamento do feito.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004642264v10 e do código CRC e0ad65b8.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5032785-63.2019.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMENDA À INICIAL. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Constatada situação que configura causa bastante para a dilação probatória solicitada, diante da inatividade das empresas e da necessidade de análise da pertinência das diligências requeridas pela parte autora, mostra-se prematuro o indeferimento da petição inicial.
2. Não estando o feito em condições de imediato julgamento, é caso de anulação da sentença e retorno ao primeiro grau para regular instrução.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo para anular a sentença e determinar o retorno à origem para regular processamento do feito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 26 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004642265v4 e do código CRC 412d7fcd.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/09/2024 A 26/09/2024
Apelação Cível Nº 5032785-63.2019.4.04.7000/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 18/09/2024, às 00:00, a 26/09/2024, às 16:00, na sequência 978, disponibilizada no DE de 09/09/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO APELO PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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