
Apelação Cível Nº 5011428-28.2018.4.04.7108/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
L. C. N. F. interpôs recurso de apelação contra sentença, proferida em 19/01/2024, que julgou improcedente o pedido, através do qual postula a concessão de aposentadoria especial ou, sucessivamente, por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento da especialidade do trabalho.
Em sua apelação, a parte autora defendeu o reconhecimento da especialidade do trabalho prestado também nos períodos de 10/01/1985 a 08/02/1985 (Ritmo Veículos Ltda), 06/10/1993 a 23/02/1999 (Beto Comércio de Veículos Ltda/Schons Comércio de Veículo Ltda ME), 08/04/2002 a 27/07/2002 (Inácio Comércio de Pneus Ltda/ J I Lorscheiter & Cia Ltda), 01/12/2008 a 31/01/2009 (Expresso Nova Palmira de Transportes Ltda), 26/05/2011 a 11/09/2012 (Comércio de Laranjas do Vale do Caí Ltda) e 05/03/2013 a 03/02/2014 (Maria Clarice John ME). Alegou que desempenhou a função de balconista e vendedor e motorista, estando exposto a ruído de 83 e 85,3 decibéis respectivamente. Também sustentou que havia penosidade. Requereu a extinção, sem resolução de mérito, dos períodos de 01/03/1979 a 08/03/1982, 01/07/1987 a 24/02/1988, 10/05/1988 a 08/10/1988, 04/10/1999 a 18/09/2001, 26/02/2014 a 09/07/2014, 09/12/1982 a 04/01/1985; 11/02/1985 a 08/06/1987, 01/11/1988 a 30/09/1989 e 02/07/1990 a 05/10/1992, observando-se o teor do Tema n° 629 do STJ e art. 485, inciso IV, do CPC.
VOTO
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Ruído
Como visto, em se tratando do agente nocivo ruído, o reconhecimento da especialidade do labor exige, em qualquer período, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Ou seja, não basta, aqui, mesmo no período anterior a 28/04/1995, o enquadramento por categoria profissional, sendo exigida prova da exposição ao agente nocivo.
Em relação ao agente nocivo ruído, consideram-se os níveis de pressão sonora estabelecidos na legislação em vigor na data da prestação do trabalho, conforme o quadro a seguir:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
até 05/03/1997 | 1. Decreto nº 53.831/1964; 2. Decreto nº 83.080/1979. | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB. |
de 06/03/1997 a 06/05/1999 | Decreto nº 2.172/1997. | Superior a 90 dB. |
de 07/05/1999 a 18/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999, na redação original. | Superior a 90 dB. |
a partir de 19/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999 com alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003. | Superior a 85 dB. |
Cabe esclarecer que os Decretos nº 53.831/1964 e 83.080/1979 tiveram vigência concomitante até a edição do Decreto nº 2.172/1997, que revogou de forma expressa o fundamento de validade da legislação então vigente. Dessa forma, até 05/03/1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n° 53.831/64.
O Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o limite de tolerância ao agente físico ruído para 85 decibéis, não pode ser aplicado retroativamente. Dessa forma, entre 06 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003, o limite de tolerância ao ruído corresponde a 90 decibéis, consoante o código 2.0.1 do Anexo IV dos Decretos n° 2.172/1997 e 3.048/1999. O Superior Tribunal de Justiça examinou a matéria em recurso especial repetitivo e fixou a seguinte tese:
Tema nº 694: O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). (REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)
Cumpre perquirir, também, sobre a possibilidade de o uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz afastar a nocividade provocada pelo ruído, descaracterizando, assim, a especialidade desse tempo de serviço.
Primeiramente, note-se que a utilização de equipamentos de proteção individual só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir da MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Trata-se, aliás, de entendimento sedimentado pelo próprio INSS na esfera administrativa (IN nº 45/2010, art. 238, § 6º).
No período posterior à MP nº 1.729/98, embora esteja assentada a relevância do uso do EPI para reconhecimento da especialidade do labor, cumpre observar que, em relação ao agente nocivo ruído, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, o STF, no julgamento do ARE nº 664335 (tema reconhecido com repercussão geral sob o número 555), assentou a tese segundo a qual, 'na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria.'
Não destoa desse entendimento a jurisprudência sedimentada por esta Corte Regional, senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE URBANA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Comprovado o tempo de serviço urbano, por meio de prova material idônea, devem os períodos urbanos ser averbados previdenciariamente. 2. O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados. 3. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 4. A exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. 5. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. Possível afastar o enquadramento da atividade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de proteção individual que elidam a insalubridade. 6. Se o segurado implementar os requisitos para a obtenção de aposentadoria pelas regras anteriores à Emenda Constitucional n.º 20/98, pelas Regras de Transição e/ou pelas Regras Permanentes, poderá inativar-se pela opção que lhe for mais vantajosa. 7. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5007203-21.2016.404.7209, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 20/09/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. PINTORES DE PISTOLA. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. AGENTES QUÍMICOS - QUANTIDADE DE EXPOSIÇÃO. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA NA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS. PERÍCIA EM DATA POSTERIOR AO LABOR. EPI. FONTE DE CUSTEIO. REQUISITOS IMPLEMENTADOS - DIREITO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL. EXIGÊNCIA DE AFASTAMENTO DA ATIVIDADE. ART. 57, §8º, DA LEI N. 8.213. INCONSTITUCIONALIDADE.CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.CUSTAS. 1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 2. (...) 10. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. Em se tratando de ruído nem mesmo a comprovação de que a utilização de protetores reduzia a intensidade do som a níveis inferiores aos máximos deve afastar o reconhecimento da especialidade da atividade, pois já comprovado que a exposição por períodos prolongados produz danos em decorrência das vibrações transmitidas, que não são eliminadas pelo uso do equipamento de proteção. 11. (...) (TRF4, AC 0015614-47.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 22/09/2017)
Sob essas premissas, portanto, é que deve ser avaliada a especialidade decorrente da exposição a ruído.
Mérito da causa
Exame da especialidade
A seguir, discriminam-se os períodos de tempo de serviço comum (ou especial) controvertidos:
Período | Agente nocivo com | Agente nocivo com | Nível | Limite | EPI | Reconhecido em sentença |
10/01/1985 a 08/02/1985 | - | - | - | - | não | não |
06/10/1993 a 23/02/1999 | - | - | - | - | não | não |
08/04/2002 a 27/07/2002 | - | - | - | - | não | não |
01/12/2008 a 31/01/2009 | - | - | - | - | não | não |
26/05/2011 a 11/09/2012 | - | - | - | - | não | não |
05/03/2013 a 03/02/2014 | - | - | - | - | não | não |
Período: 10/01/1985 a 08/02/1985 |
Empresa: Ritmo Veículos Ltda |
Função/atividades: balconista |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: CTPS, evento 17, PROCADM1, p. 8 |
Para comprovação da especialidade foi apresentado laudo de empresa similar, na mesma função de balconista no evento 28, LAUDO1, no qual não constou a presença de fatores de risco. Confiram-se as observações do laudo:

Nesse contexto, não está demonstrada a especialidade do período de 10/01/1985 a 08/02/1985, trabalhado na empresa Ritmo Veículos Ltda na função de balconista, em razão da ausência de exposição a agentes nocivos.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 06/10/1993 a 23/02/1999 |
Empresa: Beto Comércio de Veículos Ltda/Schons Comércio de Veículo Ltda ME |
Função/atividades: auxiliar |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: CTPS, evento 17, PROCADM1, p. 18 |
O demandante desempenhou atividade genérica no período (auxiliar).
Anote-se que a empresa já encerrou as suas atividades e não foram juntados nos autos os respectivos formulários DSS-8030 ou PPP.
Portanto, não há prova nos autos acerca das atividades efetivamente desempenhadas pelo autor, mostrando-se inviável a adoção de laudo similar.
Partindo-se dessa premissa, cumpre destacar que a juntada de CTPS, com descrição de função genérica (serviços gerais, servente, auxiliar, ajudante ou outras similares), desempenhada em empresa inativa, não constitui início de prova material da atividade especial, não se podendo, em face disso, utilizar prova testemunhal para suprir a sua ausência.
No caso sob exame, o autor apresentou apenas laudo similar e CTPS na qual consta anotação de que fora contratado para exercer trabalho na função genérica de "auxiliar". Contudo, não há nos autos documento que constitua início de prova material a respeito das atividades desempenhadas, o que inviabiliza o aproveitamento de laudo similar para a análise do desempenho de atividade especial, uma vez que não se pode estabelecer qualquer correlação entre as funções efetivamente realizadas pelo autor e aquelas aferidas no laudo técnico.
Nesse contexto, não está demonstrada a especialidade do período de 06/10/1993 a 23/02/1999, trabalhado na empresa Beto Comércio de Veículos Ltda/Schons Comércio de Veículo Ltda ME na função de auxiliar, em razão da ausência de exposição a agentes nocivos.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 08/04/2002 a 27/07/2002 |
Empresa: Inácio Comércio de Pneus Ltda/ J I Lorscheiter & Cia Ltda |
Função/atividades: serviços gerais |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: CTPS, evento 17, PROCADM1, p. 18 |
O demandante desempenhou atividade genérica no período (serviços gerais).
Anote-se que a empresa já encerrou as suas atividades e não foram juntados nos autos os respectivos formulários DSS-8030 ou PPP.
Portanto, não há prova nos autos acerca das atividades efetivamente desempenhadas pelo autor, mostrando-se inviável a adoção de laudo similar.
Partindo-se dessa premissa, cumpre destacar que a juntada de CTPS, com descrição de função genérica (serviços gerais, servente, auxiliar, ajudante ou outras similares), desempenhada em empresa inativa, não constitui início de prova material da atividade especial, não se podendo, em face disso, utilizar prova testemunhal para suprir a sua ausência.
No caso sob exame, o autor apresentou apenas laudo similar e CTPS na qual consta anotação de que fora contratado para exercer trabalho na função genérica de "serviços gerais". Contudo, não há nos autos documento que constitua início de prova material a respeito das atividades desempenhadas, o que inviabiliza o aproveitamento de laudo similar para a análise do desempenho de atividade especial, uma vez que não se pode estabelecer qualquer correlação entre as funções efetivamente realizadas pelo autor e aquelas aferidas no laudo técnico.
Nesse contexto, não está demonstrada a especialidade do período de 08/04/2002 a 27/07/2002, trabalhado na empresa Inácio Comércio de Pneus Ltda/ J I Lorscheiter & Cia Ltda na função de serviços gerais vendas, em razão da ausência de exposição a agentes nocivos.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 01/12/2008 a 31/01/2009 |
Empresa: Expresso Nova Palmira de Transportes Ltda |
Função/atividades: Motorista |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: CTPS, evento 17, PROCADM1, p. 26 |
A despeito das alegações de que estava exposto a ruído acima de 85 decibéis, o autor não comprovou sujeição a agentes nocivos.
Note-se que não foram juntados laudos ou PPP a atestar as condições de trabalho alegadas.
Quanto a penosidade, foi produzida prova em empresa similar, para função equivalente ao do autor com as seguintes condições (evento 136, LAUDOPERIC1):

Nesse contexto, não está demonstrada a especialidade do período de 01/12/2008 a 31/01/2009, na empresa Expresso Nova Palmira de Transportes Ltda, na função de motorista de ônibus, tendo em vista a ausência de exposição a fatores de risco.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 26/05/2011 a 11/09/2012 |
Empresa: Comércio de Laranjas do Vale do Caí Ltda |
Função/atividades: motorista truck |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: PPP, evento 17, PROCADM2, p. 12; Perícia judicial, evento 136, LAUDOPERIC2 |
Inicialmente foi juntado perfil profissiográfico previdenciário com os seguintes registros:

Note-se a exposição a ruído anotada no PPP era inferior ao limite de tolerância. Não foram elencados outros fatores de risco.
Além disso, foi produzida prova pericial, cujo laudo atestou as seguintes condições (evento 136, LAUDOPERIC2):


A avalição do perito considerou a suposta ocorrência de assaltos, acidentes, ruído, vibrações, afastamentos decorrentes de estresse e doenças. Também foi analisado se havia jornadas estendidas, com intervalos para descanço e os trajetos realizados.
Todas essas condições consideradas pelo perito conduziram à conclusão de que não havia penosidade.
Nesse contexto, não está demonstrada a especialidade do período de 26/05/2011 a 11/09/2012, na empresa Comércio de Laranjas do Vale do Caí Ltda, na função de motorista truck, tendo em vista a ausência de exposição a fatores de risco.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 05/03/2013 a 03/02/2014 |
Empresa: Maria Clarice John ME |
Função/atividades: motorista |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: DS8030, evento 17, PROCADM2, p. 14; Perícia judicial, evento 136, LAUDOPERIC2 |
Inicialmente foi juntado formulário DSS8030, com os seguintes registros:

Não foram elencados fatores de risco.
Além disso, foi produzida prova pericial, cujo laudo atestou as seguintes condições (evento 136, LAUDOPERIC1):



A avalição do perito considerou a suposta ocorrência de assaltos, acidentes, ruído, vibrações, afastamentos decorrentes de estresse e doenças. Também foi analisado se havia jornadas estendidas, com intervalos para descanço e os trajetos realizados.
Todas essas condições consideradas pelo perito conduziram à conclusão de que não havia penosidade.
Nesse contexto, não está demonstrada a especialidade do período de 05/03/2013 a 03/02/2014, na empresa Maria Clarice John ME, na função de motorista truck, tendo em vista a ausência de exposição a fatores de risco.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Assim, em relação ao(s) período(s) 10/01/1985 a 08/02/1985, 06/10/1993 a 23/02/1999, 08/04/2002 a 27/07/2002, 01/12/2008 a 31/01/2009, 26/05/2011 a 11/09/2012 e 05/03/2013 a 03/02/2014, não há indicação de que a parte autora estivesse exposta a qualquer agente nocivo em nível superior ao limite de tolerância, nem a agente nocivo que independe de análise quantitativa. A sentença não reconheceu a especialidade do(s) período(s), não havendo reparos a serem feitos neste ponto.
Da ausência de acréscimo de tempo de contribuição reconhecido
Conforme observado na fundamentação acima, não foram reconhecidos períodos de tempo de contribuição ou de atividade especial adicionais àqueles já reconhecidos pelo INSS. Deste modo, não procede o pedido inicial de concessão da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição.
Reafirmação da DER
Não deve ser acolhido o pedido de reafirmação da DER, pois este não é autônomo em relação ao pedido principal.
Assim, somente se cogita da reafirmação da DER na hipótese de ter sido acolhida a pretensão do autor quanto ao reconhecimento de um ou mais períodos de atividade.
Por outro lado, é inviável o acolhimento de pedido autônomo de reafirmação da DER, tampouco a pretensão pode ser deduzida contra a autarquia de forma desvinculada de um processo de concessão de benefício previdenciário.
No caso dos autos, a sentença recorrida extinguiu sem exame de mérito pedido de reconhecimento de atividade especial e no mérito julgou improcedente pedido de concessão de aposentadoria. A decisão foi mantida por este Tribunal.
O procedimento de reafirmação da DER possui natureza meramente acessória e se exaure ante a extinção do pedido do qual é dependente. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PROVA. REAFIRMAÇÃO DA DER. PEDIDO AUTÔNOMO. IMPOSSIBILIDADE. 1. No período anterior à Emenda Constitucional nº 103/2019, de 13/11/2019, e respeitadas as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 20/1998, a aposentadoria por tempo de contribuição é devida à/ao segurada/segurado que tenha laborado por 25/30 anos (proporcional) ou 30/35 anos (integral), desde que cumprida a carência de 180 contribuições (artigos 25, II, 52, 53 da Lei 8.213/91 e 201, § 7º, I, da Constituição Federal), observada regra de transição prevista no artigo 142 da Lei de Benefícios, para os filiados à Previdência Social até 24/07/1991. Após 13/11/2019, devem ser observados os arts. 15 a 18 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103/2019. 2. Nos termos do art. 55, §2º, da Lei 8.213/1991, O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. A partir de 01/11/1991, nos termos do art. 39, II, da Lei 8.213/91, pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, na forma do art. 25, §1º, da Lei 8.212/91. 3. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal. 4. O reconhecimento de atividade laboral antes dos 12 anos foi objeto da Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, tendo sido autorizado o cômputo de período de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, sem a fixação de requisito etário. Com efeito, admite-se, excepcionalmente, o reconhecimento de atividade rural anterior aos 12 anos de idade, desde que caracterizado o efetivo exercício de labor rural. Não comprovado que o labor da parte autora era indispensável à própria subsistência e a do grupo familiar, incabível seu reconhecimento. 5. Não se admite a reafirmação da DER como pedido autônomo, quando o pedido principal tiver sido julgado improcedente. (TRF4, AC 5002193-84.2024.4.04.9999, 5ª Turma, Relator para Acórdão ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, julgado em 17/12/2024)
Desse modo, rejeita-se a pretensão manifestada pelo apelante.
Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça
O autor postula que o pedido de cômputo de tempo de atividade especial seja julgado sem análise de mérito.
Contudo, o caso concreto apresenta particularidades que tornam a controvérsia distinta daquela discutida no Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça.
O cerne da controvérsia consiste em saber se a improcedência de pedido por falta de provas ocasiona a extinção do processo sem julgamento do mérito e, por consequência, a ausência de coisa julgada material, em processo que não trata do reconhecimento de atividade rural.
Na origem mais imediata da questão encontra-se a aplicação do Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça a um contexto, aqui, diverso daquele que justificou o seu surgimento no âmbito da jurisprudência do referido tribunal superior.
O Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça. Âmbito de deliberação no Superior Tribunal de Justiça.
É de disseminado conhecimento de todos os que atuam no direito previdenciário que, a partir de dois recursos especiais originários de decisões do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou a julgamento a questão de saber se a ausência de prova documental do exercício de atividade rural, por força do que exige o art. 143 da Lei n. 8.213, ocasionaria a decretação de improcedência do pedido.
A decisão de afetação dos Recursos Especiais n. 1.352.721-SP e 1.352.875-SP, proferida em 15 de março de 2013 pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, partiu da mesma argumentação do recorrente: a parte deixou de instruir seu pedido inicial com documentos que comprovassem o exercício de atividade rural em momento imediatamente anterior ao ajuizamento da ação.
Em 16 de dezembro de 2015, a Corte Especial do STJ deliberou a respeito da matéria e, por maioria, conheceu dos recursos especiais e lhes negou provimento, daí resultando a seguinte tese firmada:
A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Na oportunidade, o voto do eminente relator indicou em seu item 13 os limites subjetivos de sua decisão: Com base nas considerações ora postas, impõe-se concluir que a ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito, de forma a possibilitar que o segurado ajuíze nova ação, nos termos do art. 268 do CPC, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada.
Na própria ementa dos recursos julgados, um de seus tópicos (abaixo destacado em negrito) também esclarece o que deveria ser a restrita interpretação do julgamento do caso, tomado como precedente obrigatório para a aplicação posterior da tese firmada:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.(REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016.)
Efetivamente, a despeito de haver se firmado uma tese de índole processual, com aparente destinação a todas as lides previdenciárias, é preciso anotar que a decisão teve por origem, exclusivamente, apenas dois processos que tratavam de cômputo de tempo rural em que, à conta da insuficiência de provas, se admitiu a possibilidade dos segurados (rurais) intentarem nova ação.
A ratio decidendi e a tese jurídica.
A partir de leitura isolada da redação da tese que resultou da apreciação dos recursos especiais mencionados acima, poder-se-ia chegar à conclusão de que em toda ação, até mesmo com objeto não vinculado a assunto previdenciário, semelhante situação processual deve reconhecê-la como precedente vinculante de aplicação obrigatória.
No entanto, a própria redação da tese foi desprovida de qualquer referência direta ao contexto de que pôde se servir para ser elaborada.
A sua abrangência inclusive foi questionada por ocasião da sessão de julgamento quando antes de examinar o próprio mérito, o Ministro Mauro Campbell Marques sugeriu o cancelamento do processo como representativo de controvérsia, sob a compreensão de que a matéria não poderia estar limitada somente às lides previdenciárias.
Superada a questão na Corte Especial, não terminou aí, porém, a dúvida ocasionada pela incerteza da tese, a meu ver, em relação à sua aplicabilidade a toda e qualquer ação previdenciária.
A literalidade dos votos colhidos no órgão colegiado, constantes do acórdão, não pode se desprender dos fundamentos de fato em que se apoiou a decisão, sem que se tenha descuidado do exame de outras diferentes situações que envolvem segurados da previdência social.
Assim, não é a tese, na forma em que foi genericamente redigida, que deve balizar uma mudança substancialmente teórica, que leve a um só tempo ao distanciamento da evolução histórica doutrinária e da jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça (no sentido de que a falta ou insuficiência de provas sempre conduz à extinção do processo com julgamento do mérito).
O que importa, mais que a tese, é o ambiente de sua gênese e em que esta ainda subsiste, compreendendo-se assim esclarecer por quais motivos apareceu. E nesse particular momento, torna-se indispensável não desprezar as circunstâncias de fato que, desde o início estiveram presentes.
É a ratio decidendi que constitui o ponto de início para o importante propósito de estender a outros processos similares a mesma orientação firmada na tese.
Do que foi dito até o momento, sobre como têm sido construídas as teses jurídicas pelos tribunais superiores no ordenamento brasileiro, concluímos que as teses não se confundem com a ratio decidendi do precedente. Isso porque, as teses assemelham-se à aplicação de uma lei, por serem construídas como extratos abstratos da decisão sem que seja possível determinar facilmente as situações fáticas que lhe deram origem, já a ratio decidendi está ligada diretamente aos princípios, à regra que foi extraída a partir do exame dos fatos concretos do conflito que foi apreciado pelo órgão que proferiu a decisão e que se tornou o precedente. A ratio decidendi não abstrai do conflito que lhe deu origem e das circunstâncias que o tribunal considerou relevante/substanciais para a solução do caso daquela forma. A ratio decidendi espelha "não apenas uma tese de direito, mas mais propriamente, a racionalidade da tese em face de determinada moldura fática". (Bizarria, Juliana Carolina Frutuoso. Identificação do Elemento Vinculante do Precedente: Ratio Decidendi x Tese Jurídica. Revista de Processo. São Paulo, v. 333, nov. 2022, p. 365).
A ratio decidendi no Tema 629 do STJ.
Afetados apenas dois recursos especiais interpostos de acórdãos de tribunal regional federal (3ª Região), que decidiram sobre o início de prova material quanto ao exercício de atividade rural em período imediatamente anterior ao implemento da idade, o Superior Tribunal de Justiça não me parece ter excedido esses contornos na construção da tese firmada.
Não existe registro escrito de que a tese possa assumir dimensão que autorize ser aplicada fora dos limites em que o assunto foi discutido, demarcados na particular situação de segurados especiais, trabalhadores rurais, na pretensão de obter aposentadorias rurais.
Há mais de uma indicação de que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em momento algum, por ocasião do julgamento, a par da redação da tese firmada, se debruçou sobre a mesma matéria, ainda que por hipótese, considerando situações de fato associadas a outros segurados obrigatórios da Previdência Social, relacionados no art. 11 da Lei n. 8.213.
As referências são expressas, em vários trechos dos acórdãos julgados no regime de recursos repetitivos no STJ, que mencionam, como sublinhado acima na ementa do RESP 1.352.721-SP, aposentadoria por idade rural (no caput) e trabalhador rural (em seu item 4), bem como no voto do eminente relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho e no voto-vista do Min. Mauro Campbell Marques.
De tudo o que está presente no voto do eminente relator, o fundamento da tese firmada mantém direta relação com a realidade social em que ainda está envolvida a grande maioria de trabalhadores rurais, marcada pela privação de quase todos os direitos sociais assegurados no art. 6º, caput, da Constituição Federal.
Para não afastá-los de mais um, à conta de querela concentrada em aspectos formais do processo civil, formou-se o precedente no sentido de, diante de insucesso em ação judicial destinada à consecução de pretensão previdenciária, lhes possibilitar nova oportunidade, ainda que à margem das regras gerais que disciplinam a extinção das relações processuais em juízo.
Esta foi efetivamente a ratio decidendi do Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça, da qual não se desata a tese consequente.
Como já se afirmou com propriedade, "a ratio decidendi e a tese jurídica mantém uma relação de continente e conteúdo" (Barioni, Rodrigo; Arruda Alvim, Teresa. Recursos repetitivos: tese jurídica e ratio decidendi. Revista de Processo, São Paulo, v. 296, out. 2019, p. 195).
A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem reiteradamente observado a aplicação do Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de processos em que se discute o cômputo de tempo de atividade rural, a concessão ou a revisão de benefícios de trabalhadores rurais:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL ANTERIOR À LEI Nº 8.213. DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TEMA 629 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. A ausência de conteúdo probatório eficaz para a concessão de aposentadoria rural por idade impõe a extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo (Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça). 2. Para a comprovação do tempo de atividade rural, a Lei nº 8.213 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. 3. Perde a condição de segurado especial o membro da família que exerce atividade urbana em caráter não eventual ou ainda na categoria de empregado rural, mesmo de forma concomitante, porque o seu sustento não depende exclusivamente do trabalho em regime de economia familiar. 4. A ausência de prova documental que demonstre o exercício de atividade rurícola pela própria parte ou pelos demais membros do grupo familiar inviabiliza o julgamento de mérito do pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural. (TRF4, AC 5000159-87.2021.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 24/03/2023).
APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. O segurado especial tem direito à aposentadoria rural por idade, se comprovar a idade mínima e o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência. 2. Para a comprovação do tempo de atividade rural, é legalmente indispensável a existência de início de prova material no processo, não se admitindo prova exclusivamente testemunhal. 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (Tema 554 do Superior Tribunal de Justiça) 4. Não havendo sequer um documento contemporâneo ao período de carência, é inviável a valoração da prova testemunhal para reconhecer o direito ao benefício de aposentadoria rural por idade. 5. A perda da qualidade de segurada especial por mais de vinte anos impede o cômputo do tempo de atividade rural anteriormente exercido. 6. A ausência de conteúdo probatório eficaz para a concessão de aposentadoria rural por idade impõe a extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo (Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça). (TRF4, AC 5020734-78.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 22/10/2022).
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. SEGURADO ESPECIAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMA 629 DO STJ. A ausência/insuficiência de início de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção do processo, sem resolução de mérito. Dessa forma, cabível o ajuizamento de nova ação, caso sejam reunidos os elementos necessários para tanto, assegurando-se, assim, o direito fundamental de acesso à Previdência Social. (TRF4, AC 5003912-72.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 30/11/2022).
O Tema 629 do STJ e sua aplicação no caso concreto. Impossibilidade de extensão à prova de tempo urbano por segurado urbano.
Aqui, porém, outro é o quadro dos fatos, sem qualquer similitude essencial aos que serviram de princípio para a discussão da matéria na formação do precedente.
Uma vez delineada a ratio essendi do precedente, repete-se uma vez mais, formado a partir de dois recursos especiais que tratavam sobre a produção de prova por trabalhadores rurais, não deveria ser difícil apreender, com a apuração de rigor técnico, a absoluta distinção a casos como o presente, em que não se reconhece o direito, em um ou mais períodos de tempo, ao cômputo de contagem diferenciada em razão da sujeição alegada de segurado a agentes nocivos.
Na etapa de identificação do caso concreto ao precedente a ser aplicado, é indispensável constatar a semelhança dos fatos que estão a recomendar que seja dispensado ao primeiro o mesmo tratamento judicial conformado no último.
A par de não haver sido discutida a matéria objeto do tema sob o enfoque senão da necessidade de emprestar mitigação aos segurados trabalhadores rurais quanto à incidência de norma resolutiva do processo, percebe-se evidente descompasso fático, quando se trata de apreciar se um segurado urbano tem direito à averbação de tempo urbano.
Luis Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini [in Curso avançado de processo civil, volume 2: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória) - 20. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021] esclarecem doutrinariamente a questão da aplicação do precedente e do distinguishing imperativo para desiguais particularidades de cada caso:
O precedente, seja no sentido tradicional do termo, seja no sentido amplo adotado pelo CPC, só se aplica ao caso cujas circunstâncias fáticas sejam simétricas, análogas, àquelas consideradas para a formação do precedente (o que se extrai inclusive do art. 489, §1º, VI). Alude-se a distinguishing (distinção) para designar o processo intelectual de diferenciação do caso subsequente em face do caso gerador do precedente. A indevida aplicação do precedente a caso com pressupostos fáticos distintos constitui defeito que torna rescindível a decisão de mérito (art. 966, §§5º e 6º).
Por qualquer aspecto que se tenha do exame de casos assemelhados ao do presente processo, de apreciação de tempo urbano de contribuição, não se consegue afirmar pertinência ao mesmo conjunto de fatos examinados no julgamento do Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça.
O segurado que pretende obter a contagem diferenciada de tempo de contribuição para a concessão de aposentadoria especial ou de outra modalidade, em regra, tem remuneração muito mais elevada, formação profissional mais qualificada, teve ao longo de sua vida um padrão educacional superior e dispõe com muito mais facilidade de informações para instruir o seu processo.
Além disso, as provas de que dispõe, sobretudo as documentais, na maioria dos casos, são suficientes para a instrução do processo, não sendo possível estabelecer presunção de que a deficiência ou a ausência de prova material decorra, ao contrário do que acontece com muita frequência ao trabalhador rural, de sua própria condição de pessoa desprovida de esclarecimento ou de cautela na guarda de sua particular documentação.
Este tipo de segurado, demais, é o que exerce sua atividade profissional preponderantemente nos setores secundário ou terciário, que em nada se assemelham à agricultura de pequeno e médio porte e à pecuária de pouca expressão relativa em que estão inseridos os trabalhadores rurais.
Em resumo, nenhuma identidade existe, no conjunto de fatos deste processo ao que serviu de fundamento para o julgamento dos processos afetados no regime de recursos repetitivos, senão a pretensão de concessão ou de revisão de benefício previdenciário.
Quando se trata de (I) benefícios diversos, (II) de tempo de contribuição relacionado a situações profissionais de outra monta, algumas sujeitas a específica prova documental exigida em lei (para as aposentadorias especiais, no art. 58, §1º, da Lei n. 8.213), outras, à prevalência, em regra, da prova pericial (para os benefícios por incapacidade), e (III) de titulares de pretenso direito subjetivo com condições econômicas e sociais normalmente superiores aos trabalhadores rurais, não cabe a remissão ao que foi decidido.
A extensão do Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça a outros contextos de maneira irrestrita desfigura, com a devida vênia, sua verdadeira finalidade e não observa, no caso concreto, as particularidades da prova especificamente exigida em lei para a contagem de tempo de serviço especial, de presumido conhecimento prévio do segurado antes do ingresso em juízo (art. 58, §1º, da Lei n. 8.213).
O princípio do ônus da prova. A ausência ou insuficiência de prova.
Superada a extensão do espectro de incidência do Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça, resta decidir a respeito das consequências decorrentes de a parte não haver se desincumbido de provar os fatos que deduziu em juízo.
A doutrina sempre associou a origem do princípio do ônus da prova como a alternativa encontrada para dar solução a casos em que não é possível decidir com base nas normas substantivas do direito diante da ausência ou da insuficiência de provas.
A função do princípio do ônus da prova é permitir ao tribunal resolver o caso quando os fatos principais não forem provados. Por essa razão, as regras nas quais articular o princípio definem-se na Alemanha como Hilfsmitteln ou como Operationsregeln, previstas somente para o caso de falta de prova dos fatos. Em uma perspectiva diferente, porém convergente, essas regras são estabelecidas como critérios acerca do "risco de não persuasão", uma vez que preveem as consequências do não convencimento do tribunal acerca da ocorrência de um fato principal. Segundo uma eloquente definição, essas regras são uma ponte entre a situação de ausência de provas e a aplicação da norma substantiva que rege o caso, porque evitam que o tribunal o decida indevidamente aplicando-a em uma situação na qual não poderia. O princípio do ônus da prova é também um recurso para se resolver a incerteza acerca da prova dos fatos principais: ante a incerteza, os fatos são considerados inexistentes. Em verdade, o princípio estabelece que uma vez não provado um fato principal, não se pode aplicar a norma substantiva que assume esse tipo de fato como uma premissa fática: por conseguinte, as pretensões calcadas nesse fato e na aplicação dessa norma devem ser rejeitadas pelo tribunal. Aplica-se o princípio no momento da tomada da decisão final, quando o tribunal descobre que alguns fatos carecem de provas suficientes e precisa extrair as consequências jurídicas pertinentes de tal situação. Uma dessas consequência é que os efeitos negativos que derivam da ausência de prova suficiente de um fato são suportados pela parte que formulou uma pretensão baseada neste fato e ao final não o demonstrou. (TARUFFO, Michelle. A prova. 1 ed. - São Paulo: Marcial Pons, 2014, pp 143-144).
Se o magistrado não acolhe o pedido da parte autora, no caso, relativamente ao reconhecimento da especialidade de determinado período de tempo de contribuição, por inexistirem provas para lhe fundamentar o convencimento, o pedido deve ser julgado improcedente.
Mesmo que se afirme que o processo está sendo extinto sem resolução de mérito, se exame das provas houve e a conclusão encaminhou à rejeição do pedido, o encerramento do processo se deu com exame do mérito, nos expressos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Assim, por falta de técnica, é muito comum na praxe forense sentenças que declaram o autor carecedor da ação justamente porque não conseguiu provar a existência do direito material reclamado na propositura da causa, ou mesmo porque restou demonstrado que o autor não é o titular do mesmo direito.
Ora, reconhecer que o autor não tem o direito que pretende fazer atuar em juízo é a forma mais completa de compor a lide e solucionar definitivamente a controvérsia entre os litigantes pela declaração negativa de certeza sobre a relação jurídica material litigiosa.
Sendo abstrato o direito de ação, não é pela existência ou inexistência do direito material que se reconhece à parte o direito à tutela jurídica processual, mas pela necessidade de dirimir-se uma controvérsia instalada entre os litigantes e deduzida em juízo com atendimento dos pressupostos processuais e das condições da ação. (JUNIOR, Humberto Theodoro Junior. Curso de Direito Processual Civil, v. I, pp. 571-572, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988).
Com a devida vênia, do exercício jurisdicional do exame das provas, como acima foi procedido, não pode resultar senão a conclusão da resolução do mérito da questão.
É irrelevante, como afirmado acima, que se qualifique a extinção sem exame do mérito se, ao contrário, houve expressamente a sua apreciação.
Não se pode albergar na escusa questionável de existir hipossuficiência material da parte autora a desautorizada iniciativa judicial de estabelecer uma relação processual desprovida do ônus da prova.
Se, em situação inversa, ao INSS se impõe legalmente a atribuição de contrapor, mediante prova, fatos que desconstituam os que foram alegados pela parte autora, não os poderá fazer em outra ação posterior, claro que fica que a perda da faculdade processual lhe ocasiona imediata consequência no julgamento da causa (art. 373, II, do Código de Processo Civil). A decisão, em tese, lhe será desfavorável, com a procedência do pedido.
Do mesmo modo, se com as provas examinadas, o pedido não é acolhido, decorre da falta de demonstração dos fatos constitutivos que alegou a parte autora a sua improcedência (art. 373, I, do Código de Processo Civil).
Somente mediante a inobservância de princípio basilar da relação jurídica processual, se poderá retirar da mesma situação, compreensão diferente, para favorecer uma das partes, quando ambas devem receber, processualmente, tratamento de igualdade (art. 139, I, do Código de Processo Civil).
Assim, quanto ao reconhecimento do exercício de atividade especial no período controvertido, houve julgamento de mérito de acordo com as provas produzidas nos autos.
Majoração de honorários
Desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição.
Considerada a disposição do art. 85, §11, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% a verba honorária fixada na sentença, observados os limites máximos previstos nas faixas de incidência do art. 85, § 3º, do CPC.
Suspendo, no entanto, a exigibilidade, tendo em vista a concessão do benefício da gratuidade judiciária.
Conclusão
Nego provimento à apelação da parte autora.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5011428-28.2018.4.04.7108/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITES DE TOLERÂNCIA. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. PENOSIDADE.
1. O limite de tolerância para o agente físico ruído é de 90 (noventa) decibéis, no período entre 6 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003 (Tema nº 694 do Superior Tribunal de Justiça).
2. A declaração prestada pelo empregador a respeito da eficácia de equipamento de proteção individual não é suficiente para afastar o reconhecimento da especialidade em razão da sujeição ao ruído.
3. É possível reconhecer a especialidade do tempo de serviço na atividade de motorista de ônibus ou de caminhão, mesmo após a Lei nº 9.032, desde que o segurado demonstre o prejuízo à saúde ou à integridade física, mediante prova pericial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5011428-28.2018.4.04.7108/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 140, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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