
Apelação Cível Nº 5009712-71.2024.4.04.7102/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
Da sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de amparo assistencial ao deficiente, por ausência de impedimento de longo prazo (), apelou N. M. L. B.
Alegou, preliminarmente, o cerceamento de defesa por não ser oportunizada a produção plena de provas. No mérito, aduziu que já sofreu inúmeras internações psiquiátricas que, somadas à estigmatização ocasionada pela doença, implicam em impedimento de longo prazo e justificam a concessão do benefício pleiteado ().
Com contrarrazões (), subiram os autos.
VOTO
Preliminar de cerceamento de defesa
A parte apelante requer, preliminarmente, a anulação da sentença e a reabertura da instrução probatória para a realização de novas provas.
Sem razão, todavia. O conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. A prova produzida, em especial a pericial, é suficiente para a análise, ao menos, do primeiro requisito indispensável à concessão do pedido, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Por fim, registre-se que o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas e não demonstrada a pertinência das demais provas pretendidas.
Rejeita-se, portanto, a preliminar.
Benefício Assistencial ao Idoso ou Portador de Deficiência
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g.STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01 de julho de 2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19 de abril de 2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de recurso repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar for superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, 3ª Seção, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20 de novembro de 2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18 de abril de 2013, a reclamação nº 4374 e o recurso extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (1) requisito etário - ser idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou apresentar condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente); e (2) situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
No que diz respeito ao requisito etário, em se tratando de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise da condição incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Quanto à condição de deficiente, deve ficar comprovada a incapacidade para a vida independente, conforme disposto no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, esclarecendo que este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Cumpre ao julgador, portanto, ao analisar o caso concreto, observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
A situação de risco social, por sua vez, deve ser analisada inicialmente sob o ângulo da renda per capita do núcleo familar, que deverá ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Registro, no ponto, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no bojo do Tema 185 esclarecendo que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Devem ser excluídos do cálculo, todavia, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10 de fevereiro de 2014), bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10 de setembro de 2015), ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda.
Demais disso, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27 de junho de 2013).
Em relação à percepção do benefício instituído pelo Programa Bolsa Família, não só não impede o recebimento do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07 de outubro de 2014).
Concluindo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
Mérito da causa
A apelação foi interposta da decisão abaixo, que afirmou literalmente:
[...]
Segundo a perícia médica realizada por determinação deste Juízo, a parte autora não apresenta moléstia que a incapacite para o trabalho ou para a vida independente ou, ainda, impedimento de longo prazo que restrinja a participação social em igualdade de condições com as demais pessoas ( e ).
Portanto, não estando caracterizado o requisito da deficiência que implique impedimentos de longo prazo, o pedido de concessão de Benefício Assistencial deve ser julgado improcedente.
[...]
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 04/06/2025 (), a autora foi diagnosticada com inúmeras enfermidades, assim relacionadas:
Diagnóstico/CID:
- B24 - Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV] não especificada
- F10.2 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência
- F32.0 - Episódio depressivo leve
Diante das inúmeras patologias constadas, foi realizado amplo exame físico, assim detalhado pelo perito:
Exame físico/do estado mental: APARÊNCIA ( é a impressão e os detalhes da aparência física, adornos, roupas)
• OLIGOFRÊNICACONSCIENCIA (é a capacidade de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus objetos, def. neuropsicológica : estado de vigilância, clareza do sensório – trata do nível de consciência).• NormovigilATENÇÃO (é a direção da consciência e avalia a capacidade de concentração mental a um objeto)• HIPOTENAZ E HIPERVIGILSENSOPERCEPÇÃO (percepção é a tomada da consciência de estímulos externos – sensoriais)• PRESERVADAORIENTAÇÃO (Capacidade de situar-se a si mesmo e ambiente)•DESORIENTADA em tempo e espaço e autopsiquicamente (tempo/espaço / autopsíquica)MEMÓRIA (Capacidade de registrar, manter e evocar as experiências já ocorridas)• Imediata (1 a 3 minutos) sem prejuízo• Recente (minutos até 3-6 horas) prejuízo• Remota (meses a muitos anos) prejuízoINTELIGÊNCIA (conjunto das habilidades cognitivas do indivíduo, refere-se a capacidade de identificar e resolver problemas novos e encontrar soluções, as mais satisfatórias possíveis)• DÉFICIT INTELECTUALAFETO (E a dimensão psíquica que da cor, brilho e calor a todas as vivencias humanas, compreende varias modalidades: humor, emoções, sentimentos)• EMBOTADOPENSAMENTO (É formado por elementos constitutivos: Conceito, Juízo e raciocínio, porém em várias dimensões: Curso, Forma e conteúdo)•CURSO: normalFORMA: DESAGREGADACONTEÚDO: EMPOBRECIDOJUÍZO DE REALIDADE (por meio dos juízos o ser humano afirma a sua relação com o mundo, discerne a verdade com o erro, Ajuizar diz respeito a julgar que é subjetivo, individual, social, sócio cultural)• PREJUDICADOCONDUTA (maneira como o paciente se comporta durante a entrevista, avaliar também a psicomotricidade)• ColaborativaLINGUAGEM (atividade especificamente humana, uma criação social, difícil diferenciar normal X Pato)• BRADILÁLICA
Após avaliação física e análise da documentação médica complementar acostada aos autos, o expert concluiu que tais patologias não configuram deficiência e não acarretam impedimento de longo prazo, assim consignando a sua conclusão:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: O EXAME DO ESTADO MENTAL NÃO REVELOU QUAISQUER ALTERAÇÕES QUE POSSAM PREJUDICAR A PLENA PARTICIPAÇÃO DA PARTE AUTORA NA SOCIEDADE. A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NÃO EVIDENCIOU DÉFICITS COGNITIVOS, EMOCIONAIS OU COMPORTAMENTAIS QUE PUDESSEM JUSTIFICAR A CLASSIFICAÇÃO DE IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO OU DEFICIÊNCIA.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
Ao responder os quesitos complementares (), esclareceu o perito (grifei):
Quesitos complementares / Respostas:
1. As condições psiquiátricas da Autora, com múltiplas internações, afetam sua autonomia e capacidade laboral?
Resposta:Embora a parte autora apresente histórico de múltiplas internações psiquiátricas, na presente avaliação pericial não foram observados sintomas clínicos ativos ou prejuízos mentais significativos que impactem sua autonomia ou capacidade laboral de forma atual. O exame do estado mental revelou-se dentro dos parâmetros de normalidade, e a autora demonstrou preservação das funções cognitivas, volitivas e comunicacionais. Assim, não há evidência de limitação funcional relevante no momento da perícia que possa comprometer sua capacidade de realizar atividades da vida diária ou de se inserir em ocupações compatíveis com seu perfil funcional e histórico laboral.
________________________________________2. O uso contínuo de psicotrópicos e estabilizadores é compatível com comprometimento funcional crônico?Resposta:O uso contínuo de psicofármacos não implica, por si só, incapacidade funcional crônica. Trata-se de uma medida terapêutica comum em quadros psiquiátricos estabilizados, como o observado na parte autora. A autora apresenta adesão ao tratamento medicamentoso, com regime estável de Risperidona, Fluoxetina e Clonazepam, sem relato de efeitos adversos limitantes. Não há na avaliação indícios de prejuízo funcional associado ao uso das medicações em questão.
________________________________________3. A associação de HIV, transtornos mentais e idade agrava sua exclusão e impossibilita a reinserção no mercado de trabalho?Resposta:Apesar de a autora apresentar condição de saúde crônica (infecção por HIV) e histórico psiquiátrico, seu quadro atual é de estabilidade clínica, tanto do ponto de vista infectológico quanto psiquiátrico. Exames laboratoriais indicam carga viral indetectável e boa adesão ao tratamento antirretroviral. Não foram observadas limitações cognitivas, comportamentais ou emocionais que impossibilitem sua reinserção no mercado de trabalho, especialmente em ocupações compatíveis com sua condição. A idade, por si só, não configura fator de exclusão, tampouco foi identificado impedimento de longo prazo.
________________________________________4. Com base nos documentos anexados, a Autora necessita de amparo estatal contínuo?Resposta:Não. A análise clínica atual, bem como a documentação médica disponível, não demonstram a existência de impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que impossibilite a plena participação da autora na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
________________________________________5. Há risco de agravamento do quadro sem proteção assistencial?Resposta:A autora encontra-se em seguimento psiquiátrico e infectológico regular, com adesão satisfatória ao tratamento. A eventual ausência de benefício assistencial não implica, por si, piora do quadro clínico, desde que mantido o suporte médico já instituído.
Assim, havendo o laudo médico oficial concluído pela inexistência de deficiência ou impedimento de longo prazo, e inexistindo prova substancial em contrário, não há direito ao benefício pleiteado. Desse modo, a prova produzida pelo demandante se mostra insuficiente para infirmar o laudo médico judicial apresentado.
Destaque-se que o perito judicial detém o conhecimento científico necessário ao exame da parte, ficando ao seu cargo a análise dos exames laboratoriais ou físicos para exarar o seu diagnóstico. A desconsideração do laudo pericial somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que coloque, efetivamente, em dúvida a conclusão do expert do juízo.
Embora o julgador não esteja adstrito à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. Dessa forma, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que não ocorreu no presente caso.
A deficiência que constitui requisito para a concessão de benefício assistencial não representa qualquer restrição episódica ao exercício de atividade por limitações de pouca duração.
O art. 20, §2º, da Lei nº 8.742, expressamente estabelece:
Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, não se pode equiparar a situação da autora com a de pessoas que efetivamente não possuem a menor capacidade de exercer atividade profissional, em razão de doença física ou psíquica.
O mesmo dispositivo legal, em parágrafo posterior, define inclusive que, para ter direito ao benefício, a pessoa deva ser portadora de deficiência que tenha decisiva influência prejudicial em prazo mínimo de tempo:
§10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Por uma e outra razão legal, reitera-se aqui que a autora não tem direito ao benefício assistencial: não é portadora de deficiência e, se equivocadamente fosse assim considerada, essa deficiência não é originária de impedimento de longo prazo.
Além disso, não há documentos médicos que comprovem a alegada severidade de sua condição, o que é imprescindível ao reconhecimento do pedido. Nessa linha de entendimento, vem decidindo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO NÃO CONFIGURADO. HONORÁRIOS MAJORADOS. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 2. Diante da ausência de prova em relação à condição de deficiente que acarreta impedimento de longo prazo, não é devido o benefício. 3. Honorários majorados para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil. (TRF4, AC 5000012-76.2025.4.04.9999, 5ª Turma, Relator para Acórdão OSNI CARDOSO FILHO, julgado em 25/02/2025)
Ainda, cabível salientar que quanto ao fato de ser portadora da síndrome da imunodeficiência adquirida, tal fato, por si só, não configura impedimento de longo prazo, pois enquadra-se a autora naquelas hipóteses de portadora do vírus HIV assintomática e, portanto, não há direito ao benefício. Nesse sentido vem decidindo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VÍRUS HIV. PORTADOR ASSINTOMÁTICO. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO A LONGO PRAZO OU INCAPACIDADE. DESCABIMENTO. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (1) requisito etário - ser idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou apresentar condição de deficiente/impedimento a longo prazo (incapacidade para o trabalho e para a vida independente); e (2) situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 2. Do estigma ou da discriminação social eventualmente ocasionados pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida não decorre, como consequência direta a seu portador, o direito ao benefício assistencial previsto na Lei n. 8.742. 3. A evolução da medicina trouxe, já há algum tempo, significativa melhoria na qualidade de vida das pessoas portadoras do vírus que ocasiona a patologia mencionada, o que, inclusive, contribuiu para que, em grande parte dos casos, não se modifique a capacidade profissional. 4. Neste contexto, não basta apenas, a quem pretende obter benefício assistencial, a demonstração da incidência da doença, mas, sobretudo, que a mesma dá origem a incapacidade para o exercício das atividades laborais ou a impedimento de longo prazo. 5. São irrepetíveis os valore recebidos de boa-fé em virtude de decisão que antecipou os efeitos da tutela diante do seu caráter alimentar. Precedentes desta Corte. 6. Apelação do INSS a que se dá provimento. Invertidos os ônus da sucumbência. (TRF4, AC 5011942-38.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 12/07/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIV. NÃO CARACTERIZAÇÃO COMO DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. LAUDO PERICIAL MÉDICO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. São dois os requisitos para a concessão do benefício assistencial: condição de pessoa com deficiência/impedimento de longo prazo ou idosa (65 anos ou mais); e b) situação de risco social. 2. Somente contexto probatório muito relevante pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo. 3. Não havendo prova da deficiência ou impedimento a longo prazo, incabível a concessão do amparo assistencial. 4. Do estigma ou da discriminação social eventualmente ocasionados pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida não decorre, como consequência direta a seu portador, o direito ao Benefício Assistencial. 5. A evolução da medicina trouxe, já há algum tempo, significativa melhoria na qualidade de vida de pessoas portadoras da síndrome da imunodeficiência adquirida, o que, inclusive, contribuiu para que, em grande parte dos casos, não se modifique a capacidade profissional. 6. Neste contexto, não basta apenas, a quem pretende obter benefício assistencial, a demonstração da incidência da doença, mas, sobretudo, que a mesma dá origem a incapacidade para o exercício das atividades laborais ou a impedimento de longo prazo. 7. Apelações desprovidas. (TRF4, AC 5001588-04.2021.4.04.7103, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 14/12/2022)
Em resumo, as patologias identificadas não constituem deficiência e, mais ainda, não geram impedimento de longo prazo que inabilite a autora de promover atividade que lhe garanta seu próprio sustento em igualdade de condições com outras pessoas.
Assim, apontando o contexto probatório para a ausência de condição de deficiente que acarrete o impedimento de longo prazo, fica prejudicada a apreciação do exame do requisito sócio-econômico.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da gratuidade da justiça.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005394541v5 e do código CRC ff04abb2.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHOData e Hora: 03/11/2025, às 17:24:13
Conferência de autenticidade emitida em 10/11/2025 04:09:41.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5009712-71.2024.4.04.7102/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). CONDIÇÃO DE DEFICIENTE. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO NÃO CONFIGURADO. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. A realização de nova perícia ou novas provas, somente é recomendada quando a matéria não parecer suficientemente esclarecida ao juiz. O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais a prova constante dos autos é suficiente para o deslinde do feito.
2. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
3. Diante da ausência de prova em relação à condição de deficiente que acarreta impedimento de longo prazo, não é devido o benefício.
4. Honorários majorados para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005394542v3 e do código CRC 19d725ae.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHOData e Hora: 03/11/2025, às 17:24:13
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5009712-71.2024.4.04.7102/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 621, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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