
Apelação Cível Nº 5006608-76.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra sentença que julgou procedente o pedido, para condenar a autarquia a revisar o benefício de pensão por morte (NB 164.214.208-2), estabelecendo a Data de Início do Pagamento (DIP) na data do óbito do instituidor, ocorrido em 28/08/2022.
A controvérsia originou-se do fato de que o primeiro requerimento administrativo (NB 205.018.951-0) foi protocolado em 29/09/2022, em nome da filha menor do casal, apenas 32 dias após o falecimento. Este pedido foi indeferido pela Autarquia sob a alegação de perda da qualidade de segurado do instituidor. Posteriormente, um segundo requerimento foi formulado pela autora em 20/03/2023, o qual foi deferido, com Data de Início do Benefício (DIB) fixada na data do óbito, porém com a DIP estabelecida na data do segundo requerimento. A sentença entendeu que o indeferimento inicial configurou erro administrativo, não devendo onerar a segurada, e determinou a retroação dos efeitos financeiros à data do óbito.
Em suas razões de apelação, o INSS sustenta, em síntese, a suspensão do processo com base no Tema 1124 do Superior Tribunal de Justiça. Alega a inexistência de ilegalidade na decisão administrativa, afirmando que o indeferimento do primeiro pedido decorreu da inércia da parte autora em cumprir exigências formuladas. Aduz que os efeitos financeiros da concessão não podem retroagir, pois o deferimento no segundo pedido teria se baseado em novos elementos. Acusa a parte autora de litigância de má-fé por supostamente ter ocultado os motivos do primeiro indeferimento. Por fim, requer a inversão dos ônus da sucumbência e a isenção de juros moratórios, com base no princípio da causalidade.
Com contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
A concessão do benefício de pensão por morte, previsto no artigo 74 da Lei nº 8.213, rege-se pela legislação vigente à época do falecimento e depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a ocorrência do evento morte, a condição de dependente de quem objetiva a pensão e a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.
O termo inicial dos efeitos financeiros do benefício é regulado pelo mesmo dispositivo legal, que, em sua redação vigente à data do óbito, estabelece:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida em até 180 (cento e oitenta) dias após o óbito, para os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, ou em até 90 (noventa) dias após o óbito, para os demais dependentes;
No caso concreto, o óbito do instituidor, João Vanderlei Saldanha Soares, ocorreu em 28/08/2022. Conforme se depreende dos autos, o primeiro requerimento administrativo (NB 205.018.951-0) foi protocolado em 29/09/2022, ou seja, apenas 32 dias após o falecimento, dentro, portanto, do prazo legal de 90 dias que assegura o pagamento retroativo à data do evento morte.
O referido pedido foi indeferido pela Autarquia Previdenciária sob o fundamento de "Perda da qualidade de segurado" do instituidor. Contudo, a própria Administração, ao analisar segundo requerimento formulado em 20/03/2023 (NB 164.214.208-2), concedeu o benefício, reconhecendo, de forma implícita, que o falecido detinha, sim, a qualidade de segurado na data de seu falecimento. A carta de concessão é expressa ao fixar a Data de Início do Benefício (DIB) em 28/08/2022, o que corrobora o reconhecimento do direito desde o óbito.
A conduta da autarquia, ao negar o primeiro pleito com base em premissa fática que ela mesma, posteriormente, reviu e corrigiu, configura erro administrativo que não pode ser imputado em prejuízo da beneficiária. O direito à percepção das parcelas desde o óbito foi constituído com o protocolo tempestivo do primeiro requerimento, e o reconhecimento posterior desse direito pela Administração apenas confirma a irregularidade do indeferimento inicial.
A alegação do INSS de que o deferimento posterior se deu com base em "novos elementos" e que a parte autora não cumpriu exigências no primeiro processo não se sustenta. A análise dos processos administrativos juntados aos autos demonstra que a documentação essencial para a comprovação da qualidade de segurado já estava presente desde o início. A concessão ulterior do benefício, sem a apresentação de prova nova substancial, evidencia que se tratou de reanálise da mesma situação fática, culminando na correção de equívoco pretérito.
Nesse contexto, a pretensão de suspensão do feito com base no Tema 1124 do Superior Tribunal de Justiça não se aplica ao caso. O referido tema trata de situações em que os efeitos financeiros da revisão são discutidos quando documentos ou provas são apresentados exclusivamente em juízo ou em momento posterior, o que não é a hipótese dos autos, em que há erro administrativo no primeiro indeferimento de pedido tempestivo.
Da mesma forma, não há que se falar em litigância de má-fé por parte da autora. A requerente apenas buscou, pela via judicial, a correção de ato administrativo que a prejudicou, baseando sua pretensão justamente na existência e tempestividade do primeiro requerimento. A alegação de que a autora ocultou fatos não encontra respaldo probatório, sendo, ao contrário, a cronologia dos eventos a base de sua postulação.
A necessidade de ajuizamento da presente ação previdenciária não decorreu de qualquer omissão ou falha atribuível à parte autora. Pelo contrário, a busca pela tutela jurisdicional tornou-se imperativa em virtude do erro administrativo cometido pela própria Autarquia Previdenciária ao indeferir, de forma indevida, requerimento de pensão por morte que fora protocolado tempestivamente e que já continha a documentação suficiente à comprovação da qualidade de segurado do de cujus.
A subsequente concessão do benefício pelo próprio INSS, com fixação da Data de Início do Benefício (DIB) na data do óbito, demonstra o reconhecimento da falha pretérita, uma vez que não houve a apresentação de novos elementos de prova substanciais que justificassem mudança de entendimento, senão reanálise da mesma situação fática já constante dos registros administrativos.
Nesse contexto, o princípio da causalidade, que orienta a distribuição dos ônus sucumbenciais, milita em desfavor do INSS. Foi a decisão administrativa equivocada que forçou a parte autora a recorrer ao Poder Judiciário para ver seu direito plenamente reconhecido e concretizado desde a data legalmente prevista. A parte autora agiu com diligência ao protocolar o primeiro requerimento dentro do prazo e ao apresentar a documentação necessária. Não se pode exigir do segurado que, diante de erro da Administração, adote medidas adicionais para convencer o ente público a rever seu próprio equívoco, sob pena de transferir-lhe encargo indevido e desproporcional.
A invocação dos deveres acessórios da boa-fé objetiva, como o duty to mitigate the loss (dever de mitigar o próprio prejuízo), é inaplicável à hipótese. Este dever pressupõe omissão da parte em agir para evitar a ampliação do dano. Contudo, a parte autora, ao protocolar o primeiro pedido com todos os documentos hábeis, cumpriu sua parte, sendo o dano decorrente diretamente do ato administrativo falho. A insistência do INSS em não reconhecer o termo inicial correto do benefício, mesmo após a constatação de seu próprio erro, é que se mostra contrária à boa-fé objetiva.
Assim, a sentença, ao determinar a retroação da Data de Início do Pagamento (DIP) para a data do óbito, alinhou-se à legislação previdenciária e ao princípio que veda o comportamento contraditório da Administração Pública (venire contra factum proprium). A existência de requerimento administrativo tempestivo é o marco que define o termo inicial dos efeitos financeiros, não podendo o erro da autarquia em sua análise inicial penalizar a parte segurada.
Honorários de advogado
O Código de Processo Civil - CPC em vigor inovou de forma significativa a distribuição dos honorários de advogado, buscando valorizar a sua atuação profissional, especialmente por se tratar de verba de natureza alimentar (artigo 85, §14, CPC).
Destaca-se, ainda, que estabeleceu critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme se extrai da leitura do respectivo parágrafo terceiro, incisos I a V, do mesmo artigo 85.
A um só tempo, a elevação da verba honorária intenta o desestímulo à interposição de recursos protelatórios.
Considerando o desprovimento do recurso do INSS, associado ao trabalho adicional realizado nesta instância no sentido de manter a sentença de procedência, a verba honorária deve ser aumentada em favor do procurador da parte vencedora.
Assim sendo, em atenção ao que se encontra disposto no artigo 85, §4º, II, do CPC, os honorários advocatícios deverão contemplar o trabalho exercido pelo profissional em grau de recurso, acrescendo-se, em relação ao percentual arbitrado, mais 20% (vinte por cento).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixa-se de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Por fim, advertem-se as partes da disciplina contida no art. 1.026, §2º, do Código de Processo Civil, que estabelece expressamente:
§ 2º Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa.
A oposição de embargos da presente decisão, se forem assim considerados, ocasionará a sanção legal.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005398249v3 e do código CRC 4dca7385.
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Apelação Cível Nº 5006608-76.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO TEMPESTIVO. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. RETROAÇÃO À DATA DO ÓBITO.
1. A concessão de pensão por morte depende da comprovação do falecimento, da condição de dependente de quem pretende obter o benefício e a demonstração da qualidade de segurado do instituidor por ocasião do óbito.
2. O erro administrativo no indeferimento inicial de pedido tempestivo de pensão por morte, posteriormente corrigido com a concessão do benefício em novo pedido baseado na mesma situação fática, não pode prejudicar o segurado, devendo a Data de Início do Pagamento (DIP) retroagir à data do óbito, em conformidade ao art. 74, I, da Lei nº 8.213.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5006608-76.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 2, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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