
Apelação/Remessa Necessária Nº 5027018-21.2013.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: DARLY DAVILA DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por Darly Dávila de Souza contra o INSS julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar o réu a: a) reconhecer o exercício de atividade em condições especiais nos períodos de 13-11-1981 a 03-10-1983, de 23-04-1985 a 27-08-1986, de 02-12-1988 a 24-08-1990, de 28-08-1990 a 11-06-1992, de 12-06-1992 a 17-09-1993, de 18-10-1994 a 18-10-2001, de 18-11-2003 a 02-09-2004, de 01-09-2004 a 13-05-2005 e de 02-01-2006 a 26-09-2006, bem como proceder à averbação do tempo de serviço especial e à conversão para tempo comum; b) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, salvo se a parte autora não alcançar tempo suficiente de serviço, caso em que o INSS deverá considerar o tempo de contribuição posterior à data de entrada do requerimento; c) pagar as parcelas vencidas desde a data da citação, com atualização monetária a partir do vencimento de cada parcela pelo INPC, bem como juros de mora a contar da citação à taxa de 1% ao mês. O INSS foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) do valor da condenação, incluídas as parcelas vencidas até a data da sentença, e ao ressarcimento dos honorários periciais.
Ambas as partes interpuseram apelação.
O autor postulou o reconhecimento do tempo de serviço especial nos períodos de 19-05-1980 a 19-10-1981, de 24-01-1984 a 11-01-1985, de 31-08-1986 a 03-11-1988, de 08-07-2002 a 17-11-2003 e de 02-10-2006 a 11-04-2011, visto que foi comprovada a exposição a ruído superior a 85 decibéis na função de lixador. Alegou que a perícia técnica foi realizada por perito especialista nas rotinas e funções de fábricas de calçados e curtumes, o que afasta o argumento da sentença de não comprovação da função exercida. Preconizou a concessão do benefício desde a data do requerimento administrativo (11-04-2011), salientando que apresentou todos os documentos necessários para a comprovação do tempo de atividade especial nessa ocasião. Ponderou que sempre laborou no setor produtivo de empresas calçadistas e curtumes, cujas condições de trabalho expõem normalmente os empregados a agentes nocivos à saúde, como hidrocarbonetos aromáticos, óleos, graxas e ruído excessivo.
O INSS apontou que a sentença determinou a concessão do benefício a partir da data em que os requisitos foram preenchidos, porquanto a parte autora continuou contribuindo para a Previdência após a data de entrada do requerimento (DER). Sustentou que não cabe ao magistrado, sem a provocação da parte, fixar um novo termo inicial para o benefício, extrapolando o pedido formulado na inicial. Aduziu que, nos períodos de 18-11-2003 a 02-09-2004, de 01-09-2004 a 13-05-2005 e de 02-01-2006 a 26-09-2006, o autor utilizou de forma regular equipamentos de proteção individual eficazes, o que impede o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço. Postulou a aplicação dos critérios de correção monetária e juros de mora previstos no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, visto que a decisão do Supremo Tribunal Federal nas ADI 4.357 e 4.425 refere-se somente aos créditos inscritos em precatório.
As partes não apresentaram contrarrazões.
A sentença foi publicada em 8 de julho de 2016.
VOTO
Não conhecimento da remessa necessária
De início, cabe salientar que as disposições do artigo 475 do antigo Código de Processo Civil não se aplicam às sentença proferidas após 18 de março de 2016, quando entrou em vigor o novo CPC (Lei nº 13.105/2015).
Conforme o artigo 29, §2º, da Lei nº 8.213/1991, o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício.
De acordo com a Portaria Interministerial MTPS/MF nº 1, de 08 de janeiro de 2016, o valor máximo do salário de benefício e do salário de contribuição, a partir de 1º de janeiro de 2016, é de R$ 5.189,82 (cinco mil cento e oitenta e nove reais e oitenta e dois centavos).
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça há entendimento sedimentado no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490). Importa atentar, no entanto, que é excluída da ordem do duplo grau de jurisdição a sentença contra a União e respectivas autarquias e fundações de direito público que esteja a contemplar condenação ou proveito econômico na causa por valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos, por força do artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Em ações de natureza previdenciária, o valor da condenação ou do proveito econômico à parte, com correção monetária e juros de mora, em nenhuma situação alcançará o valor de 1.000 (um mil) salários mínimos. É o que se dá mesmo na hipótese em que a renda mensal inicial (RMI) do benefício previdenciário deferido seja fixada no valor máximo (teto) e bem assim seja reconhecido o direito do beneficiário à percepção de parcelas em atraso, a partir daquelas correspondentes a 5 (cinco) anos que antecedem a propositura da ação (art. 103, parágrafo único da Lei nº 8.213/91).
Assim, no presente caso, não se pode fazer projeção alguma de montante exigível que legalmente releve a decisão proferida a reexame necessário.
Nesse contexto, a remessa necessária não deve ser conhecida.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, a lei de conversão (Lei nº 9.711/1998) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, em conformidade com o precedente do STJ, estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Por fim, afigura-se irrelevante que a empresa não tenha informado, no campo 'GFIP' do PPP, o caráter especial da atividade exercida pelo autor, bem como que não tenha recolhido a respectiva contribuição adicional. Afinal, a forma como a sociedade empresária cumpre uma obrigação tributária não possui relação com o direito de natureza previdenciária de que é titular o empregado.
Tampouco se diga haver violação ao princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, § 5º). Isso porque a aposentadoria especial é prevista na própria Constituição Federal, de modo que a sua concessão independe da identificação da fonte de custeio, a qual, não obstante, consta no § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DO LABOR. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. NOCIVIDADE COMPROVADA. AGENTES QUÍMICOS. MANUTENÇÃO DO ATO JUDICIAL RECORRIDO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. (...) 3. O reconhecimento de tempo especial, em hipóteses como a dos autos, não pressupõe caso de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), caso em que sua concessão independe de identificação da referida fonte. (...) (TRF4, AC 5002079-18.2015.4.04.7201, QUINTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 13/11/2017)
Utilização de equipamento de proteção individual
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a Medida Provisória nº 1.729/1998, convertida na Lei nº 9.732/1998, modificou a redação do art. 58, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, estabelecendo que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial. Note-se que a questão atinente ao uso do EPI só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729/1998.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
No período posterior à MP nº 1.729/1998, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano pelo ruído. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Assinale-se que é irrelevante o fato de a empresa deixar de recolher a contribuição adicional prevista no art. 57, § 6º, da Lei nº 8.213/1991, em razão da utilização de EPI, pois o direito ao benefício, no caso de segurado empregado, não depende da comprovação do recolhimento da contribuição previdenciária.
Agente físico ruído
Em se tratando do agente nocivo ruído, o reconhecimento da especialidade do labor exige, em qualquer período, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Ou seja, não basta, aqui, mesmo no período anterior a 28 de abril de 1995, o enquadramento por categoria profissional, sendo exigida prova da exposição ao agente nocivo.
Em relação ao agente nocivo ruído, consideram-se os níveis de pressão sonora estabelecidos na legislação em vigor na data da prestação do trabalho, conforme o quadro a seguir:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
até 05/03/1997 | 1. Decreto nº 53.831/1964; 2. Decreto nº 83.080/1979 | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB |
de 06/03/1997 a 06/05/1999 | Decreto nº 2.172/1997 | Superior a 90 dB |
de 07/05/1999 a 18/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999, na redação original | Superior a 90 dB |
a partir de 19/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999 com alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003 | Superior a 85 dB |
Cabe esclarecer que os Decretos nº 53.831/1964 e 83.080/1979 tiveram vigência concomitante até a edição do Decreto nº 2.172/1997, que revogou de forma expressa o fundamento de validade da legislação então vigente. Dessa forma, até 05/03/1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n° 53.831/64.
O Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o limite de tolerância ao agente físico ruído para 85 decibéis, não pode ser aplicado retroativamente. Dessa forma, entre 06 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003, o limite de tolerância ao ruído corresponde a 90 decibéis, consoante o código 2.0.1 do Anexo IV dos Decretos n° 2.172/1997 e 3.048/1999. O Superior Tribunal de Justiça examinou a matéria em recurso especial repetitivo e fixou a seguinte tese:
Tema nº 694: O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). (REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)
Agentes químicos - hidrocarbonetos e óleos minerais
Os tóxicos orgânicos, especialmente os hidrocarbonetos, constituem agente químico nocivo elencado no Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964 (código 1.2.11 - tóxicos orgânicos), no Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 (código 1.2.10 - hidrocarboneto e outros compostos de carbono), no Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e no Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999 (códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 - benzeno e seus compostos tóxicos; carvão mineral e seus derivados; outras substâncias químicos, arroladas em extenso rol).
Os hidrocarbonetos abrangem, em verdade, uma multiplicidade de substâncias químicas. O fato de o decreto regulamentar não mencionar a expressão hidrocarbonetos não significa que não tenha encampado, como agentes nocivos, diversos agentes químicos que podem ser assim qualificados. Cuida-se, precisamente, do que sucedeu nos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999.
De qualquer sorte, ainda que os hidrocarbonetos não estivessem arrolados nos apontados atos infralegais, não haveria óbice ao reconhecimento de sua nocividade. Isso porque, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991) (REsp 1.306.113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013).
Desse modo, constatando-se, concretamente, a insalubridade de determinada atividade, é imperioso o reconhecimento da sua especialidade, ainda que o agente nocivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar. Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
Também por essa perspectiva, portanto, a exposição a hidrocarbonetos autorizaria o reconhecimento da especialidade da atividade, desde que contatada, concretamente, a sua nocividade. Os danos provocados à saúde por esses agentes químicos são, aliás, bastante conhecidos. Com efeito, o contato com esses agentes (graxas, óleos minerais, hidrocarbonetos aromáticos, combustíveis, solventes, inseticidas, etc.) é responsável por frequentes dermatoses profissionais, com potencialidade de ocasionar afecções inflamatórias e até câncer cutâneo em número significativo de pessoas expostas, em razão da ação irritante da pele, com atuação paulatina e cumulativa, bem como irritação e dano nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo. Isto para não mencionar problemas hepáticos, pulmonares e renais (TRF4, APELREEX 0002033-15.2009.404.7108, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 12/07/2011). Justifica-se, portanto, a especialidade da atividade.
A avaliação quantitativa é desnecessária para os agentes nocivos previstos nos Anexos nº 6, 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora - NR 15, aprovada pela Portaria nº 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme dispõe o art. 157, §1º, inciso I, da Instrução Normativa INSS/DC nº 118/2005. Os tóxicos orgânicos, especialmente os hidrocarbonetos, constituem agente químico nocivo, constante no Anexo 13 da NR-15, no código 1.2.11 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964, no código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 e no código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e do Decreto nº 3.048/1999.
A corroborar o exposto, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. EXAME LAUDO DA EMPRESA. REGISTRO DE AGENTES QUÍMICOS. ESPECIALIDADE. . Constatada omissão quanto à análise da especialidade do labor do autor em face do laudo técnico que registra trabalho exposto a agentes químicos, impõe-se a correção da irregularidade, examinando-se a matéria. . No Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, e o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, constam como insalubres as atividades expostas a poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono nas operações executadas com derivados tóxicos do carbono, em que o segurado ficava sujeito habitual e permanentemente (Códigos 1.2.11, 1.2.10; 1.0.3, 1.017 e 1.0.19). . Apesar de não haver previsão específica de especialidade pela exposição a hidrocarbonetos em decreto regulamentador, há o enquadramento de atividade especial, pois a sua manipulação de modo habitual e permanente já é suficiente para o reconhecimento da atividade exposta ao referido agente nocivo, sem necessidade de avaliação quantitativa (Precedentes desta Corte). . Embargos providos para, reconhecida a especialidade nos períodos de 01/09/1988 a 10/09/1992, 01/02/1993 a 21/04/2002 e 03/02/2003 a 22/10/2003, em face de agentes químicos, reconhecer o direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da primeira DER, em 24/07/2006. (TRF4 5018797-83.2012.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2018)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. FUNILEIRO. MECÂNICO. RUÍDO. HIDROCARBONETOS. TUTELA ESPECÍFICA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 2. O ruído permite enquadramento no Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, no Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, no Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, e no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06-05-1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18-11-2003. 3. A exposição a hidrocarbonetos permite enquadramento no Decreto nº 53.831/64, em seu Quadro Anexo, item 1.2.11; no Decreto nº 72.771/73, em seu Anexo I, item 1.2.10; no Decreto nº 83.080/79, Anexo I, item 1.2.10 e no Decreto n. 3.048/99, itens 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 do Anexo IV. 4. Em se tratando de agente químico, a avaliação deve ser qualitativa, mostrando-se desnecessário apontar no laudo a sua quantidade. 5. Possível afastar o enquadramento da atividade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de proteção individual que elidam a insalubridade. 6. Resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício de aposentadoria especial, pois é inconstitucional o § 8º do artigo 57 da Lei de Benefícios. Precedentes. 7. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). 8. A forma de cálculo dos consectários legais resta diferida para a fase de execução do julgado. (TRF4 5024652-61.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 11/07/2017)
Caso concreto
A apelação do autor diz respeito ao reconhecimento da especialidade nos períodos a seguir:
Período | Empresa | Cargo e setor | Provas |
19-05-1980 a 19-10-1981 | Calçados Dinâmica Ltda. (empresa desativada) | Serviços gerais | CTPS (evento 13, procadm1, p. 19), formulário DSS-8030 (evento 13, procadm3, p. 6), perícia judicial (evento 128) |
24-01-1984 a 11-01-1985 | Haas S/A Indústria e Comércio (massa falida) | Serviços gerais | CTPS (evento 13, procadm1, p. 19), formuário DSS-8030 (evento 13, procadm3, p. 8), perícia judicial (evento 128) |
31-08-1986 a 03-11-1988 | Eldorado Beneficiamento de Couros Ltda. (massa falida) | Serviços gerais | CTPS (evento 13, procadm1, p. 20), formulário DSS-8030 (evento 13, procadm3, p. 19), perícia judicial (evento 53) |
08-07-2002 a 17-11-2003 | Jamap Beneficiamento de Couros Ltda. | Lixador | PPP (evento 13, procadm3, p. 18-19), perícia judicial (evento 128) |
02-10-2006 a 11-04-2011 | Couros Nobre Ltda. | Operador de lixa | PPP (evento 13, procadm3, p. 24-25) |
Em relação aos períodos de 19-05-1980 a 19-10-1981, de 24-01-1984 a 11-01-1985 e de 31-08-1986 a 03-11-1988, a sentença julgou improcedente o pedido, porque as empresas não forneceram a documentação exigida para a comprovação do tempo de serviço especial e a carteira de trabalho do autor registra o cargo de serviços gerais, sem especificar o setor ou as atividades efetivamente exercidas. O juízo desconsiderou a aptidão probatória dos formulários DSS-8030, visto que os documentos foram preenchidos pelo Sindicato dos Trabalhadores no Calçado de Novo Hamburgo (Calçados Dinâmica e Haas S/A) e pelo preposto da massa falida (Eldorado Beneficiamento de Couros) com base nas declarações prestadas pelo próprio autor e nos dados da carteira de trabalho. Pela mesma razão, não levou em conta as constatações da perícia judicial.
A questão, no entanto, comporta análise sob outros aspectos.
A realidade dos trabalhadores nas indústrias de calçados e curtumes não pode ser ignorada. É fato amplamente conhecido nas ações previdenciárias que, neste tipo de empresa, os operários são contratados no cargo de serviços gerais, mas efetivamente trabalham na fabricação dos calçados e no beneficiamento do couro, em suas várias etapas industriais. Também é sabido que o processo produtivo nas várias empresas do ramo não difere substancialmente, sendo utilizados insumos, maquinário e técnicas semelhantes.
É possível aplicar as regras de experiência comum para a apuração dos fatos, a partir dos elementos existentes nos autos, no caso em que as empresas encerraram as suas atividades, sem fornecer o formulário e o laudo técnico para comprovar o exercício de atividade especial. O art. 375 do Código de Processo Civil (art. 335 do antigo CPC) autoriza o juiz a usar as máximas da experiências tanto para colher as provas como para valorá-las. Esse é o teor do dispositivo:
Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.
Logo, embora as informações atinentes às tarefas desempenhadas pelo empregado, ao setor e às características do ambiente de trabalho tenham sido prestadas pelo sindicato ou pelo síndico da massa falida com base nas declarações do próprio empregado, os formulários DSS-8030 mostram-se idôneos para o fim de determinar as circunstâncias fáticas da atividade realizada pelo autor.
A prova pericial judicial, realizada por similaridade, constatou que a atividade exercida pelo autor nas empresas Calçados Dinâmica e Calçados Haas - aplicar cola no cabedal dos calçados antes da montagem manual dos calçados - acarretava a exposição a nível de ruído de 84 dB e a hidrocarbonetos aromáticos, de modo habitual e permanente, em condições de risco ocupacional. Os efeitos nocivos dos agentes químicos foram bem explicitados no laudo pericial (evento 128):
As colas de sapateiro possuem basicamente em sua composição resinas de policloroprene/poliuretano, solventes orgânicos aromáticos (tolueno, benzeno) e alifáticos (hexano), ésteres, cetonas e outros. Os produtos utilizados são tóxicos por inalação, ingestão e contato com a pele.
Os hidrocarbonetos aromáticos são absorvíveis por via respiratória e por via cutânea, mesmo estando esta intacta. O contato provoca irritação e rachaduras da pele e mucosas propiciando a penetração de microorganismos, também favorecendo o desenvolvimento de dermatites de contato e suas complicações infecciosas em função de sua ação desengordurante, além da exposição ocular determinar conjuntivite e queimadura das córneas. A inalação destes produtos determina tontura ou sufocação, dor de cabeça, náuseas, sonolência, irritação das vias respiratórias. Além disto, são depressores do sistema nervoso central (SNC).
Também foi efetuada a vistoria em empresa semelhante para examinar as condições laborais na empresa Eldorado Beneficiamento em Couros, no período de 31-08-1986 a 03-11-1988. O perito concluiu que o autor estava exposto a níveis de ruído de 85,2 dB(A) a 86,5 dB(A) na atividade de operação da máquina de lixar, desempenhada no setor de produção (evento 53).
Quando o estabelecimento em que o serviço foi prestado encerrou suas atividades, admite-se a perícia indireta ou por similitude, realizada mediante o estudo técnico em outro estabelecimento, que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida. O fato de o laudo técnico ter examinado as condições ambientais em empresa paradigma, e não na empresa em que a parte autora trabalhou, não lhe retira o valor probatório, conforme já decidiu este Tribunal (TRF4, EINF 0008289-08.2008.404.7108, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/08/2011; TRF4, EINF 0003914-61.2008.404.7108, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 10/06/2011).
Não se reduz a força probante da perícia, ainda que a prova não tenha sido colhida no tempo em que foram prestados os serviços. Além de inexistir laudo da época dos fatos, é notório que a evolução tecnólogica permitiu maior proteção ao trabalhador, em razão do aperfeiçoamento dos equipamentos de proteção individual e das máquinas e instrumentos de trabalho. Uma vez que as antigas condições ambientais eram ainda mais ofensivas à saúde do trabalhador, a extemporaneidade da perícia não afeta o seu valor probatório (TRF4, EINF 0031711-50.2005.404.7000, Terceira Seção, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 08/08/2013)
Quanto aos períodos de 08-07-2002 a 17-11-2003 e de 02-10-2006 a 11-04-2011, a sentença não reconheceu a especialidade, pois a perícia judicial efetuada na empresa Jamap Beneficiamento de Couros verificou a exposição a ruído em intensidade de 87 dB(A) e o perfil profissiográfico previdenciário da empresa Couros Nobre informou níveis de ruído em intensidade variável de 79 dB(A) e 90 dB(A).
No período entre 6 de março de 1997 a 18 de novembro de 2003, o enquadramento da atividade exige a exposição a nível de ruído superior a 90 decibéis. Assim, não está caracterizada a especialidade do período de 08-07-2002 a 18-11-2003.
O PPP da empresa Couros Nobre não observou os critérios da Norma de Higiene Ocupacional nº 1 (NHO 01), da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO), que estabelece a metodologia para a avaliação ambiental da exposição a ruído mediante uma média ponderada (art. 68, § 12, Decreto nº 3.048/1999). Todavia, adotar o cálculo do nível de ruído pela média aritmética simples não se mostra consentâneo com os elementos de prova colhidos nos autos. Uma vez que o autor trabalhou no mesmo cargo de operador de máquina de lixar em várias empresas, considera-se o nível de ruído quantificado nas perícias judiciais relativas às empresas Eldorado Beneficiamento em Couros (85,2 dB a 86,5 dB) e Jamap Beneficiamento de Couros (87 dB), bem como no PPP das empresas Bier Scharlau (87,3 dB) e BCM Indústria de Couros (87,4 dB). Note-se que há pequena variação no ruído medido pelos peritos, o que evidencia a semelhança das condições ambientais de trabalho.
Em suma, acolhe-se em parte a apelação do autor, para reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos de 19-05-1980 a 19-10-1981, de 24-01-1984 a 11-01-1985, de 31-08-1986 a 03-11-1988 e de 02-10-2006 a 11-04-2011.
Por sua vez, a apelação do INSS não prospera.
Nos períodos de 18-11-2003 a 02-09-2004, de 01-09-2004 a 13-05-2005 e de 02-01-2006 a 26-09-2006, o enquadramento da atividade como especial decorreu da exposição do autor a nível de ruído acima dos limites de tolerância.
Consoante a fundamentação acima expendida, a utilização de protetor auricular não é suficiente para elidir os efeitos nocivos do ruído. Por essa razão, a declaração do empregador sobre a eficácia do EPI não tem o condão de afastar o reconhecimento da especialidade com base no agente nocivo ruído (Tema nº 555 do STF).
Cabe salientar que essa fundamentação é aplicável a todos os períodos posteriores a 3 de dezembro de 1998 reconhecidos em razão do parcial provimento da apelação do autor.
Requisitos para a aposentadoria especial
Para fazer jus à aposentadoria especial, o segurado deve exercer atividades prejudiciais à saúde ou à integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada.
No caso dos autos, a contagem de tempos de atividade especial segue a tabela abaixo:
Nº | ATIVIDADE ESPECIAL | |||||
Data inicial | Data final | Dias | Anos | Meses | Dias | |
1 | 19/05/1980 | 19/10/1981 | 516 | 01 | 05 | 01 |
2 | 13/11/1981 | 03/10/1983 | 686 | 01 | 10 | 21 |
3 | 24/01/1984 | 11/01/1985 | 348 | 00 | 11 | 18 |
4 | 23/04/1985 | 27/08/1986 | 490 | 01 | 04 | 05 |
5 | 31/08/1986 | 03/11/1988 | 793 | 02 | 02 | 03 |
6 | 02/12/1988 | 24/08/1990 | 628 | 01 | 08 | 23 |
7 | 28/08/1990 | 11/06/1992 | 649 | 01 | 09 | 14 |
8 | 12/06/1992 | 17/09/1993 | 461 | 01 | 03 | 06 |
9 | 18/10/1994 | 18/10/2001 | 2556 | 07 | 00 | 01 |
10 | 18/11/2003 | 02/09/2004 | 285 | 00 | 09 | 15 |
11 | 03/09/2004 | 13/05/2005 | 251 | 00 | 08 | 11 |
12 | 02/01/2006 | 26/09/2006 | 265 | 00 | 08 | 25 |
13 | 02/10/2006 | 11/04/2011 | 1650 | 04 | 06 | 10 |
Total | 9578 | 26 | 02 | 28 |
Verifica-se que o autor, na data do requerimento administrativo (11-04-2011), preencheu os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria especial.
Importa referir que a renda mensal inicial do benefício deve ser calculada sem a incidência do fator previdenciário, segundo o art. 29, inciso II, da Lei nº 8.213/1991.
Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição
Na data do requerimento administrativo (11-04-2011), o INSS contou o tempo de contribuição de 28 anos, 10 meses e 1 dia e a carência de 347 meses.
A conversão do tempo de atividade especial em comum, pelo fator 1,4, acresce ao tempo de contribuição 10 anos, 6 meses e 29 dias, o que resulta no tempo total de 39 anos e 5 meses.
Desse modo, o autor também preencheu os requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo, com base na regra permanente do art. 201, §7º, da Constituição Federal.
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº nº 9.876/1999, com a incidência do fator previdenciário.
Opção pelo benefício mais vantajoso
O INSS deve proceder à implantação do benefício que for mais vantajoso, considerando o valor apurado da renda mensal inicial da aposentadoria.
Reafirmação da data de entrada do requerimento (DER)
A apelação do INSS, quanto à reafirmação da DER, está prejudicada, pois não houve o cômputo do contagem do tempo de contribuição posterior à data do requerimento administrativo.
Efeitos financeiros da condenação
A regra geral para a data de início dos benefícios de aposentadoria por idade, tempo de serviço/contribuição e especial é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõe o art. 49, inciso II, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.213/1991.
Entender que os efeitos financeiros da condenação do INSS a conceder o benefício devem corresponder à data da citação, porque as provas trazidas aos autos não foram apresentadas por ocasião do requerimento administrativo, implica conceber o surgimento do direito como decorrência da comprovação cabal da sua existência. Tal exegese não se mantém diante do disposto no art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, que fixa a data de início do pagamento da primeira prestação em até quarenta e cinco dias após a apresentação da documentação necessária para a concessão do benefício, pois a data de início do benefício não se confunde com a data do primeiro pagamento. Ora, se o segurado já havia cumprido todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício, o direito já estava aperfeiçoado e incorporado ao seu patrimônio jurídico no momento do pedido administrativo. Aliás, a prova do direito ao benefício não consiste em condição para o seu exercício, tanto que a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento do benefício, consoante o art. 105 da Lei nº 8.213/1991.
Também não se sustenta o entendimento de que a ausência de requerimento administrativo de aposentadoria especial, a data de início do pagamento do benefício deve ser fixada na data da citação do INSS. Primeiro, porque, nas ações previdenciárias, admite-se a fungibilidade entre os benefícios similares, como a aposentadoria por tempo de contribuição e a aposentadoria especial. Segundo, porque, na via administrativa, não existe a opção de agendar o requerimento de aposentadoria especial.
Portanto, os efeitos financeiros da condenação retroagem à data do requerimento administrativo de aposentadoria (11-04-2011).
A propósito, cite-se julgado deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. REGRAS PERMANENTES. TUTELA ESPECÍFICA. (...) 4. A data de início dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é a da entrada do requerimento administrativo do benefício (art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n° 8.213/91). O direito ao cômputo do tempo rural trabalhado representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico da segurado, cabendo ressaltar que tal entendimento subsiste ainda que ele não houvesse apresentado toda a documentação necessária à comprovação de seu direito naquela oportunidade. Assim, se ao postular o beneficio na via administrativa, o requerente já havia cumprido os requisitos necessários à sua inativação, estava exercendo um direito do qual já era titular, sendo que a comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido, nem lhe confere qualquer vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 0023853-11.2013.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 03/10/2014)
Correção monetária e juros de mora
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).
Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema nº 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213/1991).
Os juros moratórios incidem a contar da citação, à taxa aplicada à caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada).
Implantação imediata do benefício
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a implantação do benefício postulado.
Dispositivo
Não conheço da remessa necessária.
Dou parcial provimento à apelação do autor, para condenar o INSS a: a) reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos de 19-05-1980 a 19-10-1981, de 24-01-1984 a 11-01-1985, de 31-08-1986 a 03-11-1988 e de 02-10-2006 a 11-04-2011 e proceder à averbação do tempo de serviço especial; b) conceder o benefício mais vantajoso, considerando que o autor preencheu os requisitos para a aposentadoria especial e a aposentadoria por tempo de contribuição; c) pagar as prestações vencidas desde a data do requerimento administrativo (11-04-2011).
Dou parcial provimento à apelação do INSS, para determinar o cômputo dos juros de mora conforme a taxa da caderneta de poupança.
De ofício, concedo a tutela específica.
Em face do que foi dito, voto no sentido de não conhecer da remessa necessária, dar parcial provimento à apelação da parte autora e do INSS e, de ofício conceder a tutela específica.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002067265v45 e do código CRC f1f235d7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/11/2020, às 23:54:8
Conferência de autenticidade emitida em 10/11/2020 04:01:06.

Apelação/Remessa Necessária Nº 5027018-21.2013.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: DARLY DAVILA DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
previdenciário. não conhecimento da remessa necessária. exercício de atividade especial. empresas extintas. agente físico ruído. agentes químicos. hidrocarbonetos. equipamento de proteção individual. efeitos financeiros da condenação. correção monetária e juros de mora.
1. A remessa necessária não deve ser admitida quando se puder constatar que, a despeito da iliquidez da sentença, o proveito econômico obtido na causa será inferior a 1.000 (mil) salários (art. 496, § 3º, I, CPC) - situação em que se enquadram, invariavelmente, as ações destinadas à concessão ou ao restabelecimento de benefício previdenciário pelo Regime Geral de Previdência Social.
2. É possível analisar a especialidade do trabalho no cargo de serviços gerais, considerando os dados informados nos formulários emitidos por síndico da massa falida ou pelo representante do sindicato, os quais, embora não comprovem a exposição a agentes nocivos, servem como subsídio probatório para identificar o setor de trabalho e as atividades realizadas na função.
3. Quando o estabelecimento em que o serviço foi prestado não está mais em funcionamento, admite-se a prova indireta, realizada em outro estabelecimento que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida.
4. A ausência de expressa referência em decreto regulamentar a hidrocarbonetos não equivale a que tenha desconsiderado, como agentes nocivos, diversos compostos químicos que podem ser assim qualificados.
5. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros compostos tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa.
6. O limite de tolerância para o agente físico ruído é de 90 (noventa) decibéis, no período entre 6 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003 (Tema nº 694 do Superior Tribunal de Justiça).
7. A declaração prestada pelo empregador a respeito da eficácia de equipamento de proteção individual não é suficiente para afastar o reconhecimento da especialidade em razão da sujeição ao ruído.
8. Preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício na data do requerimento administrativo, desde então retroagem os efeitos da condenação em favor do segurado, ainda que a comprovação do direito tenha acontecido em momento distinto.
9. Aplicam-se os critérios de correção monetária e juros de mora estabelecidos no Tema nº 905 do Superior Tribunal de Justiça após 30 de junho de 2009.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, dar parcial provimento às apelações da parte autora e do INSS e, de ofício conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002067266v5 e do código CRC e4cb1a11.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/11/2020, às 23:54:8
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/10/2020 A 20/10/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5027018-21.2013.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: DARLY DAVILA DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/10/2020, às 00:00, a 20/10/2020, às 14:00, na sequência 94, disponibilizada no DE de 01/10/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DA PARTE AUTORA E DO INSS E, DE OFÍCIO CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 10/11/2020 04:01:06.