
Apelação Cível Nº 5004773-18.2024.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
J. S. interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-acidente, condenando-o ao pagamento dos ônus sucumbenciais, com exigibilidade suspensa por litigar sob amparo da justiça gratuita. ().
Sustentou que é portador de sequela em decorrência de acidente que reduz sua capacidade de trabalho, conforme comprovado pelo laudo pericial elaborado nos autos. Destacou que a lei não faz referência ao grau da lesão, citando precedentes. Protestou pela reforma da sentença, com inversão dos ônus sucumbenciais, a fim de que seja concedido o auxílio-acidente ().
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Auxílio-acidente
A norma que disciplina o benefício de auxílio-acidente está prevista no art. 86 da Lei nº 8.213:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinquenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997)
O auxílio-acidente é benefício concedido como forma de indenização aos segurados indicados no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.213, que, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
A lei não faz referência ao grau de lesão, uma vez que essa circunstância não consta entre os requisitos para a concessão do auxílio-acidente. É devido o referido benefício ainda que a lesão e a incapacidade laborativa sejam mínimas, sendo necessário verificar apenas se existe lesão decorrente de acidente de qualquer natureza e se, após a consolidação da referida lesão, houve sequela que acarretou a redução da capacidade para o trabalho habitualmente exercido. No mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. LESÃO MÍNIMA. DIREITO AO BENEFÍCIO. 1. Conforme o disposto no art. 86, caput, da Lei 8.213/91, exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. 2. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão. 3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1109591 / SC, rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), S3 - TERCEIRA SEÇÃO, DJe 08/09/2010)
Quanto aos pressupostos legais para a concessão do auxílio-acidente, extrai-se do art. 86 da Lei nº 8.213 quatro requisitos: (a) a qualidade de segurado; (b) a superveniência de acidente de qualquer natureza; (c) a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual e (d) o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade.
Quanto à data de início do benefício, ressalta-se que, nos termos do art. 104, § 2º, do Decreto nº 3.048/99, o auxílio-acidente será devido a contar do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, o que inclusive foi ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da apreciação do Tema 862:
Tema 862: O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ.
Mérito da causa
A sentença foi no sentido da improcedência do pedido ao fundamento de que a lesão não teve origem exógena.
Conforme constou do laudo pericial (), o autor, narrou ao perito: "que teve um desentendimento com a equipe do HPS de Canoas, onde havia ido procurar atendimento por dor abdominal, em 06/02/2015 e que, ao sair, resvalou e acabou batendo com a mão direita em uma janela".
Conquanto o recorrente tenha referido ao perito e reiterado nas razōes de seu recurso que a limitação de sua capacidade resultou de acidente, não é o que se extrai do conjunto probatório dos autos.
Primeiro, observa-se que houve, confirmado pelo autor, um desentendimento quando este fora atendido no Hospital de Pronto Socorro de Canoas. Ainda que o segurado tenha narrado ao auxiliar nomeado pelo juízo que "resvalou e acabou batendo com a mão direita em uma janela", o que efetivamente ocorreu foi que o próprio autor desferiu um soco em porta de vidro, provocando lesões em seu próprio corpo. Este fato foi certificado no prontuário médico que se encontra no :
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Embora a legislação estabeleça, para a concessão do benefício, que as lesões sejam decorrentes de acidente de qualquer natureza (art. 86 da lei 8.213), o conceito de "acidente de qualquer natureza" vem disciplinado pelo art. 30, §1º do Decreto 3.048/99, que assim dispõe:
Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.
No caso, está evidenciado que a lesão não foi causada por motivo independente de açāo ou omissāo do autor (agente exógeno, nos termos do decreto que regulamenta a lei de benefícios).
Foi o autor que desferiu um soco contra uma porta de vidro e disso resultou o seu ferimento físico. A ocorrência nāo apenas aparece registrada no documento acima reproduzido (Sumário de Alta), como vem confirmada no Resumo do Laudo Médico Pericial, de 13 de março de 2015 (cf. evento 39 - LAUDO1).
Nāo faz o menor sentido conferir ao vidro a qualificaçāo de agente exógeno causador do evento. Isso só aconteceria, por hipótese exemplificativa, se a porta de vidro se desprendesse e tombasse, dentro da unidade de atendimento em que se encontrava, sobre o autor.
Mas, muito ao contrário disso, foi o acidente consequência direta da própria atitude pessoal do segurado que, a par de atentar contra o patrimônio público, ocasionou ofensa contra seu próprio corpo.
Ora, o benefício de auxílio-acidente nāo se destina a reparar a diminuiçāo da capacidade de trabalho decorrente da prática voluntária, da iniciativa exclusivamente pessoal do segurado.
Por isso nāo pode estar incluido no conceito de acidente de qualquer natureza o que acidente nāo é, mas apenas resultado, aqui, de açāo do segurado à margem da contençāo e do equilibrio que lhe recomenda o convívio social.
Daí a precisa regulamentaçāo da norma legal, quando interpreta o acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e (a conjunçāo aditiva "e" , aqui, nāo está à toa na oraçāo) por exposiçāo a agentes exógenos ...)
O entendimento diverso, em situaçōes assemelhadas, também ocasionaria sob a mesma linha de raciocínio, interpretaçāo contrária à finalidade da norma. Se fosse assim, em maior medida de atos irrefletidos, mas praticados por sua própria conta, o auxílio-acidente também poderia alcançar e beneficiar os que mutilam a si próprios ou sobrevivem depois de tentativa de suicídio, apresentando, porém, mais adiante, limitantes condiçōes de exercício da mesma atividade profissional.
Por nāo haver o cumprimento de todos os requisitos legais para a concessāo do auxílio-acidente, a sentença deve ser mantida.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da gratuidade da justiça.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005306448v25 e do código CRC 0cb519c4.
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Apelação Cível Nº 5004773-18.2024.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊncia de acidente como requisito para a concessāo do benefício. AUXÍLIO-ACIDENTE INDEVIDO. HONORÁRIOS.
1. Os pressupostos para a concessão do auxílio-acidente são: (1) comprovação da ocorrência de acidente de qualquer natureza de que resultem (2) sequelas decorrentes de lesão consolidada que impliquem (3) redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o segurado.
2. Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa (art. 30, §1º, do Decreto nº 3.048).
3. Nāo constitui acidente de qualquer natureza, como requisito para a concessāo de auxílio-acidente, o ato voluntário do segurado que provoca dano físico em si mesmo.
4. Honorários de advogado majorados para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de setembro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005306449v9 e do código CRC 8210ac6d.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/09/2025 A 11/09/2025
Apelação Cível Nº 5004773-18.2024.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) DANIELE CARDOSO ESCOBAR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/09/2025, às 00:00, a 11/09/2025, às 16:00, na sequência 157, disponibilizada no DE de 26/08/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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