
Apelação Cível Nº 5013585-32.2022.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 26-04-2023, na qual o magistrado a quo julgou extinto o processo, com fundamento nos arts. 485, I e IV do CPC, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, os quais restaram suspensos em razão do benefício da gratuidade de justiça.
Em suas razões, a parte autora argui a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez que a prova pericial requerida, com o intuito de comprovar a sua deficiência e seu grau, restou indeferida pelo magistrado a quo, que, ao final, extinguiu o feito sem resolução do mérito. Afirma que não possui outros documentos médicos capazes de comprovar a deficiência visual desde os 16 anos de idade, além daqueles já anexados à exordial, e que esta circunstância não pode caracterizar obstáculo ao acesso à justiça. Diante disso, requer a decretação de nulidade da sentença e o retorno dos autos ao Juízo de origem, para que seja reaberta a instrução processual, com a realização da prova biopsicossocial.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Como relatado, cuida-se de apelação em que a parte autora postula a anulação da sentença por cerceamento de defesa, ao fundamento de que o pedido de realização da perícia biopsicossocial, com o intuito de comprovar sua alegada deficiência visual e o respectivo grau, foi julgado improcedente e o feito foi extinto sem resolução de mérito por ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e inépcia da inicial.
A parte autora alega possuir problemas visuais desde os seus 16 anos de idade (1993). Entende que faz jus ao benefício da aposentadoria da pessoa com deficiência, prescrita na Lei Complementar n. 142/2013, desde a DER em 26-08-2021.
A Lei Complementar n. 142, de 08-05-2013, regulamenta o § 1º do art. 201 da Constituição Federal de 1988, disciplinando a concessão da aposentadoria à pessoa com deficiência no âmbito do RGPS.
Consoante dispõe o art. 2º da referida Lei, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
De acordo com o art. 3º da LC n. 142, de 2013, a aposentadoria da pessoa portadora de deficiência é devida nas seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
A avaliação da deficiência, para efeito de concessão do benefício, será médica e funcional (art. 4º da LC n. 142), ou seja, são necessárias duas perícias, uma médica e outra funcional, as quais, em conjunto, apontarão o grau de deficiência (leve, moderada ou grave), para que se possa verificar, de acordo com a disposição legal acima, qual o tempo de contribuição que a parte autora deverá totalizar para ter direito à outorga da inativação.
Cabe referir que o benefício em questão foi regulamentado no art. 70 do Decreto n. 3.048, de 1999, sendo que o art. 70-A do referido regulamento, na sua redação atual, dispõe que a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade ao segurado que tenha reconhecido, após ter sido submetido a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, grau de deficiência leve, moderada ou grave está condicionada à comprovação da condição de pessoa com deficiência na data da entrada do requerimento ou na data da implementação dos requisitos para o benefício.
Para aferição do grau de deficiência, foi emitida a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP n. 1. de 27-01-2014, que dispôs, no § 1º do art. 2º, que a avaliação funcional será realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA.
No Anexo à referida Portaria Interministerial constam os formulários, critérios para preenchimento e avaliação, e a seguinte classificação para a deficiência:
4.e. Classificação da Deficiência em Grave, Moderada e Leve
Para a aferição dos graus de deficiência previstos pela Lei Complementar nº 142, de 08 de maio de 2.013, o critério é:
Deficiência Grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739.
Deficiência Moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354.
Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584.
Pontuação Insuficiente para Concessão do Benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585.
Demais disso, em seu art. 7º, a Lei Complementar n. 142 dispõe que, em relação ao segurado que tornou-se pessoa com deficiência após a filiação ao RGPS ou teve seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no art. 3º serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, nos termos do regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 3º desta Lei Complementar.
No plano infralegal, o Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, alterado pelo Decreto n. 8.145, de 3 de dezembro de 2013, dispõe sobre a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade da pessoa com deficiência e disciplina a previsão do citado art. 7º da LC n. 142/2013 nos termos do art. 70-E e seus incisos:
Art. 70-E. Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A:
MULHER | ||||
TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
Para 20 | Para 24 | Para 28 | Para 30 | |
De 20 anos | 1,00 | 1,20 | 1,40 | 1,50 |
De 24 anos | 0,83 | 1,00 | 1,17 | 1,25 |
De 28 anos | 0,71 | 0,86 | 1,00 | 1,07 |
De 30 anos | 0,67 | 0,80 | 0,93 | 1,00 |
HOMEM | ||||
TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
Para 25 | Para 29 | Para 33 | Para 35 | |
De 25 anos | 1,00 | 1,16 | 1,32 | 1,40 |
De 29 anos | 0,86 | 1,00 | 1,14 | 1,21 |
De 33 anos | 0,76 | 0,88 | 1,00 | 1,06 |
De 35 anos | 0,71 | 0,83 | 0,94 | 1,00 |
§ 1º O grau de deficiência preponderante será aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão.
§ 2º Quando o segurado contribuiu alternadamente na condição de pessoa sem deficiência e com deficiência, os respectivos períodos poderão ser somados, após aplicação da conversão de que trata o caput.
Pois bem.
No caso em apreço, para a demonstração da deficiência visual alegada, a parte autora trouxe aos autos prescrição de uso de óculos expedida por médico oftalmologista em 23-09-2021 (evento 1, PROCADM5, página 22 e evento 1, RECEIT6).
Em que pese o posicionamento adotado pelo magistrado singular, não vejo razão para a extinção do feito sem resolução do mérito com fundamento na ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.
Veja-se que a demonstração da deficiência para fins de concessão da aposentadoria nos termos do artigo 2º da LC n. 142/2013 está condicionada à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, não sendo, pois, indispensável à propositura da ação a juntada de documentos médicos complementares, conforme fundamentação da sentença.
A propósito, extrai-se dos autos do processo administrativo que o próprio INSS oportunizou a realização de perícia biopsicossocial à segurada, mediante a apresentação do mesmo documento médico (prescrição de óculos) acima referido, tendo o perito federal informado o código CID 10 H54.3, correspondente à perda não qualificada da visão em ambos os olhos, e emitido conclusão desfavorável ao enquadramento pretendido em razão da pontuação total atribuída (evento 1, PROCADM5, página 55-79):
O pedido foi indeferido, nos seguintes termos:
(...)
Diante disso, descabe a extinção do feito com fundamento no art. 485, I e IV do CPC.
Ademais, diante do indeferimento administrativo, resta caracterizada a pretensão resistida, fazendo certa a necessidade do provimento judicial para dirimir a lide posta.
Assim delineados os contornos da lide, a não realização da prova pericial expressamente requerida configura cerceamento do direito de defesa do demandante.
Veja-se que o art. 370 do CPC de 2015 refere que cabe ao Juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, com o que se viabilizará a solução da lide - previsão esta que já existia no art. 130 do CPC de 1973.
Tendo havido a extinção do feito após o ajuizamento da ação, sem a angularização da relação processual, torna-se inviável a esta Corte examinar desde logo o mérito do pedido.
Devem os autos, pois, retornar à origem para prosseguimento da instrução processual.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem com o fim de que seja reaberta a fase instrutória para a realização das provas requeridas e ultimação dos atos processuais subsequentes, nos termos acima expostos, restando prejudicada a análise de mérito.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004629975v10 e do código CRC eb4d5f57.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5013585-32.2022.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PERÍCIA BIOPSICOSSOCIAL. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. NULIDADE DA SENTENÇA.
1. A demonstração da deficiência para fins de concessão da aposentadoria nos termos do artigo 2º da LC n. 142/2013 está condicionada à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, não sendo, pois, indispensável à propositura da ação a juntada de documentos médicos complementares, conforme fundamentação da sentença.
2. Há cerceamento de defesa em face do encerramento da instrução processual sem a produção da prova pericial expressamente requerida pela parte autora, a qual é imprescindível para o deslinde da controvérsia.
3. O art. 370 do NCPC dispõe que cabe ao Juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, com o que se viabilizará a solução da lide, previsão esta que já existia no art. 130 do CPC de 1973.
4. Tendo havido a extinção do feito após o ajuizamento da ação, sem a angularização da relação processual, torna-se inviável a esta Corte examinar desde logo o mérito do pedido.
5. Sentença anulada para, reaberta a fase instrutória, sejam realizadas as provas requeridas e ultimação dos atos processuais subsequentes, nos termos do julgado, restando prejudicada a análise de mérito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem com o fim de que seja reaberta a fase instrutória para a realização das provas requeridas e ultimação dos atos processuais subsequentes, nos termos acima expostos, restando prejudicada a análise de mérito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004629976v3 e do código CRC e000d828.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/09/2024 A 10/09/2024
Apelação Cível Nº 5013585-32.2022.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/09/2024, às 00:00, a 10/09/2024, às 16:00, na sequência 418, disponibilizada no DE de 23/08/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM COM O FIM DE QUE SEJA REABERTA A FASE INSTRUTÓRIA PARA A REALIZAÇÃO DAS PROVAS REQUERIDAS E ULTIMAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS SUBSEQUENTES, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, RESTANDO PREJUDICADA A ANÁLISE DE MÉRITO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Juíza Federal JACQUELINE MICHELS BILHALVA
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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