
Reclamação (Seção) Nº 5027006-05.2024.4.04.0000/RS
RELATOR Desembargador Federal CELSO KIPPER
RELATÓRIO
Trata-se de reclamação proposta por E. L. P., com fulcro no art. 988 e seguintes do CPC, em que pleiteia a cassação do acórdão proferido pela 1ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul nos autos do Recurso Cível nº 5009096-15.2023.4.04.7108 e a reabertura da instrução do feito para colheita da prova testemunhal.
A reclamante propôs demanda contra o INSS objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 192.463.907-3), desde a DER (20-05-2021), mediante o reconhecimento, entre outros, do exercício de atividade rural no período de 06-11-1974 a 31-10-1991. A autora é nascida em 06-11-1967.
Alega que não foi observada a tese firmada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 17 deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porquanto restou indeferida a prova testemunhal que tinha como finalidade confirmar/individualizar as atividades efetivamente por ela exercidas no labor rural.
O pedido de tutela de urgência foi deferido para sobrestar o andamento do feito originário até o julgamento definitivo da presente reclamação no tocante à pretensão de reconhecimento do tempo de serviço rural de 06-11-1974 a 05-11-1979. Relativamente ao lapso de 26-04-1982 a 31-12-1990, a reclamação não foi conhecida (ev. 3).
Citado, o INSS deixou apresentou a contestação (ev. 18).
Em face da decisão liminar que conheceu em parte da reclamação, a parte autora apresentou agravo interno (ev. 13).
Foi oportunizada a apresentação das contrarrazões pelo INSS.
O Ministério Público Federal ofereceu parecer, manifestando-se pela improcedência da reclamação (ev. 22).
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apreciar reclamação segundo a qual a decisão objurgada não observou o acórdão proferido no IRDR nº 17.
A tese firmada no referido julgado tem o seguinte teor:
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Em face disso, a parte reclamante postula o reconhecimento da nulidade da decisão reclamada, considerando-se que, conforme previsão do art. 947, § 3º, do CPC, as teses aprovadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas vinculam todos os juízes e órgão fracionários, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais da respectiva região, bem como sua inobservância compromete a competência do Tribunal, fragilizando a autoridade de suas decisões e jurisprudência uniformizada.
I - Agravo interno manejado em face do não conhecimento da reclamação relativamente ao lapso de 26-04-1982 a 31-12-1990
À vista do voto condutor do acórdão, o caso não se amolda ao paradigma do IRDR 17, porquanto o desacolhimento do pedido de reconhecimento do tempo de serviço no intervalo de 26-04-1982 a 31-12-1990 deveu-se à descaracterização da condição de subsistência da atividade rural desempenhada.
No caso, o órgão julgador considerou que, embora comprovada a vinculação do núcleo familiar com a atividade rural, não havia documentos que demonstrassem que os rendimentos oriundos da lida campesina eram superiores ao quanto obtido pelo genitor da reclamante a partir do seu trabalho urbano levado a cabo junto ao Município de São Vicente do Sul.
A questão restou assim examinada no acórdão reclamado (proc. orig., ev. 74):
[...]
Recurso da Parte Ré
Período de 06/11/1979 a 31/12/1990
O regime de economia familiar, modo de produção sob o qual teria se dado o labor campesino da demandante, é aquele em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, segundo a Lei de Benefícios da Previdência Social (art. 11, § 1º).
No caso, embora exista registro de titularidade de imóvel rural em nome do genitor até 1992 e ficha de associação ao sindicato rural em nome da mãe a partir de 1991 (, p. 54/55; , p. 25/27), não constam documentos contemporâneos demonstrando que o genitor se qualificava como agricultor, como certidões de nascimento, casamento ou outros documentos com qualificação. Também não existem notas fiscais de produtor. De outra banda, conforme abordado pelo INSS, o pai da autora tem vínculo urbano contínuo junto ao Município de São Vicente do Sul a partir de 26/04/1982, percebendo remuneração mensal moderadamente acima do salário-mínimo vigente (). O pai também consta qualificado como servente (, p. 27).
Em casos assim, ainda que o recebimento de renda urbana por membro familiar não seja apto a descaracterizar, de plano, a condição de segurado especial da parte autora, essa circunstância, por óbvio, agrava muito o ônus probatório acerca da qualidade alegada, a qual exige a indispensabilidade do labor rural prestado pela própria requerente ao seu sustento para ser reconhecida. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL INDIVIDUAL. MEMBRO DA FAMÍLIA EXERCE ATIVIDADE URBANA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL SEM CONSIDERAR O RENDIMENTO URBANO. (...) 3. Já o produtor rural que possui família e pleiteia o reconhecimento da qualidade de segurado especial deve necessariamente demonstrar a relevância do trabalho na lavoura no orçamento familiar. Essa conclusão se ancora no § 1º do art. 11 da Lei nº 8.213/91, que exige que o trabalho dos membros da família seja indispensável à própria subsistência do grupo. Entendimento consagrado na Súmula nº 41 da TNU. Dessa forma, se algum membro integrante do grupo familiar auferir renda proveniente de atividade urbana, esse dado não pode deixar de ser considerado em comparação com a renda proveniente da atividade rural da família para efeito de definir se os familiares que exercem atividade rural podem se qualificar como segurados especiais. Descaracterizado o regime de economia familiar, não se pode postular o reconhecimento de qualidade de segurado especial individual com desprezo do rendimento urbano auferido pelos demais membros da família. Esse entendimento, divergente do acórdão paradigma, é o que prevaleceu na TNU em julgamento representativo de controvérsia (Processo nº 2008.72.64.000511-6, Relator para acórdão Juiz Rogerio Moreira Alves, DJU 30/11/2012). (...)
(Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, PEDILEF 201072640002470, JUIZ FEDERAL ROGÉRIO MOREIRA ALVES, TNU, DOU 20/09/2013 pág. 142/188.)
Nesse contexto, está descaracterizada a condição de subsistência da atividade rural desempenhada. Embora inconteste a vinculação do núcleo familiar com a atividade rural, a inexistência de notas fiscais de produtor torna inviável concluir que os rendimentos oriundos da lida campesina executada pelo núcleo familiar eram superiores ao quanto obtido do trabalho urbano levado a cabo pelo genitor junto ao Município de São Vicente do Sul com remuneração moderadamente acima do mínimo da época a partir de 26/04/1982. (...)
Com a ausência de notas fiscais de produtor dando conta dos valores aproximados obtidos com a venda do excedente de produção, não há como sustentar a subsistência da atividade rural em detrimento do vínculo urbano municipal do genitor. Neste sentido, saliento que “a prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário” (Súmula 149 do STJ).
Logo, forçoso afastar a atividade rural a partir de 26/04/1982.
[...]
Diante desse cenário, resta afastada a alegação de inobservância à tese fixada no IRDR nº 17 deste Tribunal, evidenciando a indevida utilização da reclamação como sucedâneo recursal.
Nesse sentido, precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO INDEFERIMENTO. AGRAVO INTERNO. IMPROVIMENTO. Não havendo demonstração de que a decisão reclamada tenha incorrido em inobservância à tese jurídica fixada no precedente vinculante apontado como violado, mantém-se a decisão que lhe negou seguimento. (TRF4 5026855-73.2023.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 19/12/2023)
PREVIDENCIÁRIO. RECLAMAÇÃO. ALEGADAO DESRESPEITO À AUTORIDADE DA TESE FIRMADA NO IRDR 12. INOCORRÊNCIA. INADMISSÃO DA RECLAMAÇÃO. 1. Este Tribunal, no julgamento do IRDR n. 12, fixou a seguinte tese cujo enunciado assim dispõe: O limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade. 2. Conforme expresso no voto-condutor do acórdão reclamado, o padrão de vida a autora não é compatível com sua alegada miserabilidade, recebendo ela, ademais, auxílio de seus familiares que lhe propiciavam renda superior a ¼ do salário mínimo. 3. Cenário que impossibilita cogitar-se de afronta à tese firmada por este Tribunal, no julgamento do IRDR n. 12. (TRF4 5047521-66.2021.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 11/07/2022)'
Não merece provimento, pois, o agravo interno.
II
A autora, nascida em 06-11-1967, pretende o reconhecimento do lapso de 06-11-1974 e 05-11-1979 como tempo de serviço rural.
A ação foi ajuizada em 28-04-2023, com requerimento expresso de designação de audiência para oitiva de testemunhas, o qual não foi objeto de análise.
A sentença rechaçou o pedido de reconhecimento do exercício de atividade rural anterior aos 12 anos de idade, ou seja, de 06-11-1974 e 05-11-1979, o que foi mantido em grau recursal.
Daí a irresignação da parte reclamante, que alega que a ausência de produção da prova testemunhal causou prejuízo à comprovação do seu trabalho no meio rural antes dos 12 anos de idade.
Pois bem.
Para a comprovação do tempo de atividade rural faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).
A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF4, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF4, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF4, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. em 14-06-2007; TRF4, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).
Ademais, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJU de 26-02-2007; TRF4, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 14-12-2016; TRF4, AC n. 2003.71.08.009120- 3, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF4, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) – tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros – em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).
No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, e havia a necessidade de ser corroborada por prova testemunhal. A propósito, jurisprudência de longa data sempre afirmou que o tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea [v. g., TRF4, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, EIAC 2000.04.01.107535-1/RS, j. em 08-09-2005, DJ 05-10-2005; TRF4, Terceira Seção, EIAC 1999.04.01.075012-1, j. em 10-11-2005, DJ 30-11-2005; STJ, REsp 1.348.633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. em 28-08-2013, DJe 05-12-2014 (Tema Repetitivo 638); STJ, Súmula 577; STJ, REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. em 10-10-2012, DJe 19-12-2012 (Tema Repetitivo 554); STJ, AgInt no AREsp 2.160526/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 13-03-2023, DJe 16-03-2023].
Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) sempre teve a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a então necessária prova testemunhal.
Em razão disso, sempre defendi que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
De certa forma, tudo o que foi dito até aqui permanece válido, embora seja necessária uma nova contextualização, à vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º, da LBPS, e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, para considerar que o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
Em face disso, a jurisprudência dessa Corte passou a entender que a autodeclaração prestada pelo segurado é suficiente para, em cotejo com a prova material, autorizar o reconhecimento do tempo agrícola pretendido, sendo devida a oitiva de testemunhas apenas quando se mostre indispensável (AC n. 5023671-56.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 07-06-2022; AC n. 5023852-57.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Marcio Antônio Rocha, j. em 10-05-2022; AC n. 5003119-70.2021.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, j. em 08-04-2022; AC n. 5001363-77.2019.4.04.7127, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Taís Schilling Ferraz, j. em 09-03-2022; AG n. 5031738- 34.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 22-09-2021).
A questão que ainda precisa ser respondida adequadamente é: quando a prova testemunhal permanece indispensável para a comprovação da atividade rural ou da condição de segurado especial?
Vislumbro, desde já, algumas situações em que a prova oral é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural. Primeiramente, será indispensável sempre que o magistrado verificar algum ponto a ser melhor esclarecido, visando a completar lacunas da prova material (casos em que esta é escassa), dirimir contradições entre a autodeclaração e as provas materiais, ou destas entre si, para esclarecer dúvidas surgidas por elementos colhidos do CNIS ou PLENUS, para se certificar se a atividade rural era de fato essencial para a subsistência da família, se havia empregados permanentes, enfim, sempre que não houver prova suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC.
Também poderá ser indispensável a prova testemunhal quando o pedido englobe o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 anos de idade. Isso porque tal reconhecimento é possível desde que a prova da atividade do menor seja reforçada, mais robusta, demonstrando as atividades desempenhadas, as culturas plantadas ou os animais criados, de forma que seja possível avaliar, no regime de economia familiar, a essencialidade do trabalho rural desenvolvido pela criança para o sustento da família. Em outras palavras, “o tempo de serviço rural anterior aos 12 anos de idade pode ser reconhecido desde que haja prova inequívoca do efetivo exercício de trabalho rural pela parte autora e não apenas auxílio eventual ao grupo familiar” (TRF4, AC 5022088-36.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 22-03-2022). Ora, se há a necessidade de prova mais robusta ou inequívoca nesse sentido, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes (salvo exceções), imprescindível a prova testemunhal.
Importante destacar a aplicabilidade do julgamento do IRDR nº 17 a casos em que há autodeclaração, houve dispensa de prova testemunhal e o conjunto probatório não permite o reconhecimento do período pleiteado.
Com efeito, cumpre reiterar a tese jurídica fixada por esta Corte no julgamento do IRDR nº 17 :
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Ora, se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa – insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural –, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares.
Na demanda originária, a parte autora postula a concessão de aposentadoria por idade híbrida, mediante o reconhecimento de labor trabalho rural desempenhado em regime de economia familiar dos 7 aos 12 anos de idade, correspondente ao período de 06-11-1974 e 05-11-1979.
Quanto à rejeição do interstício precedente aos 12 anos de idade, o acórdão, embora tenha considerado prescindível a prova testemunhal, que poderia esclarecer a situação fática posta em causa, assim se manifestou (processo originário, ev. 74):
[...]
Período de 06/11/1974 a 05/11/1979
Quanto à atividade rural anterior aos 12 anos de idade, esta Turma Recursal aplica o entendimento consolidado pela TNU no julgamento do Tema n. 219, no sentido de que "é possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino". O entendimento atual da TNU está alinhado à orientação do Superior Tribunal de Justiça: "é firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade" (AgRg no REsp 1150829 / SP, Ministro CELSO LIMONGI, Sexta Turma, DJe 04/10/2010).
Também o TRF4, em ação civil pública, afastou o requisito etário para que o trabalho realizado por crianças e adolescentes possa ser computado para a concessão de benefícios previdenciários (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018).
Entretanto, para firmar juízo conclusivo acerca do efetivo trabalho rural em regime de economia familiar exercido pelo menor de 12 anos de idade, nos exatos termos do art. 11, §1º, da Lei do RGPS, é necessário, assim como se exige para os períodos rurais a partir dos 12 anos de idade, que se prove não apenas o exercício da atividade rural pelo infante, mas também que o trabalho empregado por ele se afigurava como indispensável ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, não assumindo natureza meramente eventual e complementar.
Ademais, não se desconsidera o contexto dos grupos familiares vinculados ao meio rural, que levavam seus filhos desde pequenos para o campo onde eram desenvolvidos os trabalhos rurais. Contudo, deve-se analisar com temperamentos e à luz do caso concreto se a participação do infante nas lidas rurícolas era efetivamente indispensável para a subsistência e o desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, a fim de se distinguir o auxílio eventual e complementar que alguns membros do grupo possam exercer na atividade rural, o qual não caracteriza o regime de economia familiar, do trabalho rural regular e preponderante desenvolvido por outros membros da família e sem o qual a produção rural sequer existiria.
Nesse sentido, no interregno anterior aos 12 anos de idade, deve ser levada em conta a rotina diária geralmente vivenciada pela criança, inclusive no meio rural, observando-se a configuração do grupo familiar e o envolvimento de seus membros na atividade rural, bem como se a criança frequentava a escola.
No que tange à instrução probatória, saliento que, destinando-se a prova a formar a convicção do Juízo acerca dos fatos envolvendo a demanda, ao magistrado compete, nos claros termos do art. 370 do CPC, determinar a produção das provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Assim, o simples fato de o magistrado eventualmente indeferir a produção de prova testemunhal não configura, de per si, cerceamento de defesa, pois entendendo que a instrução processual abordou a contento todos os fatos relevantes ao deslinde do feito, permitindo desde logo o julgamento da causa, devem ser rejeitados, de plano, os requerimentos de prolongamento da instrução, entendimento que se aplica ao caso em apreço, em que o arcabouço probatório dos autos mostrou-se suficiente para a elucidação da questão controvertida.
No caso, os elementos apresentados evidenciam que as atividades rurais eventualmente desenvolvidas pelo infante não eram indispensáveis à subsistência do grupo familiar, pois não demonstram o emprego de tarefas essenciais pela parte autora sem as quais não seria possível o prosseguimento do labor campestre levado a efeito pela família no intervalo controvertido. Pelo contrário, constata-se a ausência de auxílio essencial à subsistência do grupo familiar, porquanto a família era composta de pelo menos 9 membros (genitores, autora e 6 irmãos - , p. 67/70), e a segurada estudava à época (, p. 60), denotando que a dedicação ao campo possuía caráter meramente complementar no lapso temporal em tela, descaracterizando, por conseguinte, o regime de economia familiar neste intervalo.
[...]
Nesse cenário, e abordada a questão sob o ângulo jurisprudencial acima expendido, sobretudo no que se refere à exiguidade e à imprecisão documentais inerentes ao labor rural em períodos distantes, a fundamentação acima colacionada evidencia justamente a necessidade de produção de prova testemunhal para averiguação das condições em que as tarefas rurícolas eram efetivamente desempenhadas.
De fato, considerando o óbice central elencado pela decisão impugnada - que pode ser sintetizado pela dispensabilidade das atividades porventura realizadas por uma criança menor de 12 anos -, sem o cotejo com outros elementos concretos, não é possível solver a controvérsia, seja para acolher a pretensão da parte autora, seja para afastá-la, materializando-se a prova oral, nessa medida, como condição sine qua non para verificação das condições em que o demandante desempenhava tarefas ínsitas ao labor campesino.
A propósito, cito reclamações apreciadas por esta Terceira Seção que igualmente concluiram pela indispensabilidade da prova testemunhal em casos análogos:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE. 1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC. 3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal. 4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa - insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural -, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares. 5. Reclamação provida para cassar a sentença do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal. (TRF4, Rcl 5040598-87.2022.4.04.0000, 3ª Seção, Relator CELSO KIPPER, julgado em 27/11/2024)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. 1. A improcedência do pedido fundada em depoimentos de testemunhas colhidos exclusivamente em processo administrativo, contraria o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n° 17. 2. Reclamação provida para cassar o acórdão do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal em juízo. (TRF4, Rcl 5018573-80.2022.4.04.0000, 3ª Seção, Relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS, julgado em 24/10/2024)
No mesmo sentido, os seguintes precedentes de minha Relatoria, igualmente apreciados por esta Terceira Seção: Rcl 5022917-07.2022.4.04.0000, juntado aos autos em 26/10/2023; Rcl 5045150-95.2022.4.04.0000, juntado aos autos em 29/09/2023; Rcl 5003943-19.2022.4.04.0000, juntado aos autos em 28/07/2023.
Sendo assim, demonstrado que o acórdão proferido no processo nº 5009096-15.2023.4.04.7108, relativamente ao período de 06-11-1974 e 05-11-1979, vulnerou o entendimento adotado no incidente, é de rigor a cassação da decisão, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo interno e, na parte conhecida, julgar procedente a reclamação.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005445610v14 e do código CRC b8309930.
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Reclamação (Seção) Nº 5027006-05.2024.4.04.0000/RS
RELATOR Desembargador Federal CELSO KIPPER
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESSE LIMITE, JULGADA PROCEDENTE. decisão mantida. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE.
1. Evidenciado que não houve desrespeito à tese firmada no IRDR 17, haja vista que o desacolhimento do pedido de reconhecimento do tempo de serviço rurícola no intervalo de 26-04-1982 a 31-12-1990 deveu-se à descaracterização da condição de subsistência da atividade rural desempenhada, não merece processamento a presente reclamação.
2. Logo, não havendo identidade entre o pressuposto fático de incidência do IRDR nº 17 e a situação concreta que fundamentou as decisões reclamadas, descabe o manejo da reclamação.
3. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
4. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC.
5. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal.
6. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa – insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural –, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares.
7. Reclamação conhecida em parte e, nesse limite, provida para cassar o acórdão do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno e, na parte conhecida, julgar procedente a reclamação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005445611v3 e do código CRC 8103ef2f.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 23/10/2025
Reclamação (Seção) Nº 5027006-05.2024.4.04.0000/RS
RELATOR Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 23/10/2025, na sequência 29, disponibilizada no DE de 13/10/2025.
Certifico que a 3ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª SEÇÃO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO E, NA PARTE CONHECIDA, JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante Juíza Federal IVANISE CORRÊA RODRIGUES PEROTONI
Votante Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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