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DIREITO PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. NAMORO QUALIFICADO. RECURSO DESPROVIDO. TRF4. 5001459-03.2024...

Data da publicação: 03/11/2025, 07:09:16

DIREITO PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. NAMORO QUALIFICADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME:1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de pensão por morte sob o fundamento de falta de comprovação da união estável entre a autora e o falecido. A autora alega nulidade da sentença por omissão na análise de provas e pedidos, e, no mérito, a comprovação da união estável. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:2. Há duas questões em discussão: (i) a nulidade da sentença por alegada omissão na apreciação de provas e pedidos; (ii) a comprovação da união estável entre a apelante e o falecido para fins de concessão de pensão por morte. III. RAZÕES DE DECIDIR:3. A preliminar de nulidade da sentença é rejeitada, pois a decisão de improcedência do pedido, baseada na falta de comprovação da união estável, não configura ausência de fundamentação. O juiz não é obrigado a enfrentar todas as teses brandidas pelas partes, mas apenas aquelas suficientes a amparar seu convencimento, conforme entendimento do STJ (AgRg no REsp 1181273, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 29.05.2014).4. A concessão de pensão por morte exige a ocorrência do óbito, a condição de dependente e a qualidade de segurado do de cujus. O benefício rege-se pela legislação vigente à época do falecimento (óbito em 2022), sendo aplicável a Lei nº 13.846/2019, que exige início de prova material contemporânea dos fatos para comprovar união estável e dependência econômica, não admitindo prova exclusivamente testemunhal.5. A união estável não foi comprovada, pois, embora o relacionamento íntimo fosse público e duradouro, não havia coabitação nem dependência econômica recíproca substancial. O propósito de constituir família, requisito essencial para a união estável, não se configurou, distinguindo a relação de um "namoro qualificado", conforme entendimento do STJ (REsp 1454643/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 10.03.2015).6. O acordo formalizado em janeiro de 2022, que qualificou a relação como "amizade íntima" já terminada e impôs restrições de contato, é incompatível com a alegação de união estável, reforçando a ausência de animus familiae.7. A verba honorária é majorada em 20% sobre o percentual anteriormente fixado, com base no artigo 85, § 11, do CPC, em razão do desprovimento integral do recurso e do trabalho adicional dos procuradores da parte apelada, conforme entendimento firmado pelo STJ no Tema 1059. IV. DISPOSITIVO E TESE:8. Recurso desprovido.Tese de julgamento: 9. A ausência de animus familiae, mesmo em relacionamento público e duradouro, descaracteriza a união estável para fins previdenciários, configurando mero namoro qualificado. ___________Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 85, § 3º, § 11; Lei nº 8.213/1991, art. 16, § 5º; CF/1988, art. 226, § 3º.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1181273, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 29.05.2014; STJ, REsp 1454643/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, DJe 10.03.2015; STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, DJe 19.10.2017 (Tema 1059/STJ); TRF4, EINF 5001883-90.2011.4.04.7200, 3ª Seção, Rel. Vânia Hack de Almeida, j. 26.04.2017. (TRF 4ª Região, 5ª Turma, 5001459-03.2024.4.04.7100, Rel. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, julgado em 24/10/2025, DJEN DATA: 27/10/2025)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001459-03.2024.4.04.7100/RS

RELATORA Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada por F. M. D. S. em que a autora postula o benefício de pensão pela morte de Nestor Valentini, ao argumento de que manteve união estável de 2015 até o óbito de Nestor, ocorrido em 19/07/2022. Alegou que o INSS indeferiu o requerimento administrativo por não reconhecer sua condição de dependente. Alega que o ex-segurado estava separado de fato da esposa há décadas, apesar de ainda frequentar a casa da família aos domingos para compartilhar momentos com os filhos. Disse que não coabitou com o instituidor, mas tal circunstância não impede o reconhecimento da união estável. Requereu a procedência do pedido para que o réu seja compelido a implantar o benefício e pagar as parcelas vencidas desde o óbito, com correção monetária e juros de mora, além de excluir a ex-esposa como dependente, para que receba a pensão integral.

Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido e condenou a autora ao pagamento dos honorários advocatícios no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor no § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil, suspendendo a exigibilidade da verba por força da gratuidade de justiça.

Irresignada, a autora apelou. Em suas razões recursais, requereu preliminarmente a nulidade da sentença porque o juízo teria deixado de apreciar provas a respeito da separação de fato entre Nestor e sua ex-mulher, Maria Silvana, bem assim deixado de se manifestar sobre o pedido para que a ex-esposa deixasse de figurar como dependente do falecido, de forma a determinar-se o retorno dos autos à origem para que nova sentença seja proferida, com a análise de todas as provas e pedidos. Acaso superada a preliminar, no mérito alegou basicamente que restou comprovada a união estável entre a apelante e o falecido, sendo presumida a dependência econômica da companheira nos termos do artigo 16 , § 4º, da Lei 8213/91. Discorreu sobre a questão fática, enfatizando aspectos dos depoimentos colhidos em juízo e, ao final, requereu o provimento do recurso para que a sentença seja reformada, com a procedência do pedido e a inversão dos ônus da sucumbência.

Com contrarrazões, foi feita a remessa eletrônica dos autos a este Tribunal Regional Federal.

É o relatório.

VOTO

Preliminar de nulidade da sentença

Alega-se que a sentença é nula porque o juiz não teria examinado "todas as provas e pedidos realizados no feito, inclusive acerca da inexistência da condição de dependente de Maria Silvana".

A sentença julgou improcedente o pedido porque o juiz concluiu que não ficou comprovada a união estável entre a apelante e o de cujus. Não houve falta de fundamentação, apenas o exaurimento da matéria de fundo através de uma linha de raciocínio que resultou no julgamento de improcedência.

Além disso, o juiz não é obrigado a enfrentar todas as teses brandidas pelas partes, respondendo, um a um, os argumentos nelas deduzidos, mas apenas aquelas suficientes a amparar seu convencimento (STJ, AgRg no REsp 1181273, rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJe 29/05/2014).

Rejeita-se a preliminar.

Pensão por morte

A Lei 8213/1991, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, prevê no artigo 74 ser devida pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, não sendo exigido o cumprimento de carência (artigo 26, inciso I).

Assim, a concessão do benefício depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

Além disso, o benefício rege-se pela legislação vigente à época do falecimento.

Sobre a condição de dependência para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei 8213/91:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

IV - (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º O enteado, o menor sob tutela e o menor sob guarda judicial equiparam-se a filho, mediante declaração do segurado e desde que não possuam condições suficientes para o próprio sustento e educação. (Redação dada pela Lei nº 15.108, de 2025)

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

(...)

O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco, seja para comprovar a dependência econômica. Esta pode ser parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (Enunciado 13 do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS).

Por outro lado, o reconhecimento da união estável, em óbitos ocorridos depois da entrada em vigor da Lei 13846, de 18/06/2019, exige início de prova documental contemporânea ao momento do falecimento, não sendo admissível a prova exclusivamente testemunhal. Confira-se:

Art. 16. (...)

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.

§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.

(...)

Na hipótese, como se trata de óbito ocorrido em 2022, a modificação trazida pela Lei 13846/2019 deve ser observada. 

Caso concreto

A matéria de fundo consiste em saber se a apelante vivia em união estável com o ex-segurado Nestor Valentini em 19/07/2022, data em que este veio a óbito, para fins de concessão de pensão.

A sentença qualificou a relação entre Fátima Maria e Nestor de namoro e indeferiu a pretensão ao benefício baseada nos seguintes fundamentos:

No presente caso, a autora apresentou os seguintes documentos, entre outros:

a) cartão do Clube Lindoia, com admissão em 03/2017 e validade até 2024 (Evento 1, PROCADM22, p. 80);

b) reservas de viagem conjunta a lazer em 01/2019 (Evento 1, COMP10);

c) fotos e postagens em redes sociais (Evento 1, FOTO7/9; Evento 26, FOTO2);

d) áudios de conversas por aplicativo de mensagens (Ev. 1, AUDIO11/21);

e) sentença da ação de consignação em pagamento da indenização do seguro pela morte do instituidor, concluindo pela repartição em partes iguais entre a autora e a esposa dele (Evento 1, PROCADM22, p. 85).

Tais documentos comprovam o relacionamento íntimo entre a autora e o segurado na segunda metade da década de 2010, o qual foi interpretado como união estável na sentença da ação consignatória, movida em virtude da dúvida sobre a quem deveria ser paga a indenização, se à esposa ou à ora autora como companheira (Evento 1, PROCADM22, p. 87). Colhe-se da sentença:

Apesar de ser inequívoco que a primeira ré e o de cujus eram casados, de fato, há demonstração efetiva que desde 2015 a codemandada e Nestor mantinham união estável; as diversas fotografias e áudios anexados à contestação (evento 28), corroboram o exposto.

Sendo assim, as rés fazem jus ao pagamento de metade, cada uma, do valor securitário consignado nos autos, em conformidade com a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 100.888 BA (19960043529-4).Inclusive, neste mesmo julgado decidiu-se que "Inobstante a regra protetora da família, consubstanciada nos arts. 1.474, 1.177 e 248, IV, da lei substantiva civil, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra espécie de "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família legitima.

É incontroverso, por outro lado, ter sido celebrado acordo entre a autora e o instituidor, em 01/2022, consoante o termo no Evento 16, ACORDO14, o qual estabelece o fim da "relação de amizade íntima" entre ambos, verificada de 2015 a 11/2019, e o pagamento de R$ 2.000,00 à ora requerente, nada mais havendo a ser reclamado.

Já da prova oral nestes autos, colhe-se o depoimento pessoal da autora de que o segurado prestava-lhe auxílio financeiro como a compra de livros e outros bens, tendo depositado dinheiro na sua conta bancária em duas ocasiões. Acerca do acordo noticiado após o episódio de violência doméstica, ainda assim mantiveram o relacionamento nas mesmas bases anteriores, tanto que foi ela mesma quem deu entrada do instituidor no hospital quando do acidente, ocorrido na saída do prédio onde mora a requerente. Negou que o segurado prestasse auxílio financeiro para a esposa. Afirmou não ter conhecido pessoalmente a família dele, apenas por internet e fotos, até a internação na qual veio a óbito. Admitiu não ter comparecido no velório ou no enterro.

 A esposa, por sua vez, disse que o marido morava no outro apartamento para ter liberdade para frequentar o Clube Lindoia e bailes, mas continuava dormindo na casa da corré em aproximadamente metade do tempo. Declarou receber dinheiro em alguns momentos e, às vezes, ele fazia compras no mercado para abastecer a residência da depoente.  

A testemunha da autora confirmou a união estável alegada, por ter conhecido o casal no Clube Lindoia em 2018 ou 2019 e viajaram juntos. Eles visitaram a depoente no fim de 2019, quando ela estava morando em Florianópolis e, após retornar a Porto Alegre, em 2020, continuou tendo contatos sociais com o casal, sendo o último alguns meses antes da morte. Soube do óbito pelas redes sociais. Não tem conhecimento de auxílio financeiro prestado pelo segurado à autora. Disse que sempre viu a requerente no apartamento do instituidor e não sabe de outro endereço dela.

Duas filhas do segurado e da corré confirmaram, em linhas gerais, o depoimento da mãe.  

  Pois bem, esse conjunto probatório revela uma relação com contornos peculiares, não se adequando aos modelos tradicionais tanto  de união estável quando de relação extraconjugal.  

Primeiro, não havia coabitação entre a autora e o segurado.  Apesar de o domicílio comum não ser requisito da união estável, o casal mora junto na grande maioria dos casos, seja no casamento civil ou na união estável.

dependência econômica recíproca tampouco foi demonstrada, afinal o auxílio eventual reconhecido pela autora não é bastante para tanto no contexto de ambos manterem suas próprias residências.

Por outro lado, o relacionamento íntimo entre a autora e o segurado era público, compartilhado no círculo de amizade durante anos e conhecido dos filhos e filhas dele.

Tudo sopesado, entendo que o relacionamento consistia em namoro e não em união estável propriamente, porque ausente o desejo de constituição de família.

Com efeito, nos últimos anos da vida dele, a demandante e o segurado engajaram-se em relação amorosa amplamente conhecida no seu meio social. Ainda assim, o comportamento de Nestor dava a entender que esse relacionamento não ocupava o lugar daquele mantido com a esposa e mãe dos seus filhos, mesmo que a interação entre ambos estivesse limitada a eventos familiares e, aparentemente, sem troca de intimidade há bastante tempo.

Em outras palavras, o namoro, ainda que contínuo e duradouro como no caso em questão, não se equipara à união estável para legitimar a proteção previdenciária.

Via de consequência, a autora não ostenta a condição de dependente, carecendo do direito à pensão por morte, como decidiu o E. TRF da 4a Região em ação similar:

EMBARGOS INFRINGENTES. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO COMPROVADA. RELAÇÃO AFETIVA SEM INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. NAMORO QUALIFICADO. QUOTA PARTE DA PENSÃO POR MORTE. INDEVIDA. 1. Com o advento da Constituição Federal de 1988, garantiu-se um enorme avanço no que diz respeito à proteção e à conceituação do que chamamos de família, consagrando-se direitos não apenas à família constituída por meio de matrimônio, mas também àquela decorrente de união estável (formada entre um homem e uma mulher), assim como, por interpretação dos princípios constitucionais, à família formada por união homoafetiva (constituída por pessoas do mesmo sexo), à monoparental (formada por um genitor e filho) e à anaparental (formada por parentes colaterais ou pessoas que, mesmo sem ser parentes e sem ter conotação sexual, fazem parte de uma estrutura com identidade de propósito). 2. À união estável, por força do art. 226, §3º, da CF/88, são estendidos os direitos decorrentes de um casamento propriamente dito, enquanto que o namoro qualificado, por sua vez, não produz efeitos jurídicos entre os envolvidos, ou seja, não enseja direito a pensão por morte, a herança ou mesmo a alimentos, visto que ausente um profundo comprometimento entre os namorados. 3. Independentemente do modelo de família escolhido pelos conviventes, observo haver uma linha tênue que distingue a existência de uma união estável de um namoro qualificado, configurada na pretensão de constituir família. 4. A ausência de coabitação, fato incontroverso no feito, embora possa consubstanciar em mais um elemento de convicção, não constitui requisito necessário e fundamental para a caracterização da existência de união estável. 5. A intenção de constituir família passa pelo exame da vontade das partes. 6. Comprovado que o de cujus compreendia que seu núcleo familiar era formado exclusivamente por ele e seu filhos (família monoparental) e que não possuía intenção de constituir novo grupo familiar, resta ausente o elemento mais importante a configurar uma união estável, isto é, a vontade de constituir uma família. 7. Não comprovada a existência de união estável, a corré não faz jus à quota parte da pensão por morte. (TRF4, EINF 5001883-90.2011.4.04.7200, TERCEIRA SEÇÃO, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 26/04/2017)

 (...)

Primeiramente, é necessário consignar, na esteira do que decidiu o juiz de primeiro grau, de que para o reconhecimento da união estável é essencial que haja o propósito atual de constituir família. A esse respeito, colaciona-se trecho do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze ao julgar o Recurso Especial 1454643:

2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício. (...) (STJ, REsp 1454643/RJ, 3ª Turma, rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 10/03/2015)

Na eventualidade de ser comprovada a relação intuitu familiae, ou seja, que apresenta convivência duradoura, pública, contínua e reconhecida como tal pela comunidade em que vivem os companheiros, a dependência econômica é presumida, cabendo ao INSS demonstrar o contrário.

Pois bem.

A apelante parte da premissa de que não há necessidade de coabitação para caracterizar a união estável. Isso foi ponderado pelo juízo de primeiro grau, que não vinculou o reconhecimento de tal instituto à existência de coabitação. Porém não há impedimento a que o julgador tome essa circunstância como reforço de argumentação para, à vista de outros elementos de convicção, rechaçar a alegação de união estável.

Dito isso, afirma-se que o relacionamento íntimo mantido entre a apelante e o falecido era, nos dizeres da sentença, peculiar: ambos se conheceram em março de 2015 e se relacionaram de forma pública, pois frequentaram bailes e viajaram juntos com amigos, sendo de conhecimento dos filhos de Nestor; os dois não coabitavam, pois cada qual tinha sua própria residência. 

Em janeiro de 2022, poucos meses antes de falecer, Nestor e Fátima reduziram a termo uma declaração em que disseram ter mantido relação de amizade íntima de 2015 a novembro de 2019, após o primeiro episódio de violência doméstica (datado de março daquele ano) e seus desdobramentos. Na ocasião do flagrante, a apelante declarou à autoridade policial que era namorada de Nestor. Posteriormente ocorreu outro evento de violência doméstica, e a pretensão punitiva de ambos os processos deflagrados foi julgada improcedente. Para pôr fim a qualquer desavença futura ou pleito econômico, acordaram que Nestor pagaria R$ 2.000,00 para Fátima. No acordo ela foi qualificada como solteira, e ele, como casado (evento 16, ACORDO14). 

A apelante sustentou que Nestor nada lhe pagou, e que o acordo foi entabulado apenas para dar fim ao processo, "tanto que a apelante NUNCA processou Nestor por ter a buscado novamente e retomado o convívio e união".

Em que pese o argumento, não é crível que dois companheiros tivessem lavrado o acordo em semelhantes termos: qualificando-se não como companheiros, mas como "solteira" e "casado", afirmando que mantiveram (atenção à conjugação do verbo no passado) uma relação de amizade íntima que terminara há mais de dois anos e ajustando o pagamento de um valor que, segundo a própria recorrente, o falecido nunca pagou. A situação fática aponta não para uma união estável e sim para um namoro que, àquela altura (janeiro de 2022), dava sinais de desgaste ou já se esvaíra. Não fosse assim, por que a recorrente assinaria um acordo se comprometendo a "não mais manter qualquer tipo de contato com o Sr. NESTOR VALENTINI, sob pena de não o fazendo responder judicialmente pelo descumprimento do acordo (...)"? Tal tipo de ajuste não é comum aos que se dizem companheiros.

Ainda que depois da lavratura do acordo ambos tivessem eventualmente se encontrado ou mesmo tentado reatar a relação, não se pode dizer que ao tempo do óbito havia uma união estável. Como bem ponderou o juiz de primeiro grau, não havia desejo de constituição de constituição de família, assemelhando-se a relação a um namoro. Colhe-se da sentença:

Com efeito, nos últimos anos da vida dele, a demandante e o segurado engajaram-se em relação amorosa amplamente conhecida no seu meio social. Ainda assim, o comportamento de Nestor dava a entender que esse relacionamento não ocupava o lugar daquele mantido com a esposa e mãe dos seus filhos, mesmo que a interação entre ambos estivesse limitada a eventos familiares e, aparentemente, sem troca de intimidade há bastante tempo.

Em outras palavras, os fatos revelam que o de cujus não compreendia seu núcleo familiar como formado por ele e a apelante. Tudo indica que ele não tinha intenção de constituir novo grupo familiar, de modo que ausente o elemento mais importante para configurar uma união estável, qual seja, a vontade de constituir família.

Portanto, a sentença julgou corretamente a controvérsia ao indeferir a pretensão ao benefício de pensão por morte.

Honorários advocatícios

No que concerne à majoração recursal, ressalte-se que, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, 2ª Seção, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 19/10/2017), o que foi reafirmado no Tema 1059/STJ:

A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação.

Assim, levando-se em conta o trabalho adicional dos procuradores da parte apelada na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 20% sobre o percentual anteriormente fixado, forte no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.

Prequestionamento

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal e a análise da legislação aplicável são suficientes para prequestionar, às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do artigo 1026, § 2º, do Código de Processo Civil.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.




Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005400132v30 e do código CRC fcc10044.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDAData e Hora: 27/10/2025, às 15:07:50

 


 

5001459-03.2024.4.04.7100
40005400132 .V30


Conferência de autenticidade emitida em 03/11/2025 04:09:15.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001459-03.2024.4.04.7100/RS

RELATORA Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. NAMORO QUALIFICADO. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME:

1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de pensão por morte sob o fundamento de falta de comprovação da união estável entre a autora e o falecido. A autora alega nulidade da sentença por omissão na análise de provas e pedidos, e, no mérito, a comprovação da união estável.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:

2. Há duas questões em discussão: (i) a nulidade da sentença por alegada omissão na apreciação de provas e pedidos; (ii) a comprovação da união estável entre a apelante e o falecido para fins de concessão de pensão por morte.

III. RAZÕES DE DECIDIR:

3. A preliminar de nulidade da sentença é rejeitada, pois a decisão de improcedência do pedido, baseada na falta de comprovação da união estável, não configura ausência de fundamentação. O juiz não é obrigado a enfrentar todas as teses brandidas pelas partes, mas apenas aquelas suficientes a amparar seu convencimento, conforme entendimento do STJ (AgRg no REsp 1181273, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 29.05.2014).4. A concessão de pensão por morte exige a ocorrência do óbito, a condição de dependente e a qualidade de segurado do de cujus. O benefício rege-se pela legislação vigente à época do falecimento (óbito em 2022), sendo aplicável a Lei nº 13.846/2019, que exige início de prova material contemporânea dos fatos para comprovar união estável e dependência econômica, não admitindo prova exclusivamente testemunhal.

5. A união estável não foi comprovada, pois, embora o relacionamento íntimo fosse público e duradouro, não havia coabitação nem dependência econômica recíproca substancial. O propósito de constituir família, requisito essencial para a união estável, não se configurou, distinguindo a relação de um "namoro qualificado", conforme entendimento do STJ (REsp 1454643/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 10.03.2015).6. O acordo formalizado em janeiro de 2022, que qualificou a relação como "amizade íntima" já terminada e impôs restrições de contato, é incompatível com a alegação de união estável, reforçando a ausência de animus familiae.

7. A verba honorária é majorada em 20% sobre o percentual anteriormente fixado, com base no artigo 85, § 11, do CPC, em razão do desprovimento integral do recurso e do trabalho adicional dos procuradores da parte apelada, conforme entendimento firmado pelo STJ no Tema 1059.

IV. DISPOSITIVO E TESE:

8. Recurso desprovido.Tese de julgamento: 9. A ausência de animus familiae, mesmo em relacionamento público e duradouro, descaracteriza a união estável para fins previdenciários, configurando mero namoro qualificado.

___________

Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 85, § 3º, § 11; Lei nº 8.213/1991, art. 16, § 5º; CF/1988, art. 226, § 3º.

Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1181273, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 29.05.2014; STJ, REsp 1454643/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, DJe 10.03.2015; STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª Seção, DJe 19.10.2017 (Tema 1059/STJ); TRF4, EINF 5001883-90.2011.4.04.7200, 3ª Seção, Rel. Vânia Hack de Almeida, j. 26.04.2017.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.




Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005400133v4 e do código CRC 65d7cb15.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDAData e Hora: 27/10/2025, às 15:07:50

 


 

5001459-03.2024.4.04.7100
40005400133 .V4


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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025

Apelação Cível Nº 5001459-03.2024.4.04.7100/RS

RELATORA Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 1484, disponibilizada no DE de 08/10/2025.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



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