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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. LABOR INFANTIL. NECESSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA ANULADA. TRF4. 5005373...

Data da publicação: 06/11/2025, 07:09:03

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. LABOR INFANTIL. NECESSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA ANULADA. I. CASO EM EXAME:1. Apelação em ação previdenciária na qual a autora postula o reconhecimento de tempo de labor rurícola prestado a partir dos 7 anos de idade, tendo a sentença e o voto do relator reconhecido o período apenas a partir dos 12 anos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:2. Há duas questões em discussão: (i) a possibilidade de cômputo de tempo de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade para fins previdenciários; e (ii) a necessidade de produção de prova testemunhal específica para comprovar a indispensabilidade do labor rural infantil. III. RAZÕES DE DECIDIR:3. É possível o cômputo de período de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade. A Turma, em julgamento de ação civil pública (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100), consolidou o entendimento de que, apesar das limitações constitucionais ao trabalho infantil (CF/1946, art. 157, IX; CF/1967, art. 165, X; CF/1988, art. 7º, XXIII), a realidade fática brasileira demonstra que muitas pessoas iniciam a vida profissional em idade inferior à prevista. O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (CF/1988, art. 194, p.u.) preconiza que a proteção social deve alcançar todos os trabalhadores, incluindo crianças e adolescentes que laboraram, não devendo ser punidos duplamente com a negativa da proteção previdenciária.4. A prova testemunhal é indispensável para comprovar a indispensabilidade do labor rural prestado pela demandante anteriormente aos 12 anos de idade. Embora haja início de prova material do labor rurícola pelo núcleo familiar, os depoimentos escritos apresentados pela autora são inservíveis, pois não tiveram por objeto específico o exercício de labor rural anterior aos 12 anos de idade, nem elucidaram as circunstâncias da atividade. É necessário esclarecer pontos como a idade de início, a rotina, a frequência escolar, o tipo de produção familiar, o tamanho e a formação do núcleo familiar, a divisão de tarefas e as tarefas específicas da autora no período anterior aos 12 anos. IV. DISPOSITIVO E TESE:5. Sentença anulada de ofício para reabertura da instrução processual e produção de prova testemunhal.Tese de julgamento: 6. O cômputo de tempo de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade é possível, devendo ser oportunizada à parte a produção de prova testemunhal a fim de comprovar as circunstâncias sob as quais ocorreu o labor. ___________Dispositivos relevantes citados: CF/1946, art. 157, IX; CF/1967, art. 165, X; CF/1988, art. 7º, XXIII; CF/1988, art. 194, p.u.; Lei nº 8.213/1991, art. 11, VII.Jurisprudência relevante citada: TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Rel. Salise Monteiro Sanchotene, 6ª Turma, j. 09.04.2018; STJ, REsp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015. (TRF 4ª Região, 6ª Turma, 5005373-54.2024.4.04.7107, Rel. ALTAIR ANTONIO GREGORIOTAIS SCHILLING FERRAZ, julgado em 27/10/2025, DJEN DATA: 30/10/2025)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005373-54.2024.4.04.7107/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

RELATÓRIO

E. J. F. C. e Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpuseram recursos de apelação, em demanda proposta em 03/06/2024 (evento 1, INIC1), contra sentença proferida em 09/06/2025 (evento 52, SENT1), que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos: 


Ante o exposto, rejeitando as preliminares e a prefacial, extingo o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil, no tocante pleito de reconhecimento do labor rural - segurado especial no interregno de 24/03/1978 a 03/02/1985 e da especialidade do labor nos períodos de 13/11/2002 a 12/12/2002, e julgo parcialmente procedentes os pedidos, extinguindo o feito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para fins de condenar o INSS a reconhecer o caráter especial das atividades realizadas pelo demandante nos períodos de 18/05/1989 a 20/03/1992, 01/10/1998 a 18/12/2001, 01/11/2003 a 16/01/2006, 08/01/2019 a 03/04/2019, determinando ao INSS que proceda à averbação, após a conversão pelo fator 0,4.

Tendo em vista a parcial procedência e a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a arcarem com os ônus daí decorrentes, cabendo à cada uma delas arcar com 50% dos encargos, vedada a compensação. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data de prolação desta sentença, devidamente atualizadas, de acordo com o disposto no art. 85, § 2º, do CPC, atentando à natureza da demanda e ao trabalho desenvolvido pelo profissional. Obrigação da parte autora suspensa em razão do benefício da gratuidade da justiça deferida.

A exigibilidade da verba honorária deverá permanecer suspensa com relação à parte autora, enquanto persistirem as condições que ensejaram a concessão de AJG.

Não há custas a serem ressarcidas, considerando a gratuidade de justiça deferida à parte autora e a isenção legal da parte ré (art. 4°, incisos I e II, da Lei n° 9.289/1996).

Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, § 3º, I, do CPC).


Inconformadas, as partes interpuseram recursos de apelação.

A parte autora (evento 60, APELAÇÃO1), postulando o reconhecimento do labor rural, em regime de economia familiar, no período de 24/03/1973 a 03/02/1985, bem como a reafirmação da DER, caso haja parcial provimento do presente recurso e estejam presentes os requisitos ensejadores da concessão de aposentadoria.

A Autarquia (evento 62, APELAÇÃO1), por sua vez, requerendo o afastamento do reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 18/05/1989 a 20/03/1992, 01/10/1998 a 18/12/2001,  01/11/2003 a 16/01/2006 e de 08/01/2019 a 03/04/2019.

Apresentadas as contrarrazões aos recursos (evento 68, CONTRAZ1, evento 69, CONTRAZ1), vieram os autos a este Tribunal para julgamento.

VOTO

Legislação aplicável

Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.


Recebimento do recurso

Importa referir que as apelações devem ser recebidas por serem próprias, regulares e tempestivas.


Delimitação da demanda

Considerando que não há remessa oficial e não havendo interposição de recurso voluntário pelo INSS quanto ao ponto, no caso em apreço, a controvérsia fica limitada:

a) ao reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar,

b) ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas pela parte autora e

c) à reafirmação da DER.


Estando presentes os requisitos de admissibilidade do processo e não havendo vícios a serem saneados, passo ao exame do mérito da causa.


Atividade rural

Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal (artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e Súmula 149 do STJ).

A respeito do assunto, encontra-se longe de mais alguma discussão, no âmbito dos tribunais, a necessidade de que o período de tempo de atividade seja evidenciado por documentos que informem, a cada ano civil, o seu exercício (TRF4: AC 2003.04.01.009616-5, 3ª Seção, Relator Desembargador Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. 19/11/2009; EAC 2002.04.01.025744-2, 3ª Seção, Relator para o Acórdão Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14/6/2007; EAC 2000.04.01.031228-6, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 9/11/2005). Também já está fora de qualquer dúvida, a possibilidade de que os documentos civis, como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, em que consta a qualificação, como agricultor, do autor da ação, assim como de seu cônjuge ou de seus pais (Súmula 73 deste Tribunal), constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 26/2/2007; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. 20/5/2008; AMS 2005.70.01.002060-3, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJ 31/5/2006).

A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, a existência de registro contemporâneo em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, em tese, não haveria necessidade de inquirir testemunhas para a comprovação do período registrado.

Eventualmente, há casos, porém, em que a documentação apresentada deve ser complementada por meio do depoimento de testemunhas.

Em razão disso, a qualidade do início de prova material não pode ser isoladamente avaliada sem que seja compreendido o contexto probatório, a que se aduz, em regra, a produção da prova oral. Decorre dessa orientação, que a diversidade de documentos que podem constituir início de prova material impõe conclusões judiciais igualmente distintas.

A irradiação temporal dos efeitos do início de prova material dependerá do tipo de documento, das informações nele contidas (havendo distinções conforme digam respeito ao próprio autor da ação, ou a terceiros) e das circunstâncias que envolvem o quadro fático descrito no processo.

Registre-se que os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando relacionados à respectiva titularidade dos pais ou do cônjuge, consubstanciam admitido início de prova material do trabalho rural.

Com efeito, como o artigo 11, §1º, da Lei 8.213/1991, define regime de economia familiar como a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, deverá ser cauteloso o exame da prova, na medida em que, no mais das vezes, os atos negociais do grupo parental são formalizados, não individualmente, mas em nome do pai da família ou cônjuge masculino, que naturalmente representa a todos.

Essa compreensão está sintetizada na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

Por fim, a respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA. 1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

No referido julgamento, o STJ manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, havendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.

Conquanto o acórdão acima transcrito aprecie benefício diverso do postulado na presente demanda, as diretrizes fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao início de prova material também devem ser observadas para os casos de cômputo de tempo rural como boia-fria para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

O autor, nascido em 24/03/1966, filho de Dorcindo Caurio e de Maria Zilda Franco Caurio (evento 1, CNH3), buscou o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, no período de 24/03/1973 a 03/02/1985, assim analisado na sentença:


Defende a parte autora o exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 24/03/1973 até 03/02/1985, em uma área de terras inferior à quatro módulos fiscais localizadas no interior do município de Palmeira das Missões/RS, juntamente com os membros de seu grupo familiar.

Foram apresentados documentos contemporâneos à parte do período litigioso que comprovam:

- autodeclaração de segurado especial rural da parte autora, constando a relação dos membros do grupo familiar, o local do trabalho que era realizado e as atividades exercidas (evento 1, PROCADM7, pg 39-42);

  - a propriedade de imóvel rural pelo grupo  (evento 1, PROCADM7, pg 43-54);

 - associação a sindicato de trabalhadores rurais (evento 1, PROCADM7, pg 55-58).

Além disso, foram trazidos aos autos documentos pessoais, nos quais os componentes do grupo encontram-se qualificados como agricultores (evento 1, PROCADM8, pg 72)

Constam nos autos documentação escolar, que vincula a parte autora/irmãos a estabelecimento de ensino situado no meio rural (evento 1, PROCADM7, pg 61-62).

Embora não tenha sido produzida prova testemunhal em juízo, apresentação de autodeclaração e declaração de pessoas que conhecem o histórico laboral da requerente (evento 20, DECL2evento 20, DECL3evento 20, DECL4evento 23, DECL2evento 23, DECL3) suprem tal falta, visto que aliada à outras provas materiais.

Ressalto que a MP 871/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18.6.2019, alterou a redação do art. 106 da Lei nº 8.213/91, estabelecendo que a comprovação da atividade do segurado especial possa ser determinada por intermédio de autodeclaração, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às bases de dados governamentais. 

Observo, todavia, que em parte do intervalo controverso o demandante possuía menos de 12 anos de idade (24/03/1973 a 23/03/1978).

Não se desconhece que os tribunais superiores reconhecem, em tese, a possibilidade de contagem de tempo de serviço de trabalhador menor de doze anos de idade, tendo em vista que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do menor, e não para prejudicá-lo.

Todavia, tal hipótese é excepcional, com exigência de prova robusta do efetivo exercício da atividade. Em que pese ser notório que o trabalhador que nasce na zona rural inicie cedo sua atividade laborativa, a prova dos autos não autoriza o reconhecimento da atividade rural a partir da idade pretendida, conforme postulado. Isso porque a prova documental e testemunhal produzidas, embora aparentemente harmônicos em relação quanto ao trabalho rural exercido pela parte autora desde tenra idade, não trouxeram elementos concretos de que esta atividade exercida por ela era indispensável à subsistência do núcleo familiar.

Com efeito, sobretudo em regime familiar, é possível que os menores de doze anos se envolvam no trabalho rural. Todavia, deve-se ter presente que tal auxílio, em regra, se dá num contexto de complementaridade, e não de indispensabilidade, em relação ao trabalho desempenhado pelos pais, até pela capacidade física de uma criança, a qual não pode ser equiparada à de um adolescente ou à de um adulto.  Em outras palavras, " a simples presença da parte autora com os pais, ou um dos pais e outros integrantes do grupo familiar, durante o trabalho desses no campo, ou o auxílio a alguma tarefa rural mais leve, não configura labor de segurado especial como criança" ( 5012859-58.2022.4.04.7108, Primeira Turma Recursal do RS, Relator André de Souza Fischer, julgado em 18/09/2023).

Situação diversa é quando o menor é envolvido em situação de efetiva submissão a trabalho por terceiros ou quando, por si, precisa buscar sua subsistência ou de familiares em situação mais desfavorável, o que não foi demonstrado na espécie.

A respeito do tema, transcrevo o seguinte precedente: 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. PROVAS (...) Não há caracterização de trabalho na situação em que a criança, tendo frequentado a escola, eventualmente acompanha seus pais na atividade rural, por vezes como parte da relação pais/filhos, na qual se inclui outros objetivos legítimos como de cuidado, companheirismo, transferência de valores familiares, sociais e de trabalho. Todavia, não havendo recurso do INSS quanto às questões de fato e de prova do caso concreto, como também, históricos escolares comprovando que a parte autora estudava, o apelo não comporta provimento. Demonstrado o preenchimento dos requisitos legais, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. (TRF4, AC 5008077-31.2023.4.04.9999, Décima Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 20/09/2023)

Diante dos documentos apresentados, desnecessária a realização da prova oral para firmar o convencimento do Juízo, pois o fundamento para o não reconhecimento é o contexto apresentado (família composta pelos pais e irmãos, tendo, ainda, a parte autora frequentado a escola), o qual não mudaria com eventual prova oral. Ademais, a prova oral somente deve ser admitida quando a prova material for robusta e não há minúcias a serem esclarecidas.

No caso, as provas que instruem o processo demonstram o auxílio natural prestado pela parte autora aos pais e não o efetivo trabalho rural.

Dessa forma, como não foi comprovada a excepcionalidade do alegado trabalho desenvolvido pela parte autora, não é possível o reconhecimento do período de 24/03/1973 a 23/03/1978, como tempo de serviço rural na qualidade de segurado especial.

Quanto ao interregno de 24/03/1978 a 03/02/1985, tenho que escassa a prova documental contemporânea acostada aos autos, que apenas comprova residência em meio rural, mas não propriamente labor rural.

Registro que a ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais comprova exercício de labor rural até o ano de 1976 (1.7, fls. 55 a 58). Da mesma forma, o histórico escolar anexo demonstra a frequência em escola situada no meio rural até o anos de 1976, constando a informação "evadido" no ano de 1977 (1.7, fl. 62). Não foram juntadas notas de venda de produção rural ou outros documentos contemporâneos ao período de 24/03/1978 a 03/02/1985.

Sobre o tema, o Recurso Especial 1.352.721/SP, julgado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. [...] 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1352721/SP, STJ, Corte Especial, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016) Grifei

Registro, conforme dicção do artigo 927, incisos III e V, do CPC, que as teses firmadas em sede de recurso especial repetitivo, bem como as orientações dos órgãos especiais aos quais este Juízo está vinculado são precedentes obrigatórios.

Nesse contexto, não logrando êxito o autor em comprovar o enquadramento como segurado especial no período postulado, deve ser o seu pedido extinto, pela falta de pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, fulcro no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil

Dessa forma, julgo extinto, fulcro no art. 485, inciso IV, do CPC, o pedido quanto ao período de 24/03/1978 a 03/02/1985.


Inconformado, o autor apela afirmando que no período postulado residia com sua família na zona rural de Palmeira das Missões, região da campanha do Estado do Rio Grande do Sul, onde ele e seu grupo familiar exerciam principalmente as seguintes atividades rurais: plantio e colheita de soja e milho, plantio de produtos de subsistência, criação de animais, como gado, porcos e galinhas, dos quais advinham, carne, leite e ovos, além do auxílio de animais de tração para produção agrícola. Assevera que, conforme sistema habitual de famílias rurais, iniciou suas atividades agrícolas acompanhando os pais desde tenra idade, visto que não existem creches ou cuidadores de crianças, no meio rural e que, por essa razão, os pais levam seus filhos, ainda bebês, para o local de trabalho. Acrescenta que, com aproximadamente 7 anos, já assumia tarefas que impactavam na produtividade do grupo, sustentando que o labor era indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico de sua família.

Para comprovar o labor rural,  o demandante apresentou a documentação elencada na sentença acima transcrita.

Inicialmente, consigno que, no contexto dos processos previdenciários que envolvem o mérito acerca de reconhecimento de trabalho rural, denota-se que maiores são as dificuldades para comprovação do labor campesino quanto mais longínquo, temporalmente, o período pretendido, notadamente,  nas décadas de 60 e 70, sendo este o caso dos autos em proporção significativa do interregno postulado.

Outrossim, a ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira das Missões demonstra que, além do autor e de seus pais, o grupo se constituía de mais outros 8 integrantes, denotando que apenas o labor de seus genitores seria insuficiente para a manutenção da numerosa prole.

Ademais, a ausência de registro de atividades urbanas até o autor ingressar nas filas militares agrega mais um fator na composição do retrato agrário presente nos autos.

Por outro lado, quanto ao período anterior a 24/03/1978, passo às seguintes considerações:

Na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ficou autorizado o cômputo de período de trabalho  rural realizado antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Des. Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018). O acórdão foi assim ementado:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO.

1. O interesse processual do MPF diz respeito à alteração de entendimento da autarquia no tocante às implicações previdenciárias decorrentes do exercício laboral anterior àquele limite etário mínimo, consubstanciadas inclusive na Nota 76/2013. Em que pese efetivamente constitua aquela Nota importante avanço no posicionamento do INSS sobre a questão, não torna ela despicienda a tutela jurisdicional pleiteada, já que admite aquela Nota que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo, permanecendo - não bastasse a já referida necessidade prévia de reconhecimento trabalhista - a não admitir a proteção para as demais situações de exercício laboral por menor de 16 anos, referidas na contestação como externadas de forma voluntária. Não bastasse isto, restaria ainda a questão referente à documentação e formalidades exigidas para a comprovação de tal labor, o que evidencia a permanência da necessidade de deliberação e, por consequência, a existência do interesse de agir. (...). 4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. (...) 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicultura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. (...) 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? (...). 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida.

Nos termos do acórdão, entendeu-se pela possibilidade de cômputo do trabalho realizado a partir de qualquer idade e em qualquer atividade, desde que haja início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea.

No caso concreto, todavia, verifico que o conjunto probatório não caracteriza as atividades da parte autora para os fins previdenciários pretendidos. Isto porque o início de prova material não traz qualquer evidência de que a participação do requerente, para o regime de economia familiar, antes de completar 12 anos de idade, desbordasse dos deveres de educação típicos da idade, ainda que moldados ao meio rural.

Cabe frisar que, nos termos da Súmula 149 do STJ, a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

Ponderando sobre o acórdão acima reproduzido, especialmente, quanto à perda da plenitude da infância em razão do trabalho realizado, entendo que, no caso dos autos, não há como promover a contribuição da força de trabalho da parte autora à condição de indispensabilidade para a sua própria subsistência, assim como de sua família.

É preciso ter em conta que o núcleo parental, zelando pelo desenvolvimento pleno e sadio da sua prole, não a comprometeria exigindo desta a mesma força de trabalho que lhe seria exigida em condições de legítima exploração do trabalho infantil ou à guisa de emprego, de modo a lhe fazer contribuir substancialmente para a renda/manutenção da família.

 Assim, há de se discernir a força de trabalho vital para o sustento próprio ou familiar do mero auxílio, cuja importância, do ponto de vista da iniciação e da aprendizagem do trabalho rural, não se nega.

Ademais, devem ser consideradas as características inerentes à contribuição do menor no seio das atividades familiares, tais como a flexibilidade de horários, os intervalos, o ritmo de trabalho e a autonomia para a forma de realizá-lo, ainda que sob a supervisão dos responsáveis legais, pois, estes, na condição de pais, não se comportam da mesma forma que um empregador.

Considerando que a criança não possui a mesma aptidão física ao trabalho braçal no campo de um adolescente e, muito menos, de um adulto, de forma a contribuir de forma efetiva e sensível na atividade produtiva para o reconhecimento do trabalho antes dos 12 anos, a prova para tal reconhecimento deve ser contundente nesse sentido, o que não acontece na hipótese dos autos.

Não se discute aqui a vocação rurícola da família ao longo dos anos. Os documentos trazidos aos autos demonstram o desempenho de atividade rural pelo grupo familiar e é crível que desde cedo a parte autora o acompanhava nas lides campesinas, mas daí concluir-se que tal atividade configura 'trabalho rural' extrapola o caráter protetivo contido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS anteriormente referida, a qual deve ser aplicada aos casos em que há comprovada participação do trabalho infantil indispensável à subsistência do núcleo familiar e não nos casos em que esse trabalho é realizado como mera complementação, a título de aprendizagem de um labor cuja prática, historicamente, é passada dos pais para os filhos através das gerações.

Concluir, com base na prova dos autos, que a parte autora era explorada pelo grupo familiar, ao acompanhá-lo nas atividades rotineiras do campo, é desvirtuar a compreensão da própria realidade do labor desenvolvido em regime de economia familiar e essa não foi a intenção do julgador ao apreciar a ACP em comento.

Nesse contexto, deve ser parcialmente provido o apelo do recorrente, mediante o reconhecimento do exercício de labor rural, em regime de economia familiar, no período de 24/03/1978 a 03/02/1985.


Atividades exercidas em condições especiais

O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente à época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18/11/2009; APELREEX 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. 30/3/2010; APELREEX 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/3/2010; APELREEX 2007.71.00.033522-7/RS; Quinta Turma, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. 25/1/2010).

Feitas estas observações e tendo em vista a sucessão de leis que trataram a matéria diversamente, é necessário inicialmente definir qual deve ser aplicada ao caso concreto, ou seja, qual a que se encontrava em vigor no momento em que a atividade foi prestada pelo segurado.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:

Até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei 3.807/1960 (LOPS) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991 (LBPS), em sua redação original (artigos 57 e 58), era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho mediante a comprovação do exercício de atividade prevista como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp 941885/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 4/8/2008; e STJ, REsp 639066/RJ, Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 7/11/2005), quando então se fazia indispensável a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar a nocividade dos agentes envolvidos;

A partir de 29 de abril de 1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que a revogou expressamente - de modo que, para o intervalo compreendido entre 29/4/1995 (ou 14/10/1996) e 5/3/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;

A partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória 1.523/1996 (convertida na Lei 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

A respeito da possibilidade de conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, assim decidiu, admitindo-a mesmo após 28 de maio de 1998:

PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO. 1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91. 2. Precedentes do STF e do STJ.

Assim, considerando que o artigo 57, §5º, da Lei 8.213/1991 não foi revogado, nem expressa, nem tacitamente, pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (artigo 15 da Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o artigo 201, §1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28 de maio de 1998.

Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).

Com essas observações, avanço para a análise detalhada dos fatos.


Caso concreto


A sentença analisou os períodos controvertidos de atividade exercida em condições especiais nos seguintes termos:


PeríodoDe 18/05/1989 a 20/03/1992
EmpregadorNacional Supermercados Ltda.
FunçãoAprendiz de padaria
Provas:CTPS (evento 1, CTPS6, pg 03) 
Agentes nocivos:enquadramento por categoria profissional
Análise

É devido o enquadramento por categoria profissional da atividade de auxiliar de padeiro e de padeiro até 28/04/1995, por equiparação com a categoria profissional de forneiro, com base no item 2.5.2 do Anexo II do Decreto n° 83.080/79. (TRF4, AC 5006203-56.2020.4.04.7108, 5ª Turma, Relator OSNI CARDOSO FILHO, julgado em 22/10/2024)

Conclusão

Posto isso, reconheço a especialidade no período postulado.

 

 

 

Período

a) De 01/10/1998 a 18/12/2001;

b) De 01/11/2003 a 16/01/2006;

c) De 08/01/2019 a 03/04/2019

Empregador

a) Menegas & Boff Menegas Ltda;

b) Obata & Ros Ltda;

c) Ivanice Jung Caurio

Função

a) Padeiro;

b) Auxiliar de Padeiro

c) Padeiro

Provas:

a) CTPS (evento 1, CTPS6, pg 05), consulta CNPJ (evento 1, SITCADCNPJ14), laudos similares (evento 1, PPP9evento 1, OUT17evento 1, OUT18evento 37, PPP4);

b) CTPS (evento 1, CTPS6, pg 06), consulta CNPJ (evento 1, SITCADCNPJ16), laudos similares (evento 1, PPP9evento 1, OUT17evento 1, OUT18evento 37, LAUDO3evento 37, PPP5);

c) CTPS (evento 1, CTPS6, pg 07), certidão de baixa CNPJ (evento 1, SITCADCNPJ11), laudos similares (evento 1, PPP9evento 1, OUT17evento 1, OUT18evento 37, LTCAT2)

Agentes nocivos:

calor
Análise

As empresas encontram-se inativas. Assim, passível o uso do laudo similar, porquanto se trata de empresa de mesmo ramo de atividades, setor e função semelhantes.

 

No que tange ao agente nocivo calor, para caracterização da especialidade, é necessário que se supere o nível de tolerância previsto na Norma Regulamentadora n.º 15, Anexo n.º 3.

De acordo com o Decreto nº 53.831/64, até 05/03/1997, o limite de tolerância para exposição ao tal agente é de 28º (código 1.1.1). Para o período posterior, de acordo com os Decretos nº 2.172/97 e 3.048/99 c/c a Norma Regulamentadora nº 15, em seu Anexo nº 3, a exposição ao calor deve ser avaliada através do IBUTG e considerando valores distintos conforme o esforço físico associado à atividade - em trabalho contínuo: até 30 IBUTG, no desempenho de atividades leves; até 26,7 IBUTG, no desempenho de atividades moderadas; e até 25 IBUTG, no desempenho de atividades pesadas.

As atividades desenvolvidas pela parte autora são consideradas moderadas. Para o período, há indicação nos laudos de exposição a calor em níveis superiores aos estabelecidos na legislação.

Conclusão

Posto isso, reconheço a especialidade no período postulado.

 

 

A fundamentação adotada pelo sentenciante quanto aos períodos reconhecidos se coaduna com o entendimento desta Relatoria. Posto isso, em atenção ao recurso apresentado pela Autarquia, cumpre tecer ainda algumas observações acerca do reconhecimento dos períodos apelados.

Enquadramento pela categoria profissional - Padeiro

A aposentadoria especial, destinada aos segurados expostos a agentes nocivos à saúde, foi instituída pela Lei 3.807/1960 (LOPS) e, desde então, sofreu diversas modificações ao longo do tempo.

As atividades com exposição a agentes nocivos exercidas entre a publicação da Lei 3.807/1960 (LOPS) e da Lei 9.032/1995 possuíam presunção absoluta de nocividade, ocorrendo o enquadramento das categorias profissionais previstas nos anexos dos Decretos 53.831/1964 e  83.080/1979.

O enquadramento por categoria profissional configurava um reconhecimento presumido das atividades exercidas pelo trabalhador, exposto às atividades perigosas, insalubres ou penosas.

Este instituto jurídico, embasado nos decretos 53.831/1964 e 83.090/1979, foi revogado pela a Lei 9.32/1995 que extinguiu a parametrização automática das profissões, exigindo – a partir de 29/04/1995 - documentos como Laudo Pericial do Ambiente do Trabalho, SB-40, DSS-8030, Dirben 8030 e futuramente o conhecido Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). A Instrução Normativa 77/2015 explica detalhadamente a premissa mencionada:

Art. 246 da IN 77/2015. A concessão de aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, dependerá de caracterização da atividade exercida em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período de quinze, vinte ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso, podendo ser enquadrado nesta condição:

I- por categoria profissional até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, conforme critérios disciplinados nos arts. 269 a 275 desta IN; e ou

Art. 269 da IN 77/2015. Para enquadramento de atividade exercida em condição especial por categoria profissional o segurado deverá comprovar o exercício de função ou atividade profissional até 28 de abril de 1995, véspera da publicação da Lei nº 9.032, de 1995, arroladas nos seguintes anexos legais:

I - quadro anexo ao Decreto nº 53.831, de 1964, a partir do código 2.0.0 (Ocupações);

e II - Anexo II do Decreto nº 83.080, de 1979.

Assim, com a publicação da Lei nº 9.032/1995, em 29/04/1995, a presunção absoluta de nocividade deixou de existir, exigindo-se a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos para fins de aposentadoria especial ou de conversão de tempo especial em comum.

No caso, em relação à atividade de padeiro, destaca-se que esta Corte já se posicionou no sentido de equipará-la à atividade de forneiro, conforme demonstram os seguintes precedentes:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. AVERBAÇÃO. 1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social. 2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. O autor não tem direito à concessão da aposentadoria especial e nem à aposentadoria por tempo de contribuição se não conta com o tempo mínimo de atividade exigido pela legislação previdenciária. Faz jus, no entanto, à averbação dos períodos judicialmente reconhecidos para fins de obtenção de futuro benefício. 4. Admite-se o enquadramento da atividade de padeiro por equiparação à categoria profissional de forneiro, tendo em vista que o exercício de tais funções exigem a sujeição do obreiro a prolongados períodos de exposição ao calor excessivo, o que justifica uma maior proteção ao trabalhador. 5. A exposição, até 05/03/1997, ao agente nocivo ruído acima de 80 dB(A) enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. Nas hipóteses em que não é possível aferir a média ponderada do nível de ruído, deve-se utilizar o critério de "picos de ruído", adotando-se a maior medição do agente físico no ambiente durante a jornada de trabalho. Precedentes. 6. Embora o frio não esteja contemplado no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC. (TRF4, AC 5034459-71.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 27/11/2019) Grifei

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. CALOR. CATEGORIA PROFISSIONAL. FORNEIRO. RECONHECIMENTO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CABIMENTO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/2009. DIFERIMENTO PARA EXECUÇÃO. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. A exposição ao calor, acima dos limites de tolerância, é prejudicial à saúde, ensejando o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 3. Cabível o enquadramento da atividade de auxiliar de padeiro por equiparação à categoria profissional de forneiro, tendo em vista que o exercício de tal atividade profissional exige a dedicação do trabalhador a longo período de exposição ao calor excessivo. 4. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades.  5. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos dos artigos 54 e 49, inciso II, da Lei 8.213/1991, bem como efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde então. 6. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região. 7. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 497, caput, do Código de Processo Civil. (TRF4, APELREEX 0012136-65.2014.4.04.9999, Sexta Turma, Relatora Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 24/05/2017) Grifei

Agente físico calor

A exposição ao agente nocivo calor superior a temperaturas anormais acima dos limites de tolerância estabelecidos pela NR-15 enseja o reconhecimento do tempo como especial.

Conforme a prova dos autos, o valor presente para o agente calor esteve acima daquele recomendado para períodos de trabalho contínuos, sendo permitido pelo Anexo 03 da NR-15, o trabalho contínuo com atividade pesada para valores de IBUTG até 25ºC, para trabalhos leves até 30°C e para trabalhos moderados até 26,7°C. Assim, entendo devidamente caracterizada a especialidade nos períodos em análise.

Por oportuno, destaca-se também que é possível o reconhecimento da especialidade por exposição a esse agente ainda que não inscrito em regulamento, com base na Súmula nº 198 do TFR.

Habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos

Para a caracterização da especialidade, não se exige exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de trabalho, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço desenvolvido pelo trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. Nesse sentido: EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Relator Desembargador Federal Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 8/1/2010 e EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 3/3/2004.

Observo que muitas vezes a solução para a busca da melhor resposta às condições de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a constatação dessas condições em estabelecimento de atividade semelhante àquele onde laborou originariamente o segurado, no qual poderá estar presente os mesmos agentes nocivos, o que permitirá um juízo conclusivo a respeito. Logo, não há óbice na utilização de laudo pericial elaborado em uma empresa, para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo e no exercício de função semelhante. Neste sentido, é a jurisprudência dominante deste Tribunal: AC 2006.71.99.000709-7, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 2/3/2007 e APELREEX 2008.71.08.001075-4, Relator Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, D.E. 3/8/2009. Ademais, a Súmula 106 deste TRF assim estabelece: Quando não é possível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor.

Ademais, mesmo o laudo não sendo contemporâneo ao exercício das funções exercidas, é possível a comprovação da especialidade da atividade. Isso porque, se em data posterior ao labor despendido, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, reputa-se que, à época do labor, a agressão dos agentes era igual, ou até maior, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho das tarefas.

Utilização de equipamentos de proteção individual (EPI)

Quanto à utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), destaco que a partir de 3/12/1998, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo - ARE 664335, submetido ao regime de repercussão geral (Tema 555), Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014 e publicado em 12/2/2015, o uso de equipamentos de proteção individual somente descaracterizaria a atividade em condições especiais se comprovada, no caso concreto, a real efetividade, suficiente para afastar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.

No caso sob análise, ainda que alguns documentos façam referência ao uso de equipamentos de proteção, não ficou demonstrado o efetivo fornecimento pela empresa, a intensidade de proteção proporcionada ao trabalhador, o treinamento e uso efetivo do equipamento durante toda a jornada de trabalho e a respectiva fiscalização pelo empregador. Assim, o eventual emprego desses acessórios não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço em exame.

Além disso, para que se pudesse presumir a neutralização do agente agressivo, seriam necessárias provas concretas da qualidade técnica do equipamento, descrição de seu funcionamento e efetiva medição do quantum que os artefatos podem elidir - ou se realmente podem neutralizar - o que não ocorreu no caso em apreço. Qualquer referência à neutralização do agente agressivo por meio de equipamento de proteção, para ser considerada, deve ser palpável e concreta e não feita de maneira genérica. É indispensável que se comprove, pelo uso da tecnologia e mediante demonstração razoável, que o equipamento neutraliza o agente, se efetivamente é permanentemente utilizado e desde que período; do contrário, não pode ser afastado o enquadramento da atividade como sujeita a agentes nocivos.

Ademais, observo que este Tribunal, no julgamento do processo 5054341-77.2016.4.04.0000/SC, recebido como recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese, relativamente ao Tema IRDR15/TRF4: A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário.

Nesse mesmo julgamento foram fixadas, também, as situações que dispensam a análise referente à utilização de EPIs, cabendo o reconhecimento do tempo de serviço especial ainda que o formulário PPP da empresa indique a adoção de EPI eficaz:

a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998: pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º: Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)"

b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:

b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, em 13/9/2017)

b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)

b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015: Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. Apelação/Remessa Necessária 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Relator Ézio Teixeira, 19/4/2017)

Além dessas hipóteses, o voto-complementar proferido pelo eminente Desembargador Federal Jorge Antônio Maurique em continuidade ao mesmo julgamento (processo nº 5054341-77.2016.4.04.0000/SC) acrescentou mais três exceções, ao rol taxativo previsto no IRDR-Tema 15, nas quais, igualmente, é cabível o reconhecimento do tempo de serviço especial ainda que o formulário fornecido pela empresa indique a adoção de EPI eficaz, quais sejam: calor, radiações ionizantes e trabalhos em condições hiperbáricas.

Tema repetitivo 1090 STJ

Importante referir ainda, no que diz respeito à informação sobre a eficácia do equipamento de proteção individual (EPI), que o STJ, na data de 09/04/2025, aprovou, por unamidade, as seguintes teses no tema repetitivo 1090:

I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.

II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.

III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.

De todo modo, entendo que permanecem as excludentes previstas no Tema IRDR15/TRF4, anteriormente referidas.

Acrescento, que se estiver comprovado o trabalho em condições especiais, a mera ausência do código ou o preenchimento equivocado do campo GFIP no formulário não obsta o reconhecimento da especialidade do período, pois o INSS possui os meios necessários para sanar eventual irregularidade constatada na empresa, não podendo o segurado ser penalizado por falha do empregador. 

Quanto ao recolhimento das contribuições estabelecidas nos artigos 57, §§ 6º e 7º da Lei 8.213/1991 e artigo 22, inciso II, da Lei 8.212/1991, cabe ao empregador efetuá-lo, conforme dispõe o artigo 30, inciso I, alíneas a e b, da Lei 8.212/1991:

Artigo 30: A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

I - a empresa é obrigada a:

a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração;

b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência; (...)

Assim, no caso em exame, o eventual emprego desses acessórios não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço requerido.


Feitas estas observações, concluo que deve ser mantida a sentença quanto ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 18/05/1989 a 20/03/1992, 01/10/1998 a 18/12/2001,  01/11/2003 a 16/01/2006 e de 08/01/2019 a 03/04/2019, devendo, pois, ser desprovido o apelo do INSS.


Direito à aposentadoria

Considerado o tempo de serviço/contribuição computado, ainda que a DER fosse reafirmada até o momento, a parte autora não cumpriria os requisitos necessários à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.


Honorários advocatícios e custas processuais

Mantidos na forma da sentença.

Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma quanto aos honorários devidos pelo INSS.


Averbação de período(s)

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 9/8/2007), determino o cumprimento do acórdão no tocante à averbação de período(s) da parte autora, a contar da competência da publicação do acórdão.

Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência aos dispositivos legais e constitucionais, tais como, os artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988. Isso porque não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial.


Conclusão

1. Manter a sentença quanto:

a) ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 18/05/1989 a 20/03/1992, 01/10/1998 a 18/12/2001, 01/11/2003 a 16/01/2006 e de 08/01/2019 a 03/04/2019.

2. Dar parcial provimento ao apelo da parte autora para:

a) reconhecer o exercício de labor rural, em regime de economia familiar, determinando a averbação do período de 24/03/1978 a 03/02/1985.

3. Negar provimento ao apelo da Autarquia.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da parte autora e negar provimento ao apelo da Autarquia.




Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40005282829v26 e do código CRC 9cf314c9.

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005373-54.2024.4.04.7107/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

VOTO DIVERGENTE

Peço vênia à ilustre relatora para divergir, uma vez que entendo ser necessária a produção de prova testemunhal para a resolução da controvérsia quanto à indispensabilidade do trabalho rural exercido pela autora anteriormente aos 12 anos de idade.

No caso concreto, postula a parte autora nascida em 24/03/1966, o reconhecimento do tempo de labor rurícola prestado no período de 24/03/1973 a 03/02/1985, ou seja, a partir de seus 07 anos de idade.

O ilustre relator reconheceu o exercício da atividade rural apenas a partir dos 12 anos de idade da parte autora.

Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, esta Turma, ao julgar as apelações interpostas contra sentença proferida na ação civil pública nº 5017267-34.2013.404.7100/RS, a qual foi movida pelo Ministério Público Federal para afastar a idade mínima prevista no art. 11 da Lei 8.213/91 para fins de reconhecimento de tempo de serviço e contribuição, consolidou o entendimento de que se mostra possível o cômputo de período de trabalho realizado antes dos doze anos de idade (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora para Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09-04-2018).

Prevaleceu o entendimento de que, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), a realidade fática brasileira demonstra que uma gama expressiva de pessoas inicia a vida profissional em idade inferior àquela prevista constitucionalmente, sem possuir a respectiva proteção previdenciária. Do voto condutor, da lavra da Exma. Desembargadora Federal Salise Monteiro Sanchotene, extrai-se:

"(...)

Embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição Federal, é público e notório que a realidade pouco mudou desde então, apesar dos avanços socioeconômicos do país. Em tempos mais remotos, sob o aspecto cultural, era comumente aceito como normal o labor infantil.

Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicultura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros).

Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social.

É cediço que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo.

Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. Conforme o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%.

Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'.

Consoante a Secretária-Executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Trabalho Infantil (FNPETI), Sra. Isa de Oliveira:

'Em 2015, foram registrados 79 mil casos, 12,3% a mais que em 2014, quando havia 70 mil crianças nesta faixa trabalhando. Em 2013, eram 61 mil.

'Até 2012, os índices de trabalho infantil nesta faixa etária apontavam um trajetória de queda. Falava-se até em erradicação do trabalho entre 5 a 9 anos. A tendência de aumento é inaceitável e preocupante'. (http://www.fnpeti.org.br/noticia/1606-trabalho-infantil-diminui-198-entre-2014-e-2015.html) (grifei).

Consigno, ainda, que em consulta ao sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Previdência Social- MTPS (http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/01/fiscalizacao-livrou-7%2C2-mil-jovens-de-trabalho-irregular-em-2015), conforme dados do Ministério, no ano de 2015 foram realizadas 7.263 ações fiscais que alcançaram 7.200 crianças e adolescentes em situação de trabalho irregular.

(...)

Ora, se os estudos e as ações fiscalizatórias governamentais atestam a existência de trabalho desenvolvido no meio rural e urbano por crianças na faixa etária inferior a 9 anos, por certo que essas pessoas, que já tiveram ceifadas oportunidades de viver em plenitude a infância, de estudar, de usufruir de lazer condigno, devem merecer a proteção previdenciária e lograr, ulteriormente, o cômputo daquele tempo de trabalho vivenciado na infância e na adolescência para fins de carência e mesmo de aposentadoria.

(...)"

A decisão, que tem efeitos erga omnes, foi no sentido de reconhecer o direito à cobertura previdenciária a crianças e adolescentes que laboraram, embora não devessem tê-lo feito:

[...] No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. [...] (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018)

Assumindo que a questão suscitada  enseja uma multiplicidade de posicionamentos jurídicos e sociológicos distintos, conforme as premissas seguidas e, sobretudo, os inúmeros princípios e dispositivos legais incluídos, a relatora da referida ACP, Des. Salise Monteiro Sanchotene assim asseverou:

[...] Porém, acima de tudo tem de prevalecer o fato; e é inegável que, objetivamente, há trabalho de menores de 12 anos no Brasil, país com uma das maiores concentrações de renda do mundo por conta também de indigna e bárbara exploração do trabalho infantil, sendo, pois, inadmissível ignorar tal realidade em detrimento dos explorados. Com certeza não foi por outros motivos que o INSS relativizou os efeitos da proibição do trabalho abaixo dos limites etários mínimos estabelecidos na Constituição Federal.

Não há razão, portanto, para se fazer distinção entre trabalho infantil e exploração do trabalho infantil. O pressuposto é de que criança não deveria trabalhar e, se o fez, não se pode puni-la duplamente, com a negativa da proteção previdenciária.

Registre-se que, no indigitado julgado, esta Corte Regional adotou posicionamento pela inexistência de maior restrição .probatória, quando se está diante do tempo de labor rural de pessoas menores de 12 anos, relativamente aos demais. Concluiu-se, portanto, que, por meio de início de prova material - admissível a utilização de documentos em nome dos pais -, além de prova testemunhal idônea, é possível o reconhecimento de tempo de serviço sem restrição de limite etário, inclusive em idade inferior a 12 anos.

Ademais, o trabalho da criança não terá que ser igual ao dos pais, nem permanente, para ser reconhecido - ainda que em muitos lugares, lamentavelmente, assim o seja. O que se exige é que sua participação tenha sido colaborativa e desenvolvida para a subsistência do grupo. Não se exige sequer que a atividade do adulto seja contínua ou exclusiva (art. 11, VII da Lei de Benefícios).  Não é de se exigir, sob pena de se subverter o propósito protetivo da norma que veda o trabalho da criança, que a prova de sua participação para a mútua subsistência seja mais exigente do que a que se espera dos dos demais. A indispensabilidade do trabalho, no regime de economia familiar, não requer que todos os membros da família desempenhem a mesma atividade, mas que colaborem entre si, dividindo-se em diferentes afazeres, para a subsistência do grupo.

No caso concreto, há início de prova material do exercício de labor rurícola pelo núcleo familiar do autor no período postulado, tendo inclusive redundando no reconhecimento do exercício de labor rural no período imediatamente posterior aos 12 anos de idade da autora neste processo

Uma vez presente início de prova material do exercício de atividade rurícola pela parte autora e sua família, a única forma de prova da indispensabilidade do labor rural prestado pela demandante anteriormente aos 12 anos de idade é a prova testemunhal. Não se pode inferir a forma da qual revestidas as atividades rurais da autora - se meramente educativa, se efetivamente importante à complementação da renda da família - apenas pela prova material trazida aos autos.

Importante registrar, também, que os depoimentos cpor escrito trazidos pela parte autora não tiveram por objeto específico o exercício de labor rural anterior aos 12 anos de idade, bem como a necessária elucidação das circunstâncias sob as quais dava-se a atividade, pelo que inservíveis à análise do caso concreto.

Os relatos juntados, em que pese informarem que o autor exercia labor rural desde tenra idade, não esclareceram as circunstâncias sob as quais se dava o exercício da atividade.

Efetivamente, para análise específica do ponto, há circunstâncias importantes a serem elucidadas que podem indicar, ou não, a inserção do labor exercido pelo menor de 12 anos na dinâmica produtiva do núcleo familiar, de modo a permitir seu aproveitamento para fins previdenciários.

Entre tais pontos cujo esclarecimento se faz necessário, é possível destacar as seguintes questões:

1) com que idade a parte autora iniciou a prática de atividades rurais junto ao núcleo familiar?

2) qual era a rotina da parte autora no período anterior aos 12 anos de idade?

3) frequentava a escola no período? Em que turno?

4) o que a família plantava? Havia criação de animais?

5) qual era o tamanho e a formação do núcleo familiar? Havia quantos irmãos e, entre esses, a parte autora encontrava-se entre os mais velhos ou mais novos?

6) como era a divisão de tarefas entre os membros do grupo familiar?

7) quais tarefas eram afeitas à parte autora especificamente no período anterior aos 12 anos de idade?

As questões acima elencadas de forma alguma afastam a possibilidade de que o juízo a quo, ao produzir a prova testemunhal realize outras indagações, de acordo com a necessidade de esclarecimento dos fatos.

Dessa maneira, no caso concreto, afigura-se necessária a realização de prova testemunhal em juízo, com a colheita de depoimentos que elucidem as circunstâncias do labor rurícola alegadamente exercido pela autora.

Assim, voto por determinar a anulação da sentença para reabertura da instrução processual, com a produção de prova testemunhal relativamente ao período de  24/03/1973 a 23/03/1978, em que a parte autora postula o reconhecimento do exercício de labor rural, principalmente com o objetivo de esclarecer sob quais circunstâncias se dava o trabalho campesino.

Caso superado o ponto, voto no sentido de extinguir o feito sem julgamento de mérito quanto à questão, uma vez que não há provas suficientes nos autos à análise do exercício de labor rurícola anteriormente aos 12 anos de idade pela parte autora.

Nessa hipótese, deve ser observada, por analogia, a decisão proferida no Recurso Especial 1.352.721/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, na qual se firmou entendimento de que, na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito.

Isso porque entendo que o REsp 1.352.721/SP, julgado pela Corte Especial do STJ em 16/12/2015, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, deve ser interpretado de forma ampla, estendendo-se para outras situações de insuficiência de prova em matéria previdenciária, a possibilidade de repropositura da ação, especialmente quando a questão envolve comprovação de tempo de serviço ou as condições da prestação do serviço.

A ratio decidendi desse julgamento está expressa nos votos dos ministros, que concordaram que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial de uma ação previdenciária não deveria implicar a improcedência da demanda, enquanto julgamento de mérito, mas em decisão de caráter terminativo, para que permanecesse aberta a possibilidade da prova do alegado pelo segurado, em novo processo.

O fundamento para este entendimento é a preservação do direito social à previdência, a justificar a relativização das normas processuais sobre o ônus da prova.

Foram as peculiaridades da lide previdenciária que reclamaram um questionamento sobre os meios e os fins do processo, enquanto garantia de realização de um direito fundamental-social.

Ante o exposto, renovando a vênia ao ilustre relator, voto por anular de ofício a sentença e determinar a realização de prova testemunhal em juízo relativamente ao período de labor rural, prejudicada a análise do mérito dos apelos. Caso superado o ponto, voto por dar parcial provimento em maior extensão à apelação da parte autora e negar provimento ao apelo do INSS.




Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40005365807v2 e do código CRC 4bca88bc.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZData e Hora: 22/09/2025, às 16:22:35

 


 

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005373-54.2024.4.04.7107/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. LABOR INFANTIL. NECESSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA ANULADA.

I. CASO EM EXAME:

1. Apelação em ação previdenciária na qual a autora postula o reconhecimento de tempo de labor rurícola prestado a partir dos 7 anos de idade, tendo a sentença e o voto do relator reconhecido o período apenas a partir dos 12 anos.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:

2. Há duas questões em discussão: (i) a possibilidade de cômputo de tempo de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade para fins previdenciários; e (ii) a necessidade de produção de prova testemunhal específica para comprovar a indispensabilidade do labor rural infantil.

III. RAZÕES DE DECIDIR:

3. É possível o cômputo de período de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade. A Turma, em julgamento de ação civil pública (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100), consolidou o entendimento de que, apesar das limitações constitucionais ao trabalho infantil (CF/1946, art. 157, IX; CF/1967, art. 165, X; CF/1988, art. 7º, XXIII), a realidade fática brasileira demonstra que muitas pessoas iniciam a vida profissional em idade inferior à prevista. O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (CF/1988, art. 194, p.u.) preconiza que a proteção social deve alcançar todos os trabalhadores, incluindo crianças e adolescentes que laboraram, não devendo ser punidos duplamente com a negativa da proteção previdenciária.4. A prova testemunhal é indispensável para comprovar a indispensabilidade do labor rural prestado pela demandante anteriormente aos 12 anos de idade. Embora haja início de prova material do labor rurícola pelo núcleo familiar, os depoimentos escritos apresentados pela autora são inservíveis, pois não tiveram por objeto específico o exercício de labor rural anterior aos 12 anos de idade, nem elucidaram as circunstâncias da atividade. É necessário esclarecer pontos como a idade de início, a rotina, a frequência escolar, o tipo de produção familiar, o tamanho e a formação do núcleo familiar, a divisão de tarefas e as tarefas específicas da autora no período anterior aos 12 anos. 

IV. DISPOSITIVO E TESE:

5. Sentença anulada de ofício para reabertura da instrução processual e produção de prova testemunhal.Tese de julgamento: 6. O cômputo de tempo de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade é possível, devendo ser oportunizada à parte a produção de prova testemunhal a fim de comprovar as circunstâncias sob as quais ocorreu o labor.

___________

Dispositivos relevantes citados: CF/1946, art. 157, IX; CF/1967, art. 165, X; CF/1988, art. 7º, XXIII; CF/1988, art. 194, p.u.; Lei nº 8.213/1991, art. 11, VII.

Jurisprudência relevante citada: TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Rel. Salise Monteiro Sanchotene, 6ª Turma, j. 09.04.2018; STJ, REsp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos o relator e o Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, anular de ofício a sentença e determinar a realização de prova testemunhal em juízo relativamente ao período de labor rural, prejudicada a análise do mérito dos apelos. Caso superado o ponto, voto por dar parcial provimento em maior extensão à apelação da parte autora e negar provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de outubro de 2025.




Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Relatora do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005465311v4 e do código CRC 0236283c.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZData e Hora: 30/10/2025, às 22:26:12

 


 

5005373-54.2024.4.04.7107
40005465311 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 06/11/2025 04:09:01.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/09/2025 A 17/09/2025

Apelação Cível Nº 5005373-54.2024.4.04.7107/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PRESIDENTE Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A) JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/09/2025, às 00:00, a 17/09/2025, às 16:00, na sequência 1002, disponibilizada no DE de 01/09/2025.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL ALTAIR ANTONIO GREGORIO NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTARQUIA, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO QUADROS DA SILVA E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELA DESEMBARGADORA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ NO SENTIDO DE ANULAR DE OFÍCIO A SENTENÇA E DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL EM JUÍZO RELATIVAMENTE AO PERÍODO DE LABOR RURAL, PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO DOS APELOS. CASO SUPERADO O PONTO, VOTO POR DAR PARCIAL PROVIMENTO EM MAIOR EXTENSÃO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.

Votante Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

Votante Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Divergência - GAB. 62 (Des. Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ) - Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ.



Conferência de autenticidade emitida em 06/11/2025 04:09:01.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/10/2025 A 27/10/2025

Apelação Cível Nº 5005373-54.2024.4.04.7107/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PRESIDENTE Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A) ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/10/2025, às 00:00, a 27/10/2025, às 16:00, na sequência 126, disponibilizada no DE de 09/10/2025.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DO JUIZ FEDERAL SELMAR SARAIVA DA SILVA FILHO E DO DESEMBARGADOR FEDERAL HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A 6ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS O RELATOR E O DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO QUADROS DA SILVA, ANULAR DE OFÍCIO A SENTENÇA E DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL EM JUÍZO RELATIVAMENTE AO PERÍODO DE LABOR RURAL, PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO DOS APELOS. CASO SUPERADO O PONTO, VOTO POR DAR PARCIAL PROVIMENTO EM MAIOR EXTENSÃO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS, NOS TERMOS DO VOTO DA DESEMBARGADORA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ QUE LAVRARÁ O ACÓRDÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante Juiz Federal SELMAR SARAIVA DA SILVA FILHO

Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



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