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Apelação Cível Nº 5001188-45.2022.4.04.7138/RS
RELATOR Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por S. A. S. em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Sobreveio sentença julgando a lide nos seguintes termos:
"Considerando o contido no corpo desta decisão, julgo improcedentes os pedidos, nos termos do artigo 487, I, do CPC.
Tendo em conta as disposições do art. 85 do CPC/15 e sendo a parte autora sucumbente do pedido, a condeno ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência.
Ainda, considerando o estabelecido no art. 85, §§ 2º; 3º, I e § 4º do CPC/15, bem como que o proveito econômico desta demanda é inferior a 200 (duzentos) salários-mínimos, montante que se depreende da análise ao valor da causa, arbitro os honorários de sucumbência no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa, a ser apurado quando da liquidação do julgado.
Suspendo, contudo, a exigibilidade das despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, nos termos do art. 98, § 3º do CPC/15, face ao benefício da justiça gratuita concedido à parte demandante.
A parte autora é isenta do pagamento das custas, tendo em vista o disposto no artigo 4º, inciso II, da Lei nº 9.289/96.
Publique-se. Intimem-se.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte adversa para contra-arrazoar em 15 dias. Vencido este prazo, remetam-se os autos ao E.TRF4 (artigo 1.010, parágrafo terceiro, NCPC).
Não há falar em remessa necessária, uma vez que eventual condenação é inferior a 1000 (mil) salários-mínimos, de acordo com a regra do art. 496, § 3º, I, do NCPC (Lei nº 13.105/15)."
A parte autora apela. Em suas razões, sustenta que o fato de o seu genitor ter exercido vínculo urbano de modo concomitante com o labor rural, por si sí, não afasta a sua condição de segurada especial. Aponta que acostou prova material, a qual comprova o exercício do labor rural em regime de economia familiar. Requer o provimento do recurso a fim de que seja reconhecido o labor rurícola de 27/06/1986 a 31/10/1991, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER, em 13/08/2019. ().
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
MÉRITO
TRABALHADOR RURAL
O artigo 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 estabelece que o tempo de serviço do trabalhador rural anterior à vigência dessa Lei será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para fins de carência. Essa disposição não representa uma mera benesse legislativa, mas sim a concretização da uniformidade e equivalência dos benefícios aos trabalhadores urbanos e rurais, conforme assegurado pelo artigo 194, inciso II, da Constituição Federal. Tal equiparação justifica-se pelo fato de que, no regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os rurícolas contavam apenas com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), de natureza assistencial, instituído pela Lei Complementar nº 11/1971.
Importa salientar, ainda, que o artigo 11, inciso VII, da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estendeu a condição de segurado especial a todos os integrantes do grupo familiar que comprovem trabalhar em regime de economia familiar.
Para a comprovação da atividade rural, é indispensável a existência de início de prova material contemporânea dos fatos, nos termos do § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/1991. A prova exclusivamente testemunhal não é admitida, exceto em casos de motivo de força maior ou caso fortuito.
Contudo, admite-se a complementação do início de prova material por prova testemunhal idônea, quando necessária para preencher eventuais lacunas. Essa diretriz é reafirmada pela Súmula 149 do STJ (A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário), consolidada no julgamento do Tema 297 do STJ.
Para a prova da atividade rural, cabem as seguintes premissas:
Rol Exemplificativo de Documentos: O rol de documentos constante no artigo 106 da LBPS como início de prova material é exemplificativo, em observância ao princípio da proteção social adequada (artigo 194 da CF).
Certidões da Vida Civil: Certidões da vida civil são unissonamente admitidas como início probatório de atividade rural, conforme tese fixada pelo STJ no Tema 554. Deles se extrai que ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural, incluindo documentos públicos nos quais conste a qualificação do declarante como agricultor; certidões de casamento, nascimento, alistamento militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros.
Documentos em Nome de Terceiros do Grupo Familiar: Admitem-se documentos em nome de terceiros integrantes do grupo familiar. O artigo 11, § 1º, da LBPS define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração, formalizando os atos negociais em nome do representante do grupo familiar perante terceiros. Nesse sentido, a Súmula 73 do TRF/4ª Região (Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental), com a ressalva do Tema 533 do STJ (a extensão de prova material não é possível quando um integrante do núcleo familiar passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana).
Dispensa de Prova Documental para Todos os Anos: Não há necessidade de prova documental em relação a todos os anos do período de carência. Documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem um juízo conclusivo acerca da continuidade da atividade rural são suficientes. O Tema 638 do STJ (Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório) e a Súmula 577 do STJ (É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório) corroboram esse entendimento.
Atividade Urbana e Segurado Especial: O desenvolvimento de atividade urbana por um membro do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais como segurados especiais (Tema 532 do STJ). Deve-se averiguar a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ). O artigo 11, inciso VII, da LBPS define o segurado especial como aquele que exerce a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, mesmo com auxílio eventual de terceiros, sendo irrelevante o trabalho urbano que complemente a renda familiar sem descaracterizar a natureza de subsistência da renda rural. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão apenas em nome do membro com renda urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família (Temas 532 e 533 do STJ).
Labor Urbano de Curta Duração: O labor urbano prestado pelo segurado durante exíguo período não desconfigura sua condição de trabalhador agrícola, conforme o artigo 11, § 9º, inciso III, da Lei nº 8.213/91, que permite o exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil. A Terceira Seção do TRF4, no julgamento do IRDR 21, fixou a tese de que Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea (IRDR 50328833320184040000, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, disponibilizado em 28/08/2019).
Com as modificações introduzidas pela MP nº 871/2019, convertida na Lei nº 13.846/2019, que alteraram o § 3º do artigo 55 e o artigo 106 da Lei nº 8.213/1991, além do acréscimo dos artigos 38-A e 38-B, a justificação administrativa (disciplinada no artigo 108 da LBPS) deixou de ser necessária para a comprovação da atividade do segurado especial. Ela foi substituída pela autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Na ausência de ratificação, a autodeclaração deverá ser acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
Com efeito, a autodeclaração de exercício de atividade rural, sustentada por início de prova material, passou a ser suficiente para comprovar o labor rurícola, dispensando, inclusive, a oitiva de testemunhas, salvo em caso de divergência entre as informações contidas no documento e no conjunto probatório.
Nesse sentido, destacam-se precedentes como:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. NÍVEIS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGENTES QUÍMICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. EPIS. LOCAIS DE ARMAZENAMENTO DE MATERIAIS INFLAMÁVEIS OU EXPLOSIVOS. PERICULOSIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea ou autodeclaração, nos termos da Lei 13.846/2019, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 2. De acordo com posicionamento desta Sexta Turma, no julgamento da ação civil pública n.° 5017267-34.2013.404.7100/RS, é possível o cômputo do período de trabalho rural realizado antes dos doze anos de idade. 3. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 4. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 5. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 6. Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários. 7. Trabalho em locais em que há o acondicionamento e armazenamento de materiais inflamáveis ou explosivos é de se computar como especial em decorrência da sujeição do segurado à periculosidade ínsita à atividade. 8. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte. 9. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida. 10. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição na forma mais vantajosa. 11. Considerando que, de um lado, foi reconhecido tempo de serviço e o direito à concessão do benefício e, de outro, foi julgado improcedente o pedido de indenização por dano moral, está configurada a sucumbência recíproca. (AC nº 5008508-30.2022.4.04.7112, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Tais Schilling Ferraz, julgado em 18/06/2025)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. AVERBAÇÃO DE TEMPO URBANO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. ATIVIDADE URBANA. CTPS. COMPROVAÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE PARA FINS DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE NOCIVO. RUÍDO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMA 1124/STJ. INAPLICABILIDADE. CONSECTÁRIOS. SELIC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA. - Considerando-se que o valor da condenação nas causas de natureza previdenciária, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, via de regra não excede o montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário, é possível concluir com segurança que, embora o cálculo do quantum debeatur não conste das sentenças em matéria previdenciária, este não atingirá o patamar estabelecido no art. 496, § 3.º, I, do CPC. Por tal razão, no caso concreto, verifica-se de plano, não se tratar de hipótese de conhecimento da remessa obrigatória. - Inexiste cerceamento de defesa na decisão que indefere a realização de perícia judicial quando constam nos autos elementos suficientes ao convencimento do julgador. - Ausente interesse recursal, não merece conhecimento o recurso. - O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea, ou por apresentação de autodeclaração. - Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. - Os períodos constantes na CTPS merecem aproveitamento para fins de contagem do tempo de serviço, pois as anotações ali registradas gozam de presunção juris tantum de veracidade, ilidida apenas quando existirem suspeitas objetivas e razoavelmente fundadas acerca dos assentos contidos do documento, permitindo a identificação da existência de relação jurídica válida e perfeita entre trabalhador e empregador. - É possível o cômputo do interregno em que o segurado esteve usufruindo benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) para fins de carência, desde que intercalado com períodos contributivos ou de efetivo trabalho (Tema STF 1.125). - A exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente, sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização de EPIs ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos, nos termos fixados pelo STF no julgamento do ARE 664.335 (Tema 555). - Hipótese que não se amolda à questão em exame pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1124, pois acostadas, ainda na esfera administrativa, provas suficientes para o reconhecimento do direito alegado. - Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, o respectivo tempo de serviço especial deve ser reconhecido. - A partir da data da publicação da Emenda Constitucional n.º 113/2021 incidirá, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. - Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, em consonância com as Súmulas 76 desta Corte e 111 do STJ. - Determina-se o cumprimento imediato do acórdão, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (ApRemNec nº 5015301-54.2022.4.04.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Andréia Castro Dias Moreira, julgado em 18/06/2025)
Com base nesse novo regramento, o INSS expediu o Ofício Circular 46/DIRBEN/INSS em 13/09/2019, com orientações sobre a análise da prova da atividade de segurado especial. O documento informa que, para requerimentos com Data de Entrada do Requerimento (DER) a partir de 18/01/2019 (data da publicação da MP nº 871), a declaração sindical não se constitui mais como documento para comprovação da atividade rural. Além disso, a partir de 19/03/2019, em caso de impossibilidade de ratificação da autodeclaração com informações de bases governamentais, os documentos referidos no artigo 106 da Lei nº 8.213/1991 e nos incisos I, III e IV a XI do artigo 47 e artigo 54, ambos da IN 77/PRES/INSS, de 2015, servirão para ratificar a autodeclaração.
A apresentação da autodeclaração é admitida de diversas formas, inclusive com formulário padronizado disponível no site do INSS.
Mesmo para trabalhadores rurais como "boias-frias", diaristas ou volantes, onde a informalidade dificulta a comprovação documental, a jurisprudência do STJ continua a aplicar a Súmula 149, exigindo início de prova material, que pode ser complementado por prova testemunhal idônea, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal.
Por outro lado, a existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) não descaracteriza, de plano, a atividade agrícola em regime individual ou de economia familiar. A mera anotação nesses documentos não implica um regime permanente de contratação. Cada caso deve ser analisado para aferir a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), podendo enquadrar-se na previsão do artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991. A simples qualificação como "empregador II-b" nos recibos de ITR não configura a condição de empregador rural, não descaracterizando o trabalho agrícola em regime de economia familiar (artigo 1º, inciso II, alínea b, do Decreto-Lei nº 1.166/1971).
Em síntese, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie o convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. Havendo conflito entre a prova colhida na esfera administrativa e na esfera judicial, deve-se prestigiar esta última, seja pela imparcialidade do julgador, seja pela ampla garantia do contraditório.
Caso concreto:
A autora pretende o reconhecimento do trabalho rural entre 27/06/1986 (a partir dos doze anos de idade) a 31/10/1991.
Constam as seguintes provas ():
- Certidão do INCRA, em nome do genitor, referente a imóvel rural localizado em Dois Irmãos/RS, medindo 6,7 hectares. Período: 1972 a 1992 (fl. 30);
- Recibos de pagamento das mensalidades do sindicato rural, em nome da mãe, nos anos de 1989 a 1991 (fls. 32 , 38/39);
- CCIR de 2019, em nome do pai (fl. 48);
- Certidão de nascimento da autora, de 1974, sem indicação da profissão dos pais (fl.29);
- Histórico escolar de instituição localizada em Dois Irmãos/RS, indicando frequência nos anos de 1982 a 1986 (fl. 28);
A prova foi assim examinada na sentença ():
" Caso concreto
Requer a parte autora o reconhecimento do período de 27/06/1986 a 31/10/1991 como tempo de serviço rural, desenvolvido em regime de economia familiar com seus genitores.
Foram juntados, dentre outros, os seguintes documentos (evento 1):
a) em nome dos genitores (José Alberto Schmitz e Norma Schein Schmitz):
- Certidão do INCRA, em nome do genitor, referente a imóvel rural localizado em Dois Irmãos/RS, medindo 6,7 hectares, nos anos de 1972 a 1992;
- Recibos de pagamento das mensalidades do sindicato rural, em nome da mãe, nos anos de 1989 a 1991;
- CCIR de 2019, em nome do pai; e
- CNIS do genitor sinalizando os seguintes vínculos empregatícios:

b) em nome próprio:
- Certidão de nascimento em 27/06/1974, em Dois Irmãos/RS, sem indicação da profissão dos pais;
- Histórico escolar de instituição localizada em Dois Irmãos/RS, indicando frequência nos anos de 1982 a 1986; e
- CTPS emitida em 20/08/1991, em Gramado/RS, com anotação do primeiro vínculo em 01/01/1992 (dados corroborados pelo CNIS).
Foram anexadas ao feito a autodeclaração (, fls. 59-62), nos moldes da alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, de 18/01/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei nº 8.213/91.
O documento firmado pela parte segurada, com base no Ofício-Circular nº 46 DIRBEN/INSS, tratado na fundamentação, refere o exercício de atividade rural de 27/06/1986 a 31/10/1991, em regime de economia familiar com o pai, em terras próprias, situadas no interior de Santa Maria do Herval, pertencente a Dois Irmãos até 1988. Há referência, outrossim, à comercialização de leite para subsistência, sendo o labor exercido sem o auxílio de empregados e sem qualquer outra fonte de renda.
Destaco que a autodeclaração não será utilizada pelo juízo como prova plena do exercício da atividade agrícola em regime de economia familiar, necessitando de amparo probatório nos documentos em nome da parte autora e de membros de seu núcleo familiar para o reconhecimento do labor rural.
Pois bem.
No caso concreto, o benefício foi indeferido sob o fundamento de que o pai da demandante possuía vínculos empregatícios com os municípios de Dois Irmãos e Santa Maria do Herval, entre 1964 e 1996, descaracterizando todo o grupo familiar da condição de segurado especial (, fls. 78).
De fato, os registros constantes do CNIS apontam a existência de vínculos empregatícios urbanos entre os anos de 1964 e 1996, quando o genitor aposentou-se por tempo de contribuição.
Embora a lei não exija que a agricultura seja exercida em caráter exclusivo, deve ser indispensável à manutenção do grupo familiar, o que não se pode concluir na hipótese em apreço, em que inexistem dados concretos para afirmar que eventual renda auferida com a comercialização de excedentes superasse aquela obtida nas atividades urbanas do genitor.
Vale ressaltar que o conceito de regime de economia familiar se caracteriza não pela mera constatação de que o trabalho é desempenhado pelos membros da família e em prol grupo, sendo necessário que ele seja indispensável à subsistência da família, conforme tipificação legal.
Por isso, se houver renda obtida com o exercício de outra atividade laborativa suficiente à subsistência do grupo, em tal montante que possa ser dispensado o trabalho rural desempenhado, fica descaracterizado o regime de economia familiar e, por consequência, a condição de segurado especial.
De fato, a situação em concreto gera controvérsias acerca do caráter de subsistência da atividade rural, sendo possível que a renda proveniente da agricultura fosse de mera complementação da renda, não se tratando de atividade principal e indispensável ao sustento do autor ou de seu grupo familiar.
Não se desconhece que a comercialização da produção, via de regra, indica que a atividade era necessária ao sustento familiar e a emissão de notas é tida como prova substancial da atividade rural, nos termos do art. 106 da Lei n° 8.213/91.
Ocorre que, no caso concreto, sequer foi demonstrada a alegada comercialização de excedentes mediante a apresentação de notas fiscais.
Nesse contexto, resta descaracterizado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar."
No caso, a parte autora apresentou início de prova material apenas comprovando a propriedade do imóvel rural.
Conforme pontuado pelo juízo a quo, verifica-se a existência de vínculo empregatício do genitor desde 1964 até 1996 junto ao Município de Dois Irmãos e Muncípio de Santa Maria do Herval, concomitante ao período rural pleiteado, seguido de aposentadoria por tempo de contribuição.
Quanto ao trabalho urbano desempenhado por um dos membros do grupo familiar, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial repetitivo n. 1.304.479, de Relatoria do Ministro Herman Benjamin, cuja ementa, publicada em 19-12-2012, teve o seguinte teor:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas provas em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está em conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifei)
No caso, como dito, o pai da autora possuía vínculo como empregado desde 1964, o qual perdurou até 1996, quado passou a perceber o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Importa constar, ainda, a Tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 532:
O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Portanto, infere-se que o exercício de atividade urbana, pelo pai da autora, no período controverso, tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar, uma vez que não restou demonstrado que os rendimentos por ele auferidos eram insuficientes para dispensar o trabalho rural do restante do grupo.
Portanto, no caso concreto, o conjunto probatório não caracterizou o labor rural da parte autora no período postulado, de modo que não merece provimento a apelação.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Improvido o recurso da parte autora, majoro a verba honorária a que foi condenada, elevando-a de 10% para 15% sobre o valor da causa (art. 85, § 11, do CPC), restando mantida a inexigibilidade temporária da verba, no entanto, em face do benefício da assistência judiciária gratuita.
CUSTAS PROCESSUAIS
Em relação à parte autora, mantida a inexigibilidade temporária, em face do benefício da assistência judiciária gratuita.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
1. RECURSOS
1.1. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA:
- MÉRITO: improvida, nos termos da fundamentação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005387241v4 e do código CRC 099c683d.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FERNANDO QUADROS DA SILVAData e Hora: 03/11/2025, às 14:56:11
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Apelação Cível Nº 5001188-45.2022.4.04.7138/RS
RELATOR Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME:
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, negando o reconhecimento de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, em razão do vínculo empregatício urbano concomitante do genitor da autora.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
2. Há duas questões em discussão: (i) a possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, considerando o vínculo empregatício urbano concomitante do genitor; e (ii) a suficiência da prova material apresentada para comprovar o labor rurícola.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
3. O vínculo empregatício urbano do genitor da autora, que perdurou de 1964 a 1996 e culminou em aposentadoria por tempo de contribuição, descaracteriza o regime de economia familiar.4. Não foi demonstrado que os rendimentos urbanos do genitor eram insuficientes para dispensar o trabalho rural do restante do grupo familiar, conforme a tese firmada pelo STJ no Tema Repetitivo 532 e no REsp 1.304.479.5. A prova material apresentada pela autora, composta por certidão do INCRA e recibos de sindicato rural em nome da mãe, é insuficiente para comprovar o labor rural em regime de economia familiar.6. Não houve demonstração da comercialização de excedentes mediante notas fiscais, elemento essencial para caracterizar a indispensabilidade da atividade rural para a subsistência familiar.7. Os honorários advocatícios de sucumbência são majorados de 10% para 15% sobre o valor da causa, com a exigibilidade suspensa em razão da concessão da justiça gratuita, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
IV. DISPOSITIVO E TESE:
8. Recurso desprovido.Tese de julgamento: 9. O vínculo empregatício urbano de um membro do grupo familiar, que perdura por longo período e não demonstra insuficiência de renda para dispensar o trabalho rural, descaracteriza o regime de economia familiar para fins de reconhecimento de tempo de serviço rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005387242v4 e do código CRC 7d632584.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FERNANDO QUADROS DA SILVAData e Hora: 03/11/2025, às 14:56:10
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 23/10/2025 A 30/10/2025
Apelação Cível Nº 5001188-45.2022.4.04.7138/RS
RELATOR Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
PRESIDENTE Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A) CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/10/2025, às 00:00, a 30/10/2025, às 16:00, na sequência 131, disponibilizada no DE de 14/10/2025.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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