
Apelação Cível Nº 5001842-34.2022.4.04.7202/SC
RELATOR Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença , que julgou improcedente o pedido nos seguintes termos:
"1. RELATÓRIO
M. C. F. D. B. pretende a revisão do benefício previdenciário de Aposentadoria por Tempo de Contribuição (NB 177.122.328-3, DER 07/06/2016), com pagamento das diferenças apuradas desde então, mediante o reconhecimento da condição de portador de deficiência no período de 01/06/2000 a 07/06/2016 e conversão da espécie do benefício para Aposentadoria por Tempo de Contribuição da Pessoa Portadora de Deficiência. Pleiteia também a condenação do INSS ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00.
Narra, em síntese, que apresenta patologias na coluna desde o ano de 2000 e que as limitações impostas lhe conferem direito à concessão de aposentadoria pelas regras da LC 142/2013. Relata que requereu a revisão do benefício em 01/11/2018, indeferida sem a devida instrução (realização de perícias médica e social), o que gerou danos morais passíveis de indenização.
No curso do processo judicial, foi determinado ao INSS a realização de perícias médica e social (evento 04), cujo expediente foi acostado no evento 25.
Após vista à parte autora, foi deferido o benefício da gratuidade da justiça (evento 31), o INSS foi regularmente citado e apresentou contestação no evento 34.
Vieram os autos conclusos para sentença.
(...)
No caso dos autos, após determinação de reabertura do processo administrativo para realização de perícia médica e social (evento 04), foram realizadas as avaliações. Concluiu-se que a postulante apresenta déficit motor desde 14/09/2013, correspondente ao escore de 7.700 pontos, sendo 3.800 pontos relativos à avaliação médica e 3.900 pontos à social (fls. 15 e 18-23, PROCADM1, evento 25). Tal pontuação é insuficiente para caracterizar deficiência ao menos em grau leve para fins de incidência das regras previstas na LC 142/2013.
Consoante processo administrativo do evento 36, à época da concessão do benefício (ano de 2016), nada foi relatado acerca de eventual condição de portadora de deficiência da parte autora, contemporânea ou pretérita. Tampouco foram juntados quaisquer documentos que indicassem tal condição (PROCADM1, evento 36).
A primeira alegação quanto à deficiência foi deduzida em requerimento administrativo de revisão do beneficio protocolado em 01/11/2018 (PROCADM5, evento 01), quando foram apresentados exames médicos realizados a partir de 30/08/2013 (fl. 19). Não foram apresentados quaisquer documentos que indiquem patologias ou limitações funcionais anteriores a 30/08/2013. A data do início do déficit motor fixado em 14/09/2013 pela perícia médica administrativa, corresponde à data do exame de ressonância magnética da coluna lombar juntado na fl. 16, PROCADM5, evento 01. Já o exame da fl. 14, PROCADM5, evento 01 indica que em 2014 a autora foi submetida à artrodese transpendicular no segmento L4 a S1.
Após a juntada das avaliações administrativas, a parte autora foi instada a apresentar documentos médicos abarcando todo o período controverso e a apontar fundamentadamente os pontos de discordância (evento 26). Entretanto, apresentou apenas petição impugnando a pontuação atribuída pela perícia administrativa, nada mencionando acerca da data do início do déficit fixado pelo laudo médico.
Nesse panorama, há elementos capazes de subsidiar minimamente avaliação médica de revisão acerca do alegado déficit (e respectivo grau) decorrente de patologias ortopédicas tão somente a partir de 30/08/2013. Destaca-se que sem exames e registro médicos, não há possibilidade de se aferir déficits funcionais pretéritos, tornando inócuo o deferimento de perícia para avaliação. Há imprescindível necessidade que os documentos médicos permitam ao perito aferir ao menos a existência de patologia/sequela e a respectiva gravidade destas, para só então se poder avaliar o grau de comprometimento das 41 atividades inseridas nos 07 domínios, que irão determinar o índice de funcionalidade.
Ainda que se pudesse enquadrar o déficit motor verificado como deficiência em grau leve desde o primeiro indicativo médico apresentado (30/08/2013), efetuadas as conversões pelo fator 0,93 até 29/08/2013, consoante prevê o artigo 70-E do Decreto 3.048/99, a parte autora não atingiria o tempo mínimo de 28 anos de contribuição para concessão de aposentadoria pelas regras previstas na LC 142/2013:
| Data de Nascimento | 26/12/1965 |
| Sexo | Feminino |
| DER | 07/06/2016 |
| Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
| 1 | Município de Chapecó | 07/07/1982 | 12/02/1983 | 0.93 Especial | 0 anos, 7 meses e 6 dias + 0 anos, 0 meses e 15 dias= 0 anos, 6 meses e 21 dias | 8 |
| 2 | Limger | 13/04/1983 | 31/03/1984 | 0.93 Especial | 0 anos, 11 meses e 18 dias + 0 anos, 0 meses e 24 dias= 0 anos, 10 meses e 24 dias | 12 |
| 3 | BESC | 02/04/1984 | 20/05/2004 | 0.93 Especial | 20 anos, 1 meses e 19 dias + 1 anos, 4 meses e 27 dias= 18 anos, 8 meses e 22 dias | 242 |
| 4 | RH Brasil | 12/12/2005 | 17/04/2006 | 0.93 Especial | 0 anos, 4 meses e 6 dias + 0 anos, 0 meses e 8 dias= 0 anos, 3 meses e 28 dias | 5 |
| 5 | Gambatto Adm | 01/09/2006 | 18/01/2008 | 0.93 Especial | 1 anos, 4 meses e 18 dias + 0 anos, 1 meses e 4 dias= 1 anos, 3 meses e 14 dias | 17 |
| 6 | Gambatto Adm | 05/04/2010 | 03/10/2011 | 0.93 Especial | 1 anos, 5 meses e 29 dias + 0 anos, 1 meses e 7 dias= 1 anos, 4 meses e 22 dias | 19 |
| 7 | Drogasul | 01/02/2012 | 29/08/2013 | 0.93 Especial | 1 anos, 6 meses e 29 dias + 0 anos, 1 meses e 9 dias= 1 anos, 5 meses e 20 dias | 18 |
| 8 | Drogasul | 30/08/2013 | 07/06/2016 | 1.00 | 2 anos, 9 meses e 8 dias | 35 |
| 9 | CI | 01/08/2004 | 31/10/2004 | 1.00 | 0 anos, 3 meses e 0 dias | 3 |
| Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
| Até a DER (07/06/2016) | 27 anos, 8 meses e 9 dias | 359 | 50 anos, 5 meses e 11 dias | 78.1389 |
(...)
Prejudicada a análise do pedido indenizatório por dano moral.
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação, extinguindo o feito com resolução de mérito, com fundamento do art. 487, I, do CPC.
(...)".
A parte autora, ora recorrente, pugna pela reforma da sentença para que seja reconhecido o cerceamento de defesa, com designação de perícias médica e socioeconômica.
No mérito, defende que é portador de deficiência desde o ano de 2010, o que conduziria ao preenchimento dos requisitos do benefício requerido.
Quanto ao motivo da dispensa da perícia, defende que existe a possibilidade de enquadramento da deficiência em grau moderado, o que sequer foi considerado pelo juízo de origem.
Pede, ainda, que o INSS seja condenado ao pagamento de danos morais.
Apresentadasas contrarrazões , os autos subiram a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se à análise das provas dos autos para averiguar o possível enquadramento da parte autora no conceito de pessoa deficiente e posterior cumprimento dos requisitos para concessão do benefício requerido, bem como eventual necessidade de designação de perícias.
Aposentadoria da pessoa com deficiência
A Constituição prevê, desde a Emenda Constitucional nº 47/2005, a aposentadoria devida aos segurados do RGPS com deficiência, mediante adoção, excepcionalíssima, de requisitos e critérios diferenciados, consoante se extrai do seu art. 201, § 1º, in verbis:
É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
A norma foi regulada, no plano infraconstitucional, pela Lei Complementar nº 142/2013, estabelecendo os seguintes requisitos diferenciados, conforme o grau de deficiência do beneficiário, indicando, ainda, os parâmetros para o reconhecimento do direito (arts. 2º e 3º):
Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
Art. 4o A avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento.
Já no plano infralegal, nos termos do retrocitado parágrafo único do art. 3º da mencionada lei, foi editado o Decreto nº 8.145/2013, alterando o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99), para dispor sobre a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade da pessoa com deficiência. Merecem destaque os seguintes dispositivos:
Art. 70-B. A aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado empregado, inclusive o doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e facultativo, observado o disposto no art. 199-A e os seguintes requisitos:
I - aos vinte e cinco anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos vinte e nove anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e quatro anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; e
III - aos trinta e três anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e oito anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve.
Parágrafo único. A aposentadoria de que trata o caput é devida aos segurados especiais que contribuam facultativamente, de acordo com o disposto no art. 199 e no § 2º do art. 200.
(...)
Art. 70-D. Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, compete à perícia própria do INSS, nos termos de ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União:
I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e
II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
§ 1º A comprovação da deficiência anterior à data da vigência da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, será instruída por documentos que subsidiem a avaliação médica e funcional, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
§ 2º A avaliação da pessoa com deficiência será realizada para fazer prova dessa condição exclusivamente para fins previdenciários.
§ 3º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O ato conjunto a que se refere o art. 70-D do aludido decreto consiste na Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 1 de 27.01.2014, a seguir transcrita, no que interessa:
Art. 2º - Compete à perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de avaliação médica e funcional, para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o respectivo grau, assim como identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
§ 1º - A avaliação funcional indicada no caput será realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA, conforme o instrumento anexo a esta Portaria.
(...) Art. 3º - Considera-se impedimento de longo prazo, para os efeitos do Decreto n° 3.048, de 1999, aquele que produza efeitos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos, contados de forma ininterrupta. (destaquei)
A dinâmica da aposentadoria especial do deficiente prevista na referida lei complementar, especificamente no art. 2º, revela a adoção do modelo biopsicossocial para verificação da deficiência bem como de seus níveis. O decreto regulamentador, acima reproduzido, conferiu ao INSS a atribuição de aferir a deficiência, por meio da "perícia biopsicossocial", recurso utilizado para determinar a viabilidade do benefício.
Diante da dificuldade da concretização de direitos sociais, de natureza prestacional, e sobretudo em se tratando da complexidade e das críticas opostas ao instrumento de avaliação aplicado pelo INSS (perícia biopsicossocial), é de grande importância o papel do Poder Judiciário para efetivação do direito à aposentadoria especial dos deficientes, conforme se colhe das lições da doutrina (MAUSS, Adriano; COSTA, José Ricardo Caetano. Aposentadoria especial dos deficientes. Aspectos legais, processuais e administrativos. São Paulo: Ltr. 2015. p. 27-29 e 162):
Por se tratar de uma Constituição programática, principiológica, procedimental e comunitária, como bem frisou Gisele Cittadino, para a concretização e efetivação dos direitos sociais que dela promanam é necessária a intervenção, cooperação de todos os Poderes da República: (...) justamente por demonstrarem que a postura proativa e criadora do Poder Judiciário pode forjar a regulamentação dos direitos sociais lançados na Carta Maior vigente (...).
A redução em cinco anos para homens e mulheres, similar aos benefícios por idade concedidos aos trabalhadores rurícolas, reconhece o esforço maior que fazem os deficientes na consecução de seus misteres. É uma espécie de compensação, via redução do tempo etário, pelo esforço e esmero dos deficientes para superar as barreiras e os obstáculos que lhes são impostos.
(...) Por certo que somente a dinâmica da Previdência Social, enquanto política pública, bem como o Poder Judiciário Federal, especialmente através dos Juizados Especiais Federais, poderão apontar se os preceitos constantes na LC 142/13 serão ou não cumpridos.
Não se pode perder de vista que se está diante de direito, a toda evidência, de estatura constitucional (art. 201, § 1º, da Constituição Federal), assim como o é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pacto internacional aprovado segundo o rito do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, equivalente, portanto, às emendas constitucionais. Deste último, extraio os seguintes dispositivos:
Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
(...)
Artigo 28
Padrão de vida e proteção social adequados
(...)
2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como:
(...)
e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria.
O Estado brasileiro deu fiel comprimento à obrigação assumida no âmbito internacional, assim como o legislador complementar, ao editar a LC nº 142/2013, honrou a promessa do Poder Constituinte ao prever regras diferenciadas para a aposentadoria da pessoa com deficiência.
Ainda, cumpre salientar que, na execução das políticas públicas assistenciais voltadas às pessoas com deficiência, o primeiro desafio é distinguir incapacidade para o trabalho com deficiência. Tem-se visto, no exercício da magistratura, amiúde, essa confusão a permear as avaliações técnicas e a compreensão judicial acerca da deficiência.
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, aprovada e ratificada pelo Brasil, define pessoas com deficiência como "aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas".
Considera-se que a partir da internalização da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU no sistema normativo brasileiro, com dignidade de Emenda Constitucional, houve substituição do conceito de deficiência como incapacidade para o trabalho e para a vida independente para um novo conceito de deficiência.
A deficiência encontra-se agora conceituada pelo preâmbulo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em sua alínea "e", "reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".
A circunstância de a Convenção ter sido aprovada na forma do disposto no art. 5º, § 3º, da CF, com hierarquia normativa equivalente à emenda constitucional, confere-lhe maior relevância, tornando obrigatória a sua consideração por toda e qualquer norma infraconstitucional sobre a matéria, revogadas as que lhe sejam afrontosas.
O primeiro avanço na avaliação técnica da deficiência ocorreu com a introdução dos novos parâmetros para avaliação do requisito de deficiência. O Decreto nº 6.214/07, que regulamentou o benefício de prestação continuada, tratou de nortear a avaliação da deficiência do segurado, exigindo a observância da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, e a realização da perícia social, a partir de 2009:
Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001 (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011).
[...]
2° A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades (Redação dada pelo Decreto n° 7.617, de 2011).
Conforme preceitua o art. 20 da Lei n° 8.742/93, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 12.435/2011), O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, era considerada pessoa com deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
A Lei n° 12.470/2011 definiu a pessoa com deficiência como aquela portadora de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
E a Lei n° 13.146/2015 alterou apenas a parte referente às barreiras, ao considerar pessoa com deficiência quem tem impedimentos de longo prazo, os quais, em contato com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e em igualdade de condições na sociedade.
Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), a redação do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, passou a ser a seguinte:
Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para dar sentido ao novel texto legal, precisa-se recorrer ao art. 3º, inciso IV, da Lei 13.146/15, que traz a conceituação das diferentes espécies de barreiras que podem obstruir a participação em igualdade de condições da pessoa com deficiência:
IV- barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;
e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.
Portanto, é patente a diferença entre os dois conceitos. A incapacidade necessita da deficiência, e que esta impeça o regular exercício das atividades laborais, enquanto que a deficiência não pressupõe a incapacidade para estar presente.
Cumpre lembrar, como premissa, que o conceito de deficiência deve ser conjugado com a situação de vulnerabilidade ou precariedade econômica, o que torna ainda mais acentuadas as dificuldades do deficiente em relação à hostilidade do ambiente social. Para um deficiente oriundo de família abastada, as suas limitações podem ser compensadas com certa facilidade (cuidados especiais, tecnologia, logística etc), mas para o pobre, os desafios serão sempre mais difíceis de serem transpostos, exacerbando as suas desigualdades sociais.
Evidentemente, a perícia e a compreensão judicial acerca da deficiência precisam levar em conta tais pressupostos. Uma análise que se limita ao conceito de deficiência enquanto exclusiva limitação do corpo (modelo biomédico), sem atentar para a relação indivíduo/sociedade (modelo biopsicossocial), coloca por terra o próprio desiderato constitucional de Proteção Social aos deficientes. Bem observou o Desembargador Federal Roger Raupp Rios (TRF4, 5ª Turma, Apelação Cível n° 5006532-93.2014.4.04.7006/PR, j. 11/10/2016):
No modelo integrado essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
Não se pode esquecer que a sociedade moderna está organizada com base em práticas, costume, valores, preconceitos e estruturas sociais que pressupõem o convívio de pessoas (corpos) sem impedimentos, sem limitações, o que, via de regra, conspira para a hostilização do ambiente social, no sentido de exacerbar a opressão social sofrida por pessoas deficientes.
Por outro lado, revela-se equivocada a avaliação da deficiência que considera apenas implicações para a pessoa do deficiente, olvidando que a vida social e particular dele depende, quase que invariavelmente, da ajuda e dos cuidados de terceiros. Por isso, lembra Diniz (2010, p. 14), que "as políticas voltadas à deficiência não devem ser confundidas com políticas para deficientes apenas, e sim abarcar todas aquelas pessoas que fazem parte da esfera de cuidados do deficiente".
Vale aqui lembrar que deficiência não significa que a pessoa esteja submetida a uma vida vegetativa, totalmente dependente dos cuidados de terceiros, e que não tenha condições de locomover-se, de comunicar-se e de executar atividades básicas, como higienizar-se, vestir-se e alimentar-se com autonomia.
Das conversões
No que tange à conversão de períodos de labor, considerando-se a superveniência de deficiência ou alteração do respectivo grau, o art. 7º da LC nº 142/2013 define que:
Art. 7º Se o segurado, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no art. 3º serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, nos termos do regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 3º desta Lei Complementar.
Já o art. 10 da LC nº 142/2013, assim dispõe sobre exercício de labor especial por segurado com deficiência:
Art. 10. A redução do tempo de contribuição prevista nesta Lei Complementar não poderá ser acumulada, no tocante ao mesmo período contributivo, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Ainda, nos termos dos artigos 70-E e 70-F do Decreto nº 3048/99, em conformidade com o grau de deficiência:
Art. 70-E. Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A: (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
| MULHER | ||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
| Para 20 | Para 24 | Para 28 | Para 30 | |
| De 20 anos | 1,00 | 1,20 | 1,40 | 1,50 |
| De 24 anos | 0,83 | 1,00 | 1,17 | 1,25 |
| De 28 anos | 0,71 | 0,86 | 1,00 | 1,07 |
| De 30 anos | 0,67 | 0,80 | 0,93 | 1,00 |
| HOMEM | ||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
| Para 25 | Para 29 | Para 33 | Para 35 | |
| De 25 anos | 1,00 | 1,16 | 1,32 | 1,40 |
| De 29 anos | 0,86 | 1,00 | 1,14 | 1,21 |
| De 33 anos | 0,76 | 0,88 | 1,00 | 1,06 |
| De 35 anos | 0,71 | 0,83 | 0,94 | 1,00 |
§ 1º O grau de deficiência preponderante será aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 2º Quando o segurado contribuiu alternadamente na condição de pessoa sem deficiência e com deficiência, os respectivos períodos poderão ser somados, após aplicação da conversão de que trata o caput. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
Art. 70-F. A redução do tempo de contribuição da pessoa com deficiência não poderá ser acumulada, no mesmo período contributivo, com a redução aplicada aos períodos de contribuição relativos a atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 1º É garantida a conversão do tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado, inclusive da pessoa com deficiência, para fins da aposentadoria de que trata o art. 70-B, se resultar mais favorável ao segurado, conforme tabela abaixo: (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
| MULHER | |||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||
| Para 15 | Para 20 | Para 24 | Para 25 | Para 28 | |
| De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,60 | 1,67 | 1,87 |
| De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,20 | 1,25 | 1,40 |
| De 24 anos | 0,63 | 0,83 | 1,00 | 1,04 | 1,17 |
| De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 0,96 | 1,00 | 1,12 |
| De 28 anos | 0,54 | 0,71 | 0,86 | 0,89 | 1,00 |
| HOMEM | |||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||
| Para 15 | Para 20 | Para 25 | Para 29 | Para 33 | |
| De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,67 | 1,93 | 2,20 |
| De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,25 | 1,45 | 1,65 |
| De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 1,00 | 1,16 | 1,32 |
| De 29 anos | 0,52 | 0,69 | 0,86 | 1,00 | 1,14 |
| De 33 anos | 0,45 | 0,61 | 0,76 | 0,88 | 1,00 |
§ 2º É vedada a conversão do tempo de contribuição da pessoa com deficiência para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata a Subseção IV da Seção VI do Capítulo II. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 3º Para fins da aposentadoria por idade da pessoa com deficiência é assegurada a conversão do período de exercício de atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, cumprido na condição de pessoa com deficiência, exclusivamente para efeito de cálculo do valor da renda mensal, vedado o cômputo do tempo convertido para fins de carência. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
Do caso concreto
A Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1, de 27/01/2014, para a caracterização do grau de deficiência determina sejam somadas a pontuação médica e social, utilizando-se os seguintes parâmetros:
a) Deficiência grave quando a pontuação total (somadas a médica e a social) for menor ou igual a 5.739;
b) Deficiência Moderada quando a pontuação for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.345;
c) Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584;
d) Pontuação Insuficiente para Concessão do Benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585.
Analisando o conjunto probatório, verifico que, de fato, não há qualquer documento médico anterior a 30/08/2013, de modo que andou bem a sentença em entender que se mostra inviável cogitar fixar eventual marco inicial de deficiência antes disso.
Contudo, a improcedência baseada na dispensa das perícias médica e socioeconômica, considerando eventual constatação de deficiência leve desde 30/08/2013 com consequente tempo de serviço insuficiente (27 anos, 8 meses e 9 dias, quando o exigido seriam 28 anos), não se justifica.
Isso porque, como bem apontado pelo autor, caso fosse constatada deficiência moderada desde tal data, haveria direito ao benefício desde 07/06/2016, conforme simulação no link:
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/BYT7T-BAUCM-9JZKR
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
| Data de Nascimento | 26/12/1965 |
|---|---|
| Sexo | Feminino |
| DER | 07/06/2016 |
DEFICIÊNCIA PREPONDERANTE
Início | Fim | Grau | Duração |
30/08/2013 | Até a presente data | Moderada | 12 anos, 1 mês e 17 dias |
Tempo de deficiência total: 12 anos, 1 mês e 17 dias | |||
Deficiência preponderante: Moderada (12 anos, 1 mês e 17 dias) | |||
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (CONVERTIDO PARA A DEFICIÊNCIA PREPONDERANTE)
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Deficiência | Multiplicador deficiência | Multiplicador especial | Multiplicador aplicado | Tempo | Carência |
1 | MUNICIPIO DE CHAPECO | 07/07/1982 | 12/02/1983 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 0 anos, 5 meses e 22 dias | 8 |
2 | LIMGER EMPRESA DE LIMPEZAS GERAIS E SERVICOS LTDA | 13/04/1983 | 31/03/1984 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 0 anos, 9 meses e 8 dias | 12 |
3 | BANCO DO ESTADO DE SANTA CATARINA SA (AVRC-DEF) | 02/04/1984 | 20/05/2004 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 16 anos, 1 mês e 9 dias | 242 |
4 | 80 - AUXILIO SALARIO MATERNIDADE (NB 1173433675) | 01/06/2000 | 28/09/2000 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 0 anos, 0 meses e 0 dias | 0 |
5 | RECOLHIMENTO | 01/08/2004 | 31/10/2004 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 0 anos, 2 meses e 12 dias | 0 |
6 | RHBRASIL SERVICOS TEMPORARIOS LTDA | 12/12/2005 | 17/04/2006 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 0 anos, 3 meses e 10 dias | 5 |
7 | GAMBATTO ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA | 01/09/2006 | 18/01/2008 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 1 ano, 1 mês e 8 dias | 17 |
8 | GAMBATTO ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA | 05/04/2010 | 03/10/2011 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 1 ano, 2 meses e 11 dias | 19 |
9 | DROGASUL DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA | 01/02/2012 | 29/08/2013 | Sem deficiência | 0.80 | Período comum | 0.80 | 1 ano, 3 meses e 5 dias | 19 |
10 | DROGASUL DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA | 30/08/2013 | 03/08/2016 | Moderada | 1.00 | Período comum | 1.00 | 2 anos, 11 meses e 4 dias | 36 |
11 | 31 - AUXILIO DOENCA PREVIDENCIARIO (NB 6034399770) | 29/09/2013 | 27/04/2016 | Moderada | 1.00 | Período comum | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 0 dias | 0 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade |
Até a DER (07/06/2016) | 24 anos, 2 meses e 3 dias | 356 | 50 anos, 5 meses e 11 dias |
Em 07/06/2016 (DER), a segurada tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência conforme art 3º da Lei Complementar 142/2013, porque cumpre o tempo mínimo de 24 anos de contribuição exigido pelo inciso II para a deficiência preponderante moderada (tem 24 anos, 2 meses e 3 dias) e a carência de 180 contribuições exigida pelo art. 25, inc. II, da Lei 8.213/91 (tem 356 carências).
Desse modo, impõe-se a anulação da sentença para que sejam realizadas as perícias médica e socioeconômica com o fim de oportunizar à parte autora comprovar eventual condição de pessoa deficiente e posterior cumprimento dos requisitos para concessão da aposentadoria à pessoa deficiente.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por anular a sentença, por cerceamento de defesa, e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja reaberta a instrução e designadas perícias médica e socioeconômica.
Documento eletrônico assinado por OSCAR VALENTE CARDOSO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005441032v7 e do código CRC 2543ba82.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): OSCAR VALENTE CARDOSOData e Hora: 13/11/2025, às 18:53:11
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5001842-34.2022.4.04.7202/SC
RELATOR Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.
I. CASO EM EXAME:
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de revisão de aposentadoria por tempo de contribuição para aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, bem como o pedido de indenização por danos morais. A autora alega cerceamento de defesa pela ausência de perícias médica e socioeconômica adequadas.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
2. Há três questões em discussão: (i) a ocorrência de cerceamento de defesa pela ausência de perícias médica e socioeconômica para comprovar a condição de pessoa com deficiência; (ii) o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, considerando o grau e o período da deficiência; e (iii) a possibilidade de indenização por danos morais.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
3. A avaliação administrativa que fixou o início do déficit motor em 14/09/2013 e concluiu pela insuficiência de pontos (7.700) para caracterizar deficiência leve é inadequada, pois a avaliação da deficiência deve seguir o modelo *biopsicossocial*, conforme o art. 201, § 1º, da CF/1988, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (arts. 1 e 28) e o art. 2º da LC nº 142/2013, que consideram a interação entre impedimentos e barreiras sociais, e não apenas um modelo biomédico.4. A sentença incorreu em cerceamento de defesa ao julgar improcedente o pedido sem a realização de perícias médica e socioeconômica em juízo. Isso porque, embora não haja documentos médicos anteriores a 30/08/2013, a simulação apresentada pela autora demonstra que, caso fosse constatada deficiência moderada a partir dessa data, ela preencheria o requisito de 24 anos de contribuição exigido para mulheres com deficiência moderada (tendo 24 anos, 2 meses e 3 dias na DER de 07/06/2016), conforme o art. 3º, inc. II, da LC nº 142/2013 e o art. 70-B, inc. II, do Decreto nº 3.048/99. A Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 1/2014 (art. 2º, § 1º) estabelece que a avaliação funcional deve ser realizada com base na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e no Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA), o que não foi devidamente feito.5. O pedido de indenização por danos morais não pode ser analisado neste momento, pois sua apreciação está prejudicada pela necessidade de reabertura da instrução processual para a realização das perícias médica e socioeconômica.
IV. DISPOSITIVO E TESE:
6. Sentença anulada, com determinação de remessa dos autos ao juízo de origem para reabertura da instrução e designação de perícias médica e socioeconômica.Tese de julgamento: 7. A avaliação da condição de pessoa com deficiência para fins de aposentadoria exige a realização de perícias médica e socioeconômica que observem o modelo *biopsicossocial*, considerando a interação entre impedimentos de longo prazo e as barreiras sociais, sob pena de cerceamento de defesa.
___________
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, § 3º, art. 201, § 1º; CPC, art. 487, inc. I, art. 496, § 3º, inc. I; LC nº 142/2013, arts. 2º, 3º, inc. II e p.u., 4º, 7º, 10; Decreto nº 3.048/99, arts. 70-B, inc. II, 70-D, 70-E, 70-F; Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 1/2014, arts. 2º, § 1º, 3º; Lei nº 8.213/91, art. 25, inc. II; Lei nº 8.742/93, art. 20, § 2º; Lei nº 12.435/2011; Lei nº 12.470/2011; Lei nº 13.146/2015, art. 3º, inc. IV; Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, arts. 1, 28.
Jurisprudência relevante citada: TRF4, 5ª Turma, Apelação Cível n° 5006532-93.2014.4.04.7006/PR, Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, j. 11.10.2016.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, por cerceamento de defesa, e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja reaberta a instrução e designadas perícias médica e socioeconômica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de novembro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSCAR VALENTE CARDOSO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005444817v4 e do código CRC a64fac02.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): OSCAR VALENTE CARDOSOData e Hora: 13/11/2025, às 18:53:10
Conferência de autenticidade emitida em 20/11/2025 06:09:09.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/11/2025 A 12/11/2025
Apelação Cível Nº 5001842-34.2022.4.04.7202/SC
RELATOR Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
PRESIDENTE Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A) ORLANDO MARTELLO JUNIOR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/11/2025, às 00:00, a 12/11/2025, às 16:00, na sequência 724, disponibilizada no DE de 24/10/2025.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, POR CERCEAMENTO DE DEFESA, E DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM, A FIM DE QUE SEJA REABERTA A INSTRUÇÃO E DESIGNADAS PERÍCIAS MÉDICA E SOCIOECONÔMICA.
RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 20/11/2025 06:09:09.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas