
Apelação Cível Nº 5014247-24.2020.4.04.9999/SC
RELATORA Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação interposta pela PARTE AUTORA contra a sentença que assim se pronunciou quanto ao pedido inicial ():
3 - Dispositivo
Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por I. D. N. D. R. contra Instituto Nacional da Seguridade Social - INSS, extinguindo o feito com resolução do mérito.
Em razão de sua sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), o que faço com espeque no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, destacando-se que eventual execução das verbas sucumbenciais deverá observar o art. 98, § 3º, do CPC, visto que a autora é beneficiária da justiça gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, procedendo-se às devidas baixas.
Nas razões recursais (), a parte autora sustenta, em síntese, equívoco na sentença ao descaracterizar o regime de economia familiar devido ao trabalho urbano do seu pai e ao considerar inexistente o início de prova material para o reconhecimento da atividade rural no período de 05/08/1966 a 02/04/1974. Defende que a renda urbana do genitor era de baixo valor (um salário mínimo) e insuficiente para o sustento da família, tornando indispensável a renda da agricultura. Argumenta ainda que apresentou início de prova material suficiente, que, corroborado pela prova testemunhal coerente, autoriza a averbação do período e a consequente concessão da aposentadoria por idade híbrida.
Com as contrarrazões (), vieram os autos para esta Corte.
É o relatório.
VOTO
I - Análise do Mérito
A controvérsia recursal cinge-se ao reconhecimento do exercício de atividade rural em regime de economia familiar, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida.
A sentença de origem decidiu por julgar improcedentes os pedidos, sob o fundamento de que o trabalho urbano do genitor da autora, Francisco Demetrio, representa óbice à extensão dos registros de atividade rural em favor dela, e que a prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para comprovar o labor rural:
2.2 - Mérito
O objeto desta demanda é a concessão do benefício de aposentadoria por idade, DER em 22/08/2016 (p. 93), indeferido por “não ter cumprido a carência mínima exigida, ou seja, o número de contribuições correspondentes ao ano de implementação das condições necessárias a obtenção do benefício, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/1991".
Desse modo, para a resolução do mérito, é preciso analisar se a parte autora preenche os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por idade, disciplinada nos arts. 48, § 1º e 143 da Lei nº 8.213/91, que são:
a) a idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher; e
b) 180 contribuições mensais. Contudo, para segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, obedecerá à regra de transição prevista no art. 142 da Lei acima referida.
No caso dos autos, a parte autora preencheu o requisito etário para a concessão do benefício em 05/08/2014, uma vez que nesta data completou 60 anos de idade (data de nascimento em 05/08/1954 – p. 18).
Estando suprido o requisito etário, resta aferir se comprovadas as contribuições mensais equivalentes à carência de 180 contribuições (15 anos) prevista no artigo 25, II, da Lei 8.213/91.
Da análise do documento de p. 91, extrai-se que o INSS considerou o total de 124 contribuições realizadas pela autora.
A questão controversa, assim, cinge-se à possibilidade de reconhecimento do tempo de atividade rural no período entre 05/08/1966 e 02/04/1974 e do direito à concessão de Aposentadoria por Idade, em sua forma híbrida/mista, nos termos do art. 48, § 3.º, da Lei 8.913/911, a partir do requerimento administrativo (22/08/2016).
A autora pretende o reconhecimento da atividade rural na modalidade de economia familiar, com fulcro no artigo 11, inciso VII, § 1º, da Lei 8.213/91, o qual dispõe:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou emregime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
§ 1 o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido emcondições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
O artigo 55, § 3º, da mesma Lei também se relaciona ao caso, à medida que estabelece:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: (...).
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.
Pois bem. Está consolidado o entendimento de que os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
No caso concreto, para comprovar o efetivo exercício de atividade rural em regime de economia familiar, a autora acostou aos autos (i) certidão de transcrição da compra de imóvel em Ascurra por seu genitor, Francisco Demetrio (p. 45); (ii) ficha de titularidade de seu pai, da qual se extrai que era associado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ascurra, datada de 1969 (p. 56), (iii) receita orçamentária também de titularidade dele, datada de 1966 (p. 64) e outros, todos do mesmo titular.
No tocante à comprovação da atividade laborativa do rurícola, é assente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade de extensão da prova material em nome de um membro do núcleo familiar a outro.
Contudo, no julgamento do Tema 533 a Corte Cidadã adotou posicionamento no sentido da impossibilidade de se estender a prova de um membro do núcleo familiar a outro, quando o titular dos documentos passa a exercer trabalho urbano. Veja-se: "A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.".
Do cotejo dos autos, observo ser incontroverso que o pai da requerente, Francisco Demetrio, laborava em empresa ferroviária, vale dizer, desempenhava atividade de natureza urbana, consoante reconhecido pela própria autora na esfera administrativa (p. 73) e também pelas testemunhas da requerente, ouvidas em juízo (p. 265).
Portanto, o fato de o genitor da autora ter exercido atividade urbana representa óbice à extensão dos registros de atividade rural em seu favor, destacando-se que a demandante não apresentou prova material em nome próprio ou em nome de outro familiar referente ao período cujo reconhecimento pretende.
Tendo em conta, por fim, que a prova testemunhal, por si só, não é apta a comprovar o labor rural em regime de economia familiar (conforme Súmula 149/STJ, "a prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovar atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário"), indevido o reconhecimento, cômputo e averbação do tempo de serviço rural pelo INSS, conforme postulado.
Por conseguinte, posto que não comprovado o número mínimo de contribuições necessárias à concessão da benesse, a improcedência do pedido de aposentadoria por idade (mista/híbrida) é medida que se impõe.
A decisão do juízo a quo merece reparos.
Em relação ao período considerado como atividade rural, é pacificamente estabelecido por esta corte que:
Atividade Rural (Segurado Especial)
O art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, bem como o art. 127, V, do Decreto nº 3.048/99, expressamente autorizam o aproveitamento do tempo de serviço rural trabalhado até 31/10/1991, sem que se faça necessário o recolhimento das contribuições previdenciárias para a averbação de tempo de contribuição, exceto no que se refere à carência.
Ainda, o art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, estendeu a condição de segurado a todos os integrantes do grupo familiar que laboram em regime de economia familiar, sem a necessidade de recolhimento das contribuições quanto ao período exercido antes da Lei nº 8.213/91 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10-11-2003).
Tratando-se de trabalhador rural e de pescador artesanal, a jurisprudência atenuava a exigência de prova material, flexibilizando a Súmula n° 149 do Superior Tribunal de Justiça, que impedia a concessão do benefício com base apenas em prova oral. Contudo, a 1ª Seção daquele Tribunal, ao julgar o Tema n° 297 de seus Recursos Repetitivos, reafirmou a Súmula, e afastou o abrandamento ao decidir com força vinculante que: "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".
Acerca do termo inicial da prova documental, de acordo com a tese elaborada no Tema n° 638 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça: "Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório". Teor similar tem a Súmula n° 577 do Superior Tribunal de Justiça: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Assim, não há necessidade de que o início da prova material abranja integralmente o período postulado, sendo suficiente que seja contemporâneo ao reconhecimento que se pretende, desde que ampliada por prova testemunhal convincente.
O uso de provas documentais em nome de outras pessoas do grupo familiar é permitido, com ressalvas, de acordo com o Tema n° 533 dos Recursos Repetitivos do STJ: "Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana".
Ademais, sobre o labor urbano de integrante do grupo familiar e a investigação da descaracterização - ou não - do trabalho do segurado especial, o STJ estabeleceu no Tema n° 532 dos Recursos Repetitivos: "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)".
O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, admitindo-se a inclusão de documentos em nome de terceiros, integrantes do grupo familiar, conforme a Súmula nº 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Não havendo início de prova documental do exercício de atividade rural, nem prova de que a parte requerente tenha exercido atividade diversa no período controvertido, cabível a extinção do processo sem resolução do mérito, assegurando a possibilidade de formulação de novo requerimento administrativo instruído e, se necessário, o ajuizamento de nova ação, na forma do Tema 629/STJ:
A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Análise do Caso:
No caso em tela, o mérito recursal está adstrito à viabilidade ou não do cômputo do período rural de 05/08/1966 a 02/04/1974, sob a alegação de que o labor urbano do genitor da parte autora, empregado da Rede Ferroviária Federal, inviabilizaria o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar, por afastar a condição de segurado especial.
O INSS sustentou que o labor urbano do pai da autora, na condição de ferroviário, afastaria o reconhecimento do labor rural de seus familiares, impedindo a extensão da prova material em nome dele, conforme o Tema 533/STJ.
Contudo, a jurisprudência orienta que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar (Tema nº 532 do STJ).
A recorrente argumenta que o salário recebido por seu pai era de apenas um salário mínimo, valor insuficiente para o sustento de uma família numerosa, o que tornava a renda da agricultura familiar indispensável. Essa alegação encontra amparo na jurisprudência, que relativiza a regra geral quando a renda urbana é de baixo valor, e é fortemente corroborada pela prova oral colhida em juízo.
Consta nos autos (), a Declaração de Rendas do genitor da autora.
As testemunhas e informantes ouvidos () foram uníssonos e coerentes ao descrever a realidade do núcleo familiar.
O Sr. Isidoro, ouvido na condição de informante, declarou que conhecia a Sra. Iracema da localidade de Ilho de Grande, município de Ascurra. Ele esclareceu que a casa dela não era "muito perto", estando a cerca de "5, 6 quilômetros mais ou menos". No entanto, ele frequentava as aulas junto com os irmãos dela e participava da vida na casa dos pais dela. Ele afirmou que a conhecia "desde quando ela nasceu".
Quando perguntado sobre a família da Sra. Iracema, o Sr. Isidoro disse que ela morava "junto com os pais" e que tinha "vinte irmãos", totalizando "vinte e um com ela". Todos os irmãos "trabalhavam na roça", onde produziam "aipim, milho, feijão, batata", além de terem "bastante criação, de toda espécie de criação que eles tinham". Ele descreveu o terreno como "bem grandinho, só que era tudo morro", indicando que "nem tudo era aproveitado" devido à topografia.
Sobre a saída da Sra. Iracema da roça, ele informou que não estava mais na região quando isso aconteceu, pois ele próprio havia saído em 1968, quando se casou e foi para Joinville. Após 1968, ele visitava a Sra. Iracema e sua família "uma, duas vezes por ano", explicando que "a gente era uma família muito unida".
Em relação à divisão de trabalho na família, o Sr. Isidoro afirmou que "só o pai" trabalhava fora, sendo "ferroviário". Os irmãos e a mãe "trabalhavam tudo na roça", e os filhos "só saía de casa depois que casava". Ele enfaticamente declarou que o que o pai ganhava como ferroviário "não" dava para sustentar os 21 filhos, sendo "a roça" o mais importante para o sustento da família. O ordenado do pai era pouco e servia para comprar remédios e "outras coisinhas". Ele confirmou que a família não tinha empregados nem maquinário agrícola, realizando "tudo abraço".
No mesmo sentido, a testemunha Marcolina, afirmou que a Sra. Iracema "trabalhava na roça" "desde pequena". Ela estima que a Sra. Iracema "saiu da roça" por volta dos "vinte anos". A Sra. Iracema morava com "os pais dela, a família, né? Os seus irmãos". Ela lembrou o nome dos pais: "Francisco, Demetrio e dona Eva, Demetrio". Ela confirmou que a Sra. Iracema tinha "vinte e um filhos" com ela, ou seja, "vinte e um filhos" no total na casa.
Sobre as atividades na roça, a Sra. Marcolina disse que "eles plantavam... eles trabalhavam na roça", fazendo "de tudo", incluindo "aipim, batata... de tudo", e tinham "criação de gado". Ela enfatizou que "o mais forte deles" era "a roça".
Ao ser perguntada se alguém da família trabalhava fora, a Sra. Marcolina declarou que "o pai, sim", o pai "trabalhava fora" como "ferroviário". No entanto, ela acreditava que o dinheiro que ele ganhava "não" dava para sustentar os 21 filhos que estavam na roça, confirmando que "o mais importante era o que estava na roça". Ela também afirmou que a família não tinha empregados nem maquinário agrícola. Por fim, a Sra. Marcolina assegurou que a Sra. Iracema "ajudava no cultivo, no trabalho lá".
Por fim, a sra. Verônica Knopp Voigt, também ouvida na condição de informante, afirmou que Iracema tinha "21 irmãos", e que "todos trabalhando na roça". Ela lembrou o nome de alguns irmãos, como "Brígida, Antônio, Mário", e dos pais, "Francisco" e "Eva".
Quando perguntada sobre se alguém trabalhava fora, a Sra. Verônica disse que "só o pai era ferroviário". Ela enfaticamente declarou que o pai "não" conseguia sustentar toda a família com o salário de ferroviário, e que "o sustento vinha da roça". O salário do pai era destinado a "remédios", já que "não tinha que nem agora essas coisas de ganhar o remédio aqui e outro lá", então ele "se guardava por remédio se tinha alguém doente".
A Sra. Verônica descreveu o que eles plantavam: "de tudo, mandioca, feijão", e também tinham "galinha", "porco", "de tudo assim". O terreno deles era "bem grandinho", mas "era morro", e tinha "mato também", o que significava que "nem toda a área era aproveitada". Ela reiterou que "dos irmãos ninguém trabalhava fora então", somente "depois quando eles, conforme como eles iam casando aí eles iam" saindo. A família não possuía empregados ou maquinário agrícola.
Ademais, a autora apresentou como início de prova material documentos em nome de seu genitor, como a ficha de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ascurra (, fls. 2), datada de 1969, e uma receita orçamentária de 1966. O rol de documentos do art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, admitindo-se documentos em nome de terceiros do grupo familiar (Súmula nº 73 do TRF4). A própria sentença, embora tenha afastado a validade da prova material por conta do Tema 533 do STJ, não contestou a coerência dos depoimentos testemunhais.
Consta, ainda, Certidão de Casamento da autora (), datada de 02/05/1980.
Dessa forma, restou devidamente comprovado o exercício de atividade rural em regime de economia familiar no período de 05/08/1966 a 02/04/1974, sendo possível o cômputo do referido lapso para fins de carência na forma do art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91.
Portanto, dou provimento ao recurso da Autora no ponto.
Do direito ao benefício
A Lei 11.718/2008 trouxe guarida legal para que os trabalhadores rurais passassem a utilizar períodos de contribuição sob outras categorias de segurado para fins de atingimento da carência necessária à aposentadoria por idade, desde que completos as idades de 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta) anos (atualmente 62 anos), se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718/2008).
Jusrisprudência recente desta Corte Federal da 4° Região corrobora esse argumento:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. FUNGIBILIDADE. ATIVIDADE RURAL. 1. Nos termos do artigo 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, o cômputo de tempo de serviço de segurado trabalhador rural, anterior à data de início de sua vigência, é admitido para concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Para o período ulterior à Lei de Benefícios (competência de novembro de 1991, conforme disposto no artigo 192 do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 357/91), o aproveitamento condiciona-se ao recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes, de acordo com o artigo 39, inciso II, da Lei n° 8.213/91 e Súmula 272 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Para a comprovação do tempo de atividade rural é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal. 3. A concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida (ou mista) não exige o cumprimento simultâneo dos requisitos idade e carência, tampouco a qualidade de segurado na data do requerimento administrativo. 4. Conforme fixado pelo STJ no Tema nº 1.007, o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. 5. Demonstrado o preenchimento dos requisitos, o segurado tem direito à concessão da aposentadoria por idade híbrida, a partir da data do requerimento administrativo, respeitada eventual prescrição quinquenal. 6. Determinada a imediata implantação do benefício, no prazo de 20 dias, via CEAB, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário. 7. Apelo da autora parcialmente provido. 8. Recurso do INSS desprovido. (TRF4, AC 5025479-33.2020.4.04.9999, Décima Primeira Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, juntado aos autos em 12/07/2024)
A súmula 103 deste TRF4, de igual modo, deve ser analisada à luz dos fatos:
A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, §3.º, da Lei n.º 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período.
Faz-se mister, por derradeiro, trazer à baila o Tema 1007 que, em sede de Recursos Especiais Repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:
"o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo."
Considerando que na DER,em 22/08/2016, a autora já havia implementado o requisito etário e que a soma do tempo rural reconhecido (05/08/1966 a 02/04/1974) à totalização administrativa (, fls. 8-9 - 9 anos, 9 meses e 4 dias) resulta em tempo superior a 15 anos, considerando períodos urbanos e rurais, conclui-se que a parte autora faz jus à aposentadoria por idade híbrida a contar da DER.
Benefícios inacumuláveis.
Fica desde logo autorizado o desconto integral, sobre as parcelas vencidas, dos valores eventualmente recebidos, a contar da DIB, a título de benefício inacumulável, nos termos do art. 124 da Lei nº 8.213/1991 e à luz da vedação ao enriquecimento sem causa.
III - Consectários, Honorários e Prequestionamento
Consectários Legais Os consectários legais devem ser fixados, quanto aos juros, nos termos do que definido pelo STF no julgamento do Tema 1170. No que tange à correção monetária, até 08/12/2021, deve ser aplicado o INPC (Lei 11.430/06). A partir de 09/12/2021, incidirá a taxa SELIC, para todos os fins (correção, juros e compensação da mora), conforme o art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021.
Honorários Advocatícios Recursais
Tendo em vista a modificação da sucumbência, devem ser redistribuídos os honorários, que ficarão a cargo exclusivo da parte ré, sendo devidos sobre o valor da condenação, nos patamares mínimos previstos no art. 83, §§2º e 3º, do CPC, considerando-se, para tanto, as parcelas vencidas até a data do presente Acórdão (Sumulas 111 do STJ e 76 do TRF4), ou, em não havendo proveito econômico, sobre o valor atualizado da causa.
Prequestionamento Para fins de acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as questões e os dispositivos legais invocados pelas partes, nos termos dos artigos 1.022 e 1.025 do CPC, evitando-se a oposição de embargos de declaração com propósito de prequestionamento.
Dispositivo
Voto por dar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ANA RAQUEL PINTO DE LIMA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005388714v16 e do código CRC dbd86bc5.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA RAQUEL PINTO DE LIMAData e Hora: 29/10/2025, às 14:50:15
Conferência de autenticidade emitida em 05/11/2025 04:09:55.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5014247-24.2020.4.04.9999/SC
RELATORA Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PROVIMENTO DO RECURSO.
I. CASO EM EXAME:
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade híbrida, negando o reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar no período de 05/08/1966 a 02/04/1974, sob o fundamento de que o trabalho urbano do genitor da autora descaracterizaria o regime e que a prova material seria insuficiente.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
2. Há duas questões em discussão: (i) a possibilidade de reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar, mesmo com o trabalho urbano de um dos genitores; e (ii) a suficiência da prova material e testemunhal para comprovar o labor rural no período de 05/08/1966 a 02/04/1974 para fins de carência da aposentadoria por idade híbrida.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
3. O trabalho urbano do pai da autora, mesmo sendo ferroviário, não descaracteriza o regime de economia familiar, pois o STJ, no Tema 532, orienta que deve ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar. No presente caso, a renda do pai era de baixo valor (um salário mínimo) e insuficiente para sustentar a família numerosa, tornando a renda da agricultura familiar indispensável, conforme corroborado pela prova oral.4. O início de prova material, como a ficha de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ascurra de 1969 e a receita orçamentária de 1966, em nome do genitor, é válido para comprovar o labor rural em regime de economia familiar, conforme a Súmula 73 do TRF4. Essa prova material, aliada à prova testemunhal uníssona e coerente, que descreveu a família numerosa e a indispensabilidade da roça para o sustento, comprova o exercício da atividade rural no período de 05/08/1966 a 02/04/1974.5. O tempo de serviço rural, mesmo anterior à Lei nº 8.213/1991 e sem recolhimento de contribuições, pode ser computado para carência da aposentadoria híbrida, conforme a tese fixada pelo STJ no Tema 1007.6. É viável a reafirmação da DER para o momento em que os requisitos para a concessão do benefício forem implementados, mesmo que isso ocorra no curso da ação, conforme a tese fixada pelo STJ no Tema 995.
IV. DISPOSITIVO E TESE:
7. Apelação da parte autora provida.Tese de julgamento: 8. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza o regime de economia familiar quando a renda urbana é insuficiente para o sustento, e o tempo de serviço rural, comprovado por início de prova material e testemunhal, pode ser computado para carência da aposentadoria híbrida.
___________
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 85, §§ 2º, 3º e 8º, 98, § 3º, 487, I, 493, 933, 1.022, 1.025; Lei nº 8.213/1991, arts. 11, VII, § 1º, 25, II, 39, II, 48, §§ 1º e 3º, 55, §§ 2º e 3º, 106, 124, 142, 143; Decreto nº 3.048/1999, art. 127, V; Lei nº 11.718/2008; Lei nº 11.430/2006; EC nº 113/2021, art. 3º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 10.11.2003; STJ, Tema 297; STJ, Tema 532; STJ, Tema 533; STJ, Tema 629; STJ, Tema 638; STJ, Tema 995; STJ, Tema 1007; STJ, Tema 1170; STJ, Súmula 149; STJ, Súmula 272; STJ, Súmula 577; STJ, Súmula 111; TRF4, Súmula 73; TRF4, Súmula 103; TRF4, Súmula 76; TRF4, AC 5025479-33.2020.4.04.9999, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, Décima Primeira Turma, j. 12.07.2024.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 1 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por ANA RAQUEL PINTO DE LIMA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005388716v6 e do código CRC cbe7394b.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA RAQUEL PINTO DE LIMAData e Hora: 29/10/2025, às 14:50:15
Conferência de autenticidade emitida em 05/11/2025 04:09:55.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/10/2025 A 27/10/2025
Apelação Cível Nº 5014247-24.2020.4.04.9999/SC
RELATORA Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/10/2025, às 00:00, a 27/10/2025, às 16:00, na sequência 108, disponibilizada no DE de 09/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 1, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 1 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
Votante Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
Votante Juíza Federal ALINE LAZZARON
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 05/11/2025 04:09:55.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas