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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. RECURSO DESPROVIDO. TRF4. 5005225-40.2024.4.04.7108...

Data da publicação: 12/11/2025, 07:09:44

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME:1. Apelação cível interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença que reconheceu tempo de serviço especial em períodos de exposição a ruído e hidrocarbonetos aromáticos, converteu aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial e determinou o pagamento de diferenças, observada a prescrição. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:2. Há quatro questões em discussão: (i) a necessidade de prévio requerimento administrativo para o reconhecimento de tempo especial; (ii) a possibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas em indústria calçadista, com exposição a ruído e agentes químicos; (iii) a eficácia dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para descaracterizar a especialidade; e (iv) o termo inicial dos efeitos financeiros e os consectários da condenação. III. RAZÕES DE DECIDIR:3.1 A preliminar de falta de interesse de agir por ausência de prévio requerimento administrativo foi afastada, pois, embora a demanda seja posterior ao Tema 350 do STF (RE nº 631.240/MG), a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do segurado, indicando trabalho em indústria calçadista (atividade elencada no Decreto nº 53.831/1964), era suficiente para caracterizar a pretensão resistida, mesmo sem formulário de atividade especial específico.3.2. A especialidade da atividade no período de 20/01/1986 a 02/04/1986 foi comprovada pela exposição a ruído de 80,2 dB(A), que supera o limite legal de 80 dB(A) vigente à época (Decreto nº 53.831/1964, código 1.1.6), sendo desnecessária a aplicação das metodologias NHO-01 da Fundacentro ou NR-15 para períodos anteriores a 19/11/2003.3.3. A especialidade da atividade no período de 19/05/1986 a 08/04/1987 foi comprovada pela exposição a agentes químicos como solventes e colas na indústria calçadista, conforme laudos similares e jurisprudência (TRF4, AC 5000039-65.2017.4.04.7113). A natureza cancerígena dos hidrocarbonetos aromáticos dispensa a análise quantitativa, permitindo o enquadramento qualitativo (Decreto nº 53.831/1964, código 1.2.11).3.4. O uso de EPIs não descaracteriza a especialidade do tempo de serviço, especialmente para períodos anteriores a 03/12/1998 e para exposição a ruído (STF, ARE 664.335, Tema 555) e hidrocarbonetos aromáticos, que são agentes cancerígenos. A jurisprudência (Tema IRDR15/TRF4 e Tema 1090/STJ) reforça que a eficácia do EPI não elide a nocividade de agentes cancerígenos.3.5. Mantido o reconhecimento da especialidade dos períodos, o autor tem direito à transformação de sua aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, a contar da Data de Entrada do Requerimento (DER), por cumprir o tempo mínimo de 25 anos em condições prejudiciais à saúde.3.6. A sentença foi mantida quanto ao afastamento compulsório das atividades insalubres, em conformidade com o Tema 709 do STF (RE 788.092), que veda a continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece em atividade nociva, com a observância da modulação de efeitos e a necessidade de devido processo legal para eventual suspensão do benefício.3.7. A apelação do INSS foi desprovida quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros, pois a documentação no processo administrativo já permitia a concessão do benefício, tornando inaplicável o Tema 1124 do STJ.3.8. Os consectários legais foram adequados de ofício a partir de 09/09/2025, em razão da Emenda Constitucional (EC) nº 136/2025, que suprimiu a regra da Taxa Referencial (SELIC) para condenações da Fazenda Pública Federal. Diante do vácuo legal e da inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR) (STF, ADINs 4357 e 4425, Tema 810), aplica-se a SELIC (art. 406 do CC), deduzida a atualização monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) (art. 389, p.u., do CC), com a ressalva de que a definição final será na fase de cumprimento de sentença.3.9. Mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais, a verba honorária devida pela Autarquia ao patrono da parte autora foi majorada em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa, conforme o art. 85, § 11, do CPC/2015.3.10. Determinado o cumprimento imediato do acórdão quanto à revisão do benefício, a contar da competência da publicação, em razão da eficácia mandamental do art. 497 do CPC e da natureza condenatória e mandamental do provimento judicial. IV. DISPOSITIVO E TESE:4. Apelação desprovida.Tese de julgamento: A comprovação da exposição a agentes nocivos (ruído e hidrocarbonetos aromáticos) em indústria calçadista, mesmo com laudos similares e sem eficácia comprovada de EPIs, autoriza o reconhecimento do tempo especial e a conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, observadas as regras de afastamento compulsório e os consectários legais. ___________Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 37, 201, § 1º; EC nº 20/1998, art. 15; EC nº 113/2021, art. 3º; EC nº 136/2025; Lei nº 3.807/1960; Lei nº 5.527/1968; Lei nº 8.212/1991, arts. 22, inc. II, 30, inc. I, al. a, e al. b; Lei nº 8.213/1991, arts. 29, inc. II, 57, 57, § 5º, 57, § 6º, 57, § 7º, 58; Lei nº 9.032/1995; Lei nº 9.494/1997, art. 1º-F; Lei nº 9.528/1997; Lei nº 9.711/1998; Lei nº 9.732/1998; Lei nº 9.876/1999; Lei nº 11.960/2009; CPC, arts. 14, 370, 497, 1.046; CPC/2015, arts. 85, § 3º, inc. I, 85, § 11, 355, inc. I, 497, 536, 537, 1.026, § 2º, 1.040; CPC/1973, arts. 128, 475-O, inc. I; CC, arts. 389, p.u., 406; Decreto nº 53.831/1964, Quadro Anexo, c. 1.1.6, c. 1.2.11; Decreto nº 72.771/1973, Quadro I do Anexo, Quadro II do Anexo; Decreto nº 83.080/1979, Anexo I, c. 1.2.10, Anexo II; Decreto nº 2.172/1997, Anexo IV, c. 2.0.1; Decreto nº 3.048/1999, Anexo IV, c. 1.0.7, c. 2.0.1, art. 69, p.u.; Decreto nº 4.882/2003; Decreto nº 10.410/2020; MP nº 1.523/1996; MP nº 1.729/1998; IN INSS 77/2015, art. 279, § 6º; NR-15; NHO-01 da Fundacentro; Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015.Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 631.240/MG (Tema 350), Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 03.09.2014; STF, ARE 664.335 (Tema 555), Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04.12.2014, p. 12.02.2015; STF, RE 788.092 (Tema 709), Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 05.06.2020, p. 19.08.2020; STF, RE 791.961 (Embargos de Declaração), Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 23.02.2021; STF, ADINs 4357 e 4425 (Tema 810); STF, ADIn 7873, Rel. Min. Luiz Fux; STJ, AgRg no REsp 941.885/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 04.08.2008; STJ, REsp 639.066/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 07.11.2005; STJ, REsp 1.151.363, Rel. Min. Jorge Mussi; STJ, AGRESP 228.832/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU 30.06.2003; STJ, AgRg no REsp 1.367.806, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 28.05.2013; STJ, REsp 1.333.511, Rel. Min. Castro Meira; STJ, REsp 1.381.498, Rel. Min. Mauro Campbell; STJ, REsp 1.759.098/RS (Tema 998), 1ª Seção, j. 26.06.2019, p. 01.08.2019; STJ, REsp 1.723.181/RS (Tema 998), 1ª Seção, j. 26.06.2019, p. 01.08.2019; STJ, Tema 995; STJ, Tema 1083, j. 25.11.2021; STJ, Tema 1090, j. 09.04.2025; STJ, Tema 1124; TRF4, AC 5000039-65.2017.4.04.7113, 6ª Turma, Rel. Altair Antonio Gregório, j. 15.12.2022; TRF4, AC 5017927-91.2019.4.04.7108, 11ª Turma, Rel. Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, j. 18.03.2024; TRF4, Recurso 5016061-95.2012.404.7107, TRU4, Rel. Dr. João Batista Lazzari, D.E. 02.04.2013; TRF4, EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Rel. Des. Fed. Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 08.01.2010; TRF4, EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, DJU 03.03.2004; TRF4, AC 2006.71.99.000709-7, Rel. Des. Fed. Celso Kipper, DJU 02.03.2007; TRF4, APELREEX 2008.71.08.001075-4, Rel. Juiz Fed. Guilherme Pinho Machado, D.E. 03.08.2009; TRF4, Súmula 106; TRF4, processo 5054341-77.2016.4.04.0000/SC (IRDR15/TRF4); TRF4, AC 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, j. 13.09.2017; TRF4, Apelação/Remessa Necessária 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, j. 19.04.2017; TRF4, AC 5017135-39.2020.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. 18.08.2021; TRF4, Reclamação nº 5041695-54.2024.4.04.0000/RS, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz; TRF4, AC 5000551-17.2019.4.04.7133, 6ª Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, j. 08.07.2021; TNU, Tema 174; TFR, Súmula 198. * Documento gerado com auxílio de inteligência artificial, nos termos da Resolução n.º 615/2025 do Conselho Nacional de Justiça. (TRF 4ª Região, 6ª Turma, 5005225-40.2024.4.04.7108, Rel. FRANCISCO DONIZETE GOMES, julgado em 30/10/2025, DJEN DATA: 05/11/2025)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005225-40.2024.4.04.7108/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

RELATÓRIO

O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos:

"Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I e II, do CPC, para:

a) RECONHECER a prescrição das parcelas anteriores a 21/05/2019;

b) RECONHECER o tempo de serviço especial à parte autora, nos períodos de 20/01/1986 a 02/04/1986 e 19/05/1986 a 08/04/1987 CONVERTÊ-LOS em tempo comum, mediante multiplicação pelo fator 1,4, determinando ao requerido a respectiva averbação para fins previdenciários;

c) CONVERTER a aposentadoria por tempo de contribuição do autor em aposentadoria especial (Lei 8.213/91, art. 57), porque o autor cumpre o tempo mínimo de 25 anos sujeito a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com o art. 29, II, da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99 (média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, sem incidência do fator previdenciário, e multiplicado pelo coeficiente de 100%); e

d) PAGAR à parte autora as diferenças vencidas, desde a DER (19/11/2012) até a véspera da DIP da conversão, observada a prescrição, consoante os critérios dispostos na fundamentação.


Inconformada, a Autarquia interpôs recurso de apelação, postulando a reforma da sentença. Arguiu a falta de prévio requerimento administrativo. No mérito, em suas razões, o INSS sustenta, em síntese, a impossibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos deferidos na sentença, ante a ausência de comprovação da habitualidade e permanência da exposição a agentes agressivos, de acordo com os critérios estabelecidos pelos decretos regulamentadores da matéria. Refere ainda, que havia a utilização de equipamentos de proteção individual eficazes, capazes de neutralizar os efeitos nocivos dos agentes agressivos referidos. Pede sejam os efeitos financeiros da condenação fixados na data da citação.


Com contrarrazões ao recurso, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.


 

VOTO

Legislação Aplicável

Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.


Recebimento do recurso

Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.


Delimitação da demanda

Considerando que não há remessa oficial, no caso em exame, a controvérsia fica limitada à análise da falta de interesse de agir, dos períodos de atividade especial reconhecidos na sentença e do benefício de aposentadoria concedido.


Antes de adentrar ao mérito da causa, passo ao exame da preliminar arguida.


Falta de interesse de agir por ausência de postulação e falta de apresentação de documentação por ocasião do requerimento administrativo

A controvérsia compreendendo a necessidade de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário restou apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento, em 03/09/2014, do RE nº 631.240/MG, (Tema 350). O Relator Ministro Luís Roberto Barroso, dividiu as ações previdenciárias em dois grupos, quais sejam:

(i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão, etc.); e

(ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidades mais vantajosa, restabelecimento, manutenção, etc.).

E concluiu o Ministro afirmando que: no primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada", sendo que a falta de prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar na extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir; "no segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo. 

Fixou-se, pois, a indispensabilidade de prévio requerimento administrativo, e não exaurimento da esfera administrativa, nos pedidos de concessão de benefício previdenciário, salvo notório e reiterado entendimento da Administração em sentido contrário ao postulado.

Nos casos de pedidos de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, há indispensabilidade de prévio requerimento administrativo somente se depender de análise de matéria de fato não levada ao conhecimento da Administração.

Ainda, o STF fixou uma fórmula de transição a ser aplicável a todas as ações ajuizadas até 03/09/2014, data do julgamento da repercussão geral, sem que, quando exigível, tenha havido prévio pedido administrativo. Confira-se:

(...) 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.

6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte:

(i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; 

(ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; 

(iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 

7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 

8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. (...)

Nas situações previstas na regra de transição, o e. STF definiu que a análise administrativa superveniente ou a judicial deverá levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.

A presente demanda foi ajuizada em 21/05/2024 (evento 1, INIC1), ou seja, posteriormente à data do julgamento do Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 03/09/2014, e versa sobre concessão de benefício, sendo indispensável requerimento administrativo, salvo notório e reiterado entendimento contrário da Administração.

Observo, contudo, que embora não tenha sido apresentado formulário de atividade especial do período  controvertido, consta da carteira de trabalho do segurado (evento 1, PROCADM5, fl.05) que ele trabalhou na indústria calçadista, ou seja, trata-se de atividade que está elencada no Decreto 53.831/1964. Ademais disso, a parte anexou laudo similar e PPP de outras empresas do ramo calçadista.

Neste contexto tenho que a CTPS seria suficiente para que o servidor autárquico, no mínimo, tivesse ciência da pretensão de reconhecimento da especialidade, logo, está caracterizada pretensão resistida, devendo ser afastada a preliminar aventada.


Superada a preliminar apontada, estando presentes os requisitos de admissibilidade do processo e não havendo vícios a serem saneados, passo ao exame do mérito da causa.


Atividades exercidas em condições especiais

O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente à época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Feitas estas observações e tendo em vista a sucessão de leis que trataram a matéria diversamente, é necessário definir qual deve ser aplicada ao caso concreto, ou seja, qual se encontrava em vigor no momento em que a atividade foi prestada pelo segurado, levando em consideração a seguinte evolução legislativa do tema:

Até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei 3.807/1960 (LOPS) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/1991 (LBPS), em sua redação original (artigos 57 e 58), era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho mediante a comprovação do exercício de atividade prevista como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp 941885/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 4/8/2008; e STJ, REsp 639066/RJ, Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 7/11/2005), quando então se fazia indispensável a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar a nocividade dos agentes envolvidos;

A partir de 29 de abril de 1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14/10/1996, que a revogou expressamente - de modo que, para o intervalo compreendido entre 29/4/1995 (ou 14/10/1996) e 5/3/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;

A partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória 1.523/1996 (convertida na Lei 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

A respeito da possibilidade de conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo nº 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, decidiu que "permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998", pois a partir da última reedição da MP 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o §5º do artigo 57 da Lei 8.213/1991.

Assim, considerando que o artigo 57, §5º, da Lei 8.213/1991 não foi revogado, nem expressa, nem tacitamente, pela Lei 9.711/1998 e que, por disposição constitucional (artigo 15 da EC 20 de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o artigo 201, §1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.

Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre é possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).


Com essas observações avanço para a análise detalhada dos fatos.


CASO CONCRETO                     


A sentença analisou os períodos controvertidos de atividade exercida em condições especiais nos seguintes termos:

Período:

20/01/1986 a 02/04/1986

Empregador

CALÇADOS SANDRA

Função/setor:

Serviços gerais (CTPS)

Grampear palmilha (PPP)

Provas:

  • CTPS: evento 1, PROCADM5, fl. 11

  • PPP: evento 1, PPP8

Agentes nocivos:

  • ruído de 80,2 dB(A).

Enquadramento legal:

Ruído:

  • acima de 80 dB(A) até 05/03/97: código 1.1.6 do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64;

  • superior a 90 dB(A), de 06/03/1997 a 18/11/2003: código 2.0.1 do Anexo IV do RPS aprovado pelo Decreto nº 2.172/97; e

  • superior a 85 dB(A), a partir de 19/11/2003: código 2.0.1 do Anexo IV do RPS aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, alterado pelo art. 2º do Decreto nº 4.882/03.

Conclusão:

De acordo com a prova técnica, a parte autora esteve exposta a ruído de 80,2 dB(A), acima do limite legal, que era de 80 dB(A).

 

Quanto à metodologia de verificação do referido agente, não há necessidade de utilização das metodologias contidas na NHO-01 da Fundacentro ou na NR-15, pois se trata de período de labor anterior a 19/11/2003. De qualquer sorte, no PPP, constou a utilização da técnica da NR15.

 

Portanto, ESTÁ comprovada a especialidade da atividade laboral desempenhada pela parte autora, no período sob análise.

 

Período:

19/05/1986 a 08/04/1987
Empregador

SAN IZIDRO S/A - Indústria e Comércio de Calçados

Função/setor:

Montador e outros serviços

Provas:

  • CTPS: evento 1, PROCADM5, fl. 11

  • Laudos similares: evento 1, LAUDO9, e evento 1, LAUDO10

  • Empresa inapta: evento 1, CNPJ7

Agentes nocivos:

  • solventes, colas, adesivos, tintas, tolueno, acetona.

Enquadramento legal:

Hidrocarbonetos:

  • código 1.2.11 do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64;

  • código 1.2.10 do Anexo I do RPS aprovado pelo Decreto nº 83.080/79; e

  • código 1.0.7 do Anexo IV do RPS aprovado pelo Decreto nº 3.048/99.

Conclusão:

Considerando que se trata de empresa que não está mais em atividade, é possível a utilização de laudo similar.

 

Nos laudos similares do evento 1, LAUDO10, fl. 15, e do evento 1, LAUDO9, fl. 5, consta a exposição a agentes químicos.

 

Ademais, é fato notório, em se tratando de indústria calçadista, que os operários são contratados como auxiliares de serviços gerais, mas que a atividade efetivamente desenvolvida consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. Também é de conhecimento geral que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos. Essa indústria emprega produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde, de modo que a realidade e a singularidade das funções dos trabalhadores nas indústrias de calçados não pode ser ignorada. Nesse sentido: TRF4, AC 5000039-65.2017.4.04.7113, SEXTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 15/12/2022.

 

A jurisprudência é pacífica nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. RUÍDO. PERÍODOS E NÍVEIS DE EXPOSIÇÃO. PROVA. USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI). EFICÁCIA. DESCONSIDERAÇÃO. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGENTES QUÍMICOS. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. PARAFINA. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. 1.A produção de provas visa à formação do juízo de convicção do juiz, a quem caberá, nos termos do artigo 370, do Código de Processo Civil, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Por sua vez, o artigo 355, inciso I, do mesmo diploma processual, estabelece que o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência. O indeferimento de provas desnecessárias não configura cerceamento de defesa. 2. Considera-se como especial a atividade em que o segurado esteve exposto a ruídos superiores a 80 decibéis até a data de 5.3.1997, por conta do enquadramento previsto nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. Com a edição do Decreto 2.172/97, o limite passou a ser 90 decibéis, sendo reduzido para 85 decibéis, a contar de 19.11.2003, consoante previsto no Decreto 4.882/2003. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335, fixou o entendimento de que: 1) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; 2) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 3. A exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos a saúde permite o reconhecimento da atividade especial. Para tanto, basta a análise qualitativa (exposição aos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho), independentemente de análise quantitativa (concentração, intensidade, etc.). 4. Em regra, a indústria calçadista utiliza cola para a industrialização dos seus produtos, sendo que a cola empregada em época remota era composta por derivados de hidrocarbonetos, cujos vapores acarretavam graves efeitos na saúde do trabalhador. Considera-se, ainda, que os operários são contratados como serviços gerais, ajudante, auxiliar, atendente, entre outros, mas a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. Precedentes.  5. Com efeito, não se desconhece a inexistência de previsão legal da categoria de trabalhador na indústria calçadista ou algo equivalente nos decretos regulamentares. Entretanto, é importante esclarecer que o reconhecimento da especialidade aqui efetuado não equivale a um enquadramento por categoria profissional, visto que decorre de pacificada construção jurisprudencial, fruto de reiteradas ações judiciais propostas ao longo do tempo, nas quais a prova técnica evidencia a execução do labor em um único pavilhão, o qual, via de regra, não possui separação entre os setores e, invariavelmente, aponta a execução de atividades que demandam o contato diuturno com agentes químicos, sobretudo, hidrocarbonetos aromáticos como os presentes na parafina. 6. Demonstrado o preenchimento dos requisitos, o segurado tem direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão dos períodos de atividade especial, a partir da data do requerimento administrativo. Determinada a imediata implantação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de  1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário. 7. Reconhecida a sucumbência mínima da parte autora. 8. Recurso do réu desprovido. Recurso do autor parcialmente provido. (TRF4, AC 5017927-91.2019.4.04.7108, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 18/03/2024) - grifei.

Portanto, ESTÁ comprovada a especialidade da atividade laboral desempenhada pela parte autora, no período sob análise.

Por estar em  consonância com o entendimento desta Relatoria, quanto às questões deduzidas, a sentença deve ser mantida, por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir.


Em atenção ao recurso apresentado pela Autarquia, cumpre tecer algumas observações acerca do tempo especial reconhecido na sentença e dos agentes nocivos que embasaram o enquadramento:


Trabalhador nas empresas do ramo calçadista

É fato notório que nas empresas do ramo calçadista os operários são contratados como serviços gerais, ajudante, auxiliar, atendente, entre outros, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. É notório ainda, que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos, cuja exposição tem graves efeitos na saúde, sendo o primeiro classificado, inclusive, como cancerígeno pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos – DHHS, dispensando, por isso, a apresentação de análise quantitativa. Acrescente-se que este tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde.

Neste contexto, a realidade e a singularidade das funções exercidas pelos trabalhadores da indústria de calçados, não pode ser ignorada, razão por que a prova pericial pode ser produzida em empresa similar àquela falida ou desativada. Se a perícia assim realizada for compatível com as informações sobre as atividades exercidas em condições especiais, ainda que tais informações tenham sido preenchidas por síndico ou sindicato, isto não deixará dúvida acerca dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto, assegurando-lhe o direito à conversão para tempo comum daquele tempo de serviço exercido numa atividade que efetivamente era especial.

Vale destacar ainda, que não se desconhece a inexistência de previsão legal da categoria de trabalhador na indústria calçadista ou algo equivalente no Anexo III do Decreto 53.831/64 e no Anexo II do Decreto 83.080/79. Entretanto, é importante esclarecer que o reconhecimento da especialidade aqui efetuado não equivale a um enquadramento por categoria profissional, visto que decorre de pacificada construção jurisprudencial, fruto de reiteradas ações judiciais propostas ao longo do tempo, nas quais a prova técnica, normalmente pericial, evidencia a execução do labor em um único pavilhão,  o qual, via de regra, não possui separação entre os setores e, invariavelmente, aponta a execução de atividades que demandam o contato diuturno com agentes químicos, sobretudo, hidrocarbonetos aromáticos.

Desse modo, é possível o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nas empresas do ramo calçadista, em virtude do contato indissociado com agentes químicos e hidrocarbonetos aromáticos.

Agentes químicos e hidrocarbonetos aromáticos

Em relação aos agentes químicos, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região firmou o entendimento de que a exposição qualitativa a tais agentes pode ser reconhecida somente até 2/12/1998. Nesse sentido: Recurso 5016061-95.2012.404.7107, TRU4, Relator para o acórdão Dr. João Batista Lazzari, D.E. 2/4/2013. Isso porque, a partir da publicação da Medida Provisória 1.729, de 3/12/1998, convertida na Lei 9.732, as disposições trabalhistas concernentes à caracterização de atividade ou operações insalubres, consagradas na NR-15, com os respectivos conceitos de “limites de tolerância”, “concentração”, “natureza” e “tempo de exposição ao agente”, é que devem reger a caracterização da natureza da atividade, para fins previdenciários.

Desse modo, até 2/12/1998, a atividade pode ser enquadrada como especial pela simples avaliação qualitativa da exposição aos agentes químicos. A partir de 3/12/1998, devem ser observados os limites constantes da NR-15, que regula as atividades e operações insalubres no âmbito trabalhista.

Entretanto, há que se atentar para as particularidades da própria regulamentação no tocante às diversas substâncias. Por exemplo, a NR-15 dispõe que são consideradas atividades ou operações insalubres aquelas listadas no Anexo 13, sendo que a caracterização de insalubridade das atividades mencionadas nesse Anexo não exige a superação de níveis de concentração, de modo que, no que se refere às atividades que envolvem os agentes ali previstos, a avaliação da nocividade das atividades/operações continua sendo qualitativa. É o caso, por exemplo, de funções em contato com hidrocarbonetos aromáticos, solventes, óleos minerais, parafina e outras substâncias reconhecidamente cancerígenas, motivo pelo qual, mesmo após 3/12/1998, sua mera presença aferida de forma qualitativa (não quantitativa) permite o enquadramento do período como especial, na hipótese de exposição habitual e permanente.

Especificamente em relação aos hidrocarbonetos importa referir que podem ser aromáticos e alifáticos, sendo que o elemento base para a classe dos hidrocarbonetos aromáticos é o benzeno, uma vez que  todos os aromáticos possuem pelo menos um anel benzênico. É uma substância usada como solvente (de iodo, enxofre, graxas, ceras, etc.) e matéria-prima básica na produção de muitos compostos orgânicos importantes tais como fenol, anilina, trinitrotolueno, plásticos, gasolina, borracha sintética, colas, tintas, corantes, lubrificantes, detergentes, explosivos, napalm, pesticidas, entre outros. 

É um composto tóxico, cuja exposição tem graves efeitos na saúde. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (US Department of Health and Human Services, DHHS) classifica o benzeno como um cancerígeno humano porque a exposição prolongada ao benzeno pode provocar leucemia, um tipo de câncer do sangue para os órgãos hematopoiéticos, potencialmente fatal em indivíduos suscetíveis. Em particular, a leucemia mieloide aguda ou leucemia não linfocítica, aguda não são contestadas como sendo causadas pelo benzeno. O benzeno também é largamente conhecido por atingir fígado, rins, pulmões, coração e cérebro, podendo causar, inclusive, quebra da cadeia de DNA, provocando danos cromossômicos e, via de consequência, diversos tipos de câncer. 

Desse modo, por se tratar de substância comprovadamente cancerígena, os hidrocarbonetos aromáticos, dispensam a apresentação de análise quantitativa.

Agente físico ruído

Quanto ao agente nocivo físico ruído adota-se o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de limitar o reconhecimento da atividade especial aos estritos parâmetros legais vigentes em cada época (RESP 1333511 - Castro Meira, e RESP 1381498 - Mauro Campbell), de modo que é tida por especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto 2.172/1997. Após essa data, o nível de ruído considerado prejudicial é o superior a 90 decibéis. Com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18/11/2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído foi reduzido para 85 decibéis (AgRg no REsp 1367806, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, vu 28/5/2013), desde que aferidos esses níveis de pressão sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.

Importa destacar que não há impedimento para o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas, em razão do agente ruído, ainda que o  formulário indique exposição à pressão sonora variável, uma vez que o Tema 1083 do STJ, julgado em 25/11/2021, fixou a seguinte tese: o reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço

Saliento, outrossim, que a legislação previdenciária exige, para caracterizar a especialidade das funções, a exposição a ruído em nível superior aos limites previstos nos decretos, não sendo possível o enquadramento quando se trata de exposição a ruído exato de 80, 90 ou 85 decibéis, conforme a época. 

Metodologia para aferição do nível de exposição ao ruído

Para fins de aposentadoria especial, a TNU fixou o entendimento no sentido de que a partir de 1/1/2004, é obrigatória utilização da NHO-01 da Fundacentro como metodologia de aferição do agente nocivo ruído no ambiente de trabalho, devendo tal técnica ser informada no formulário PPP, com a respectiva indicação do Nível de Exposição Normalizado (NEN). É importante lembrar, contudo, que o NEN faz referência à jornada padrão de 8 horas e que ele não tem relação com a NR-15.

Já o cálculo do Nível de Exposição (NE) é definido pela Norma de Higiene Ocupacional (NHO-01), da Fundacentro, com adaptação do cálculo matemático para fins de comparação com os limites de exposição diária apresentados pelo Anexo 1 da NR-15. Isso porque o incremento de duplicação de dose (q) da NHO-01 é diferente do apresentado NR-15. Pela NHO-01 q=3 e pela NR-15 q=5. Logo, a NHO-01 é considerada mais benéfica para o trabalhador porque utiliza o fator de dobra q=3 enquanto a NR- 15 utiliza o fator de dobra q=5.

Importa destacar também, que para medir a pressão sonora de um ambiente, é possível utilizar tanto um dosímetro como um decibelímetro. O dosímetro é utilizado para fazer avaliação da exposição ao ruído a que o ser humano está exposto durante um determinado período de tempo, este tipo de medição é chamado de dose de ruído. Já o decibelímetro é utilizado para avaliar o nível de ruído em determinado local, devidamente posicionado em momento específico que seja necessário. Quando desejamos medir a pressão sonora de uma maneira rápida, apenas para a verificação, utilizamos o decibelímetro. Se a necessidade é medir a exposição continua de ruído, o equipamento mais indicado é o dosímetro. A diferença básica entre um e outro é que o dosímetro já faz os cálculos da dose de ruído em função do tempo, enquanto que o decibelímetro é mais utilizado para medições pontuais.

Importante referir ainda, que a NHO-01 define a metodologia para utilização do dosímetro de ruído. Entretanto, na ausência do dosímetro é possível fazer a medição pontual, utilizando decibelímetro, desde que seja feito, posteriormente, o cálculo da dose, conforme consta na NHO-01. Logo, é possível cumprir as exigências da NHO 1 e da NR-15 mesmo com o uso do decibelímetro, uma vez que é possível calcular o NEN tanto com o dosímetro, como com o decibelímetro.

Cumpre esclarecer que, estando o ruído acima do limite, segundo a NR-15, é certo que a intensidade seria ainda maior se a técnica utilizada fosse a da NHO-01, uma vez que esta é uma técnica mais moderna e conservadora, sendo mais protetiva ao trabalhador, já que utiliza um fator de dobra (q=3) enquanto que a NR- 15 utiliza um fato de dobra (q=5).  A corroborar:

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO: NHO-01 DA FUNDACENTRO OU NR-15. TEMA 174/TNU. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. Na forma do julgamento do Tema 174/TNU, firmou-se a tese de que "(a) A partir de 19 de novembro de 2003, para a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da Fundacentro ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma"; (b) "Em caso de omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada na medição, bem como a respectiva norma". 3. Não há exigência de que o ruído esteja expresso em seu Nível de Exposição Normalizado (NEN) para fins de reconhecimento da especialidade do labor por exposição ao respectivo agente, bastando que, para sua aferição, sejam utilizadas as metodologias contidas na NHO-01 da Fundacentro ou na NR-15. 4. Tem direito à aposentadoria especial o segurado que comprova o mínimo de 25 anos de tempo de serviço especial e implementa os demais requisitos para a concessão do benefício. 5. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015. 6. Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC. (TRF4, AC 5017135-39.2020.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 18/8/2021) 

Pode-se concluir, portanto, mesmo sem adentrar no mérito do cálculo estabelecido pela NR-15 e pela NHO-01, que se a medição indicada no formulário PPP, efetuada pela técnica da NR-15, é superior ao limite estabelecido pelos decretos regulamentadores para o período, ela seria ainda maior, caso fosse utilizada a técnica da NHO-01, independentemente de ter sido utilizado dosímetro ou decibelímetro. 


Habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos

Para a caracterização da especialidade, não se exige exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de trabalho, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço desenvolvido pelo trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. Nesse sentido: EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Relator Desembargador Federal Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 8/1/2010 e EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 3/3/2004.

Observo ainda, que muitas vezes a solução para a busca da melhor resposta às condições de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a constatação dessas condições em estabelecimento de atividade semelhante àquele onde laborou originariamente o segurado, no qual poderá estar presente os mesmos agentes nocivos, o que permitirá um juízo conclusivo a respeito. Logo, não há óbice na utilização de laudo pericial elaborado em uma empresa, para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo e no exercício de função semelhante. Neste sentido, é a jurisprudência dominante deste Tribunal: AC 2006.71.99.000709-7, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 2/3/2007 e APELREEX 2008.71.08.001075-4, Relator Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, D.E. 3/8/2009. Ademais, a Súmula 106 deste TRF assim estabelece: Quando não é possível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor.

Ademais, não prospera o argumento de que o laudo, por não ser contemporâneo ao exercício das atividades, não serviria para a comprovação da especialidade da atividade. Isso porque, se em data posterior ao labor despendido, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, reputa-se que, à época do labor, a agressão dos agentes era igual, ou até maior, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho das tarefas.

Utilização de equipamentos de proteção individual (EPI)

Quanto à utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), destaco que a partir de 3/12/1998, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo - ARE 664335, submetido ao regime de repercussão geral (Tema 555), Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014 e publicado em 12/2/2015, o uso de equipamentos de proteção individual somente descaracterizaria a atividade em condições especiais se comprovada, no caso concreto, a real efetividade, suficiente para afastar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.

No caso sob análise, ainda que alguns documentos façam referência ao uso de equipamentos de proteção, não ficou demonstrado o efetivo fornecimento pela empresa, a intensidade de proteção proporcionada ao trabalhador, o treinamento e uso efetivo do equipamento durante toda a jornada de trabalho e a respectiva fiscalização pelo empregador. 

Além disso, para que se pudesse presumir a neutralização do agente agressivo, seriam necessárias provas concretas da qualidade técnica do equipamento, descrição de seu funcionamento e efetiva medição do quantum que os artefatos podem elidir - ou se realmente podem neutralizar - o que não ocorreu no caso em apreço. Qualquer referência à neutralização do agente agressivo por meio de equipamento de proteção, para ser considerada, deve ser palpável e concreta e não feita de maneira genérica. É indispensável que se comprove, pelo uso da tecnologia e mediante demonstração razoável, que o equipamento neutraliza o agente, se efetivamente é permanentemente utilizado e desde que período; do contrário, não pode ser afastado o enquadramento da atividade como sujeita a agentes nocivos.

Ademais, observo que este Tribunal, no julgamento do processo 5054341-77.2016.4.04.0000/SC, recebido como recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese, relativamente ao Tema IRDR15/TRF4: A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário.

Nesse mesmo julgamento foram fixadas, também, as situações que dispensam a análise referente à utilização de EPIs, cabendo o reconhecimento do tempo de serviço especial ainda que o formulário PPP da empresa indique a adoção de EPI eficaz:

a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998: pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º: Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)"

b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:

b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, em 13/9/2017)

b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)

b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015: Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. Apelação/Remessa Necessária 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Relator Ézio Teixeira, 19/4/2017)

Além dessas hipóteses, o voto-complementar proferido pelo eminente Desembargador Federal Jorge Antônio Maurique em continuidade ao mesmo julgamento (processo nº 5054341-77.2016.4.04.0000/SC) acrescentou mais três exceções, ao rol taxativo previsto no IRDR-Tema 15, nas quais, igualmente, é cabível o reconhecimento do tempo de serviço especial ainda que o formulário fornecido pela empresa indique a adoção de EPI eficaz, quais sejam: calor, radiações ionizantes e trabalhos em condições hiperbáricas.

Quanto ao recolhimento das contribuições estabelecidas nos artigos 57, §§ 6º e 7º da Lei 8.213/1991 e artigo 22, inciso II, da Lei 8.212/1991, cabe ao empregador efetuá-lo, conforme dispõe o artigo 30, inciso I, alíneas a e b, da Lei 8.212/1991:

Artigo 30: A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

I - a empresa é obrigada a:

a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração;

b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência; (...)

Tema repetitivo 1090 STJ

Importante referir ainda, no que diz respeito à informação constante do formulário PPP atestando a eficácia do equipamento de proteção individual (EPI), que o STJ, na data de 09/04/2025, aprovou, por unanimidade, as seguintes teses no tema repetitivo 1090:

I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.

II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.

III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.

De todo modo, entendo que permanecem as excludentes previstas no Tema IRDR15/TRF4, anteriormente referidas.

Acrescento, que se estiver comprovado o trabalho em condições especiais, a mera ausência do código ou o preenchimento equivocado do campo GFIP no formulário não obsta o reconhecimento da especialidade do período, pois o INSS possui os meios necessários para sanar eventual irregularidade constatada na empresa, não podendo o segurado ser penalizado por falha do empregador. 

Nesse sentido, inclusive, transcrevo trecho do voto-vista proferido pelo Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, na Reclamação nº 5041695-54.2024.4.04.0000/RS, julgada pela 3ª Seção deste Tribunal, in verbis

(...) Dito isso, não vislumbro diferenças entre o acórdão relativo ao IRDR-15 e o acórdão relativo ao  tema repetitivo nº 1.090 e, a meu ver, comprovada a exposição ao agente químico hidrocarbonetos aromáticos, pela manipulação de compostos orgânicos que possuem um ou mais anéis benzênicos ou núcleos aromáticos, é irrelevante o uso de EPIs pelo obreiro. O benzeno é agente reconhecidamente cancerígeno, cuja nocividade não é elidida pela utilização de equipamentos de proteção.

Assim, incorrendo o acórdão em hipótese de não aplicação da tese jurídica firmada no julgamento do IRDR 15/TRF4 (CPC, art. 988, § 4º), ratificada pelo STJ no Tema 1.090/STJ especificamente quanto às hipóteses em que a produção de prova da eficácia do uso de EPI é irrelevante (exposição a agente reconhecidamente cancerígeno), a fim de preservar a competência do Tribunal e garantir a autoridade de suas decisões, deverá a autoridade reclamada proceder a novo julgamento do caso, analisando a possibilidade de cômputo de tempo especial nos intervalos (...)

Assim, no caso em exame, o eventual emprego desses acessórios não é suficiente para descaracterizar a especialidade do tempo de serviço requerido.


Valoração probatória e saúde ocupacional

Importante destacar que, nos casos de divergência entre formulário, laudo da empresa e perícia judicial, quando estamos diante de situações de incerteza científica relacionada aos efeitos nocivos do meio ambiente do trabalho na saúde humana, recomenda-se uma solução judicial acautelatória, de maneira a proteger o fundamental bem da vida que se encontra em discussão, o direito à saúde, que se relaciona, no presente caso, com a contagem diferenciada do tempo de serviço e saída antecipada do trabalhador, mediante concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição, com cômputo de tempo especial.

Logo, a consequência dessa premissa é a de que, uma vez identificada situação de divergência nas conclusões periciais, retratadas por laudos técnicos ambientais e formulários, impõe-se, com fundamento no princípio da precaução, acolher a conclusão da asserção mais protetiva à saúde do obreiro.


Auxílio-doença de natureza não acidentária (Tema 998 STJ)

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou o julgamento do REsp 1.759.098/RS e do REsp 1.723.181/RS , interpostos em face do IRDR 08 deste Tribunal, à sistemática dos recursos repetitivos, submetendo a seguinte questão ao julgamento do colegiado:

Possibilidade de cômputo de tempo de serviço especial, para fins de inativação, do período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária.

Referidos recursos foram julgados na sessão de 26/06/2019, cujos acórdãos foram publicados em 01/08/2019, resultando na seguinte tese firmada:

O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.

A tese jurídica formada no acórdão paradigma deve ser imediatamente aplicada, nos termos do que dispõe o artigo 1.040 do CPC. Logo, tem-se como possível o cômputo do período relativo ao auxílio-doença, de qualquer natureza, como tempo especial, desde que intercalado com desempenho de atividades em condições especiais.


Feitas estas observações, concluo que deve ser mantida a sentença e improvida a apelação do INSS quanto ao reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 20/01/1986 a 02/04/1986 (ruído) e 19/05/1986 a 08/04/1987 (hidrocarbonetos aromáticos). 


Direito à concessão do benefício de aposentadoria

Mantido integralmente o reconhecimento da especialidade dos períodos deferidos na sentença, deve igualmente ser mantido o direito, nela reconhecido, à transformação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição atualmente percebido, em aposentadoria especial, a contar da DER (19/11/2012).


Afastamento compulsório das atividades insalubres

A questão acerca da possibilidade de percepção do benefício de aposentadoria especial, na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde, teve a repercussão geral reconhecida pelo STF no julgamento do RE 788092 (Tema 709), cuja apreciação pelo Plenário, ocorreu na Sessão Virtual de 29/5/2020 a 5/6/2020 (Ata de julgamento publicada em 16/6/2020  nos termos do artigo 1035, § 11 do NCPC e Acórdão publicado em 19/8/2020) na qual, por maioria, nos termos do voto do Ministro Relator Dias Toffoli, foi dado parcial provimento ao recurso e fixada a seguinte tese:

i) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; 

ii) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.

Em 23/02/2021, foi finalizado o julgamento virtual dos embargos de declaração opostos em face do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 791961, que, por maioria de votos, foram parcialmente acolhidos, conforme dispositivo do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli, redigido nos seguintes termos:

O Tribunal, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração para a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas; b) propor a alteração na redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida: “4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.”; c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento; d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro Marco Aurélio, que divergia apenas quanto à modulação dos efeitos da decisão. Plenário, Sessão Virtual de 12/2/2021 a 23/2/2021.

Assim, aplico a repercussão geral reconhecida pelo STF no julgamento do RE 788092 (Tema 709), com a observância da modulação dos efeitos determinada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, sendo mantida a sentença, no tópico.

Saliento, outrossim, que eventual suspensão do pagamento do benefício não pode dispensar o devido processo legal, incumbindo ao INSS, na via administrativa, proceder à notificação do segurado para defesa, de forma a oportunizar que regularize a situação entre ele e o INSS, nos termos do parágrafo único do artigo 69 do Decreto 3.048/1999, redação mantida pelo Decreto 10.410, de 1/7/2020 (TRF4, AC 5000551-17.2019.4.04.7133, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 8/7/2021).


Termo inicial dos efeitos financeiros e o Tema 1124/STJ

Observo que a documentação que instruiu o processo administrativo possibilitava a concessão do benefício, tendo havido na presente ação apenas complementação dos documentos, razão pela qual tenho por inaplicável ao caso o Tema 1124 do STJ, devendo ser desprovida a apelação do INSS no tópico


Direito ao Melhor Benefício

Reconhecido o direito à concessão da aposentadoria desde a DER, desde logo fica assegurada à parte autora a opção de, na fase de cumprimento da sentença, apontar data posterior em que preencha os requisitos para o mesmo benefício, porém com renda mensal mais vantajosa. Para tanto, poderão ser considerados períodos contributivos que constem no CNIS e acerca dos quais não exista controvérsia no que diz respeito à possibilidade do seu cômputo na concessão do benefício pretendido.

Ademais, ao realizar tal opção, a parte autora submete-se ao que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Tema 995, relativamente ao início dos efeitos financeiros e aos juros de mora, a saber: 

a) reafirmação da DER durante o processo administrativo: efeitos financeiros a partir da implementação dos requisitos e os juros de mora a partir da citação; 

b) implementação dos requisitos entre o final do processo administrativo e o ajuizamento da ação: efeitos financeiros a partir da propositura da demanda e juros de mora a partir da citação; e 

c) implementação dos requisitos após o ajuizamento da ação: efeitos financeiros a partir da implementação dos requisitos; juros de mora apenas se o INSS não implantar o benefício no prazo de 45 dias da intimação da respectiva decisão, contados a partir desse termo final.

Honorários sucumbenciais preservarão o que foi estabelecido na sentença/acórdão, apenas com adequação da base de cálculo, que passará a adotar as parcelas vencidas a partir da DER reafirmada, já que persiste a sucumbência do INSS.

A prévia implantação da aposentadoria por força da tutela antecipada, mediante consideração de outra data de início do benefício, também poderá ser objeto de ajuste na fase de cumprimento da sentença. 

Alerto a parte autora que, sendo o direito ao melhor benefício decorrente da incidência da legislação própria, dos normativos do INSS e da jurisprudência consolidada, não se fazem necessários embargos declaratórios para a definição da data exata de reafirmação da DER. A interposição de recurso com tal propósito poderá ensejar a condenação do embargante ao pagamento de multa, nos termos do artigo 1.026, § 2º, do CPC.


Consectários da condenação. Correção e juros.

A sentença está de acordo com os parâmetros utilizados nesta Turma, motivo pela qual deverá ser confirmada no tópico. 


Emenda Constitucional nº 136/2025

A recente Emenda Constitucional nº 136/2025, em vigor desde 09/09/2025, alterou o artigo 3º da EC 113/2021, cujo âmbito de aplicação foi restringido à atualização monetária e juros dos Precatórios e RPVs. Mais importante, a modificação promovida pela EC 136/25 suprimiu do ordenamento jurídico a regra que definia o índice de correção monetária e juros de mora aplicável nas condenações da Fazenda Pública Federal (SELIC).

Diante do vácuo legal, torna-se necessário definir os índices aplicáveis a partir de 09/09/2025.

O Supremo Tribunal Federal, inicialmente no julgamento das ADINs 4357 e nº 4425, e posteriormente do Tema 810 de Repercussão Geral, julgou inconstitucional o índice de correção monetária (TR), mas reafirmou a validade do índice de juros (poupança) previsto nessa lei.

Assim, no período entre 29/06/2009 e 08/12/2021, interstício entre a entrada em vigor da Lei nº 11.960 e da EC 113, aplicavam-se os juros de poupança.

O artigo 3º da EC 113/2021, ao substituir o índice de juros e correção monetária nas condenações da Fazenda Pública, revogou a parte ainda em vigor do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97 (juros). Diante disso, e da vedação em nosso ordenamento jurídico à repristinação sem determinação legal expressa, inviável resgatar a aplicação dos juros de poupança.

Sem a âncora normativa vigente, e excluída a possibilidade de repristinação do índice anterior, resta a regra geral em matéria de juros, insculpida no artigo 406 do Código Civil que determina a aplicação da SELIC, deduzida a atualização monetária, feita pelo IPCA, nos termos do artigo 389, parágrafo único do Código Civil.

Importante observar o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade questionando o teor da EC nº 136/25 (ADIn 7873, Relator Ministro Luiz Fux), ressalva-se que a definição final dos índices deve ser reservada para a fase de cumprimento de sentença.

Desse modo, a incidência dos consectários legais é de ser adequada de ofício aos fatores acima indicados, a partir de 09/09/2025, porquanto é matéria de ordem pública, podendo ser tratada pelo Tribunal sem necessidade de prévia provocação da parte


Honorários advocatícios e custas processuais

Mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais na forma proclamada na sentença.

Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária devida pela Autarquia ao patrono da parte autora em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (artigo 85, §3º, inciso I, do NCPC).


Cumprimento imediato do acórdão

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício atualmente percebido da parte autora, a contar da competência da publicação do acórdão.

Considerando que a parte autora já se encontra em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.

Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.

Caso a parte autora não tenha interesse na implantação do benefício acima determinada, deverá informar nos autos, no prazo de 5 dias.


Conclusão

1) Manter a sentença quanto:

- à prescrição das parcela anteriores a 21/05/2019;

- ao reconhecimento da especialidade do labor nos períodos de 20/01/1986 a 02/04/1986 (ruído) e 19/05/1986 a 08/04/1987 (hidrocarbonetos aromáticos);

-  à transformação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição atualmente percebido, em aposentadoria especial, a contar da DER (19/11/2012).

2) Negar provimento ao apelo do INSS;

3) De ofício:

- adequar os consectários legais.


Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e de ofício adequar os consectários legais.




Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005421960v6 e do código CRC da5d837e.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIOData e Hora: 05/11/2025, às 13:33:44

 


 

5005225-40.2024.4.04.7108
40005421960 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 12/11/2025 04:09:42.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005225-40.2024.4.04.7108/RS

RELATOR Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME:

1. Apelação cível interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença que reconheceu tempo de serviço especial em períodos de exposição a ruído e hidrocarbonetos aromáticos, converteu aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial e determinou o pagamento de diferenças, observada a prescrição.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:

2. Há quatro questões em discussão: (i) a necessidade de prévio requerimento administrativo para o reconhecimento de tempo especial; (ii) a possibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades exercidas em indústria calçadista, com exposição a ruído e agentes químicos; (iii) a eficácia dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para descaracterizar a especialidade; e (iv) o termo inicial dos efeitos financeiros e os consectários da condenação.

III. RAZÕES DE DECIDIR:

3.1 A preliminar de falta de interesse de agir por ausência de prévio requerimento administrativo foi afastada, pois, embora a demanda seja posterior ao Tema 350 do STF (RE nº 631.240/MG), a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do segurado, indicando trabalho em indústria calçadista (atividade elencada no Decreto nº 53.831/1964), era suficiente para caracterizar a pretensão resistida, mesmo sem formulário de atividade especial específico.3.2. A especialidade da atividade no período de 20/01/1986 a 02/04/1986 foi comprovada pela exposição a ruído de 80,2 dB(A), que supera o limite legal de 80 dB(A) vigente à época (Decreto nº 53.831/1964, código 1.1.6), sendo desnecessária a aplicação das metodologias NHO-01 da Fundacentro ou NR-15 para períodos anteriores a 19/11/2003.3.3. A especialidade da atividade no período de 19/05/1986 a 08/04/1987 foi comprovada pela exposição a agentes químicos como solventes e colas na indústria calçadista, conforme laudos similares e jurisprudência (TRF4, AC 5000039-65.2017.4.04.7113). A natureza cancerígena dos hidrocarbonetos aromáticos dispensa a análise quantitativa, permitindo o enquadramento qualitativo (Decreto nº 53.831/1964, código 1.2.11).3.4. O uso de EPIs não descaracteriza a especialidade do tempo de serviço, especialmente para períodos anteriores a 03/12/1998 e para exposição a ruído (STF, ARE 664.335, Tema 555) e hidrocarbonetos aromáticos, que são agentes cancerígenos. A jurisprudência (Tema IRDR15/TRF4 e Tema 1090/STJ) reforça que a eficácia do EPI não elide a nocividade de agentes cancerígenos.3.5. Mantido o reconhecimento da especialidade dos períodos, o autor tem direito à transformação de sua aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, a contar da Data de Entrada do Requerimento (DER), por cumprir o tempo mínimo de 25 anos em condições prejudiciais à saúde.3.6. A sentença foi mantida quanto ao afastamento compulsório das atividades insalubres, em conformidade com o Tema 709 do STF (RE 788.092), que veda a continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece em atividade nociva, com a observância da modulação de efeitos e a necessidade de devido processo legal para eventual suspensão do benefício.3.7. A apelação do INSS foi desprovida quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros, pois a documentação no processo administrativo já permitia a concessão do benefício, tornando inaplicável o Tema 1124 do STJ.3.8. Os consectários legais foram adequados de ofício a partir de 09/09/2025, em razão da Emenda Constitucional (EC) nº 136/2025, que suprimiu a regra da Taxa Referencial (SELIC) para condenações da Fazenda Pública Federal. Diante do vácuo legal e da inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR) (STF, ADINs 4357 e 4425, Tema 810), aplica-se a SELIC (art. 406 do CC), deduzida a atualização monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) (art. 389, p.u., do CC), com a ressalva de que a definição final será na fase de cumprimento de sentença.3.9. Mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais, a verba honorária devida pela Autarquia ao patrono da parte autora foi majorada em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa, conforme o art. 85, § 11, do CPC/2015.3.10. Determinado o cumprimento imediato do acórdão quanto à revisão do benefício, a contar da competência da publicação, em razão da eficácia mandamental do art. 497 do CPC e da natureza condenatória e mandamental do provimento judicial.

IV. DISPOSITIVO E TESE:

4. Apelação desprovida.Tese de julgamento: A comprovação da exposição a agentes nocivos (ruído e hidrocarbonetos aromáticos) em indústria calçadista, mesmo com laudos similares e sem eficácia comprovada de EPIs, autoriza o reconhecimento do tempo especial e a conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, observadas as regras de afastamento compulsório e os consectários legais.

___________

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 37, 201, § 1º; EC nº 20/1998, art. 15; EC nº 113/2021, art. 3º; EC nº 136/2025; Lei nº 3.807/1960; Lei nº 5.527/1968; Lei nº 8.212/1991, arts. 22, inc. II, 30, inc. I, al. a, e al. b; Lei nº 8.213/1991, arts. 29, inc. II, 57, 57, § 5º, 57, § 6º, 57, § 7º, 58; Lei nº 9.032/1995; Lei nº 9.494/1997, art. 1º-F; Lei nº 9.528/1997; Lei nº 9.711/1998; Lei nº 9.732/1998; Lei nº 9.876/1999; Lei nº 11.960/2009; CPC, arts. 14, 370, 497, 1.046; CPC/2015, arts. 85, § 3º, inc. I, 85, § 11, 355, inc. I, 497, 536, 537, 1.026, § 2º, 1.040; CPC/1973, arts. 128, 475-O, inc. I; CC, arts. 389, p.u., 406; Decreto nº 53.831/1964, Quadro Anexo, c. 1.1.6, c. 1.2.11; Decreto nº 72.771/1973, Quadro I do Anexo, Quadro II do Anexo; Decreto nº 83.080/1979, Anexo I, c. 1.2.10, Anexo II; Decreto nº 2.172/1997, Anexo IV, c. 2.0.1; Decreto nº 3.048/1999, Anexo IV, c. 1.0.7, c. 2.0.1, art. 69, p.u.; Decreto nº 4.882/2003; Decreto nº 10.410/2020; MP nº 1.523/1996; MP nº 1.729/1998; IN INSS 77/2015, art. 279, § 6º; NR-15; NHO-01 da Fundacentro; Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015.

Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 631.240/MG (Tema 350), Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 03.09.2014; STF, ARE 664.335 (Tema 555), Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04.12.2014, p. 12.02.2015; STF, RE 788.092 (Tema 709), Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 05.06.2020, p. 19.08.2020; STF, RE 791.961 (Embargos de Declaração), Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 23.02.2021; STF, ADINs 4357 e 4425 (Tema 810); STF, ADIn 7873, Rel. Min. Luiz Fux; STJ, AgRg no REsp 941.885/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 04.08.2008; STJ, REsp 639.066/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 07.11.2005; STJ, REsp 1.151.363, Rel. Min. Jorge Mussi; STJ, AGRESP 228.832/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU 30.06.2003; STJ, AgRg no REsp 1.367.806, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 28.05.2013; STJ, REsp 1.333.511, Rel. Min. Castro Meira; STJ, REsp 1.381.498, Rel. Min. Mauro Campbell; STJ, REsp 1.759.098/RS (Tema 998), 1ª Seção, j. 26.06.2019, p. 01.08.2019; STJ, REsp 1.723.181/RS (Tema 998), 1ª Seção, j. 26.06.2019, p. 01.08.2019; STJ, Tema 995; STJ, Tema 1083, j. 25.11.2021; STJ, Tema 1090, j. 09.04.2025; STJ, Tema 1124; TRF4, AC 5000039-65.2017.4.04.7113, 6ª Turma, Rel. Altair Antonio Gregório, j. 15.12.2022; TRF4, AC 5017927-91.2019.4.04.7108, 11ª Turma, Rel. Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, j. 18.03.2024; TRF4, Recurso 5016061-95.2012.404.7107, TRU4, Rel. Dr. João Batista Lazzari, D.E. 02.04.2013; TRF4, EINF 2004.71.00.028482-6/RS, Rel. Des. Fed. Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 08.01.2010; TRF4, EIAC 2000.04.01.088061-6/RS, Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, DJU 03.03.2004; TRF4, AC 2006.71.99.000709-7, Rel. Des. Fed. Celso Kipper, DJU 02.03.2007; TRF4, APELREEX 2008.71.08.001075-4, Rel. Juiz Fed. Guilherme Pinho Machado, D.E. 03.08.2009; TRF4, Súmula 106; TRF4, processo 5054341-77.2016.4.04.0000/SC (IRDR15/TRF4); TRF4, AC 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, j. 13.09.2017; TRF4, Apelação/Remessa Necessária 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, j. 19.04.2017; TRF4, AC 5017135-39.2020.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. 18.08.2021; TRF4, Reclamação nº 5041695-54.2024.4.04.0000/RS, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz; TRF4, AC 5000551-17.2019.4.04.7133, 6ª Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, j. 08.07.2021; TNU, Tema 174; TFR, Súmula 198.

* Documento gerado com auxílio de inteligência artificial, nos termos da  Resolução n.º 615/2025 do Conselho Nacional de Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e de ofício adequar os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de outubro de 2025.




Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005421961v6 e do código CRC 97dce23c.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIOData e Hora: 05/11/2025, às 13:33:44

 


 

5005225-40.2024.4.04.7108
40005421961 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 12/11/2025 04:09:42.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 23/10/2025 A 30/10/2025

Apelação Cível Nº 5005225-40.2024.4.04.7108/RS

RELATOR Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

PRESIDENTE Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A) CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/10/2025, às 00:00, a 30/10/2025, às 16:00, na sequência 705, disponibilizada no DE de 14/10/2025.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DE OFÍCIO ADEQUAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.

RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

Votante Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

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