
Apelação Cível Nº 5012563-58.2021.4.04.7112/RS
RELATORA Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que A. M. C. L. pretende o reconhecimento da sua condição de deficiente para fins de obtenção da aposentadoria de que trata a Lei Complementar 142/2013 a contar da data da entrada do requerimento (DER: 10/06/2020), alegando ser portadora de neoplasia maligna da mama e linfedema desde 2009.
A sentença julgou improcedente o pedido e condenou a parte autora nos ônus da sucumbência, fixando os honorários advocatícios no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor previstas no § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil, suspendendo a exigibilidade da verba em razão da gratuidade de justiça (evento 145).
Em embargos de declaração, reconheceu-se erro material na sentença, agregando-se fundamentos à decisão (eventos 153 e 161)
Inconformada, a parte autora apelou. Em suas razões recursais, arguiu a preliminar de cerceamento de defesa a fim de que os autos retornem à origem para que nova perícia médica seja feita, desta vez com especialista em oncologia "que entenda sobre a aplicação dos métodos IF-Bra (...) e Fuzzy", defendendo que seu direito de defesa foi cerceado também porque o juízo não acolheu o requerimento de complementação do laudo social. Acaso superadas, sustentou que a deficiência resto comprovada nos autos, alegando que o laudo consignou sua incapacidade permanente para toda e qualquer atividade e impugnando a pontuação que lhe foi atribuída pelos expertos nos diversos domínios. Ainda, questionou o marco inicial da deficiência, alegando que esta remonta ao ano de 2009, quando procurou médico especialista para tratar de seu problema de saúde. Por fim, defendeu a impossibilidade de condenação em honorários, haja vista que, com o provimento do recurso, terá direito ao benefício pleiteado.
Foram juntadas as contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Preliminar de cerceamento de defesa no tocante à prova pericial da deficiência
A demandante, que padece de neoplasia maligna da mama, considera ter havido cerceamento de defesa porque, em síntese, a perícia médica não foi feita por especialista em oncologia "que seja entendedor dos métodos avaliativos IF-BrA – Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado e FUZZY". Sustenta que o exame se deu na perspectiva de benefício por incapacidade e que o perito ignora o método estabelecido em lei para a análise da condição de deficiência.
Põe-se em destaque, antes, a situação da apelante a partir do relato feito ao auxiliar do juízo: diagnosticou neoplasia maligna de mama direita em 08/06/2010 e realizou tratamento oncológico com cirurgia naquele mesmo ano para retirada da parte da mama com linfadenectomia axilar, seguido de quimioterapia e radioterapia. Desde então, está em acompanhamento no serviço de oncologia do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Canoas, fazendo hormonoterapia e não havendo, no momento do exame, evidência de doença ativa. Suas queixas são de dor, edema e limitação de movimentos do membro superior direito. Na inicial qualificou-se como auxiliar administrativa e, ao tempo do ajuizamento da ação (04/08/2021), seguia trabalhando.
Pois bem.
Examinando os autos, vê-se que a perícia foi complementada três vezes: o laudo foi juntado no evento 29 e nele o médico consignou que a segurada, do ponto de vista oncológico, está incapacitada permanentemente para toda e qualquer atividade; no evento 44 o exame foi complementado e o médico pontuou: "(...) a parte é doente, não deficiente"; no evento 59 o exame foi novamente complementado, oportunidade em que o perito registro que a segurada é capaz de exercer atividade laboral, não sendo deficiente nos termos da legislação previdenciária; no evento 75, o laudo foi complementado pela terceira vez e nessa derradeira complementação o experto ratificou a conclusão de que a recorrente não é não deficiente e de que pode, sim, trabalhar.
A argumentação de que o perito do juízo desconhece os métodos de avaliação, embora desafie a qualificação do profissional - que é bastante ampla, pois além da graduação em medicina o perito dedicou dois anos à especialização em cirurgia geral, três à cirurgia oncológica, dois à especialização em perícia médica, dois ao mestrado e quatro ao doutorado - fundamenta-se no fato de que o perito teve de ser instado pelo juízo a preencher a planilha de que trata a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1/2014 de acordo com os critérios de pontuação do índice IF-Bra e do método linguístico Fuzzy.
De fato, a par de sua completa formação educacional, o profissional teve, por ordem do juízo, de amoldar seu laudo às exigências legais, e mesmo assim reiterou que tal planilha não se aplica a pacientes com câncer (evento 75).
Dito isso, prossegue-se.
O laudo foi categórico em afirmar que a parte, embora esteja doente, não é deficiente. A pontuação atribuída pelo médico foi de 4050 pontos, a qual, somada aos 3975 atribuídos pela assistente social, resultou em 8025 pontos, insuficientes à caracterização da deficiência.
Por sua vez, no laudo da assistente social (evento 98), apesar da alta pontuação, lê-se: "(...) a autora tem sequelas de uma doença grave"; "a autora não possui mais capacidade para desempenhar as funções para as quais têm preparo as sequelas lhe trouxeram uma condições de deficiência leve"; "Pelo observado a autora, em função das sequelas deixadas pela doença, não possui condições de exercer suas funções em pé de igualdade com os demais, acarretando-lhe uma série de prejuízos financeiros, físicos e emocionais".
Na complementação ao laudo social (evento 110) lê-se:
As pontuações foram atribuídas em função do relato da própria autora em relação às suas dificuldades. Nos domínios 2 e 3, domínios de comunicação e alguns da mobilidade. No relato como um todo, fica claro que a autora não concorre no trabalho em pé de igualdade com os demais.
Ou seja, apesar da alta pontuação atribuída por ambos os peritos, há afirmações nos laudos que deixam este juízo em dúvida, uma vez que de um lado a parte está "do ponto de vista oncológico" incapacitada permanentemente para toda e qualquer atividade, de outro ela "é capaz de atividade laboral no momento da entrevista pericial", e, se pode trabalhar, "não possui mais capacidade para desempenhar as funções para as quais têm preparo", na medida em que "as sequelas lhe trouxeram uma condições de deficiência leve" a ponto de não poder "exercer suas funções em pé de igualdade com os demais".
Convém registrar que deficiência e incapacidade são conceitos distintos: enquanto a segurada deficiente pode trabalhar de forma adaptada, a segurada permanentemente incapaz não pode exercer qualquer atividade que garanta sua subsistência, estando impossibilitada de retornar ao mercado de trabalho.
Seja como for, a lei considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (artigo 2º da Lei Complementar 142/2013). Como se vê, o conceito é amplo e vai além do diagnóstico médico.
Portanto, diante da dúvida que os laudos deixam em relação à questão central discutida nos autos - qual seja, a existência de impedimentos de longo prazo que, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva da apelante na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas -, o mais prudente é reconhecer-se a ocorrência de cerceamento de defesa para que, a partir de novos exames periciais, haja uma decisão segura a respeito do caso da apelante.
Em resultado, acolhe-se a questão preliminar para que a sentença seja anulada e determinada a produção de nova prova técnica (perícias médica e social) por profissionais distintos, de modo a resguardar o interesse da segurada em produzir prova da sua alegada condição de deficiente que responda de forma induvidosa se a doença da qual sofre impacta sua vida nos diversos domínios previstos pelos métodos avaliativos IF-Bra e Fuzzy a ponto de ser enquadrada, ou não, no conceito trazido pela Lei Complementar 142/2013.
Dispositivo
ANTE O EXPOSTO, voto por dar provimento à apelação para acolher a preliminar de cerceamento de defesa, anular a sentença e determinar a produção de novas perícias (médica e social) por profissionais distintos, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005371948v21 e do código CRC b0672e4d.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDAData e Hora: 13/11/2025, às 11:55:59
Conferência de autenticidade emitida em 20/11/2025 06:10:16.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5012563-58.2021.4.04.7112/RS
RELATORA Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA ANULADA.
I. CASO EM EXAME:
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da condição de pessoa com deficiência para fins de aposentadoria, nos termos da Lei Complementar 142/2013. A autora alega cerceamento de defesa devido à inadequação das perícias médica e social e à não aplicação dos métodos avaliativos IF-Bra e Fuzzy.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
2. A questão em discussão consiste em saber se houve cerceamento de defesa em razão da insuficiência e contradição das provas periciais produzidas, que não esclareceram de forma conclusiva a condição de deficiência da autora para fins de aposentadoria.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
3. A autora, portadora de neoplasia maligna da mama e linfedema, busca o reconhecimento de sua condição de deficiente para aposentadoria, mas os laudos periciais apresentaram conclusões contraditórias e insuficientes para a correta avaliação de sua condição.4. O perito médico, apesar de sua formação, inicialmente consignou haver incapacidade permanente do ponto de vista oncológico, mas posteriormente afirmou que a autora "é doente, não deficiente" e capaz de trabalhar, resistindo à aplicação dos métodos IF-Bra e Fuzzy, conforme exigido pela Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1/2014.5. O laudo social, embora atribuindo alta pontuação, indicou que a autora possui sequelas que lhe trouxeram uma condição de deficiência leve, impedindo-a de exercer suas funções em pé de igualdade com os demais, o que deixa em dúvida a existência, ou não, de deficiência.6. A Lei Complementar nº 142/2013, em seu artigo 2º, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conceito que transcende o mero diagnóstico médico.7. A divergência e a inconclusão dos laudos periciais geram dúvida sobre a real condição da apelante em relação ao conceito legal de deficiência, configurando cerceamento de defesa e impedindo uma decisão segura sobre o caso.8. Diante da incerteza probatória, impõe-se a anulação da sentença e a determinação de novas perícias (médica e social) por profissionais distintos, que apliquem os métodos avaliativos previstos em lei e respondam de forma conclusiva sobre a alegada condição de deficiente da segurada.
IV. DISPOSITIVO E TESE:
9. Apelação provida para acolher a preliminar de cerceamento de defesa, anular a sentença e determinar a produção de novas perícias médica e social por profissionais distintos.Tese de julgamento: 10. A divergência e a inconclusão dos laudos periciais sobre a condição de deficiência, especialmente quanto à aplicação dos métodos avaliativos previstos em lei, configuram cerceamento de defesa e impõem a anulação da sentença para a produção de nova prova técnica.
___________
Dispositivos relevantes citados: LC nº 142/2013, art. 2º; Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1/2014; CPC, art. 85, § 3º.
Jurisprudência relevante citada: Não há.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação para acolher a preliminar de cerceamento de defesa, anular a sentença e determinar a produção de novas perícias (médica e social) por profissionais distintos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de novembro de 2025.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005371949v4 e do código CRC 66192133.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDAData e Hora: 13/11/2025, às 11:55:59
Conferência de autenticidade emitida em 20/11/2025 06:10:16.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 11/11/2025
Apelação Cível Nº 5012563-58.2021.4.04.7112/RS
RELATORA Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) ADRIANA ZAWADA MELO
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA JENIFER NUNES DE SOUZA por A. M. C. L.
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 11/11/2025, na sequência 54, disponibilizada no DE de 30/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA ACOLHER A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A PRODUÇÃO DE NOVAS PERÍCIAS (MÉDICA E SOCIAL) POR PROFISSIONAIS DISTINTOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 20/11/2025 06:10:16.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas