
Apelação Cível Nº 5055992-28.2018.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposto(a) por UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR, em face de provimento judicial prolatado no processo de n.º 50559922820184047000 (PROCEDIMENTO COMUM).
As questões controvertidas foram bem delimitadas pelo juízo de primeiro grau, nos seguintes termos:
O autor postula a tutela jurisdicional contra a UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR, pretendendo provimento para condenar a Ré ao: "Pagamento da indenização a partir de novembro de 2013, com base nos valores percebidos pelos ASSISTENTES EM ADMINISTRAÇÃO e não pelos Auxiliares em Administração, sendo assim, se faz necessário o pagamento das diferenças financeiras existentes entre o cargo de nível médio C, para o cargo de nível técnico D, devendo o montante ser acrescido de juros e correção monetária até o efetivo pagamento, das parcelas vencidas e vincendas,devendo ser utilizado como parâmetro os valores correspondentes aos padrões em que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria o autor caso efetivamente fosse servidor daquela classe"; "Requer, ainda, que seja recalculado os valores recebidos a título de remuneração de férias, terço constitucional de férias, horas extras, décimo terceiro salário, adicional noturno, bem como todas as gratificações que levam em consideração o vencimento básico da carreira".
Deduz sua pretensão de acordo com os seguintes fundamentos: o autor é servidor público federal, nos termos do artigo 37 da Constituição Federal, nomeado em caráter efetivo, habilitado em concurso público realizado pela requerida, de acordo com o artigo 9º, inciso I da Lei nº. 8.112/90, ingressou nos quadros da Autarquia UFPR em 04/07/2013, na função de “AUXILIAR EM ADMINISTRAÇÃO”, classe C, padrão 104, sob a matrícula SIAPE nº. 2042791e matrícula UFPR nº. 203689, lotado no HC/DAS/CVP-SERVICO DE HEMODINAMICA, sob o regime de 40 (quarenta) horas semanais; nomeado para o cargo de AUXILIAR EM ADMINISTRAÇÃO, vem exercendo a função de ASSISTENTE EM ADMINISTRAÇÃO, cumprindo jornada das 07:00h às 13:00h, contudo sem receber vantagens financeiras deste cargo; ao seu encargo (auxiliar em administração) são atribuídas apenas funções primárias, no entanto, já nos primeiros anos de atividade, o autor passou a receber funções que deveriam ser atribuídas apenas aos ASSISTENTES EM ADMINISTRAÇÃO; em nenhum momento a ré remunerou o autor com o valor correspondente ao cargo exercido.
Ao final a lide foi julgada procedente para a) declarar que o autor foi submetido a desvio de função, desde 30/11/2013, em razão do exercício de atividades próprias de Assistente em Administração; b) condenar a UFPR ao pagamento das diferenças entre os vencimentos dos cargos de Assistente em Administração e de Auxiliar em Administração no referido período, com a inclusão de todos os reflexos legais (adicionais, gratificações, horas extraordinárias, férias acrescidas do terço constitucional, saúde complementar etc.), acrescidos de correção monetária e juros de mora segundo os critérios descritos na fundamentação; c) declarar que os afastamentos legais devem ser considerados para apuração dos valores devidos à parte autora; d) declarar que no cálculo das diferenças remuneratórias devidas ao autor em virtude do desvio de função reconhecido nesta sentença devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, o servidor conquistaria gradativamente, acaso integrasse a categoria funcional paradigma, e não ao padrão inicial.
A UFPR recorreu, sustentando em suas razões, em síntese, que: (a) ao contrário do alegado, a autora não exerce funções estranhas as atividades inerentes ao seu cargo institucional; (b) O AUTOR EXECUTA TAREFAS E FUNÇÕES TOTALMENTE COMPATÍVEIS COM O CARGO PARA O QUAL FOI NOMEADO e NÃO SE IDENTIFICAM INTEGRALMENTE COM AS FUNÇÕES DE ASSISTENTE EM ADMINISTRAÇÃO, os quais possuem tarefas próprias e diversas do cargo e atividades do autor; (c) uma mesma tarefa pode estar presente na composição de mais de uma função, sem que isso venha necessariamente a comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas.
Requer a reforma da sentença ou Caso mantida a Sentença quanto ao mérito, requer sejam (i) excluídos do cálculo os períodos de afastamentos legais, nos quais não houve efetivo exercício da atividade laborativa de desvio; (ii) limitados à diferença entre o atualmente percebido pela parte autora e o vencimento básico em início de carreira do técnico em enfermagem, vedada a progressão fictícia.
Com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Ao proferir a sentença ora recorrida, o juízo de primeiro grau assim se manifestou sobre as questões relevantes e que resolvem a causa:
No Direito Administrativo, função é o conjunto de atribuições conferidas a cada cargo público, de modo a delimitar a execução de tarefas por parte do servidor público. O desvio funcional consiste na atribuição de atividades que estão fora desse conjunto, tratando-se de prática irregular, por ferir o princípio da moralidade administrativa ao permitir um ganho indevido da administração que se aproveita de servidores com menor remuneração para o exercício de atividades que exigem um maior dispêndio financeiro.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o desvio de função não permite o reenquadramento, sob pena de afronta ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal, mas autoriza o recebimento de diferenças remuneratórias, de sorte a evitar o enriquecimento ilícito da Administração (STF, AI 339.234-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 4.2.2005).
Com efeito, o servidor desviado de suas funções não pode ser reenquadrado, uma vez que o provimento em cargo público, por expressa disposição constitucional, exige prévio concurso público. No entanto, o servidor que trabalhou em funções atípicas deve ser indenizado, pagando-lhe a diferença entre os vencimentos do cargo para o qual fora originariamente aprovado em concurso público e os do efetivamente exercido. Afinal, a Administração Pública não pode se locupletar indevidamente, obrigando o servidor a trabalhar em funções não correspondentes ao cargo em que foi provido.
O direito ao pagamento das diferenças de vencimentos nos casos em que se caracteriza o desvio de função está amparada na Súmula 378 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: "Súmula 378. Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes", e em decisão exaradada em sede de recurso repetitivo, no Recurso Especial 1.091.539/AP:
RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. ARTS 6º E 472 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
1. Nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC e de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, exceto nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do CPC, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo. Precedentes.
2. Incidem as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal na hipótese de ausência de prequestionamento da questão federal suscitada nas razões do recurso especial.
3. Os artigos 458, II, e 535 do Código de Processo Civil não restam malferidos quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade.
4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado.
5. Recurso especial de Leonilda Silva de Sousa provido e recurso especial do Estado do Amapá conhecido em parte e improvido. (REsp 1091539/AP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 3ª Seção. DJe 30/03/2009). Grifei.
Conforme já decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o pagamento das diferenças remuneratórias relativas ao período em que o servidor esteve desempenhando função diversa daquela para a qual foi admitido não viola o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, porque não se está admitindo o enquadramento em novo cargo, mas evitando o locupletamento ilícito por parte da Administração Pública (AgRg no Resp n° 439.244/RS).
A análise dos precedentes que a originaram revela que embora se reconheça que o servidor não pode ser reenquadrado em cargo diverso daquele para o qual foi nomeado, o direito às diferenças de vencimentos em decorrência do desempenho de outro cargo deve ser reconhecida sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública.
A impossibilidade de reenquadramento decorre dos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade administrativos e de previsão expressa do artigo 37, II, da Constituição. Entretanto, é imperativo reconhecer-se o direito à indenização da diferença entre os vencimentos, pois o servidor, independentemente disso, exerceu em prol da Administração Pública cargo de maior complexidade, recebendo em contrapartida vencimentos inferiores. A ausência do pagamento da contraprestação correspondente implica em locupletamento do ente público relativamente ao trabalho exercido por esse servidor. Isso é vedado pelo nosso ordenamento jurídico, que reconhece o direito à indenização nos casos de enriquecimento ilícito.
Por outro lado, por se tratar de uma prática administrativa irregular, é necessário que o desvio de função seja imediatamente corrigido, impondo-se o retorno do servidor ao exercício das atribuições compatíveis com o cargo que ocupa. A Constituição federal de 1988 não permite mais a hipótese de ascensão como forma de provimento de cargo público, de tal maneira que o servidor que atua em desvio de função jamais poderá titularizar, sem novo concurso público, a função que está irregularmente exercendo.
Nesse sentido, vem decidindo o TRF/4ª Região:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. TÉCNICO E ANALISTA JUDICIÁRIO. OFICIAL DE JUSTIÇA AD HOC DA JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE HABITUALIDADE. DESVIO NÃO RECONHECIDO.1. Nos termos da súmula 378 do e. STJ, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes. 2. Todavia, para que fique caracterizado o desvio de função, é necessário que o servidor permanentemente exerça funções inerentes a outro cargo. O exercício eventual e esporádico de outras atividades, além daquelas expressamente previstas para o cargo do servidor, não gera direito à indenização. Hipótese em que não se verifica habitualidade no exercício da atividade de oficial de justiça ad hoc. (TRF4, AC 5037961-53.2015.404.7100, QUARTA TURMA, Relatora LORACI FLORES DE LIMA, juntado aos autos em 23/02/2017)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. Definitivamente afastado o reenquadramento, pois indispensável perceber em definitivo valores correspondentes a cargo no qual não houve investidura decorrente do devido concurso público. 2. Para o cálculo das diferenças decorrentes do desvio de função há que se levar em conta os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente seria enquadradao autor caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, conforme decidido pela 3ª Seção do STJ. (TRF4 5013239-37.2010.404.7000, D.E. 19/04/2011)
O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. I. - O servidor público desviado de suas funções, após a promulgação da Constituição, não pode ser reenquadrado, mas tem direito ao recebimento, como indenização, da diferença remuneratória entre os vencimentos do cargo efetivo e os daquele exercido de fato. Precedentes. II. - A análise dos reflexos decorrentes do recebimento da indenização cabe ao juízo de execução. III. - Agravo não provido.(RESP 486164/SP - 1ª. T. - Rel: Min. Ricardo Lewandowski - DJU 16.02.2007, p. 42).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO À REMUNERAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência das Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Desvio de função. Direito à percepção do valor da remuneração devida, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado. 3. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 623260/MG - Rel: Min. Eros Grau - 2ª T. - Rel: Min. Eros Grau, DJ 13.04.2007, p. 115).
Servidor público: o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento; no entanto, tem o servidor direito a receber a diferença das remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado: precedentes. 2. Recurso extraordinário: inviabilidade para o reexame dos fatos da causa, que devem ser considerados na versão do acórdão recorrido (Súmula 279): Precedentes.(AI 594942 AgR/AP - 1ª T. - Rel: Min. Sepúlveda Pertence - DJ 07.12.2006, p. 45).
Ainda, em 24.04.2008, aquele Tribunal rejeitou a existência de repercussão geral sobre a matéria no RE 578657/RN, mantendo o mesmo entendimento nas decisões subsequentes.
Desse modo, na esteira das decisões citadas, uma vez caracterizado o desvio de função, deve-se reconhecer que o servidor que nessa situação se encontre faz jus às diferenças salariais.
Cumpre analisar, então, se no presente caso, ocorreu o alegado desvio, ou seja, se o autor exerceu atividades correspondentes às de um assistente em administração ou de um auxiliar em administração.
Do desvio de função quanto ao cargo de Assistente em Administração no caso concreto
Conforme descrição emitida pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da UFPR (ev. 1.11 e 1.12), os cargos de auxiliar em administração e de assistente em administração têm as seguintes descrições de atividades:
Verifica-se, portanto, que as atividades de assistente em administração são mais complexas que as atividades de auxiliar em administração.
No documento do evento 6.1, consta que o autor está lotado no HC/DAS/CVP -SERVICO DE HEMODINAMICA, desde 30/08/2013. A parte autora alega que, nesse setor, exerceu e ainda exerce as atribuições típicas de assistente em administração de forma permanente e preponderante.
Para verificar tais alegações, foram ouvidas as testemunhas Resi Rejane Huenermann, Valquíria Dambroski e Daniele Cristina dos Reis.
A testemunha Resi Rejane Huenermann declarou que: trabalhou com o autor no setor de homodinâmica, não se recorda desde que data; o autor ocupa o cargo de assistente administrativo; não sabe diferenciar as atribuições de assistente administrativo das de auxiliar administrativo; as tarefas desempenhadas pelo autor são marcação de exames, "fazer o joguinho" para poder realizar os exames, faz toda a parte de material, parte de secretariado, atendimento telefônico, atendimento ao público, toda a parte de secretaria, arquivar os laudos, controle do material usado na hemodinâmica (dar baixa), redigir documentos; o autor não participa da elaboração da escala de férias da enfermaria; quanto aos processos de aquisição de material, são designados três servidores como fiscais de contrato, com participação de todos, conforme os contratos vão fechando, outros servidores são chamados; o autor organiza os arquivos, estes ainda são em papel; elabora planilhas e relatórios de patrimônio, sendo, inclusive, "membro do patrimônio"; tem acesso a senhas do sistema; as atividades relatadas são de rotina e não eventuais; não sabe informar se o autor fazia o controle de frequência; não sabe informar se participava de pregão e tomada de preços, mas acha que quem faz é Cátia.
A testemunha Valquíria Dambroski declarou que: chefiou o setor de cardio-pneumo, no período de 07/2013 a 04/2017, sendo que o autor trabalhava no setor de hemodinâmica subordinado ela, o autor fazia a parte de secretaria; achava que o autor fosse assistente administrativo, vindo mais tarde a saber que na verdade ele era auxiliar administrativo; na prática, não há diferenças nas tarefas desempenhadas pelos auxiliares e assistentes no hospital, não sabendo precisar quais deveriam ser as diferenças; o autor fazia toda a parte de secretaria, como atendimento externo e interno, marcação de exames, cancelamentos, faturamento de exames, marcação de agenda de médicos, controle de material, parte de órteses e próteses; não era a chefe imediata do autor, havia uma administradora abaixo dela que era a chefe da hemodinâmica; a testemunha não distribuía as tarefas ao autor; os funcionários dividiam as atribuições de igual maneira da forma determinada pela administradora; no setor não havia tarefas que poderiam ser desempenhadas por auxiliar; o autor redigia documentos, como laudos, ofícios e outros documentos que fossem necessários; controlava material da unidade como estoques; organizava material de consulta como leis, normas, manuais, se fosse necessário; organizava e mantinha arquivos da unidade, que eram em papel; o controle de frequência e horários ficava a cargo da depoente; a escala de férias, geralmente, era elaborada pelos médicos que pediam ao autor para digitá-la; o autor auxiliava na elaboração de relatórios, principalmente os relatórios de consumo de material, mas não elaborava atas, nem secretariava reuniões; as atividades realizadas pelos assistentes administrativos e pelos auxiliares eram iguais; o autor não participava do processo de elaboração de contratos, quem o fazia era a testemunha; o controle de frequência dos médicos era feito pela depoente; a escala de férias era feita pelos médicos, o autor somente os digitava.
A testemunha arrolada pela ré, Daniele Cristina dos Reis, declarou que: é chefe da unidade de cardio-pneumo, não trabalha lado a lado com o autor, mas é chefe da unidade; há uma chefia imediata, a administradora; as atribuições do auxiliar de administração mais frequentes no HC são agendamento de exames, controle de laudos, baixa de materiais via sistema; há outro servidor que é assistente pela EBSERH e a Cátia que é administradora, também pela EBSERH; o William é auxiliar e o outro é assistente; as atividades desenvolvidas pelo assistente e pelo auxiliar são similares; o autor faz o controle de materiais de expediente e de consumo; não sabe informar se o autor redige atos; o autor elabora ofícios; o autor não participa de processo de aquisição de materiais; o responsável pelo controle de frequência e escala de férias é a depoente, no entanto ela permite que os três funcionários do setor se organizem, mas quem assina é a depoente; não sabe informar se a rotina de marcação de exames, atendimento ao público é do cargo de auxiliar ou de assistente, mas pode dizer que no HC independente do cargo, as pessoas fazem isso; não sabe informar qual era o cargo do servidor que precedeu ao assistente administrativo atualmente lotado com o sr. William, se era assistente ou auxiliar.
Considerando os depoimentos, verifico que a prova testemunhal aponta no sentido de que o autor exercia atividades próprias de assistente em administração, tais quais: redação e elaboração de documentos, como planilhas, relatórios de patrimônio, laudos e ofícios; participação nos processos de aquisição e controle de materiais; controle de estoque; organização de material de consulta como leis, normas e manuais; organização de arquivos da unidade.
Saliento que as testemunhas, tanto do autor quanto do réu, apontam que a divisão do trabalho desconsiderava os cargos dos servidores, se assistente ou auxiliar. Independente do cargo, o trabalho era dividido igualmente entre os servidores.
Assim, do cotejo das provas trazidas ao processo, entendo que o autor de fato exerceu funções distintas daquelas que seriam consideradas típicas para seu cargo, tendo de fato exercido atribuições de assistente de administração.
Diante do exposto, está suficientemente comprovado o desvio de função que, nos termos da Súmula 378 do STJ, dá ao autor o direito às diferenças salariais daí decorrentes.
Quanto à diferença de remuneração, deve ser reconhecido o direito do autor aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial.
Sobre o assunto, assim tem decidido a jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. DESVIO DE FUNÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE PAGAMENTO DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. PRESCRIÇÃO. APRECIAÇÃO DA PROVA. DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Não há impossibilidade jurídica quanto ao pedido de pagamento de diferenças remuneratórias decorrentes de desvio de função (Súmula 378 do STJ). 2. Aplicável ao caso a prescrição quinquenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/32. 3. O conjunto probatório presente nos autos foi devidamente apreciado pelo juízo de origem e aponta para a ocorrência do desvio de função, merecendo manutenção a sentença prolatada inclusive quanto ao termo final fixado. 4. Reconhecido o desvio de função, devem ser pagas à autora as diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tendo ela direito aos valores correspondentes aos padrões em que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidora daquela classe, e também aos reflexos remuneratórios daí decorrentes. 5. A condenação imposta à ré de pagamento de honorários no percentual de 10% do valor da condenação não fere, no presente caso, o art. 20, § 4º, do CPC/73. 6. Sentença de parcial procedência mantida. (TRF4 5058943-25.2014.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator EDUARDO GOMES PHILIPPSEN, juntado aos autos em 14/08/2017)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO CONFIGURADO. TÉCNICO DE ENFERMAGEM. ENFERMEIRO. DIFERENÇAS SALARIAIS. IMPOSTO DE RENDA E PSS. - O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes. - Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças de vencimentos decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado. - Os valores devidos em decorrência do desvio de função configuram contraprestação pelos serviços prestados na condição de Técnico em Enfermagem, e à evidência, têm natureza salarial/remuneratória, subsumindo-se na hipótese de incidência do IRPF, por representar acréscimo patrimonial (art. 43, CTN), bem como da contribuição para o Plano de Seguridade do Servidor Público - PSS (art. 4º, caput, §1º, da Lei 10.887/2004). (TRF4, AC 5000791-12.2013.4.04.7102, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 24/05/2017)
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. INSS. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL. ANALISTA PREVIDENCIÁRIO. DESVIO DE FUNÇÃO CONFIGURADO. PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS. INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Está pacificado o entendimento de que, comprovado desvio de função, o servidor tem direito às diferenças salariais, decorrentes da diferença vencimental entre os cargos. Trata-se de prática irregular que deve ser devidamente remunerada, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. 2. Para a definição das atribuições do cargo de Técnico do Seguro Social, o legislador optou por adotar fórmula aberta. Previu, assim, de forma ampla e genérica, a realização de atividades técnicas e administrativas, necessárias ao desempenho das competências institucionais próprias do INSS. Não foi traçada distinção expressa em relação às atividades próprias do cargo de Analista do Seguro Social, para o qual, aliás, adotou-se idêntica técnica legislativa no art. 6º, I, d, da Lei n.º 10.667/03. 3. Não se afigura razoável, em uma estrutura de carreiras, tornar "indistintas" as atribuições de cargos distintos, inclusive no tocante ao nível de escolaridade exigido, pois os requisitos para o provimento de cargos públicos têm pertinência lógica com a natureza e a complexidade das respectivas atribuições e refletem-se no campo remuneratório. Nessa perspectiva, a distribuição de tarefas entre Técnicos e Analistas não está sujeita à "conveniência" da Administração, devendo observar essas distinções, sob pena de o gerenciamento dos recursos humanos disponíveis assumir um viés de pessoalidade prejudicial à busca de maior eficiência na prestação do serviço público. 4. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião de julgamento de recurso especial repetitivo, firmou o posicionamento de que, além de envolver as diferenças de remuneração do cargo (vencimento básico acrescido das gratificações e vantagens próprias do cargo, com reflexo na gratificação natalina, férias e diárias), conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado. 5. Em relação aos honorários advocatícios, devem ser fixados de forma justa, destinados à remuneração do advogado pelo seu trabalho, resultando disso sua natureza alimentar, pois essa é a sua razão de existir. (TRF4 5000619-08.2011.4.04.7210, TERCEIRA TURMA, Relator EDUARDO VANDRÉ O L GARCIA, juntado aos autos em 10/11/2016)
Cumpre frisar que, no cálculo da indenização, deverão ser levados em conta, conforme postulado na inicial, todos os consectários legais que o autor efetivamente recebeu como auxiliar de administração.
Desse modo, para todos os efeitos, judicialmente deve ser deferido ao servidor a indenização desse desvio, que corresponde à diferença remuneratória entre seu cargo efetivo e aquela condição laboral que ele desempenhou efetivamente, qual seja, aquela desviada, e isso certamente incluirá o pagamento das verbas salariais correspondentes aos afastamentos legais durante o tempo que o autor permaneceu em desvio de função de forma ininterrupta e habitual.
Com efeito, o desvio de função não ocorre de forma eventual ou em intervalos curtos. Em casos como a ora examinado, a Administração confere aos servidores o conjunto de atribuições de outro cargo público. Assim, a adequada e proporcional reparação só é obtida com o pagamento de valores correspondentes à remuneração integral do cargo exercido em desvio, incluindo, portanto, férias e gratificações natalinas, e sem qualquer redução decorrente de afastamentos ou licenças. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DE LABORATÓRIO. DESVIO DE FUNÇÃO COMPROVADO. INDENIZAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. - A matéria atinente aos efeitos do desvio de função de servidor público já se encontra consolidada no sentido de evitar o enriquecimento sem causa da Administração Pública. Assim, embora não seja possível o reenquadramento do servidor, em face da exigência constitucional de concurso para provimento em cargo público, deve ser reconhecido o seu direito à reparação pecuniária correspondente às diferenças remuneratórias entre o cargo ocupado e aquele cujas funções são efetivamente desempenhadas. - O desvio de função, em casos como o dos autos, não se dá de forma eventual ou em intervalos curtos. Em hipóteses como a ora examinada, a administração confere aos servidores o conjunto de atribuições de outro cargo público. Assim, a adequada e proporcional reparação só é obtida com o pagamento de valores correspondentes à remuneração integral do cargo exercido em desvio, incluindo, portanto, férias e gratificações natalinas, e sem qualquer redução decorrente de afastamentos ou licenças. - A especificação da taxa de juros e dos índices de correção monetária deve ser diferida para a fase da execução, de modo a racionalizar o andamento do processo. (TRF4, APELREEX 5015874-65.2013.404.7200, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 21/10/2015)
Portanto, os afastamentos legais, previstos no art. 102, da Lei 8112/1990, constituem para todos os efeitos como efetivo exercício, e não devem ser desconsiderados para apuração dos valores devidos à parte autora.
Dessa forma, nos termos do entendimento do STJ, já acima referido, deve ser reconhecido o direito do autor aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial (REsp 1091539/AP (2008/0216186-9), Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Órgão Julgador S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 26/11/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 30/03/2009).
Nesse mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. DESVIO DE FUNÇÃO. TELEFONISTA E ASSISTENTE EM ADMINISTRAÇÃO. CONFIGURADO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. POSSIBILIDADE. CÁLCULO DAS DIFERENÇAS. PARÂMETROS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. REPERCUSSÃO GERAL Nº 810. 1. A teor da Súmula n. 378 do STJ, "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes". 2. O conjunto probatório demonstra a ocorrência de desvio de função, pois, inobstante a autora estivesse investida no cargo de Telefonista, os serviços por ela prestados de forma efetiva e habitual na condição de Coordenadora de Grupo de Trabalho não guardavam consonância e compatibilidade com as atribuições do cargo de origem, mas sim com as atribuições próprias, e mais complexas, do cargo de Assistente em Administração. 3. Configurado o desvio funcional quando a Administração altera e modifica as funções originais do servidor, destinando-lhe atividades de maior complexidade e que exige determinada qualificação, sem a devida contraprestação pecuniária, configurando locupletamento ilícito. 4. Para o cálculo das diferenças remuneratórias devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, o servidor conquistaria gradativamente, caso integrasse a categoria funcional paradigma, e não ao padrão inicial. 5. Concluído o julgamento do RE nº 870.947, em regime de repercussão geral, definiu o STF que, em relação às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. 6. No que se refere à atualização monetária, o recurso paradigma dispôs que o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra. (TRF4, AC 5009421-61.2016.4.04.7002, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA. DJE 27/03/2018).
Parâmetros de Cálculo
O período a ser indenizado é de 30/11/2013 (cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação) até a data da prolação desta sentença.
No cálculo a ser apresentado pela parte autora, devem ser consideradas expressamente as progressões funcionais recebidas para apontar o vencimento básico em cada período.
Sobre a indenização (diferenças de desvio de função), incidem tanto a contribuição previdenciária devida, como o imposto de renda.
Os juros são isentos de contribuição previdenciária, mas devem ser tributados pelo imposto de renda.
O TRF da 4ª Região entende que é devido imposto de renda e contribuição previdenciária (PSS) sobre o valor recebido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PRESCRIÇÃO. DESVIO DE FUNÇÃO. CARACTERIZADO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESEMPENHO HABITUAL DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS DO CARGO DE TÉCNICO DE ENFERMAGEM. TERMO INICIAL. DATA DA ENTRADA EM EXERCÍCIO. PROGRESSÃO FUNCIONAL. DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. NATUREZA REMUNERATÓRIA. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. REPERCUSSÃO GERAL Nº 810. 1. Aplicável o prazo prescricional quinquenal, conforme Decreto n. 20.910/1932, que dispõe que as dívidas da Fazenda Pública prescrevem em cinco anos. Em se tratando de prestação de trato sucessivo, não há prescrição do fundo de direito. Súmula 85 do STJ. 2. A teor da Súmula n. 378 do STJ, "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes". 3. Para a caracterização do desvio de função, necessária a comprovação do efetivo e habitual desempenho pelo servidor público de atribuições de cargo diverso, estranhas ao seu cargo originário, não configurando irregularidade o exercício eventual e esporádico de atividades de outro cargo. 4. A legislação distingue as atribuições dos cargos de auxiliar de enfermagem, ao qual cabe a execução de ações de tratamento simples, e de técnico de enfermagem, responsável pelas ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do cargo de enfermeiro. 5. A prova dos autos demonstrou que a parte autora, embora investida no cargo de auxiliar de enfermagem, desempenhava com habitualidade atividades que integram o plexo de atribuições legalmente reservadas aos técnicos de enfermagem, restando caracterizado o desvio de função, fazendo jus às diferenças remuneratórias pretendidas. 6. O marco inicial do desvio de função, na hipótese, corresponde à data da entrada em exercício da servidora, devendo o pagamento das parcelas vencidas respeitar a prescrição quinquenal. 7. Na linha da jurisprudência sedimentada pelo STJ, para o cálculo das diferenças remuneratórias devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, o servidor conquistaria gradativamente, caso integrasse a categoria funcional paradigma, e não ao padrão inicial. 8. As parcelas devidas a título de desvio de função possuem natureza remuneratória, configurando contraprestação pelos serviços realizados, com feição salarial, devendo ser pagas como se o servidor público efetivamente ocupasse o cargo paradigma. Vale dizer que, sobre as parcelas, há incidência de imposto de renda e contribuição previdenciária (PSS). 9. Concluído o julgamento do RE nº 870.947, em regime de repercussão geral, definiu o STF que, em relação às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. 10. No que se refere à atualização monetária, o recurso paradigma dispôs que o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra. (TRF4, AC 5006405-27.2015.4.04.7102, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 08/06/2018). Destaquei.
Sobre as diferenças aqui reconhecidas deverá incidir correção monetária pelo IPCA-e (Manual de Cálculos da Justiça Federal), a contar de quando seriam devidas cada uma das parcelas e juros de mora, contados da citação, segundo o índice aplicável à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997).
Acerca da aplicação da Lei nº 11.960/2009, em sessão realizada em 20/09/2017, o Plenário da Corte Constitucional julgou o RE 870.947/SE, representativo da controvérsia, com acórdão foi publicado em 27/11/2017. Ao receber embargos de declaração opostos após a publicação do acórdão acima transcrito, o Ministro Luiz Fux determinou que não fossem realizados quaisquer pagamentos até que fosse analisado o pedido de modulação de efeitos da decisão tomada pela Suprema Corte no Tema n.º 810. Entretanto, em 03/10/2019, o STF decidiu que não é possível a modulação dos índices de correção monetária e juros de mora a serem aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública. Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu aplicar o IPCA-E em correção monetária desde 2009 ao rejeitar todos os embargos.
Portanto, declarada a inconstitucionalidade da TR, as condenações judiciais contra a Fazenda Pública devem ser corrigidas pelo IPCA-E.
Acerca dos juros de mora, considerando que o STF não julgou inconstitucional a expressão "para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança", prevista no artigo 100, § 12º, da Constituição Federal e repetida no artigo 1º-f da Lei n. 9.494/97, os juros de mora estabelecidos pela Lei nº 11.960/2009 não padecem de inconstitucionalidade.
A apuração do valor do crédito da parte autora deve ser relegada para a fase de cumprimento de sentença, pois não é possível aferir se o cálculo apresentado está adequado aos termos desta sentença, cabendo ao autor apresentar cálculos e requerer a intimação da Ré, possibilitando-se a esta a oposição de impugnação, acaso se insurja contra o montante executado (arts. 534 e seguintes, CPC).
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, declaro a prescrição quanto às parcelas devidas antes de 30/11/2013; julgo procedente o pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para: a) declarar que o autor foi submetido a desvio de função, desde 30/11/2013, em razão do exercício de atividades próprias de Assistente em Administração; b) condenar a UFPR ao pagamento das diferenças entre os vencimentos dos cargos de Assistente em Administração e de Auxiliar em Administração no referido período, com a inclusão de todos os reflexos legais (adicionais, gratificações, horas extraordinárias, férias acrescidas do terço constitucional, saúde complementar etc.), acrescidos de correção monetária e juros de mora segundo os critérios descritos na fundamentação; c) declarar que os afastamentos legais devem ser considerados para apuração dos valores devidos à parte autora; d) declarar que no cálculo das diferenças remuneratórias devidas ao autor em virtude do desvio de função reconhecido nesta sentença devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, o servidor conquistaria gradativamente, acaso integrasse a categoria funcional paradigma, e não ao padrão inicial.
Não vejo, nas razões de recurso, fundamentos que se contraponham de forma eficaz às conclusões do juízo de primeiro grau.
Com efeito, configura-se o desvio de função a partir da comprovação de que o servidor público exerce, de forma permanente, atribuições relativas a cargo público diferente do qual foi investido, nos termos definidos na legislação instituidora do cargo.
Comprovado o efetivo desvio, o servidor faz jus às diferenças remuneratórias decorrentes, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração, conforme entendimento consolidado na jurisprudência, explicitado na Súmula 378 do STJ: "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes".
O julgamento do RESP nº 1.091.539, sob regime de recursos repetitivos, foi no mesmo sentido:
RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. ARTS 6º E 472 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. 1. Nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC e de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, exceto nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do CPC, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo. Precedentes. 2. Incidem as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal na hipótese de ausência de prequestionamento da questão federal suscitada nas razões do recurso especial. 3. Os artigos 458, II, e 535 do Código de Processo Civil não restam malferidos quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade. 4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado. 5. Recurso especial de Leonilda Silva de Sousa provido e recurso especial do Estado do Amapá conhecido em parte e improvido. (REsp 1091539/AP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2008, DJe 30/03/2009)
No caso dos autos a prova testemunhal corrobora a alegação da parte autora, comprovando que de fato laborou em desvio funcional porquanto exerceu as funções atribuídas ao cargo de "Assistente em Administração", fazendo jus às diferenças remuneratórias existentes entre o cargo que ocupa e o cargo paradigma.
Nessa linha bem registrou o julgador que a prova testemunhal aponta no sentido de que o autor exercia atividades próprias de assistente em administração, tais quais: redação e elaboração de documentos, como planilhas, relatórios de patrimônio, laudos e ofícios; participação nos processos de aquisição e controle de materiais; controle de estoque; organização de material de consulta como leis, normas e manuais; organização de arquivos da unidade.
Cumpre referir, ainda, que embora tenha ficado comprovado que a divisão do trabalho desconsiderava os cargos dos servidores, se assistente ou auxiliar, pois todos exerciam as mesmas atividades, a testemunha Valquíria Dambroski declarou, em seu depoimento, que no setor não havia tarefas que poderiam ser desempenhadas por auxiliar - corroborando que as tarefas eram, de fato, aquelas destinadas aos assistentes administrativos.
Assim, tenho por comprovado o desvio de função.
Em relação ao cálculo das diferenças devidas igualmente não merece reparos a sentença, pois devem ser incluídos os períodos de afastamento, bem como progressões funcionais e adicionais de qualificação.
Neste sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. DESVIO DE FUNÇÃO. ASSISTENTE EM ADMINISTRAÇÃO. RECONHECIMENTO. DIFERENÇAS SALARIAIS. CÁLCULO. PROGRESSÕES FUNCIONAIS. ADICIONAL DE QUALIFICAÇÃO. 1. Configura-se o desvio de função a partir da comprovação de que o servidor público exerce, de forma permanente e habitual, atribuições relativas a cargo público diferente do qual foi investido, nos termos definidos na legislação instituidora do cargo. O exercício eventual e esporádico de atribuições que não estão previstas para o cargo não caracteriza desvio de função. 2. Na forma da Súmula nº 378 do STJ, "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes", sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública. Não se mostra possível, contudo, o reenquadramento definitivo do servidor público em razão da exigência constitucional de concurso para provimento em cargo público. 3. Demonstrado que as tarefas desempenhadas pela parte autora não guardam relação com aquelas desenvolvidas no cargo de auxiliar de enfermagem, resta reconhecido o desvio de função para o cargo de assistente em administração, no período delimitado, nos termos da fundamentação. 4. Quanto ao cálculo das diferenças remuneratórias a serem pagas à parte autora, devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, conquistaria gradativamente caso integrasse a categoria funcional paradigma (assistente em administração), e não ao padrão inicial. 5. Considerando que o desvio funcional é caracterizado pelo trabalho permanente e habitual em atribuições relativas a cargo público diferente do qual foi investido, a adequada e proporcional reparação somente é alcançada por meio do pagamento de valores correspondentes à remuneração integral do cargo paradigma, incluindo, sem qualquer dedução, os intervalos relativos aos afastamentos legais, inclusive férias e licença para tratamento de saúde. 6. Quando o adicional de qualificação recebido pelo servidor decorrer de titulação que constitui requisito básico para o ingresso no cargo em relação ao qual lhe foi reconhecido o desvio de função, a vantagem deve ser deduzida do montante indenizatório, o qual engloba a remuneração integral do cargo paradigma, já que referido adicional não lhe seria devido se ocupante do cargo cujas funções exercera em desvio funcional. Por outro lado, o incentivo à qualificação não deverá ser descontado caso seja decorrente de titulação diversa daquela exigida para o cargo paradigma. (TRF4, AC 5047991-20.2019.4.04.7000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 02/08/2023) - grifei
Assim, mantenho integralmente a sentença, por seus próprios fundamentos.
Nos termos do art. 85, §11, CPC e conforme decisão do STJ no julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.72/DF5, é devida a majoração dos honorários advocatícios já fixados pelo juízo de origem no caso de desprovimento da apelação, razão pela qual os majoro em 20% sobre o anteriormente fixado.
A fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, e considerando as Súmulas n° 282 e n° 356 do Supremo Tribunal Federal e n° 98 do Superior Tribunal de Justiça, esclareço que a presente decisão não contraria ou nega vigência às disposições legais e constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da parte ré.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004765889v6 e do código CRC d6f9a9ab.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5055992-28.2018.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
EMENTA
direito ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO civil. AUXILIAR/assistente administrativo. DESVio DE FUNÇÃO. RECONHECIMENTO. DIFERENÇAS SALARIAIS. CÁLCULO. cômputo de períodos de afastamento e PROGRESSÕES FUNCIONAIS. possibilidade.
1. Configura-se o desvio de função a partir da comprovação de que o servidor público exerce, de forma permanente e habitual, atribuições relativas a cargo público diferente do qual foi investido, nos termos definidos na legislação instituidora do cargo.
2. Comprovado o efetivo desvio, o servidor faz jus às diferenças remuneratórias decorrentes, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração.
3. Quanto ao cálculo das diferenças remuneratórias a serem pagas à parte autora, devem ser considerados os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, conquistaria gradativamente caso integrasse a categoria funcional paradigma (assistente em administração), e não ao padrão inicial.
4. Considerando que o desvio funcional é caracterizado pelo trabalho permanente e habitual em atribuições relativas a cargo público diferente do qual foi investido, a adequada e proporcional reparação somente é alcançada por meio do pagamento de valores correspondentes à remuneração integral do cargo paradigma, incluindo, sem qualquer dedução, os intervalos relativos aos afastamentos legais, inclusive férias e licença para tratamento de saúde.
5. Apelação cível improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 06 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004765890v3 e do código CRC 47be1f8b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/10/2024 A 06/11/2024
Apelação Cível Nº 5055992-28.2018.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/10/2024, às 00:00, a 06/11/2024, às 16:00, na sequência 79, disponibilizada no DE de 17/10/2024.
Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 12ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE RÉ.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Juiz Federal ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK
Votante: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
SUZANA ROESSING
Secretária
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