
Apelação Cível Nº 5000416-34.2024.4.04.7002/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por L. G. D. M. M. F. em face de sentença prolatada no processo de n.º 50004163420244047002 (PROCEDIMENTO COMUM), pela qual o juízo de origem julgou improcedente o pedido.
Em suas razões recursais, sustenta a parte apelante, em suma, que não há previsão legal para a restrição à concessão de financiamento estudantil (FIES), não podendo tal limitação ser imposta por uma Portaria. Argumenta que a negativa de financiamento vai de encontro ao objetivo do programa, que é o acesso e a inclusão de estudantes carentes em universidades particulares. Postulou, ainda, a manutenção do valor da causa nos termos em que fixado na inicial.
Com contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Dos critérios objetivos para a obtenção do FIES
A fim de proporcionar um acesso mais amplo e democrático à educação superior, em 2001 foi editada a Lei nº 10.260, que instituiu o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, hoje chamado de Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), "destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores, na modalidade presencial ou a distância, não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria" (artigo 1º).
A própria lei que regulamenta o FIES prevê no artigo 1º em seu §8º que "o Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento para estabelecer os critérios de elegibilidade de cada modalidade do Fies".
Assim, ainda que a Lei nº 10.260/01 não preveja todos os critérios limitadores utilizados atualmente para a concessão do financiamento, traz expressa autorização para que esses sejam estabelecidos pelo Ministério da Educação, a quem compete a gestão do programa, inclusive no que toca à seleção dos estudantes (artigo 3º, I, 'a', do mesmo diploma legal).
Dessa forma, ao contrário do que alega a parte agravante, não há qualquer ilegalidade na adoção de critérios objetivos, previamente publicizados, para a concessão do financiamento estudantil. Tratando-se de política pública com recursos limitados, compete à Administração pública elegê-los conforme sua conveniência e oportunidade, não cabendo ao Judiciário se imiscuir no mérito administrativo, interferindo nos critérios adotados.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. FIES. CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO CONDICIONADA À EXISTÊNCIA DE LIMITE DE RECURSO DISPONÍVEL DA MANTENEDORA. ART. 2º, §3º, DA PORTARIA NORMATIVA Nº 10, DE 30 DE ABRIL DE 2010. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. Insurge-se o impetrante contra a imposição de restrições à obtenção do financiamento estudantil de que trata a Lei 10.260/2001 - FIES, segundo os ditames da Portaria Normativa 10, de 30 de abril de 2010, editada pelo Ministro de Estado da Educação.
2. O FIES é fundo de natureza contábil destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação (art. 1° da Lei 10.260/2001), razão pela qual se encontra naturalmente sujeito a limitações de ordem financeira.
3. A previsão de que a concessão do financiamento pressupõe existência de limite de recurso disponível da mantenedora no momento da inscrição do estudante e disponibilidade orçamentária e financeira do FIES não destoa da sistemática da Lei 10.260/2001, que contempla, exemplificativamente, as seguintes restrições: a) proibição de novo financiamento a aluno inadimplente (art. 1°, § 5°); b) vedação a financiamento por prazo não superior ao do curso (art. 5°, I); c) obrigação de oferecimento de garantias pelo estudante ou pela entidade mantenedora da instituição de ensino (art. 5°, III); d) imposição de responsabilidade solidária pelo risco do financiamento às instituições de ensino (art. 5°, VI).
4. A Primeira Seção do STJ já teve oportunidade de enfrentar essa discussão, tendo assentado que "O estabelecimento de condições para a concessão do financiamento do FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo" (MS 20.074/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1°/7/2013).
5. A concessão de financiamento estudantil de curso em instituição de ensino superior privada não constitui direito absoluto - porquanto sujeito a limitações de ordem financeira e orçamentária -, de modo que o ato apontado como coator não se encontra eivado de ilegalidade.
6. Segurança denegada.
(MS n. 20.088/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 9/4/2014, DJe de 17/6/2014.)
O STF também já se pronunciou sobre a constitucionalidade da adoção de critérios objetivos para a concessão do financiamento estudantil:
Direito Constitucional e Administrativo. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. FIES. Novas regras. Aplicação retroativa. Violação à segurança jurídica. 1. Arguição proposta contra as Portarias Normativas MEC nº 21/2014 e 23/2014, que alteraram as regras para ingresso e renovação de contratos de financiamento de curso de nível superior, celebrados com o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior – FIES. 2. Conhecimento parcial da arguição, exclusivamente em relação à constitucionalidade do art. 3º da Portaria Normativa MEC nº 21/2014, que alterou a redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010, uma vez que o requerente não se desincumbiu do ônus de impugnação específica dos demais dispositivos das Portarias Normativas MEC nºs 21/2014 e 23/2014. 3. O art. 3º da Portaria Normativa MEC nº 21/2014 alterou a redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010, passando a exigir média superior a 450 pontos e nota superior a zero nas redações do ENEM, como condição para a obtenção de financiamento de curso superior junto ao Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior - FIES. 4. Violação da segurança jurídica. Afastamento da exigência de desempenho mínimo no ENEM para a renovação dos contratos dos estudantes que já estavam cursando o ensino superior com financiamento do FIES antes da alteração da Portaria Normativa MEC nº 10/2010. 5. Quanto aos estudantes que ainda não tinham firmado contrato com o FIES, inexiste direito adquirido a regime jurídico. Na hipótese, as condições para a obtenção do financiamento foram alteradas antes do início do prazo para requerimento da contratação junto ao FIES para o primeiro semestre de 2015. 6. Razoabilidade da exigência de média superior a 450 pontos e de nota superior a zero na redação do ENEM como critério de seleção dos estudantes que perceberão financiamento público para custeio do ensino superior. Exigência que atende aos imperativos de moralidade, impessoalidade e eficiência a que se submete a Administração Pública (art. 37, CF). 7. Arguição de descumprimento de preceito fundamental parcialmente conhecida e, nessa parte, pedido julgado parcialmente procedente para confirmar a medida cautelar e determinar a não aplicação da nova redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010 aos estudantes que postulavam a renovação de seus contratos, em respeito ao princípio da segurança jurídica, com prorrogação do prazo para obtenção da renovação até 29 de março de 2015. 8. Tese de julgamento: “Viola a segurança jurídica a aplicação do art. 19 da Portaria Normativa MEC nº 10/2010, em sua nova redação, aos estudantes que postulam a renovação de seus contratos do FIES”.
(ADPF 341, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 22/02/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-03-2023 PUBLIC 02-03-2023)
Assim, ausente o direito invocado pela parte autora, deve ser mantida a sentença que indeferiu o pedido.
2. Do valor da causa
No tocante ao valor da causa, o magistrado a quo, assim consignou (
):1. DO VALOR DA CAUSA
O valor da causa possui quatro funções no processo civil: a) fixação da competência; b) determinação do rito a ser observado; c) cálculo das custas processuais e d) base de cálculo para multas eventualmente impostas (litigância de má-fé, p. ex.).
Conforme dispõe o art. 291 do CPC/15, “A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível”. Significa isso que, afigurando-se possível a indicação precisa da dimensão econômica do pedido, deverá esta ser apontada como o valor da causa. Em virtude disso, cabe à parte requerente, sempre que possível, indicar valor próximo ao conteúdo econômico do bem da vida postulado em Juízo. Isso implica a falácia de expressões tais como “para efeitos fiscais e de alçada" e congêneres.
Por consequência, o valor da causa deve ser mensurado de acordo com a pretensão econômica subjacente à lide, não podendo ser fixado de acordo com a vontade das partes, mas de forma que vise a atender o interesse público na efetiva prestação jurisdicional. Assim, impõe-se que haja retificação, até mesmo de ofício, por se tratar de matéria de ordem pública.
Além disso, o valor da causa deve corresponder ao benefício econômico pretendido com a demanda, nos termos da artigo 292 do CPC, pois é o valor da causa que delimita o pedido e será utilizado como parâmetro no caso de futura condenação.
Diante desse contexto, há de ser considerado que o pedido veiculado na presente demanda objetiva a pactuação de contrato de FIES, cuja expressão econômica, na forma do art. 292, § 3º do CPC, deve corresponder ao valor das doze mensalidades (uma prestação anual) a serem cobradas durante o ano letivo de 2024.
Nesses termos, tendo em conta que o valor semestral máximo de financiamento no âmbito do FIES quanto ao curso de graduação em Medicina, corresponde ao montante de R$ 52.805,66 (cinquenta e dois mil e oitocentos e cinco reais e sessenta e seis centavos), com fundamento na Resolução nº 50, de 21 de julho de 2022 do Comitê Gestor do FIES e que a presente ação engloba as mensalidades de todo o próximo ano letivo de 2024, valho-me da autorização prevista pelo art. 292, parágrafo terceiro, do CPC/15 e retifico o valor da causa para R$ 105.611,32 (cento e cinco mil seiscentos e onze reais e trinta e dois centavos).
O valor da causa deve corresponder ao conteúdo econômico pretendido, ou seja, o benefício que será advindo com o acolhimento da pretensão. Na impossibilidade de fixar-se o valor exato, deve o montante refletir, pelo menos em valor aproximado, o benefício econômico buscado na ação.
Tratando-se de pretensão que visa o pagamento de parcelas vincendas, o valor da causa deve corresponder a uma prestação anual, nos termos do artigo 292, §2º, do CPC.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. VALOR DA CAUSA. ARTIGO 292 DO CPC. PARCELAS VINCENDAS. 13º SALÁRIO. Consoante estabelece o artigo 292 do CPC, o valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano. Diante disso, é acertada a retirada da parcela referente ao 13º salário, no que se refere as parcelas vincendas, quando da elaboração do cálculo do valor da causa. (TRF4, AG 5041372-83.2023.4.04.0000, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/04/2024)
Assim, nada a reparar na sentença quanto ao ponto, visto que fixou o valor da causa no correspondente às mensalidades a serem financiadas por um ano.
3. Honorários Advocatícios
Nos termos do art. 85, §11, CPC e conforme decisão do STJ no julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.72/DF5, é devida a majoração dos honorários advocatícios já fixados pelo juízo de origem no caso de desprovimento da apelação, razão pela qual os majoro em 20% sobre o anteriormente fixado. Suspensa a sua exigibilidade em decorrência da AJG fixada.
4. Prequestionamento
A fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, e considerando as Súmulas n° 282 e n° 356 do Supremo Tribunal Federal e n° 98 do Superior Tribunal de Justiça, esclareço que a presente decisão não contraria ou nega vigência às disposições legais e constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004745818v4 e do código CRC df0c4b41.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5000416-34.2024.4.04.7002/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. FIES. CONCESSÃO. CRITÉRIOS OBJETIVOS. LEGALIDADE. valor da causa. prestação anual.
1. A fim de proporcionar um acesso mais amplo e democrático à educação superior, em 2001 foi editada a Lei nº 10.260, que instituiu o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, hoje chamado de Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), "destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores, na modalidade presencial ou a distância, não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria" (artigo 1º).
2. A própria lei que regulamenta o FIES prevê no artigo 1º em seu §8º que "o Ministério da Educação, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, editará regulamento para estabelecer os critérios de elegibilidade de cada modalidade do Fies".
3. Ainda que a Lei nº 10.260/01 não preveja todos os critérios limitadores utilizados atualmente para a concessão do financiamento, traz expressa autorização para que esses sejam estabelecidos pelo Ministério da Educação, a quem compete a gestão do programa, inclusive no que toca à seleção dos estudantes (artigo 3º, I, 'a', do mesmo diploma legal).
4. Não há qualquer ilegalidade na adoção de critérios objetivos, previamente publicizados, para a concessão do financiamento estudantil. Tratando-se de política pública com recursos limitados, compete à Administração pública elegê-los conforme sua conveniência e oportunidade, não cabendo ao Judiciário se imiscuir no mérito administrativo, interferindo nos critérios adotados.
5. Tratando-se de pretensão que visa o pagamento de parcelas vincendas, o valor da causa deve corresponder a uma prestação anual, nos termos do artigo 292, §2º, do CPC.
6. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 06 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004745819v3 e do código CRC 3e17199a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/10/2024 A 06/11/2024
Apelação Cível Nº 5000416-34.2024.4.04.7002/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/10/2024, às 00:00, a 06/11/2024, às 16:00, na sequência 57, disponibilizada no DE de 17/10/2024.
Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 12ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Juiz Federal ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK
Votante: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
SUZANA ROESSING
Secretária
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