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Agravo de Instrumento Nº 5016172-40.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela autora contra decisão que deferiu em parte a antecipação de tutela voltada a tratamento médico multidisciplinar em nível de atenção domiciliar (home care) com o fornecimento de diversos serviços.
A autora/agravante postula a ampliação da tutela provisória para que "seja deferido o pedido de antecipação de tutela recursal, a fim de determinar aos réus que providenciem ou custeiem, em prazo exíguo e em favor da autora, o tratamento prestado em caráter domiciliar, na frequência requerida na inicial (serviços de técnico em enfermagem 12 horas por dia, 7 dias por semana; 5 sessões de fisioterapia semanais; 3 sessões de fonoterapia semanais e 3 sessões de terapia ocupacional semanais), enquanto houver prescrição médica, sob pena de imposição multa diária pelo descumprimento e bloqueio de valores" ().
Na decisão do deste processo foi indeferido o pedido de tutela provisória recursal.
Oportunizada a apresentação de contrarrazões, retornaram os autos conclusos para julgamento do agravo de instrumento.
É o relatório.
VOTO
Conforme decidido individualmente, o recurso que desafia tutela provisória apreciada implica no reexame da presença dos seus requisitos justificadores. A tutela de urgência exige a demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou o do risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, CPC). Além disso, a de natureza antecipada "não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão" (art. 300, §3º, CPC).
Quanto ao perigo de dano ou o risco ao resultado do processo, trata-se de demanda que diz respeito à condição de saúde do paciente. Alega-se que os serviços podem implicar em melhora do quadro clínico, de sorte que a falta da prestação sanitária traz prejuízo imediato a autora.
No que diz respeito à probabilidade do direito, cumpre avaliar a alegação da agravante.
Nesse aspecto, sobre o atendimento domiciliar e a internação domiciliar, consta no art. 19-I da Lei n.º 8.080/90:
Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a internação domiciliar.
§ 1º Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio.
§ 2º O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora.
§ 3º O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação médica, com expressa concordância do paciente e de sua família.
O dispositivo legal acima é regulamentado pela Portaria n.º 825/2016 do Ministério da Saúde, que prevê a existência de três níveis de atendimento domiciliar:
Art. 8º Considera-se elegível, na modalidade AD 1, o usuário que, tendo indicação de AD, requeira cuidados com menor frequência e com menor necessidade de intervenções multiprofissionais, uma vez que se pressupõe estabilidade e cuidados satisfatórios pelos cuidadores.
§1º A prestação da assistência à saúde na modalidade AD 1 é de responsabilidade das equipes de atenção básica, por meio de acompanhamento regular em domicílio, de acordo com as especificidades de cada caso.
§ 2º As equipes de atenção básica que executarem as ações na modalidade AD 1 devem ser apoiadas pelos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, ambulatórios de especialidades e centros de reabilitação.
Art.9º Considera-se elegível na modalidade AD 2 o usuário que, tendo indicação de AD, e com o fim de abreviar ou evitar hospitalização, apresente:
I - afecções agudas ou crônicas agudizadas, com necessidade de cuidados intensificados e sequenciais, como tratamentos parenterais ou reabilitação;
II - afecções crônico-degenerativas, considerando o grau de comprometimento causado pela doença, que demande atendimento no mínimo semanal;
III - necessidade de cuidados paliativos com acompanhamento clínico no mínimo semanal, com o fim de controlar a dor e o sofrimento do usuário; ou
IV - prematuridade e baixo peso em bebês com necessidade de ganho ponderal.
Art. 10. Considera-se elegível, na modalidade AD 3, usuário com qualquer das situações listadas na modalidade AD 2, quando necessitar de cuidado multiprofissional mais frequente, uso de equipamento(s)ou agregação de procedimento(s) de maior complexidade(por exemplo, ventilação mecânica, paracentese de repetição, nutrição parenteral e transfusão sanguínea), usualmente demandando períodos maiores de acompanhamento domiciliar.
O art. 14 da normativa em questão traz hipóteses em que o paciente não será elegível para atendimento:
Art. 14. Será inelegível para a AD o usuário que apresentar pelo menos uma das seguintes situações:
I - necessidade de monitorização contínua;
II - necessidade de assistência contínua de enfermagem;
III - necessidade de propedêutica complementar, com demanda potencial para a realização de vários procedimentos diagnósticos,em sequência, com urgência;
IV - necessidade de tratamento cirúrgico em caráter de urgência;ou
V - necessidade de uso de ventilação mecânica invasiva, nos casos em que a equipe não estiver apta a realizar tal procedimento.
As situações descritas, na realidade, envolvem casos em que o paciente não deve receber tratamento em domícilio, mas sim em ambiente hospitalar. É o que se vê, ilustrativamente, com a necessidade de uso de ventilação mecânica invasiva (art. 14, V) e com a necessidade de monitorização contínua (art. 14, I). Havendo necessidade de assistência contínua de enfermagem, pode ser caso de manutenção em ambiente hospitalar, pelo que o usuário não seria elegível para assistência domiciliar (art. 14, II), devendo permanencer no hospital.
Nesa esteira, já se decidiu também que "para que se viabilize a assistência integral de saúde à parte, não podem ser desconsideradas as condições da família para complementar os cuidados necessários que, ausentes, reclamam suprimento estatal de natureza assistencial, ainda que de modo excepcional e heterônomo" (TRF4, AG 5018228-51.2021.4.04.0000, Quinta Turma, Relator Francisco Donizete Gomes, juntado aos autos em 26/07/2022)
No caso dos autos, o magistrado de primeiro grau bem equacionou a questão ao apreciar as provas até o momento colhidas, deferindo em parte o pedido ():
(...)
Destarte, insta serem deferidos à parte autora os recursos que são franqueados no âmbito do SUS e, dessa forma, o pedido merece parcial amparo, na forma da legislação supracitada.
Segundo o laudo médico que instrui a inicial (LAUDO11, evento 1), a parte autora necessita de acompanhamento contínuo em saúde por apresentar epilepsia de difícil controle, convulsões, prejuízo ao desenvolvimento neuropsicomotor, limitação na mobilidade, disfagia de origem neurológica e faz uso de sonda de gastrostomia para a alimentação, necessitando de cuidados múltiplos e sendo dependente de terceiros para os cuidados da vida diária, encontrando-se com sequelas permanentes e limitação dos movimentos. Os serviços profissionais solicitados foram prescritos a fim de possibilitar a manutenção dos cuidados necessários e conferir qualidade de vida à parte autora, afastando o risco de piora e de óbito, assim como o sofrimento causado pela enfermidade.
O Laudo de Avaliação Socioeconômica (LAUDO1, evento 62) confirmou que a Autora recebe alimentação por sonda e utiliza diaramente diversos medicamentos, necessita de atendimentos especializados para seu desenvolvimento e de cuidados permanentes em razão da hiperplasia, paralisia cerebral e convulsões. Recebe cuidados diários apenas da mãe, sendo a família composta pela autora, sua genitora, o pai e um irmão, estudante. A demandante aparenta estar bem cuidada. A residência é simples. O núcleo familiar, no momento, não detém condições materiais para manter todos os cuidados prescritos.
Portanto, o estudo social domiciliar revela que a demandante necessita da prestação de saúde requerida e não dispõe de condições financeiras para o custeio mensal dos serviços profissionais. O estudo social familiar revela que embora bem cuidada, a família da autora não dispõe de renda global suficiente para conferir à paciente o cuidado de profissionais de saúde, na forma solicitada.
A Nota Técnica (ev. 140) foi desfavorável ao pleito em caráter de urgência, por falta de informações detalhadas na documentação agregada aos autos. Não obstante, entendo que diante das enfermidades apresentadas pela autora (paralisia cerebral, epilepsia e retardo do desenvolvimento fisiológico normal, atestadas em laudo médico fornecido por neuropediatra vinculado ao HUSM/SUS; LAUDO11, ev. 1), a ausência do fornecimento de assistência domiciliar por equipe de saúde da família em Santa Maria, assim como o lapso decorrido do ajuizamento da ação, a pretensão inicial merece vênia.
In casu, considerando os itens pedidos na inicial, cabível deferir o atendimento e assistência multiprofissional na forma de internação domiciliar fornecida pelo SUS, a qual deve ser concedida nas mesmas quantidades e qualidade asseguradas aos demais pacientes do SUS.
(...)
Como se vê, embora a Nota Técnica tenha sido contrária ao pleito, os demais elementos de prova convergem pela necessidade dos serviços buscados e, em equação do conflito, foram adotadas os critérios viabilizados por o hospital público (HUSM), a saber:
1. Médico: semanal;
2. Enfermagem: semanal;
3. Técnico em Enfermagem: semanal;
4. Fisioterapia: semanal;
5. Fonoaudiólogo: semanal;
6. Nutricionista: semanal;
7. Terapeuta ocupacional: semanal;
8. Assistente social: semanal;
9. Psicólogo: semanal.
Sobreleva pontuar que a jurisprudência admite que o fornecimento de home care tenha assistência de enfermagem, mas não por tempo integral:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO DOMICILIAR (HOME CARE). ASSISTÊNCIA CONTÍNUA DE FISIOTERAPIA, FONOAUDIOLOGIA E ENFERMAGEM. 1. Hipótese em que alguns medicamentos, equipamentos e serviços necessários à prestação do atendimento domiciliar postulados são assegurados no âmbito do SUS, na forma prevista na Lei nº Lei nº 8.080/90, com redação dada pela Lei nº 10.424/2002. 2. Manutenção da decisão agravada que concedeu parcialmente o pedido de tutela para, dentre os serviços de assistência profissional domiciliar requeridos, deferir um atendimento semanal de (a) técnico em enfermagem, de (b) fisioterapia e (c) fonoaudiólogo. 3. O fornecimento de assistência contínua de enfermagem esbarra na vedação prevista no artigo 26, inciso II, da Portaria nº 963/2013, do Ministério da Saúde, que regulamenta o atendimento domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). (TRF4, AG 5039235-02.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Relator Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, juntado aos autos em 25/03/2022)
E já se decidiu que é "vedado o fornecimento de assistência contínua de enfermagem" (TRF4, AG 5020450-55.2022.4.04.0000, Quinta Turma, Relator Osni Cardoso Filho, juntado aos autos em 24/07/2022).
Portanto, a necessidade de atendimento domiciliar está bem demonstrada, com a apresentação de laudos e prontuário médico, mas a extensão da tutela provisória dependeria de mais elementos.
Não vislumbro, portanto, probabilidade do direito a justificar a concessão da tutela provisória recursal, razão pela qual deve ser mantida a decisão interlocutória que acolheu em parte tratamento em nível de atenção domiciliar (home care) com o fornecimento de diversos serviços.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento da parte autora.
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Agravo de Instrumento Nº 5016172-40.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
EMENTA
direito à saúde. agravo de instrumento. fornecimento de tratamento. home care. atendimento domiciliar. tutela provisória.
1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA para o uso pleiteado (STJ, EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018).
2. A Portaria n.º 825/2016 do Ministério da Saúde detalha a política pública de atendimento domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde, sendo que o art. 14 da normativa traz hipóteses em que o paciente não será elegível para atendimento.
3. Caso concreto em que ausentes os requisitos para conceder a tutela provisória referente à entrega do tratamento médico multidisciplinar em nível de atenção domiciliar (home care) com o fornecimento de diversos serviços.
4. Mantida a decisão do juízo de origem que deferiu parcialmente o pleito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/10/2024 A 22/10/2024
Agravo de Instrumento Nº 5016172-40.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/10/2024, às 00:00, a 22/10/2024, às 16:00, na sequência 1470, disponibilizada no DE de 04/10/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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