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PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS HIDROCARBONETOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DIREITO À CONVERSÃO DO BENEFÍC...

Data da publicação: 20/10/2021, 07:01:22

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS HIDROCARBONETOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DIREITO À CONVERSÃO DO BENEFÍCIO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. 1. Se a demanda precedente não analisou a especialidade do labor realizado no período ora postulado, ou ainda em decorrência do agente nocivo ora invocado, o pedido de reconhecimento da especialidade da atividade prestada, em nova demanda, para fins de concessão de aposentadoria especial, não afronta a coisa julgada. 2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 3. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 4. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos na prestação do labor enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 5. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente. 6. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado, titular de aposentadoria por tempo de contribuição, direito à sua conversão em aposentadoria especial. (TRF4, AC 5017096-32.2021.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 13/10/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5017096-32.2021.4.04.9999/RS

RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

APELANTE: VALDIR SERGIO ZAIONS

ADVOGADO: ADRIANA GARCIA DA SILVA (OAB RS054703)

ADVOGADO: LUCIANA ZAIONS (OAB RS086387)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, em que o feito foi extinto sem resolução do mérito, com dispositivo de seguinte teor:

Ante o exposto, JULGO EXTINTA sem resolução de mérito, a demanda movida por VALDIR SERGIO ZAIONS em face de INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, reconhecendo como óbice a coisa julgada formada no processo nº 2005.71.00.025658-6, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil. Sucumbente, condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios em favor da autarquia federal, verba que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil; suspendo a exigibilidade do ônus sucumbencial, contudo, pois a parte litiga sob o abrigo da gratuidade de justiça (fl. 109).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado, arquive-se.

Apelou o autor sustentando não haver coisa julgada quanto ao seu pedido, uma vez que não foi analisada no processo anterior a nocividade da atividade por exposição a agentes químicos. Assim, requer o reconhecimento da especialidade do período de 06/03/1997 a 19/08/2004 e a revisão de seu benefício, para concessão do benefício de aposentadoria especial.

Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

COISA JULGADA

A coisa julgada é qualidade que se agrega aos efeitos da sentença, tornando indiscutível a decisão não mais sujeita a recurso (NCPC, art. 502), impedindo o reexame da causa no mesmo processo (coisa julgada formal) ou em outra demanda judicial (coisa julgada material).

Nos termos do do artigo 337, §§, 1º e 4º, do NCPC, haverá coisa julgada quando se reproduzir ação já ajuizada, com decisão transitada em julgado. Conforme o § 2º do mesmo artigo, considera-se que uma ação é idêntica à outra quando presente a 'tríplice identidade', ou seja, quando se trata de nova demanda, com mesmas partes, pedido e causa de pedir.

Considerando que o modelo processual civil brasileiro adotou a teoria da substanciação da demanda (art. 319 do CPC), a causa de pedir compõe-se não apenas dos fundamentos jurídicos (causa de pedir próxima), como também dos fundamentos de fato alegados pela parte (causa de pedir remota). Em sendo assim, a alegação de fatos diferentes e independentes, ainda que buscando o mesmo enquadramento jurídico perseguido em demanda anterior, implica em causa de pedir diferente e, consequentemente, em demanda diversa, não se podendo falar em tríplice identidade e em coisa julgada.

Prevê, ainda, a lei processual, o instituto da eficácia preclusiva, um mecanismo de proteção das decisões de mérito transitadas em julgado, frente a eventuais modificações nas alegações que poderiam ter sido apresentadas na primeira ação e que só foram deduzidas na nova demanda:

Art.508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

A eficácia preclusiva é instrumento de estabilização das relações jurídicas. Evita que as mesmas questões sejam decididas sucessivas vezes, sem limites, diante da mera mudança dos argumentos utilizados pelas partes.

Entretanto, como mecanismo de proteção que é, a eficácia preclusiva não é mais que a coisa julgada.

O art 503 do CPC estabelece que a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

É a questão principal decidida e os elementos que em torno desta questão gravitam que dão os contornos da coisa julgada. Dentro destas fronteiras é que funciona seu mecanismo de proteção, a chamada eficácia preclusiva dos motivos.

Assim, questões de direito que poderiam ter sido deduzidas na ação anterior para o enquadramento e extração de consequências jurídicas dos fatos então alegados por qualquer das partes, ou questões de fato que poderiam ser demonstradas de mais de uma forma, com um ou mais indícios, para buscar o enquadramento jurídico pretendido e dele extrair consequências, ficarão subsumidas na eficácia preclusiva, ou seja, deverão ser consideradas deduzidas e repelidas, ainda que não tenham sido diretamente alegadas e decididas.

No entanto, questões de fato que não foram deduzidas na ação anterior, mas que guardam autonomia relativamente às que foram, não ficam cobertas pela preclusão, porque seu exame, para fins de procedência ou improcedência do pedido no novo processo, não significará tornar sem efeito ou mesmo rever a justiça da decisão dada na primeira demanda sobre as alegações que lá foram lançadas e resolvidas. Outros fatos serão examinados, ainda que com vistas a um mesmo pedido.

O contrário significaria negar vigência ao art. 503 do Código de Processo Civil, que limita o alcance da coisa julgada, ou seja, o alcance da imutabilidade da sentença anterior, ao limite das questões que decidiu.

Transpondo-se o raciocínio para o caso dos autos, tem-se que o autor ajuizou anteriormente ação registrada sob nº 2005.71.00.025658-6, na qual postulou o reconhecimento da especialidade do labor nos períodos de 12/02/1976 a 21/12/1976 e 04/01/1977 a 19/08/2004 e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde o requerimento formulado em 19/08/2004 (evento 3 - VOL2 - p. 84/89).

Sobreveio sentença que reconheceu a especialidade dos períodos de 12/02/1976 a 21/12/1976 e 04/01/1977 a 05/03/1997, concedendo a aposentadoria por tempo de contribuição (evento 3 - VOL2 - p . 98/105), a qual foi posteriormente confirmada pela 6ª Turma do TRF (evento 3 - VOL2 - p. 106/116).

Naquele feito, examinou-se se houve a exposição a ruído e concluiu-se que, embora tenha havido, por não ter ultrapassado o limite legal, não haveria direto à contagem do tempo de serviço correspondente como especial.

Na presente ação, postula o demandante o reconhecimento da natureza especial do labor prestado no período de 06/03/1997 a 19/08/2004, na condição de empregado do SENAI, para que seja revisado seu benefício e concedida a aposentadoria especial, desde a DER (19/08/2014).

A causa de pedir neste novo processo fundamenta-se em um novo fato - esteve exposto a agentes químicos. Esta exposição não foi objeto de alegação nem de análise na ação anterior.

Há portanto, uma nova questão de fato (ponto controvertido), qual seja: saber se o autor esteve sujeito a agentes químicos, no período de 06/03/1997 a 19/08/2004.

Este fato, se vier a ser reconhecido, permitirá o enquadramento do período na normativa de regência como tempo especial, com as consequências jurídicas daí decorrentes sobre a totalização do seu tempo de serviço.

Não houve alegação deste fato na ação anterior. Dele o INSS não se defendeu e sobre ele não houve instrução nem pronunciamento judicial. Sua alegação no curso da demanda anterior, houvesse sido feita após a contestação, seria inadmissível, diante do princípio da estabilização da demanda. Em tais condições, reconhecer que se tornou preclusa, é admitir a imutabilidade, por força da coisa julgada material, de algo que não foi alegado nem decidido.

O julgamento desta questão de fato, neste caso, não implicará em ofensa ao que foi decidido na ação anterior. Não se estará aqui dizendo (se acolhido o pedido) que o autor tem direito à contagem do tempo porque esteve sujeito a ruído de forma habitual ou permanente, mas sim (se acolhido o pedido) que tem direito à contagem do tempo porque esteve sujeito a agentes químicos.

A eficácia preclusiva estaria configurada, no caso, se o debate nos autos se processasse sobre questões relacionadas à alegação de exposição a ruído - questão de fato alegada no processo anterior. Se fosse admitido, por exemplo, que se debatesse sobre o conceito de habitualidade na exposição ao ruído para fins de enquadramento da atividade como especial.

Estender-se a eficácia preclusiva para além da questão de fato suscitada na demanda anterior, de forma a alcançar outras questões de fato que, individualmente, poderiam levar ao reconhecimento do mesmo direito, é violar o princípio da demanda e a própria garantia de acesso ao Poder Judiciário em caso de lesão a direito.

O novo Código de Processo Civil reforça este entendimento, ao introduzir o princípio da fundamentação qualificada das decisões, em especial a regra constante no inciso V, do § 1º do art. 481, segundo o qual, não se considerará fundamentada a decisão que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.

Também o §1º do art. 503 indica a necessidade da fundamentação qualificada, ao estabelecer que a questão prejudicial examinada incidentemente no processo poderá fazer coisa julgada desde que haja contraditório prévio e efetivo.

A combinação da eficácia preclusiva da coisa julgada, portanto, com os princípios da demanda, do contraditório, da substanciação e da estabilização da demanda, da fundamentação qualificada das decisões, e com a garantia do acesso à Justiça, impõe estabelecer que seu âmbito de aplicação limita-se às alegações possíveis sobre as questões de fato e de direito que lá foram efetivamente suscitadas, não alcançando outros fatos que, embora já pudessem ter sido invocados como causa de pedir na ação anterior, guardam autonomia.

O critério a ser considerado para a distinção situa-se na avaliação se, ao decidir sobre tais fatos, em nova demanda, haverá ou não necessidade de incursionar sobre as questões de fato objeto da ação anterior.

No caso, esta situação só ocorreria se fosse permitido agregar novos fatos com vistas ao reconhecimento do direito ao enquadramento da atividade como especial por exposição ao ruído - matéria examinada na ação anterior. Como aqui se requer, mais que isso, o enquadramento com base na exposição a outro fator - agente químico, a decisão não eliminará a anterior, será dada sobre outros fatos, ainda que para o mesmo objetivo final - o reconhecimento da especialidade do correspondente tempo de serviço.

Por todo o exposto, e considerando que, quanto a agentes químicos, não há coisa julgada ou eficácia preclusiva, impõe-se o processamento do feito para exame da eventual exposição do autor a agentes químicos no período postulado, para fins de enquadramento da atividade como especial e consequências previdenciárias daí decorrentes.

Assim, resta afastada a coisa julgada, pelo que se passa à análise do mérito.

MÉRITO

Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:

- ao reconhecimento do exercício de atividade especial no período de 06/03/1997 a 19/08/2004;

- à consequente concessão de aposentadoria especial, a contar da DER (19/08/2004);

Tempo de serviço especial

O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova, cuja previsão legislativa expressa se deu com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99. Nesse sentido é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003).

Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:

a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, em que necessária sempre a aferição de seus níveis (decibéis/ºC IBUTG), por meio de parecer técnico trazido aos autos ou, simplesmente, referido no formulário padrão emitido pela empresa;

b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14-10-1996, que a revogou expressamente, de modo que, no interregno compreendido entre essas datas e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;

c) após 06-03-1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).

Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).

Exame do tempo especial no caso concreto

Passo, então, ao exame do(s) período(s) controvertido(s) nesta ação, com base nos elementos contidos nos autos e na legislação de regência, para concluir pelo cabimento ou não do reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida.

Período: 06/03/1997 a 19/08/2004

Empresa: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI

Atividade/função: Instrutor de educação profissional nível básico

Agente nocivo: hidrocarbonetos aromáticos

Prova: DSS-8030 (evento 3 - VOL2 - p. 90); laudo pericial judicial emprestado (evento 3 - VOL2 - p. 32/57);

Enquadramento legal: item 1.2.11 (tóxicos orgânicos) do Anexo ao Decreto n.º 53.831/64; item 1.2.10 (hidrocarbonetos e outros compostos de carbono) do Anexo I do Decreto n.º 83.080/79; item 1.0.3 (benzeno e seus compostos tóxicos) do Anexo IV do Dec. n. 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99.

Conclusão: o laudo pericial realizado no local de trabalho do autor foi conclusivo quanto à presença de agentes nocivos químicos no exercício da atividade. Conforme relata o perito, o autor estava sujeito a adesivo sintético, tinta, thinner e solventes de forma habitual e, embora tenha utilizado equipamentos de proteção individual, estes eram insuficientes para afastar a nocividade dos agentes.

Assim, o agente nocivo ao qual estava exposta a parte autora está elencado como especial, e a prova é adequada. Portanto, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor.

Requisitos para concessão de aposentadoria especial

A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.

Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, pois o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.

Direito à aposentadoria especial no caso concreto

No caso em exame, considerado o presente provimento judicial, a parte autora alcança, na DER (19/08/2004), 28 anos, 5 meses e 26 dias de tempo de serviço especial.

A carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria no ano de 2004 (art. 142 da Lei n.º 8.213/91) restou cumprida, tendo em vista que a parte autora possuía mais de 180 contribuições na DER.

Da necessidade de afastamento da atividade especial

No julgamento do Tema 709, em sede de embargos de declaração julgados em 23/02/2021, o STF fixou a seguinte tese:

"I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.

II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão"

Definida, em decisão com efeitos vinculantes, a questão da constitucionalidade da norma que veda a percepção de aposentadoria especial pelo segurado que permanece em atividade classificada como especial ou que a ela retorna, e estabelecida a eficácia da decisão, impõe-se assegurar à Autarquia previdenciária a possibilidade de proceder à verificação quanto à permanência do segurado no exercício de atividade classificada como especial ou quanto ao seu retorno. Uma vez verificada a continuidade ou o retorno do labor especial, poderá cessar (suspender) o pagamento do benefício previdenciário em questão, sem prejuízo do pagamento dos valores vencidos desde o termo inicial do benefício até a data da cessação.

Ressalte-se que, nos casos específicos de profissionais de saúde constantes do rol do art. 3º-J, da Lei nº 13.979/2020, e que estejam trabalhando diretamente no combate à epidemia do COVID-19, ou prestando serviços de atendimento a pessoas atingidas pela doença em hospitais ou instituições congêneres, públicos ou privados, encontram-se suspensos os efeitos do decidido pelo STF no caso, nos termos da decisão liminar proferida pelo Exmo. Min. Relator Dias Toffoli. Em tais casos, deverá ser observado pelo juízo de origem, oportunamente, o que vier a ser decidido pelo tribunal superior quanto ao ponto.

Dessa forma, cumprindo com os requisitos tempo de serviço e carência, a parte autora tem direito:

- à implementação do benefício de aposentadoria especial desde a data do requerimento;

- ao pagamento das parcelas vencidas.

Como o ajuizamento da ação ocorreu em 19/01/2017 e a DER remete a 2004, estariam prescritas, em princípio, as parcelas anteriores a 19/01/2012.

No entanto, em 25/08/2016, a parte autora requereu a reabertura do processo administrativo (evento 3 - VOL2 - p. 30), no entanto, a revisão foi negada em carta emitida em 04/01/2017.

Vale observar que o prazo prescricional não corre durante o trâmite do processo administrativo, consoante o disposto no art. 4.º do Decreto n. 20.910/32:

Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.

Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.

O requerimento administrativo é, pois, causa suspensiva da prescrição. A suspensão mantém-se durante o período de tramitação do processo administrativo, até a comunicação da decisão ao interessado. Na verificação da prescrição quinquenal, computa-se, retroativamente, o lapso temporal decorrido entre o ajuizamento da ação e a comunicação da decisão administrativa, exclui-se o período de tramitação do processo administrativo e conta-se o tempo decorrido anteriormente ao requerimento administrativo.

Dessa forma, estão prescritas as parcelas anteriores a 11/09/2011.

Ademais, considerando que o período ora postulado e reconhecido, embora discutido em processo anterior, não teve sua discussão baseada no agente nocivo químico - razão pela qual restou afastada a coisa julgada, não houve a interrupção do prazo prescricional durante o seu curso.

Consectários e provimentos finais

- Correção monetária

A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei n.º 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).

A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, com trânsito em julgado em 03/03/2020.

No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, transitado em julgado em 11/02/2020, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.

A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.

Juros de mora

Os juros de mora devem incidir a partir da citação.

Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.

Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).

Honorários Advocatícios

Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.

Considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas vencidas, e tendo presente que o valor da condenação não excederá de 200 salários mínimos, os honorários de sucumbência, devidos exclusivamente pelo INSS, devem ser fixados originariamente em 10% sobre as parcelas vencidas, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC. Conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (acórdão).

Tutela específica - revisão do benefício

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à revisão do benefício da parte autora, a ser efetivada em 30 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais..

Dados para cumprimento: ( ) Concessão ( ) Restabelecimento (X) Revisão

NB

135.157.432-6

Espécie

46 - Aposentadoria especial

DIB

19/08/2004

DIP

No primeiro dia do mês da implantação do benefício

DCB

Não se aplica

RMI

a apurar

Observações

Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 30 (trinta) dias.

Conclusão

Provida a apelação do autor para afastar a coisa julgada e, no mérito, reconhecer a especialidade do período de 06/03/1997 a 19/08/2004 e conceder o benefício de aposentadoria especial, observando-se a incidência do art. 57, §8º, da Lei 8.213/91, nos termos decididos pelo STF no julgamento do Tema n.º 709. Nos demais pontos, mantida a sentença.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor e determinar a revisão do benefício, via CEAB.



Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002818924v16 e do código CRC 83029fea.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
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5017096-32.2021.4.04.9999
40002818924.V16


Conferência de autenticidade emitida em 20/10/2021 04:01:21.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5017096-32.2021.4.04.9999/RS

RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

APELANTE: VALDIR SERGIO ZAIONS

ADVOGADO: ADRIANA GARCIA DA SILVA (OAB RS054703)

ADVOGADO: LUCIANA ZAIONS (OAB RS086387)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS HIDROCARBONETOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DIREITO À CONVERSÃO DO BENEFÍCIO EM APOSENTADORIA ESPECIAL.

1. Se a demanda precedente não analisou a especialidade do labor realizado no período ora postulado, ou ainda em decorrência do agente nocivo ora invocado, o pedido de reconhecimento da especialidade da atividade prestada, em nova demanda, para fins de concessão de aposentadoria especial, não afronta a coisa julgada.

2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.

3. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

4. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos na prestação do labor enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.

5. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente.

6. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado, titular de aposentadoria por tempo de contribuição, direito à sua conversão em aposentadoria especial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do autor e determinar a revisão do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de outubro de 2021.



Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002818925v5 e do código CRC 78364eb8.Informações adicionais da assinatura:
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5017096-32.2021.4.04.9999
40002818925 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 20/10/2021 04:01:21.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 06/10/2021

Apelação Cível Nº 5017096-32.2021.4.04.9999/RS

RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: LUCIANA ZAIONS por VALDIR SERGIO ZAIONS

APELANTE: VALDIR SERGIO ZAIONS

ADVOGADO: ADRIANA GARCIA DA SILVA (OAB RS054703)

ADVOGADO: LUCIANA ZAIONS (OAB RS086387)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 06/10/2021, na sequência 488, disponibilizada no DE de 27/09/2021.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E DETERMINAR A REVISÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 20/10/2021 04:01:21.

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