
Apelação Cível Nº 5006986-94.2024.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
R. T. interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, condenando-a ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez) por cento sobre o valor atualizado da causa (artigo 85, §3º, I, do Código de Processo Civil), cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiário da justiça gratuita ().
Alega, em síntese, que faz jus ao restabelecimento do benefício por incapacidade, haja vista ser portadora de diversas moléstias que a impedem de desempenhar a sua atividade profissional de técnica de enfermagem, situação reconhecida pelo órgão vinculado ao RPPS, que concedeu-lhe aposentadoria por invalidez. Alegou ser indevido o cancelamento do benefício por incapacidade, sem o reconhecimento da incapacidade permanente para o trabalho habitual, de modo que deveria, ao menos, ter sido submetida à reabilitação profissional. Pugnou pela reforma da sentença, mediante a concessão do benefício por incapacidade, ou o retorno dos autos à prigem para a relização de novas perícias ().
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios por incapacidade, que está previsto nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença foram tratados pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, que instituiu a Reforma da Previdência, como aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente. A nova nomenclatura já foi inserida nos artigos 43 e 71 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99), com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410/00.
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio por incapacidade temporária não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por incapacidade permanente, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que "em matéria previdenciária, é possível ao magistrado flexibilizar o exame do pedido veiculado na peça exordial, e, portanto, conceder benefício diverso do que foi inicialmente pleiteado, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto, sem que tal técnica configure julgamento extra ou ultra petita" (AgInt no AREsp 1.706.804/SP, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/06/2021, DJe de 29/06/2021).
Mérito da causa
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurada e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
A fim de verificar a presença de incapacidade, foram realizadas duas perícias médicas.
A primeira perícia, realizada por médico especialista em medicina do trabalho, em 08/10/2024 (), dá conta de que a autora, à época com 55 anos de idade (nascida em 01/11/1968), informou ser técnica de enfermagem, e estar afastada das atividades desde 2019, por incapacidade. Queixou-se de "dor nos ombros"
Após exame físico clínico, e análise dos documentos mencionados no laudo, o perito firmou o diagnostico de "lesões de ombro" (CID M 75) e "outros estados pós-cirurgico" (CID Z 98), concluindo pela inexistência de incapacidade:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Com base na anamnese, no exame físico, nos exames complementares e nos laudos apresentados a periciada não apresenta incapacidade para o trabalho. A periciada está recuperada das cirurgias para correção de síndrome do túnel do carpo à esquerda e síndrome de De Quervain. Não comprova a presença atual das doenças. A periciada não apresenta síndrome do manguito rotador e capsulite adesiva. Apresenta tendões que compõem o manguito rotador íntegros com amplitude de movimentos normal e simétrica. Não apresenta tendinite atual. A tendinopatia é uma sequela ecográfica e não representa um processo inflamatório agudo. Testes irritativos dos ombros e dos punhos negativos. Ombros sem comprometimento funcional. Não comprova tratamento fisioterápico atual. Não apresenta indicação de cirurgia. Exame físico incompatível com condição de saúde incapacitante para o trabalho. Diante do exposto, a periciada não comprova incapacidade laboral.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
A parte autora impugnou o laudo (), juntando atestado e laudo médico que determinaram a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez concedida pelo RPPS (; ).
À vista da manifestação da parte autora, o juízo a quo determinou a realização de perícia com médico especialista em ortopedia e traumatologia ().
Segundo o laudo, exarado em 03/04/2025 () a autora referiu ter trabalhado como técnica de enfermagem até 2023, tendo se queixado de "limitação no membro superior esquerdo".
O diagnóstico foi de "lesões no ombro" (CID M 75) e "sinovite e tenossinovite" (CID M 65). Após avaliação física e análise da documentação médica complementar acostada aos autos, o expert concluiu que tais patologias não acarretam incapacidade laborativa atual. Confira-se:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Autora apresenta alterações crônico-degenerativas nos exames complementares que não são afirmativas de limitação funcional incapacitante.
Não apresenta sinais clínicos de desuso crônico dos membros ou atrofia muscular.Ao exame físico não foi constatado déficit neurológico, contratura muscular ou limitação que a impeça de exercer as suas atividades habituais.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
Assim, havendo os laudos médicos oficiais concluído pela inexistência de incapacidade para o exercício de atividades laborais habituais, não há direito a benefício por incapacidade. Desse modo, a prova produzida pela demandante se mostra insuficiente para infirmar os laudos médicos judiciais apresentados.
Note-se que os peritos fizeram uma análise detalhada do histórico clinico da autora, e realizaram testes diversos de força e mobilidade para chegar à conclusão pela ausência de incapacidade, indo ao encontro da conclusão a que chegaram os médicos da autarquia ().
Logo, ainda que a autora tenha sido afastada definitivamente de suas atividades pelo RPPS (circunstância não demonstrada nos autos, pois o vínculo consta em aberto na CTPS - , e não consta no CNIS - ), a referida aposentação não induz à aposentadoria pelo RGPS, ainda que a mesma moléstia tenha sido considerada motivo da incapacitação permanente naquele regime.
Destaque-se que os peritos judiciais detêm o conhecimento científico necessário ao exame do segurado, ficando ao seu cargo a análise dos exames laboratoriais ou físicos para exarar o seu diagnóstico. A desconsideração do laudo pericial somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que coloque, efetivamente, em dúvida a conclusão do expert do juízo.
Além disso, a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho. Doença e incapacidade podem coincidir ou não, dependendo da gravidade da moléstia, das atividades inerentes ao exercício laboral e da sujeição e resposta ao tratamento indicado. Portanto, nem toda enfermidade gera a incapacidade necessária ao deferimento dos benefícios previdenciários postulados.
Por fim, cabe destacar, novamente, que os laudos foram elaborados por profissionais da confiança do juízo e especialista em medicina do trabalho e psiquiatria, detalhando, fundamentadamente, as razões por que a autora encontra-se apta a trabalhar, sendo que a atividade exercida por ela anteriormente (dona de casa) e suas condições pessoais foram levadas em consideração pelos peritos para fins de expedição dos laudos respectivos. Os laudos são válidos e suficientes, dessa forma, a embasar a presente decisão.
Conclui-se, assim, que a autora se encontra em condições para o trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da gratuidade da justiça.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005390150v8 e do código CRC ee7d0213.
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Apelação Cível Nº 5006986-94.2024.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por incapacidade permanente e ao auxílio por incapacidade temporária pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por incapacidade permanente) ou para seu trabalho habitual (auxílio por incapacidade temporária) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Se não caracterizada a inaptidão para o trabalho, é imprópria a concessão de benefício por incapacidade.
3. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005390151v3 e do código CRC 3041e5dd.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5006986-94.2024.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 772, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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