
Apelação Cível Nº 5006677-11.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
D. L. interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, que cessou em 30/06/2021, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor no art. 85, § 2°, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita ().
Sustentou que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portadora de síndrome do túnel do carpo à direita e bursite no ombro direito, condições que a impedem de exercer atividade laborativa. Registrou que o magistrado deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório e as condições pessoais da requerente. Por fim, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido o auxílio por incapacidade temporária ().
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios por incapacidade, que está previsto nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença foram tratados pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, que instituiu a Reforma da Previdência, como aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente. A nova nomenclatura já foi inserida nos artigos 43 e 71 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99), com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410/00.
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio por incapacidade temporária não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por incapacidade permanente, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que "em matéria previdenciária, é possível ao magistrado flexibilizar o exame do pedido veiculado na peça exordial, e, portanto, conceder benefício diverso do que foi inicialmente pleiteado, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto, sem que tal técnica configure julgamento extra ou ultra petita" (AgInt no AREsp 1.706.804/SP, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/06/2021, DJe de 29/06/2021).
Mérito da causa
Discute-se sobre o quadro incapacitante.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 02/10/2024 (), a autora, a qual conta atualmente 34 anos de idade (nascida em 10/05/1991), exerceu a profissão de auxiliar de produção por três anos, e encontra-se afastada de tal atividade desde 2020. Queixou-se de dor e limitação ao nível do membro superior do lado direito. Referiu que faz acompanhamento com médico e uso de medicação para alívio das dores, contudo, não realiza sessões de fisioterapia.
O diagnóstico foi de bursite do ombro (CID M75.5), síndrome do túnel do carpo (CID G56.0), mononeuropatias dos membros superiores (CID G56) e outros traumatismos de membro superior, sem nível especificado (CID T11). Após avaliação física e análise da documentação médica complementar acostada aos autos, o expert concluiu, porém, que tais patologias não acarretam incapacidade laborativa atual. Confira-se (grifei):
Atualmente, tais condições estão consolidadas, de forma que não há, do ponto de vista ortopédico, incapacidade para a atividade laboral original ou redução da capacidade laboral. Não há enquadramento no Decreto 3.048/99, que trata do auxílio acidente. Não há enquadramento na TABELA DPVAT. O periciado está apto a atividade laboral com esforço físico e sem restrição.
Por oportuno, cumpre transcrever os termos do exame físico efetuado no ato pericial, em que as condições clínicas da autora foram minudentemente analisadas:
EXAME FÍSICO
Exame físico do ombro:
Os ombros não apresentam sinais de atrofia ou de deformidades. Não há sinais de atividade inflamatória aguda. Não há sinais de aumento de volume. A mobilidade passiva dos ombros é normal e simétrica. A força muscular do manguito rotador está preservada. Não há perda de elevação anterior passiva e de rotação medial. Teste do Impacto de Neer: negativo, Teste de Impacto de Yokum: negativo, Teste de Jobe: negativo, Teste do Infraespinhal: negativo, Teste do Subescapular de Gerber: negativo, Teste da “gaveta” anterior e posterior: negativo.
Exame físico do cotovelo
Os cotovelos apresentam amplitude de movimento e tônus muscular normal e não há atrofias, não há aumento de volume ou cicatrizes cirúrgicas. A força muscular está preservada. Não sinais clínicos de tendinite ou de compressão neurológica. Testes de Cozen e Mill não estão presentes.
Exame físico de punho e mão
Os punhos apresentam amplitude de movimento e tônus muscular normal e não há atrofias nem aumento de volume. A força muscular está preservada. Não há sinais clínicos de tendinite ou de compressão neurológica. A força e a mobilidade dos dedos das mãos estão normais. Testes de Tinel, Durkan e Phalen não estão presentes. Teste de Finkelstein: negativo, Teste de flexor superficial e profundo dos dedos: preservado APRESENTA CICATRIZ DE APROXIMADAMENTE 4CM NA REGIÃO VOLAR DO PUNHO DO LADO DIREITO.
Destaque-se que o perito judicial detém o conhecimento científico necessário ao exame da segurada, ficando ao seu cargo a análise dos exames laboratoriais ou físicos para exarar o seu diagnóstico. A desconsideração do laudo pericial somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que coloque, efetivamente, em dúvida a conclusão do expert do juízo.
Embora o julgador não esteja vinculado à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo substancialmente mais relevante, o que não ocorreu no caso dos autos.
Por isso, o Código de Processo Civil estabelece:
Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito. (grifei)
Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos produzidos unilateralmente pela parte autora (, , , , e ) dos quais não se extrai, com segurança, a existência de quadro de incapacidade.
Nesse passo, a convivência com algum processo doloroso (dorsalgia) ou inflamatório (bursite), por algum momento na vida, também não ocasiona incapacidade se podem ser contornados (como quase que invariavelmente são), por medicamentos em regra. Novamente aqui, somente o perito judicial poderá, imparcialmente, diagnosticar a gravidade da doença como fator desencadeante da incapacidade.
Aqui, neste processo, isso não aconteceu, como enfaticamente foi afirmado no laudo pericial. Com efeito, não existe qualquer razão para desacreditar a perícia técnica, em favor de documentos particulares, unilateralmente, uma vez mais se diga, preponderantemente produzidos em seu favor.
É notório, assim, que todas as patologias relacionadas no processo, isoladas ou conjuntamente, podem, como afirmei, ser tratadas ou contornadas, em regra, por intervenção medicamentosa e fisioterápica, e não constituem razão para afastamento do trabalho, conforme apontou acertadamente a conclusão do auxiliar do juízo.
Reconhece-se ainda que as condições pessoais da segurada (idade, escolaridade e experiência profissional) influenciam na definição do caráter total ou parcial da incapacidade laborativa. Isso porque, embora do ponto de vista estritamente médico a segurada possa ser reabilitada para o exercício de atividade diversa, as suas condições pessoais podem inviabilizar a efetiva reinserção no mercado de trabalho. Contudo, não fora demonstrada a incapacidade, o que se coaduna com o teor das perícias realizadas, por diversas vezes, na esfera administrativa: em 06/05/2021, em 30/06/2021, e, finalmente, em 30/08/2021 ().
Assim, a percepção que teve a MMª. Juíza ao exarar a sentença deve ser mantida integralmente, pois, ainda que possa persistir alguma doença, não conduz a incapacidade alguma para o exercício de atividade profissional a que se encontrava habilitada a autora.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da gratuidade da justiça.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005342034v11 e do código CRC 008bc6fb.
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Apelação Cível Nº 5006677-11.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por incapacidade permanente e ao auxílio por incapacidade temporária pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por incapacidade permanente) ou para seu trabalho habitual (auxílio por incapacidade temporária) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a inaptidão para o trabalho, é imprópria a concessão de benefício por incapacidade.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005342035v3 e do código CRC 2194b9bf.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5006677-11.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 491, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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