
Apelação Cível Nº 5004256-48.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para concessão de aposentadoria por incapacidade permanente, condenando-o ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença ().
Sustentou que a parte autora recebe aposentadoria programada e tal concessão é irrenunciável. Referiu que "art. 181-B do Decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social) é claríssimo ao tratar da impossibilidade de renúncia de aposentadoria programada" e que a renúncia ao benefício somete poderia ocorrer antes da sua concessão. Mencionou que a desaposentação foi vedada pelo STF ao julgar o tema 503 da repercussão geral. Discorreu sobre o ato jurídico perfeito e sobre a impossibilidade de alteração unilateral deste ().
Com contrarrazões (), subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios por incapacidade, que está previsto nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença foram tratados pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, que instituiu a Reforma da Previdência, como aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente. A nova nomenclatura já foi inserida nos artigos 43 e 71 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99), com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410/00.
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio por incapacidade temporária não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por incapacidade permanente, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que "em matéria previdenciária, é possível ao magistrado flexibilizar o exame do pedido veiculado na peça exordial, e, portanto, conceder benefício diverso do que foi inicialmente pleiteado, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto, sem que tal técnica configure julgamento extra ou ultra petita" (AgInt no AREsp 1.706.804/SP, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/06/2021, DJe de 29/06/2021).
Mérito da causa
Conforme sentença proferida, foi a autarquia ré condenada a implementar a aposentadoria por invalidez a contar de 26/03/2019, assim constando o dispositivo:
3) DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por SUCESSÃO DE N. D. O. C. em face de INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para:
CONDENAR o réu a conceder o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, a contar de 26/03/2019, até a data do óbito da autora, em 14/04/2020, devendo os créditos oriundos do referido benefício serem direcionados aos herdeiros habilitados nestes autos.
CONDENAR o réu ao pagamento das parcelas atrasadas do benefício de aposentadoria por invalidez, desde 26/03/2019, até a data do óbito da autora, em 14/04/2020, autorizando-se, desde já, a compensação dos valores pagos a título de auxílio-doença no período concomitante.
De tal ponto, não houve insurgência recursal por qualquer das partes e não se trata de matéria cognoscível de ofício. Portanto, está preclusa qualquer discussão sobre o termo inicial da aposentadoria por incapacidade permanente concedida na sentença.
A alegação trazida em apelação diz respeito a possibilidade de concessão da aposentadoria por incapacidade quando a parte já é beneficiária da aposentadoria voluntária por idade.
No caso da autora, esta teve a aposentadoria voluntária por idade concedida em 26/01/2008 ():

Sobre o tema, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e, especialmente, desta Turma é firme no sentido de que é possível a concessão de aposentadoria por invalidez a quem já receba aposentadoria por tempo de contribuição, desde que preenchidos os requisitos para concessão do benefício por incapacidade ao tempo em que deferida a aposentadoria por tempo de contribuição:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. POSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. DATA. CONCESSÃO. ADICIONAL DE 25%. CABIMENTO. 1. Cabível a conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez desde que a parte autora preencha os requisitos para concessão do benefício por incapacidade na época em que concedida a aposentadoria por tempo de contribuição. 2. No caso em tela, o autor sofria de doença de Alzheimer desde antes do deferimento da aposentadoria, estando incapacitado para o labor de forma total e permanente e necessitando do auxílio de terceiros quando concedido o benefício. Preenchidos os requisitos, cabível a conversão pleiteada desde a DER. (...) (TRF4, AC 5002505-92.2018.4.04.7114, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 12/06/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRANSFORMAÇÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. MOMENTO. ADICIONAL DE 25%. 1. A conversão da aposentadoria por idade em aposentadoria por invalidez é admitida por este Tribunal, desde que comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez na época em que foi concedida a aposentadoria por idade ou aposentadoria por tempo de contribuição. 2. O STJ, ao apreciar o Tema repetitivo nº 982, fixou a seguinte tese jurídica: Comprovadas a invalidez e a necessidade de assistência permanente de terceiro, é devido o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento), previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91, a todos os aposentados pelo RGPS, independentemente da modalidade de aposentadoria. (TRF4, AC 5003337-39.2015.4.04.7112, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 01/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. possibilidade. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. 1. É possível a conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez, desde que comprovados os requisitos para a concessão desse último benefício na época em que foi deferida a aposentadoria por tempo de contribuição. Precedentes deste Tribunal. 2. Hipótese em que não há comprovação da existência de invalidez ao tempo da aposentação. (TRF4, AC 5003142-90.2016.4.04.7121, QUINTA TURMA, Relatora LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, juntado aos autos em 26/10/2017)
Não é possível, porém, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez (com ou sem acréscimo) quando a incapacidade surge após a implantação do benefício, por vedação expressa do art. 18, § 2º da Lei nº 8.213:
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
(...)
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado
Cabe ressaltar que esta artigo foi considerado constitucional pelo STF no julgamento do Tema 503 (RE 661.256), no qual foi fixada a seguinte tese:
"No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação' ou à ‘reaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91"
Portanto, considerando que a incapacidade da autora se tornou permanente apenas em 26/03/2019, mais de 10 anos após a concessão da aposentadoria por idade, deve ser reformada a sentença para julgar improcedente os pedidos, em face da impossibilidade de concessão da aposentadoria por incapacidade permanente a quem já usufrui da aposentadoria por idade.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação do INSS para julgar improcedente os pedidos.
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Apelação Cível Nº 5004256-48.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. Impossibilidade.
1. O direito à aposentadoria por incapacidade permanente e ao auxílio por incapacidade temporária pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por incapacidade permanente) ou para seu trabalho habitual (auxílio por incapacidade temporária) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Não é possível a conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez quando a incapacidade tem início após o recebimento do primeiro benefício (artigo 18, §2º, da Lei nº 8.213, considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 503).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS para julgar improcedente os pedidos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005392943v3 e do código CRC 490c5e22.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5004256-48.2025.4.04.9999/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 554, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS PARA JULGAR IMPROCEDENTE OS PEDIDOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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