
Apelação Cível Nº 5017113-68.2021.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300352-92.2018.8.24.0135/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: AUREA SOARES DOS SANTOS
ADVOGADO: GRACINDO RAFAEL GOETZ (OAB SC032910)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela autora em face de sentença que julgou improcedente seu pedido de concessão de benefício assistencial.
A sentença ressaltou que "a miserabilidade da autora [...] não restou comprovada" (evento 44).
A apelante alegou que preenche os requisitos para o recebimento do benefício (evento 48).
Foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal, por não constatar situação que justifique sua intervenção, não se manifestou sobre a sentença (evento 64).
É o relatório.
VOTO
Benefício assistencial
Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), "o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
Caso dos autos
A autora, nascida em 02/07/1945, completou 65 (sessenta e cinco) anos de idade em 02/07/2010.
O benefício assistencial foi indeferido em razão de o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS considerar que "a renda mensal bruta familiar, dividida pelo número de seus integrantes, é igual ou superior a 1/4 do salário mínimo" (NB 88/600.475.915-9; DER: 13/12/2012; evento 5, DEC2).
Para a instrução dos autos judiciais, foi realizada perícia socioeconômica.
A sentença dispôs:
[...]
No caso dos autos, o pedido administrativo, formulado em 13/12/2012, restou denegado pela ausência de constatação da situação de miserabilidade da família da demandante, conforme se infere de evento 5, informação 14.
A conclusão do estudo social realizado nos presentes autos em evento 30, por sua vez, não destoa da administrativa, porquanto fora constatado que a situação socioeconômica da autora não configura enquadramento à especial proteção, assegurada mediante a percepção do benefício de prestação continuada.
[...]
Vale lembrar que o benefício em questão não se destina a complementar a renda de pessoas pobres, mas à extirpação da miséria e à reabilitação da dignidade humana, em situações de total desamparo familiar e social, que não é o caso da parte autora.
É inegável, de conseguinte, que a miserabilidade da autora, requisito indispensável à concessão da benesse pleiteada, conforme alhures mencionado, não restou comprovada nos autos, de modo que a pretensão deve ser inacolhida, por ausência de requisito essencial a lhe dar sustentação.
[...]
Ante o exposto, com fulcro no inciso I, do art. 487, do Código de Processo Civil, extinguindo o feito com resolução do mérito, julgo improcedente o pedido formulado por Aurea Soares dos Santos contra o Instituto Nacional do Seguro Social.
[...]
Análise
Sobre as condições socioeconômicas da autora, destacam-se as seguintes informações do estudo social (evento 30):
- "o núcleo familiar da sra. Aurea é constituído por ela, Aurea Soares dos Santos, 74 anos [...] e pelo esposo [...] sr. João dos Santos, 75 anos";
- "a família reside em imóvel cedido por um dos filhos"; "a edificação é de alvenaria, a residência é grande, arejada, apresenta adequação no tangente à habitabilidade";
- a autora relatou que "sua trajetória profissional, na maior parte dela, ocorreu no ramo da agricultura"; "excetuando essa atividade profissional, ela relata não ter desempenhado mais nenhuma, dedicando-se, posteriormente, aos cuidados e atenções de que os filhos necessitavam";
- "João dedicou-se profissionalmente ao ramo da construção naval, onde aposentou-se há mais de 26 anos"; "o documento apresentado (documento bancário) indica um benefício previdenciário no valor de R$ 1.511,42 (agosto/2019)";
- foram apuradas as seguintes despesas: "luz: R$ 198,99 ; água: R$ 37,00 ; telefone: R$ 50,00 ; alimentação/mercado: R$ 800,00 (aproximadamente); taxa de coleta de lixo: R$ 27,96; gás: R$ 100,00 (aproximadamente)";
- "existem ainda despesas com questões médicas, entre elas a aquisição de medicamentos"; "alguns são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde, outros é necessário adquirir"; "os relatos são de despesas mensais de aproximadamente R$ 120,00";
- o valor das despesas corresponde a cerca de "R$ 1.340,00", "abarcando quase a totalidade dos rendimentos familiares";
- "as despesas com saúde também são compostas por exames e consultas médicas, que, em algumas oportunidades, necessitam ser pagas pela família, tanto para o sr. João, quanto para sra. Aurea. Foram apresentados recibos de exames realizados, que demandaram gastos de R$ 590,00 e de R$ 260,00";
- "Aurea relata sofrer com Osteoporose, Diabetes e pressão alta"; faz uso de "lisinato de cetoprofeno, losartana potássica, cloridrato de metformina, ihadronato de sódio, glibenclamida e ácido acetil salicílico";
- "João apresenta problemas com as veias entupidas, sendo necessária a colocação de estent"; "realiza exames com certa regularidade para verificação desse quadro"; "também apresenta problemas com pressão alta, fazendo uso das seguintes medicações: sinvastatina e AAS";
- "essas pessoas apresentam dificuldades de saúde [...] que com certeza implicam em gastos para o atendimento desta necessidade, impactando o orçamento familiar";
- "com suporte dos filhos, e não sem dificuldades, esse núcleo familiar consegue atender de forma modesta as necessidades básicas de seus integrantes e demandas de saúde".
Pois bem.
De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal, deve ser excluído do cálculo da renda familiar, para concessão de benefício assistencial, o valor de 1 salário mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por idoso com 65 anos ou mais.
O titular do rendimento, em decorrência da exclusão do valor de 1 salário mínimo de sua renda, não será considerado na composição familiar para efeito do cálculo da renda per capita.
Neste sentido: TRF4, AC 5021463-70.2019.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 13/12/2019; TRF4, AC 5038528-50.2016.4.04.7100, Sexta Turma, Relator Artur César de Souza, juntado aos autos em 12/12/2017.
No caso dos autos, verifica-se que:
- conforme dados do estudo social e do sistema Plenus-INSS, a renda mensal do marido da autora, proveniente de aposentadoria por tempo de contribuição, corresponde a 1,5 salário mínimo (NB 42/055.405.261-0, com início em 1993);
- na data do requerimento administrativo formulado pela autora, seu marido contava 69 (sessenta e nove) anos de idade;
- o marido da autora, em decorrência da exclusão do valor de 1 salário mínimo de seus rendimentos, não será considerado na composição familiar para efeito do cálculo da renda per capita;
- para fins de cálculo da renda per capita, tem-se que a autora conta com 0,5 salário mínimo.
Contudo, há que se considerar que o Supremo Tribunal Federal (RE 567985/MT) declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, relativizando o critério objetivo definido naquele dispositivo, devendo a insuficiência financeira das famílias ser aferida individualmente, conforme as peculiaridades de cada caso.
No caso dos autos, deve ser levado em consideração que:
- a autora e seu marido contam, respectivamente, 76 (setenta e seis) e 77 (setenta e sete) anos de idade;
- as despesas mensais básicas apuradas pelo estudo social correspondem a valor pouco inferior aos rendimentos do grupo familiar;
- o estudo social não computou despesas básicas tais como a aquisição de vestuário e outros bens necessários;
- o estudo social salientou que, além das despesas básicas mensais, há gastos significativos com "exames e consultas médicas", tendo sido apresentados "recibos de exames realizados, que demandaram gastos de R$ 590,00 e de R$ 260,00".
Deste modo, constata-se que os rendimentos permitem ao grupo familiar custear apenas as despesas mensais básicas, não sendo suficientes para cobrir as despesas adicionais de tratamentos de saúde.
Nestes termos, tem-se que o grupo familiar da autora se encontra em situação de risco social, por hipossuficiência econômica.
Assim, preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão de benefício assistencial à autora desde a data do requerimento administrativo (13/12/2012), observando-se, nos termos da Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, a prescrição das "prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação".
Correção monetária
No caso de benefícios assistenciais, a atualização monetária das prestações vencidas que constituem objeto da condenação será feita, a partir de 30/06/2009, com base na variação mensal do IPCA-E (Tema 810 do STF, de observância obrigatória).
Juros moratórios
Os juros moratórios, devidos desde a data da citação, serão calculados, a partir de 30/06/2009, mediante a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/2009).
Custas processuais
Nas ações que tramitam perante a Justiça do Estado de Santa Catarina, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS é isento das custas e emolumentos (artigo 33, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 156/1997).
Honorários advocatícios
Condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a pagar honorários advocatícios, observando-se o seguinte:
a) sua base de cálculo corresponderá ao valor da condenação, observado o enunciado da súmula nº 76, deste Tribunal ("Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência");
b) será aplicado o percentual mínimo estabelecido para cada uma das faixas de valores previstas no parágrafo 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil;
c) quando mais de uma faixa de valores for aplicável, será observado o disposto no artigo 85, § 5º, do mesmo Código.
Honorários recursais
Os honorários recursais estão previstos no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, que possui a seguinte redação:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
No julgamento do Agravo Interno nos Embargos de Divergência em REsp nº 1.539.725, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os requisitos para que possa ser feita a majoração da verba honorária, em grau de recurso.
Confira-se, a propósito, o seguinte item da ementa do referido acórdão:
5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso dos autos, não se encontrando presentes tais requisitos, não é cabível a fixação de honorários recursais.
Tutela específica
A 3ª Seção deste Tribunal firmou o entendimento no sentido de que, esgotadas as instâncias ordinárias, faz-se possível determinar o cumprimento da parcela do julgado relativa à obrigação de fazer, que consiste na implantação do benefício concedido ou restabelecido, para tal fim não havendo necessidade de requerimento do segurado ou dependente ao qual a medida aproveita (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).
Louvando-me no referido precedente e nas disposições do artigo 497 do Código de Processo Civil, determino a implantação do benefício no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002809799v77 e do código CRC b9eb43bf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 8/10/2021, às 18:39:22
Conferência de autenticidade emitida em 16/10/2021 12:01:44.

Apelação Cível Nº 5017113-68.2021.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300352-92.2018.8.24.0135/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: AUREA SOARES DOS SANTOS
ADVOGADO: GRACINDO RAFAEL GOETZ (OAB SC032910)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), "o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
2. Considerando o preenchimento do requisito etário, e estando caracterizada a situação de risco social, é devida a concessão de benefício assistencial à autora.
3. Tutela específica deferida, para fins de implantação do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002809800v4 e do código CRC 07e25b5f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 8/10/2021, às 18:39:22
Conferência de autenticidade emitida em 16/10/2021 12:01:44.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2021 A 08/10/2021
Apelação Cível Nº 5017113-68.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: AUREA SOARES DOS SANTOS
ADVOGADO: GRACINDO RAFAEL GOETZ (OAB SC032910)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2021, às 00:00, a 08/10/2021, às 16:00, na sequência 1517, disponibilizada no DE de 22/09/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 16/10/2021 12:01:44.