BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA. TRF4. 5000894-98.2013...

1. O direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e no art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) condição socioeconômica que indique miserabilidade; ou seja, a falta de meios para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

2. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz.

3. Reconhecida pelo STF, em regime de repercussão geral, a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), que estabelece critério econômico objetivo, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar em sede de recursos repetitivos, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família, autorizador ou não da concessão do benefício assistencial.

4. In casu, não foram preenchidos os requisitos incapacidade e hipossuficiência familiar, razão pela qual é de ser mantida a sentença de improcedência.

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, condenando-se a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, suspenso em razão da assistência judiciária gratuita concedida.

O apelante, em suas razões, sustenta que o laudo é obscuro, pois informa que o autor apresenta doença neurológica, mas tem capacidade para a prática laboral. Aduz que apresenta doenças incuráveis, geradoras de incapacidade total e permanente, conforme atestados médicos colacionados aos autos.

O Ministério Público opinou pelo desprovimento da apelação do autor, porquanto não comprovada a incapacidade e a hipossuficiência familiar (evento 5-TRF4, Parecer1).

Com contrarrazões, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Trata a presente ação do direito da parte autora à percepção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, e regulado pela Lei 8.742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

A Carta Magna instituiu o benefício assistencial ao portador de deficiência e ao idoso nos seguintes termos:

A Lei 8.742/1993 regulou a matéria em seu art. 20, conforme transcrição a seguir:

Com as mudanças introduzidas pelas Leis 12.435/2011 e 12.470/2011, o referido art. 20 passou a ter a seguinte redação:

No que pertine aos idosos, especificamente, o art. 38 da mesma Lei, com a redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30 de novembro de 1998, dispunha (antes de ser revogado pela Lei 12.435/2011) que a idade prevista no art. 20 seria diminuída para 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Esta idade sofreu nova redução, para 65 anos, pelo art. 34, caput, da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso).

Assim, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento de dois requisitos:

a) condição de pessoa com deficiência - incapacidade para a vida independente e para o trabalho, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme disposto na atual redação do dispositivo em comento; ou condição de pessoa idosa - idade superior a 65 anos (a partir de 1º de janeiro de 2004).

b) condição socioeconômica - ausência de meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Do conceito de família

O conceito de família, para fins de cálculo da renda per capita para concessão do benefício assistencial, modificou-se ao longo do tempo.

- Em sua redação original, o § 1º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelecia que:

- Em 30 de novembro de 1998, foi promulgada a Lei nº 9.720, que deu a seguinte redação àquele dispositivo, bem mais restritiva:

- Já o referido art. 16 da Lei de Benefícios dispunha que:

- Outra alteração, introduzida pela Lei 12.435/2011, estabeleceu novo conceito de família, in verbis:

Embora mais amplo, o conceito atual não contempla todos os desenhos familiares existentes na sociedade contemporânea. A sua interpretação literal pode levar o julgador a contrariar o objetivo da norma constitucional, que prevê socorro do Poder Público ao portador de deficiência e ao idoso que não tenham condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela sua família.

No mesmo sentido é o entendimento de Luciano Meneghetti Pereira, que consigna que, para atender ao mandamento constitucional, não é possível uma interpretação puramente literal e restritiva do conceito de família do § 1º, art. 20, da LOAS, "sob pena de incorrer-se em injustiças e macular a intenção constitucional que estabeleceu o benefício" (in "Análise crítica do benefício de prestação continuada e a sua efetivação pelo Judiciário". Brasília, Revista CEJ, n. 56, jan./abr. 2012, p. 19. Disponível em: .

Assim, tenho que o rol de integrantes da família elencados na legislação ordinária não é taxativo, merecendo uma análise acurada no caso concreto.

Da condição socioeconômica

O art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, tanto em sua redação original quanto após as modificações introduzidas pelas Leis 12.435/2011 e 12.470/2011, estabelece que é considerada hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idosa cuja família possua renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz, conforme estampa a ementa pertinente:

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu, por maioria, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 (LOAS), assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

Nessa senda, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar em sede de recursos repetitivos, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família, autorizador ou não da concessão do benefício assistencial.

A parte autora protocolizou requerimento administrativo para obtenção de benefício assistencial em 27/09/2004 (evento 1, Indeferimento8), indeferido sob o argumento de que não preenchidos os requisitos. A presente ação foi proposta em 21/01/2013.

No caso dos autos, a perícia médica indicou que o autor, 22 anos, é portador de epilepsia, não havendo incapacidade para o labor, desde que não exerça atividades que ofereçam risco, como operar máquinas, trabalhar em altura e dirigir (eventos 54 e 67). Atestado juntado aos autos aponta que o requerente encontrava-se em tratamento para epilepsia em outubro de 2010 (evento 1, Lau9).

A partir destas informações, não está configurada a incapacidade para o trabalho.

In casu, o estudo social, realizado em 04/07/2013, informou que residiam na mesma casa à época: o autor, Cleiton (22 anos); seu pai, Luiz Breno (53 anos); sua mãe, Silvia (42 anos); e a irmã, Queila (25 anos). A renda familiar era, na data da perícia, de R$ 2.200,00, proveniente da aposentadoria do pai no valor de R$ 1.000,00 e do trabalho da mãe e da irmã na produção de calçados em casa como prestadoras de serviço à indústria, atividade que rendia R$ 1.200,00 mensais (evento 52).

A assistente social afirmou que a família vivia em uma casa própria, de alvenaria, com dois pisos, muito confortável e de bom gosto, localizada na cidade de Rolante/RS. As boas condições da residência foram comprovadas por meio de fotografias constantes do laudo. Quanto às despesas mensais, referiu que eram aplicados R$ 160,00 em energia elétrica, R$ 30,00 em água, R$ 400,00 em alimentos, R$ 85,00 em gás e R$ 280,00 em financiamento em uma madeireira para compra do material para construção da casa (faltam 11 parcelas).

A mãe do autor informou que aos três anos Cleiton teve meningite e, a partir de então, passou a ter crises epilépticas. Relatou que os remédios utilizados pelo requerente são obtidos na rede pública de saúde. A conclusão da assistente social foi pela inexistência de situação de vulnerabilidade social (evento 52).

Com base em tais informações, depreende-se que não há hipossuficiência familiar.

Em vista disso, uma vez que não preenchidos os requisitos autorizadores da concessão do benefício, deve ser mantida a sentença de improcedência.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da parte autora.

É o voto.

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/07/2015, na seqüência 179, disponibilizada no DE de 09/07/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.