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Apelação Cível Nº 5015607-23.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENECI FATIMA SCARLEE
RELATÓRIO
GENECI FATIMA SCARLEE ajuizou ação de procedimento comum contra o INSS, postulando a concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência.
Processado o feito, sobreveio sentença () com o seguinte dispositivo:
Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos nesta ação previdenciária ajuizada por GENECI FATIMA SCARLEE, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, para o efeito de condenar o réu a implantar em favor da autora o benefício assistencial ao portador de deficiência, nos termos da Lei 8.742/93 c/c art. 34 da Lei 10.741/03, no importe de um salário-mínimo mensal, e efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde a cessação administrativa (26/10/2015) até a data de implementação do benefício, ressalvada a prescrição quinquenal e abatidos eventuais valores pagos administrativamente, com atualização dos valores nos moldes da fundamentação supra.
As parcelas vencidas devem ser corrigidas/atualizadas pelo INPC, com juros de mora de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, consoante julgamento do STF, RE n. 870.947 [Tema 810].
Por conseguinte, CONFIRMO a tutela de urgência anteriormente concedida.
Fica autorizado, desde já, o desconto de valores percebidos a esse título.
O INSS arcará com custas (que devem ser calculadas por metade) e das despesas processuais, além de honorários advocatícios, devidos ao patrono da autora, os quais, com fundamento no art. 85, § 3º, do NCPC, vão fixados em 10% sobre o valor atualizado das parcelas vencidas até a presente data.
Apela o INSS ().
Alega que o impedimento de longo prazo exigido para a concessão do benefício é aquele que “produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos” (art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/93). Aduz que houve uma mudança nos critérios e nos procedimentos de avaliação da deficiência para fins de concessão benefício assistencial, sendo necessária uma avaliação multidisciplinar feita por médico e por assistente social, incluindo o indivíduo no contexto biopsiquicossocial. Diz que os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada devem ser cumulativos - impedimento a longo prazo somado à renda mensal per capita do grupo familiar, o qual é um critério objetivo.
Com contrarrazões.
O MPF opinou pelo desprovimento do apelo ().
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.
Mérito
Pontos controvertidos
Nesta instância, é controvertido o seguinte ponto:
- O preenchimento dos requisitos autorizadores à concessão do benefício assistencial.
Do Benefício Assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, é de flexibilizar-se os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Outrossim, está sedimentado na jurisprudência o entendimento de que, no cálculo da renda familiar para concessão do benefício assistencial, devem ser excluídos:
a) o benefício de renda mínima, previdenciário ou assistencial, recebido por idoso com mais de 65 anos;
b) o valor de um salário mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por idoso com mais de 65 anos; e
c) o benefício assistencial recebido por pessoa com deficiência de qualquer idade.
Note-se que, havendo a supressão da renda, o seu titular deve também ser excluído da divisão para fins de obtenção da renda per capita.
Nesse sentido, já decidiu a Quinta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA IDOSA. REANÁLISE DO PEDIDO ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. EXCLUSÃO. CÔNJUGE IDOSO. POSSIBILIDADE. TEMA 640 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). 1. Deve ser anulado o ato administrativo que computa, na renda per capita familiar, o valor do benefício de um salário-mínimo recebido pelo cônjuge idoso, a fim de que o pedido de concessão de benefício assistencial seja reanalisado. 2. Exclui-se do cálculo da renda familiar a aposentadoria de um salário-mínimo recebida pelo cônjuge idoso, conforme teste firmada pelo STJ no Tema 640: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. (TRF4, AC 5002880-61.2020.4.04.7102, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/06/2021)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. EXCLUSÃO. 1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo. 2. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso e o benefício assistencial recebido por outro membro da família de qualquer idade. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). 3. Remessa necessária desprovida. (TRF4 5013369-66.2020.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 16/09/2021)
Exame do caso concreto
Busca a autora a concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, o qual foi indeferido na esfera administrativa ( - p.27) sob o fundamento de que a requerente não atende aos critérios legais de deficiência.
Realizada perícia médica ( - p.34/38), o expert, especialista em psiquiatria, consignou:
Conclusão: com incapacidade permanente para toda e qualquer atividade.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 1978
- Data a partir da qual foi possível constatar que a incapacidade era permanente: 2018
- Justificativa: Entrevista psiquiátrica
- Há necessidade de acompanhamento permanente de terceiros? Não
- A parte apresenta incapacidade para os atos da vida civil? Sim
O perito mencionou, ainda, que a autora é portadora de retardo mental moderado (CID 10 F71) desde a infância.
Elaborada avaliação socioeconômica ( - p.7/11), a assistente social concluiu:
ANÁLISE:
Dona Geneci está vivendo está vivendo uma situação de miserabilidade neste momento, em sua fala chegou a dizer a vontade de tirar a própria vida pelo fato de não ter o que comer.
A senhora Geneci não tem estudo relatou que não consegue trabalhar devido a sua fragilidade, não sabe ler.
Foi sugerido que seu filho Tiago a procurar um emprego para que possam ter um pouco de qualidade de vida, porém Tiago tem medo que sua mãe fique sozinha devido aos problemas, mas que ela apresenta e diz que irá tirar a própria vida.
Com base na prova produzida nos autos, a sentença entendeu no sentido de conceder o benefício, nos seguintes termos:
A análise dos autos evidencia a presença das condições da ação, assim como dos pressupostos de regular constituição e desenvolvimento válido do processo.
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial, previsto na Lei nº 8.742/93, alegando a autarquia demandada que o segurado, ao tempo do pedido administrativo, não preenchia os requisitos previstos no referido diploma legal.
Conforme dispõe o art. 20 do aludido diploma legal, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.435/11, o benefício da prestação continuada é garantido “à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.”
Além disso, o § 3º do mesmo dispositivo legal diz que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.”
Pois bem. O benefício em tela, previsto na Carta Política de 1988 (art. 203, CF), tem como finalidade a adoção de política visando o atendimento ao mínimo existencial, voltada aos segmentos de portadores de deficiência e idosos.
Depreende-se do laudo médico juntado (evento 02, OUT - INST PROC 10, fls. 34/38), que a parte autora é portadora de retardo mental moderado (F 71), estando a autora inapta aos atos da vida civil e de realizar qualquer labor, de forma total e definitiva, necessitando de cuidados intensos de terceiros.
Por sua vez, o estudo social das fls. 08/11 do evento 02, OUT - INST PROC 11, aponta que a "dona Geneci está vivendo uma situação de miserabilidade neste momento, em sua fala chegou a dizer a contade de tirar a própria vida pelo fato de não ter o que comer". Ademais, restou verificado pela Assistente Social que o núcleo familiar era composto por duas pessoas, a parte autora e filho, o qual se encontrava desempregado. Na ocasião, verificou-se que a renda mensal do núcleo familiar é composto por R$ 410,00, correspondente aos valores auferidos do Programa Bolsa Família (R$ 160,00) e da venda de roupas usadas (R$ 250,00). As despesas da família são em média, de R$ 302,07 (R$ 74,28 - luz, R$ 27,79 - água e R$ 200,00 - alimentação). A residência possui dois quartos, sala e cozinha juntas e um banheiro, e é oriunda da municipalidade, sendo que a autora, desde que ganhou, não conseguiu pagar as parcelas
Destaco que, sob a ótica social, podemos concluir que a família em estudo, possui uma condição financeira muito limitada. Ressalto que, inobstante a renda da família seja superior a 1/4 do valor do salário mínimo per capita, mostra-se inteiramente insuficiente para assegurar-lhes o mínimo de qualidade e dignidade de vida, que a Constituição Federal proclama como direito básico da pessoa humana.
Calha ressaltar que o entendimento das Cortes Superiores, com precedentes do STJ, é que o limite de ¼ do salário mínimo como renda familiar per capita representa apenas um parâmetro objetivo de miserabilidade, podendo ser excedido se o caso concreto assim o justificar, como na hipótese dos autos, em que o laudo socioeconômico revela a situação de carência em que vive a parte autora e sua família, de modo que a renda per capita não afasta a sua necessidade de receber o amparo assistencial. Neste sentido, o julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS. RENDA FAMILIAR PER CAPITA SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO NÃO ABSOLUTO. NECESSIDADES TERAPÊUTICAS E CONDIÇÕES DE VIDA PRECÁRIAS. VULNERABILIDADE MANIFESTA. 1. O direito ao benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da Lei 8.742/93; ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 01.01.2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, a parte autora tem direito ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal. 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, relativizou o critério econômico previsto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, admitindo a aferição da miserabilidade da pessoa deficiente ou idosa por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz. 4. O conjunto de fatores concretos tais como renda per capita inferior ou igual à metade do salário-mínimo, condições de vida muito modestas e prementes necessidades terapêuticas resultam em situação de risco social, configurando hipótese na qua o benefício assistencial não é complemento de renda, mas meio de atenuar situação de manifesta vulnerabilidade e implementar um mínimo de dignidade, cumprindo previsão do art. 4º, III, da Lei 8.742/1993 e do art. 1º, III, da CF/1988. 5. Em face da recente decisão do Supremo Tribunal Federal concedendo efeito suspensivo aos embargos de declaração no RE nº 870.947, a definição do índice de correção monetária sobre os valores atrasados deve ser diferida para a fase de execução/cumprimento da sentença. (TRF4, AC 5019435-03.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 27/05/2019 – grifei)
Conclui-se, dessa maneira, que a parte autora preenche todos os requisitos legais para auferir o indigitado benefício.
Isso porque, do ponto de vista econômico, não restam dúvidas de que o requerente e sua família estão muito próximos da miserabilidade, considerando o relato feito pela assistente social que lavrou o estudo social antes mencionado.
Por sua vez, do ponto de vista médico restou evidente que a autora não possui capacidade laborativa, além de sequer ser apto para praticar os atos da vida civil.
Ressalte-se que, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que o indivíduo não possua extrema dificuldade para a vida diária, ele pode ser considerado não apto para o mercado de trabalho, por não conseguir se sustentar, se a doença o impossibilita de garantir a sua subsistência.
Dessa forma, o conjunto que se apresenta revela que a situação vivenciada pela parte autora preenche os requisitos legais previstos para a concessão do benefício.
Nada a rever, portanto, na sentença cujos fundamentos adoto como razões de decidir.
Consectários legais. Correção monetária e juros de mora.
Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Tema 905 (REsp n.º 1.495.146), interpretando o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947), as condenações judiciais previdenciárias sujeitam-se à atualização monetária pelo INPC:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Dessa forma, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme os seguintes índices e respectivos períodos:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E.
Os juros de mora incidem a contar da citação, conforme Súmula 204 do STJ, da seguinte forma:
- 1% ao mês até 29/06/2009;
- a partir de então, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Registre-se que, quanto aos juros de mora, não houve declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 870.947 pelo STF. Ainda, cabe referir que devem ser calculados sem capitalização.
Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.
Honorários recursais
Considerando o disposto no art. 85, § 11, CPC, e que está sendo negado provimento ao recurso ou não sendo conhecido, majoro os honorários fixados na sentença em 20%, respeitados os limites máximos das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85.
Tutela específica - imediata implantação do benefício
Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC/2015, correspondente ao art. 461 do CPC/1973, e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, fica determinado ao INSS o imediato cumprimento deste julgado, mediante implantação do benefício.
Requisite a Secretaria desta Turma, à Central Especializada de Análise de Benefícios - Demandas Judiciais (CEAB-DJ-INSS-SR3), o cumprimento desta decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 30 dias úteis:
| Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
| NB | 701.903.286-0 |
| Espécie | B87 |
| DIB | 26/10/2015 |
| DIP | 1º dia do mês da implantação |
| DCB | - |
| RMI / RM | a apurar |
| Observações | |
Caso o benefício já tenha sido concedido por força de tutela provisória, altera-se agora o fundamento para tutela específica.
Por fim, faculta-se ao beneficiário manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Apelo do INSS desprovido.
Adequada, de ofício, a sentença quanto aos consectários legais.
Determinada a implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS, adequar, de ofício, a sentença quanto aos consectários legais e determinar a implantação do benefício, via CEAB-DJ.
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Apelação Cível Nº 5015607-23.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENECI FATIMA SCARLEE
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. É de flexibilizar-se os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
3. A Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS, adequar, de ofício, a sentença quanto aos consectários legais e determinar a implantação do benefício, via CEAB-DJ, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de abril de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/04/2023 A 18/04/2023
Apelação Cível Nº 5015607-23.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ORLANDO MARTELLO JUNIOR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENECI FATIMA SCARLEE
ADVOGADO(A): PAULO CESAR SCHENCKEL (OAB RS090107)
ADVOGADO(A): ANA PAULA FORMENTON (OAB RS095441)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/04/2023, às 00:00, a 18/04/2023, às 16:00, na sequência 331, disponibilizada no DE de 28/03/2023.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS, ADEQUAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA QUANTO AOS CONSECTÁRIOS LEGAIS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB-DJ.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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