
Apelação Cível Nº 5000324-83.2020.4.04.7200/SC
RELATORA Juíza Federal ALINE LAZZARON
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de tempo de serviço especial e de concessão de aposentadoria.
O dispositivo da sentença recorrida foi proferido nos seguintes termos (Evento 46, SENT1):
"Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora, extinguindo o processo com resolução do mérito, com fulcro no artigo 487, II, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e de honorários advocatícios, que, em razão do trabalho efetivo pelos advogados vencedores (adaptação de contestação para o caso concreto e acompanhamento processual), arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Por ter sido deferido o benefício da assistência judiciária (evento 03), fica suspensa a exigibilidade enquanto perdurar o benefício."
Nas razões recursais (Evento 52, APELAÇÃO1), a parte autora sustenta, em síntese, que a sentença incorreu em erro de julgamento ao desconsiderar a prova emprestada, consistente em laudos periciais judiciais realizados na própria empresa empregadora, que atestam a exposição a ruído acima dos limites de tolerância e a poeiras de algodão.
Argumenta que tais provas, por serem imparciais, devem prevalecer sobre o PPP, documento unilateral que não reflete a realidade laboral. Alega, ainda, cerceamento de defesa e pugna pela reforma da sentença para julgar a ação procedente ou, subsidiariamente, pela sua anulação para reabertura da instrução processual.
Com as contrarrazões (Evento 55), vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
I - Análise do Mérito
A matéria devolvida a este Tribunal cinge-se a analisar a suficiência do conjunto probatório, notadamente o valor da prova pericial emprestada, para o reconhecimento da especialidade dos períodos de 09/08/1993 em diante, laborados pela autora na empresa Malwee Malhas Ltda.
Do reconhecimento da atividade especial - Prova emprestada vs. PPP
A parte recorrente alega que o juízo a quo errou ao valorar as provas, desconsiderando laudos periciais judiciais que demonstram a realidade do ambiente de trabalho em detrimento de um PPP que não seria fidedigno.
No caso concreto, o juízo de primeira instância julgou o pedido improcedente por entender que o PPP, por ser documento contemporâneo, prevalece sobre a prova pericial emprestada.
No ponto, assim fundamentou a sentença:
"Ocorre que, diante de tal divergência, entendo que a prova material elaborada pelo empregador deve prevalecer, porquanto se trata de avaliação ambiental realizada de forma contemporânea ao labor prestado à época, enquanto o laudo pericial judicial em questão apresenta data de realização extemporânea cuja conclusão, ainda que observe determinadas situações fáticas da época do labor (em sua maioria prestadas de forma unilateral pelo segurado), acaba, invariavelmente, levando em consideração as condições ambientais atuais. (...) Tem-se que o formulário preenchido pela empresa empregadora, com observância das exigências formais determinadas pela legislação vigente à época, reveste-se de presunção relativa de veracidade a qual somente é afastada quando efetivamente demonstrada irregularidade em seu preenchimento, o que não é o caso dos presentes autos."
Com a devida vênia, a sentença merece reforma.
É entendimento consolidado nesta Corte que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) possui presunção de veracidade juris tantum, a qual pode ser elidida por outros meios de prova idôneos que demonstrem a efetiva realidade das condições de trabalho do segurado.
No caso em apreço, a autora instruiu a inicial com laudos periciais judiciais produzidos em outras ações previdenciárias, mas que foram realizados nas dependências da mesma empresa empregadora (Malwee Malhas Ltda.) e no mesmo setor de "Costura" onde laborou durante todo o período controvertido.
Tais documentos, elaborados por peritos de confiança do juízo e sob o crivo do contraditório, possuem valor probatório robusto e são aptos a infirmar as informações constantes no PPP.
O primeiro laudo (Processo nº 5000351-88.2010.4.04.7209, Evento 1, LAUDO8) analisou o ambiente de trabalho e, com base em PPRA de 2003 da empresa, registrou a existência de máquinas de costura produzindo níveis de pressão sonora que variavam de 72 dB(A) a 94,5 dB(A). O segundo laudo (Processo nº 5006823-66.2014.4.04.7209, Evento 1, LAUDO9) realizou medição por dosimetria e apurou uma média ponderada de 85,17 dB(A), com dose de exposição de 102,32%.
Ambos os laudos judiciais também constataram a presença de poeiras respiráveis (poeira de algodão) no ambiente, agente químico prejudicial à saúde, cuja exposição era habitual e permanente.
Ademais, os próprios laudos e as declarações juntadas no Evento 41 atestam a ocorrência de significativas mudanças no layout e nos maquinários da empresa ao longo dos anos, o que fragiliza o principal fundamento da sentença, a prevalência do PPP por sua suposta contemporaneidade.
Uma avaliação ambiental recente não pode, de fato, refletir com precisão as condições de trabalho existentes há 10, 20 ou 30 anos, especialmente em um parque fabril que sofreu modernização.
Nesse contexto, os laudos periciais judiciais emprestados se mostram como a prova mais fidedigna para a análise do caso, sobrepondo-se ao PPP apresentado. Tais provas demonstram, de forma inequívoca, que a autora esteve exposta:
a) a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância vigentes para todo o período (80 dB(A) até 05/03/1997; 90 dB(A) de 06/03/1997 a 18/11/2003; 85 dB(A) a partir de 19/11/2003);
b) a poeiras vegetais (algodão), agente que também enseja o reconhecimento da especialidade, conforme jurisprudência pacífica desta Corte.
Quanto ao uso de EPI, para o agente ruído, a sua eficácia é presumidamente afastada, nos termos do decidido pelo STF no Tema 555 e por esta Corte no IRDR 15. Para as poeiras, os laudos indicam que não havia fornecimento de proteção respiratória.
Portanto, a apelação merece provimento para reconhecer como especial todo o período laborado pela autora, de 09/08/1993 até a data do requerimento administrativo (22/02/2019).
Do Recálculo do Tempo de Contribuição e da Concessão do Benefício
Com o reconhecimento da especialidade do período de 09/08/1993 a 22/02/2019, a parte autora totaliza 25 anos, 6 meses e 13 dias de tempo de serviço exclusivamente em condições especiais.
Assim, faz jus à concessão do benefício de Aposentadoria Especial, a contar da DER (22/02/2019).
II - Consectários, Honorários e Prequestionamento
Consectários Legais
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC a partir de 04/2006 (Lei 11.430/06).
A partir de 09/12/2021, para todos os fins (correção, juros e compensação da mora), incidirá a taxa SELIC, conforme o art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021.
Honorários Advocatícios
Com a reforma da sentença, inverto os ônus da sucumbência para condenar o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, nos termos da Súmula 111 do STJ e da Súmula 76 deste Tribunal.
Prequestionamento
Para fins de acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as questões e os dispositivos legais invocados pelas partes, nos termos dos artigos 1.022 e 1.025 do CPC, evitando-se a oposição de embargos de declaração com propósito de prequestionamento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para reformar a sentença e julgar procedente o pedido, condenando o INSS a: a) reconhecer e averbar como tempo de serviço especial o período de 09/08/1993 a 22/02/2019; b) conceder o benefício de Aposentadoria Especial, com DIB em 22/02/2019 e RMI a ser calculada na forma da lei; c) pagar as parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos da fundamentação; e d) pagar os honorários advocatícios, fixados nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por ALINE LAZZARON, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005415729v5 e do código CRC b5e473ed.
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Apelação Cível Nº 5000324-83.2020.4.04.7200/SC
RELATORA Juíza Federal ALINE LAZZARON
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. PROVA EMPRESTADA. PREVALÊNCIA SOBRE O PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO (PPP). RUÍDO E POEIRA DE ALGODÃO. RECURSO PROVIDO.
1. A controvérsia consiste em definir o valor probatório e a prevalência entre o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), documento unilateral do empregador, e laudos periciais judiciais produzidos em outros processos contra a mesma empresa, utilizados como prova emprestada para comprovar a especialidade do labor.
2. A presunção de veracidade do PPP é relativa (juris tantum) e pode ser elidida por outros meios de prova que demonstrem a realidade das condições de trabalho, em observância ao princípio da primazia da realidade.
3. Laudos periciais produzidos em juízo, ainda que em outros processos (prova emprestada), possuem valor probatório robusto quando realizados na mesma empresa e setor, pois são elaborados por peritos de confiança do juízo e de forma imparcial, sendo aptos a se sobrepor às informações do PPP.
4. No caso concreto, os laudos judiciais emprestados comprovaram que a autora esteve exposta a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância (94,5 dB(A) e 85,17 dB(A)) e a poeiras respiráveis (poeira de algodão), agentes nocivos que caracterizam a especialidade da atividade.
5. O argumento da contemporaneidade do PPP é fragilizado pela comprovação de que houve significativas alterações no layout e nos maquinários da empresa ao longo do tempo, tornando a prova pericial, mesmo que extemporânea, mais fidedigna para retratar as condições de trabalho pretéritas.
6. Apelação provida para reformar a sentença, reconhecer a especialidade do período de 09/08/1993 a 22/02/2019 e conceder o benefício de Aposentadoria Especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 1 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para reformar a sentença e julgar procedente o pedido, condenando o INSS a: a) reconhecer e averbar como tempo de serviço especial o período de 09/08/1993 a 22/02/2019; b) conceder o benefício de Aposentadoria Especial, com DIB em 22/02/2019 e RMI a ser calculada na forma da lei; c) pagar as parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos da fundamentação; e d) pagar os honorários advocatícios, fixados nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/10/2025 A 27/10/2025
Apelação Cível Nº 5000324-83.2020.4.04.7200/SC
RELATORA Juíza Federal ALINE LAZZARON
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/10/2025, às 00:00, a 27/10/2025, às 16:00, na sequência 311, disponibilizada no DE de 09/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 1, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 1 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, CONDENANDO O INSS A: A) RECONHECER E AVERBAR COMO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL O PERÍODO DE 09/08/1993 A 22/02/2019; B) CONCEDER O BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA ESPECIAL, COM DIB EM 22/02/2019 E RMI A SER CALCULADA NA FORMA DA LEI; C) PAGAR AS PARCELAS VENCIDAS, ACRESCIDAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO; E D) PAGAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, FIXADOS NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO Juíza Federal ALINE LAZZARON
Votante Juíza Federal ALINE LAZZARON
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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