
Apelação Cível Nº 5000222-28.2020.4.04.7211/SC
RELATORA Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de tempo de serviço especial e de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
O dispositivo da sentença recorrida foi proferido nos seguintes termos (Evento 50, SENT1):
"Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos da petição inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (CPC, artigo 487, inciso I).
Não há condenação do INSS em custas, tendo em vista o disposto no §1º, art. 8º, da Lei n. 8.620/93.
Concedo à parte autora os benefícios da justiça gratuita.
Condeno o autor ao pagamento das curas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa."
Nas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, o direito ao reconhecimento da especialidade do labor no período de 01/07/1995 a 31/12/2002, por exposição a agentes nocivos (ruído, radiações não ionizantes e periculosidade por inflamáveis). Argumenta que a prova documental (PPP e LTCAT) e o indicador de recolhimento de contribuição adicional (IEAN) foram mal valorados pelo juízo a quo.
Subsidiariamente, postula a concessão de aposentadoria pela regra de transição do pedágio de 50% (art. 17 da EC 103/2019), com reafirmação da DER para a data de implementação dos requisitos.
Com as contrarrazões (Evento 59), vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
I - Análise do Mérito
A controvérsia recursal cinge-se a analisar o direito da parte autora ao reconhecimento da especialidade do labor no período de 01/07/1995 a 31/12/2002 e, consequentemente, à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Do reconhecimento da atividade especial (01/07/1995 a 31/12/2002)
A parte recorrente alega que o labor no período controvertido deve ser reconhecido como especial, pois esteve exposta a ruído, radiações não ionizantes e periculosidade por inflamáveis.
No caso concreto, o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido por entender que a exposição aos agentes nocivos era, no máximo, intermitente e não habitual e permanente.
No ponto, assim fundamentou a sentença:
"A exposição ao ruído excessivo não foi habitual e permanente, porque só existente no setor da fábrica, sendo que as principais atividades do autor eram executadas no almoxarifado (setor do escritório).
De igual modo, porque o autor não agregava a função de soldador, é possível concluir que o contato com a radiação não ionizante (provavelmente calor oriundo do maçarico) e com o oxiacetileno (maçarico oxiacetileno) era, no máximo, intermitente.
(...) Assim, não é devida a especialidade nesse período, porque não havia exposição habitual e permanente aos agentes nocivos."
A decisão merece reforma.
O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) demonstra que, no período de 01/07/1995 a 31/12/2002, na função de "PCO Almoxarifado", o autor realizava "atividades de movimentação de matérias-primas, (recebimento. conferencia, armazenagem e distribuição)".
O mesmo documento atesta a exposição a ruído "acima de 85 dB (A) na fábrica" e a radiações não ionizantes por "Maçarico oxiacetileno". A apelação ainda aponta que o LTCAT, juntado aos autos, registra a presença de inflamáveis no setor de trabalho do autor.
A conclusão da sentença de que a exposição não era habitual e permanente contraria a descrição das atividades do autor.
A "movimentação", "recebimento" e "distribuição" de matérias-primas são tarefas que, por sua natureza, exigem a circulação e permanência em diversas áreas da planta industrial, incluindo a fábrica e áreas de armazenamento, não se restringindo a um ambiente de escritório.
Ademais, no que tange à periculosidade pela exposição a inflamáveis, a análise é qualitativa. O risco de acidente (incêndio ou explosão) é inerente e constante para todos os trabalhadores que atuam na área de risco, não se exigindo contato direto e ininterrupto com o agente para a configuração da especialidade. Nesse sentido:
Atividades que submetem o trabalhador a riscos acentuados em virtude da exposição a inflamáveis são consideradas perigosas. O rol de atividades perigosas é exemplificativo (STJ Tema 534 - REsp 1306113/SC). Exposição Não Ocasional/Intermitente: Inexiste necessidade de exposição durante toda a jornada de trabalho, pois o desempenho de funções em áreas de armazenamento ou manuseio de substâncias inflamáveis denota risco potencial sempre presente, inerente à própria atividade (TRF4). Transporte de Inflamáveis: A atividade de transporte de substâncias inflamáveis também pode ser enquadrada como especial em razão da periculosidade inerente (item 16.6 da NR-16 do Ministério do Trabalho e Emprego). EPI e Periculosidade: Para periculosidade (eletricidade, vigilante, inflamáveis), não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI (TRF4, IRDR Tema 15).(TRF4, AC 5013313-71.2022.4.04.7000, 10ª Turma , Relator para Acórdão LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, julgado em 05/08/2025)
O mesmo raciocínio se aplica à exposição a radiações não ionizantes e fumos metálicos provenientes de solda, cuja nocividade é reconhecida pela simples presença no ambiente de trabalho. Nessa direção:
As radiações não ionizantes (como a decorrente da solda elétrica) podem ser consideradas insalubres, conforme o Anexo VII da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego. Rol Exemplificativo e Fontes Artificiais: A ausência de previsão expressa das radiações não ionizantes no rol de agentes nocivos a partir do Decreto n. 2.172/97 não exclui a possibilidade de reconhecimento da especialidade do labor, em face da Súmula 198 do TFR. Contudo, a radiação deve ser proveniente de fontes artificiais.(TRF4, AC 5016646-31.2022.4.04.7000, 10ª Turma , Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI , julgado em 05/08/2025).
Por fim, cumpre registrar que, para a maior parte do período em análise (até 02/12/1998), a discussão sobre a eficácia do EPI é irrelevante para o afastamento da especialidade, conforme tese fixada por este Tribunal no IRDR Tema 15.
Dessa forma, comprovada a exposição a agentes nocivos de análise qualitativa (periculosidade e radiações não ionizantes), cuja nocividade é presumida e permanente, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer a especialidade do labor no período de 01/07/1995 a 31/12/2002.
Do direito à Aposentadoria por Tempo de Contribuição
Com o reconhecimento da especialidade do período de 01/07/1995 a 31/12/2002 (7 anos, 6 meses e 0 dias) e sua conversão em tempo comum pelo fator 1,4, há um acréscimo de 3 anos ao tempo de contribuição do autor.
Conforme o Resumo de Cálculo do INSS, na DER (29/05/2017), o autor possuía 32 anos, 1 mês e 25 dias de tempo de contribuição. Somando-se o acréscimo da conversão (3 anos), o tempo total na DER alcança 35 anos, 1 mês e 25 dias.
Portanto, o autor preenchia os requisitos para a concessão da Aposentadoria por Tempo de Contribuição na data do requerimento administrativo. Fica prejudicada, por conseguinte, a análise do pedido subsidiário de reafirmação da DER e concessão do benefício pelas regras da EC 103/2019.
II - Consectários, Honorários e Prequestionamento
Consectários Legais
Os consectários legais devem ser fixados, quanto aos juros, nos termos do que definido pelo STF no julgamento do Tema 1170. No que tange à correção monetária, até 08/12/2021, deve ser aplicado o INPC (Lei 11.430/06).
A partir de 09/12/2021, incidirá a taxa SELIC, para todos os fins (correção, juros e compensação da mora), conforme o art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021.
Honorários Advocatícios
Com a reforma da sentença e a procedência do pedido, inverto os ônus da sucumbência. Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios. A base de cálculo será o valor da condenação, limitado às parcelas vencidas até a data de prolação desta decisão (Súmula 111 do STJ e Súmula 76 do TRF4).
O percentual dos honorários será definido em fase de liquidação de sentença, observando-se os critérios e faixas de escalonamento previstos no artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil.
Prequestionamento
Para fins de acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as questões e os dispositivos legais invocados pelas partes, nos termos dos artigos 1.022 e 1.025 do CPC, evitando-se a oposição de embargos de declaração com propósito de prequestionamento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para reformar a sentença para: a) reconhecer a especialidade do labor no período de 01/07/1995 a 31/12/2002, convertendo-o em tempo comum, e b) condenar o INSS a conceder o benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição desde a DER (29/05/2017), pagando as parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e juros de mora.
Documento eletrônico assinado por ANA RAQUEL PINTO DE LIMA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005414832v3 e do código CRC 5e42ccec.
Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA RAQUEL PINTO DE LIMAData e Hora: 29/10/2025, às 14:46:18
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Apelação Cível Nº 5000222-28.2020.4.04.7211/SC
RELATORA Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. PERICULOSIDADE (INFLAMÁVEIS) E RADIAÇÕES NÃO IONIZANTES. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE COMPROVADA. REQUISITOS PARA APOSENTADORIA PREENCHIDOS NA DER. RECURSO PROVIDO.
1. A controvérsia consiste em definir se a exposição do segurado a agentes nocivos de análise qualitativa, periculosidade (inflamáveis) e radiações não ionizantes (maçarico oxiacetileno), no exercício de suas atividades em almoxarifado industrial, caracteriza o labor como especial, ainda que a sentença tenha afastado a habitualidade e permanência da exposição.
2. A descrição das atividades no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), como "movimentação de matérias-primas, recebimento, conferência, armazenagem e distribuição", demonstra que a circulação do trabalhador em áreas de risco (fábrica e armazenamento) era inerente e habitual à sua função, afastando a conclusão da sentença de que a exposição era meramente intermitente.
3. A exposição aos agentes periculosidade (inflamáveis) e radiações não ionizantes enseja o reconhecimento da especialidade mediante análise qualitativa. O risco de acidente por inflamáveis é permanente e não exige contato direto e ininterrupto, sendo a presença na área de risco suficiente para a caracterização. O mesmo se aplica à exposição a radiações, cuja nocividade é reconhecida pela presença no ambiente de trabalho.
4. Com o reconhecimento da especialidade do período controvertido e a respectiva conversão em tempo comum, o tempo de contribuição total do autor na DER alcança 35 anos, 1 mês e 25 dias, preenchendo o requisito para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição desde então.
5. Apelação da parte autora provida para reformar a sentença e conceder o benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição a partir da DER (29/05/2017).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 1 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para reformar a sentença para: a) reconhecer a especialidade do labor no período de 01/07/1995 a 31/12/2002, convertendo-o em tempo comum, e b) condenar o INSS a conceder o benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição desde a DER (29/05/2017), pagando as parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por ANA RAQUEL PINTO DE LIMA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005414833v3 e do código CRC cb1afbe2.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/10/2025 A 27/10/2025
Apelação Cível Nº 5000222-28.2020.4.04.7211/SC
RELATORA Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/10/2025, às 00:00, a 27/10/2025, às 16:00, na sequência 48, disponibilizada no DE de 09/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 1, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 1 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA REFORMAR A SENTENÇA PARA: A) RECONHECER A ESPECIALIDADE DO LABOR NO PERÍODO DE 01/07/1995 A 31/12/2002, CONVERTENDO-O EM TEMPO COMUM, E B) CONDENAR O INSS A CONCEDER O BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DESDE A DER (29/05/2017), PAGANDO AS PARCELAS VENCIDAS, ACRESCIDAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
Votante Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
Votante Juíza Federal ALINE LAZZARON
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas