
Apelação Cível Nº 5016708-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação interposta pelo réu INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, contra a sentença () que julgou parcialmente procedente o pedido para:
"III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, com base no art. 487, I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por N. V. contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para fins de:
a) DECLARAR que a autora exerceu atividade rural em regime de economia familiar no período de 20.04.1977 a 27.10.1987 (10 anos, 06 meses e 08 dias);
b) DECLARAR o direito da autora à averbação dos períodos entre 28.10.1987 a 04.01.1988; 02.08.1988 a 25.12.1991; 07.01.1992 a 15.09.1995; 21.01.2013 a 06.12.2017; 20.02.1996 a 29.03.1996; 06.05.1996 a 28.11.2000; 06.05.2008 a 08.07.2010; 02.05.2002 a 24.11.2004 e 01.03.2011 a 17.08.2012 como de exercício de atividade especial, e convertê-los em tempo comum pelo fator de conversão 1,2, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição;
c) CONCEDER à parte requerente a aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do pedido administrativo (06.12.2017 - Evento 6, INIC1, fl. 80); e
d) CONDENAR o réu ao pagamento das diferenças desde a data em que deveria ter sido pago o benefício previdenciário (06.12.2017 - Evento 6, INIC1, fl. 80), corrigidas monetariamente pelo INPC desde tal data, e acrescidas de juros aplicados à caderneta de poupança, uma única vez, até o efetivo pagamento, sem capitalização, desde a citação (31.07.2018 - Evento 6, INIC1, fl. 82).
Sucumbente em parte ínfima a parte autora, o réu é isento do pagamento da Taxa Única, mas pagará honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, considerando a natureza da causa e o tempo de tramitação da demanda, forte no artigo 85, §§ 2º e 8º, do CPC."
Nas razões recursais, o INSS sustenta a inexistência da comprovação do tempo rural e da exposição dos agentes nocivos conforme legislação, propugnando pela reforma da sentença afastando a conversão e reconhecimento do tempo especial. Por fim, discute a data de início dos efetis financeiros ().
Com as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINARMENTE
Razões Dissociadas
No que tange ao recurso do INSS, considero que inexiste interesse recursal quanto à especialidade por enquadramento em categoria profissional (item 6 do apelo).
Com efeito, os interregnos recorridos foram reconhecidos como tempo de serviço especial na sentença em razão da exposição a agente químico.
Desse modo, não se evidencia o binômio necessidade e utilidade, que visa a obter em segundo grau de jurisdição uma decisão que lhe seja mais favorável.
Assim, deixo de conhecer do recurso quanto à impugnação do enquadramento em categoria profissional, passando à análise quanto aos demais pontos.
NO MÉRITO
(i) Tempo Rural
Em seu apelo, o INSS refere que a parte autora não comprovou a lide campesina.
A sentença reconheceu o tempo rural levando em consideração a prova documental somada à prova testemunhal, como segue:
a.1) Do Trabalho Rural:
Os documentos acostados com a exordial e aqueles juntados no processo administrativo revelam que a autora laborava na condição de agricultora e que residia em área rural no período descrito na inicial (Evento 6, INIC1, fls. 67/79).
Por sua vez, as testemunhas inquiridas na justificação administrativa (Evento 30, OUT2) também roboraram a afirmação da demandante de que no período referido na peça portal a família da autora vivia em regime de agricultura familiar.
Dessa forma, concluo que o acervo probatório se presta a suprir o disposto no § 3º do art. 55 da lei nº 8.213/91, in verbis:
"Art. 55 - § 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Dessa forma, merece ser reconhecido o tempo de labor rural de 20.04.1977 a 27.10.1987.
Descabe o apelo do INSS.
De fato, os documentos de , págs. 67 a 79 e de são início de prova material do trabalho rural, o qual é confirmado pelos depoimentos das testemunhas ouvidas (, págs. 51 a 56).
O art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, bem como o art. 127, V, do Decreto nº 3.048/99, expressamente autorizam o aproveitamento do tempo de serviço rural trabalhado até 31/10/1991, sem que se faça necessário o recolhimento das contribuições previdenciárias para a averbação de tempo de contribuição, exceto no que se refere à carência.
Ainda, o art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, estendeu a condição de segurado a todos os integrantes do grupo familiar que laboram em regime de economia familiar, sem a necessidade de recolhimento das contribuições quanto ao período exercido antes da Lei nº 8.213/91 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10-11-2003).
Tratando-se de trabalhador rural e de pescador artesanal, a jurisprudência atenuava a exigência de prova material, flexibilizando a Súmula n° 149 do Superior Tribunal de Justiça, que impedia a concessão do benefício com base apenas em prova oral. Contudo, a 1ª Seção daquele Tribunal, ao julgar o Tema n° 297 de seus Recursos Repetitivos, reafirmou a Súmula, e afastou o abrandamento ao decidir com força vinculante que: "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".
Acerca do termo inicial da prova documental, de acordo com a tese elaborada no Tema n° 638 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça: "Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório".
Assim, não há necessidade de que o início da prova material abranja integralmente o período postulado, sendo suficiente que seja contemporâneo ao reconhecimento que se pretende, desde que ampliada por prova testemunhal convincente.
O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, admitindo-se a inclusão de documentos em nome de terceiros, integrantes do grupo familiar, conforme a Súmula nº 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Outrossim, adota-se o entendimento firmado na Súmula nº 41 da Turma Nacional de Uniformização, in verbis: "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto."
Verifica-se que a parte autora apresentou provas documental e testemunhal capazes de atestar a atividade rural desempenhada pelo seu grupo familiar nos períodos reconhecidos em sentença, conforme acima referido.
Desta forma, não merece reforma a sentença.
Nego provimento ao recurso de apelação do INSS.
(ii) Tempo Especial
A controvérsia recursal cinge-se ao reconhecimento do tempo rural na atividade laboral da parte autora.
A sentença de origem reconheceu a especialidade, fundamentando que:
"No tocante às modalidades probatórias, saliento que sendo impossível a realização de perícia no local onde as atividades foram desempenhadas, admite-se a perícia indireta ou por similitude.
De igual modo em relação a laudos similares e prova emprestada, consoante pacífico entendimento jurisprudencial do Eg. TRF da 4ª Região.
Dessa forma, ante o regramento mencionado e em razão do contexto probatório dos autos, tenho que a parte autora demonstrou as atividades insalubres desenvolvidas, ante a prova pericial produzida em juízo, sob o crivo do contraditório.
Períodos laborados em condições especiais
As atividades desempenhadas em condições insalubres restaram comprovadas em relação aos empregadores e respectivos períodos que seguem, conforme Laudo Pericial (Evento 6, OUT2, fls. 32/109):


Assim, considerando a especialidade reconhecida, bem como o período apurado até a DER (06.12.2017 - Evento 6, INIC1, fl. 80), tem-se o seguinte caso concreto:
| Períodos reconhecidos como de atividade especial | Tempo Comum |
| Calçados Kitoki Ltda. - 28.10.1987 a 04.01.1988 | 2 meses e 7 dias |
| Calçados Sandra Ltda. - 02.08.1988 a 25.12.1991 | 3 anos, 4 meses e 24 dias |
| Calçados Sandra Ltda. - 07.01.1992 a 15.09.1995 | 3 anos, 8 meses e 9 dias |
| Calçados Sandra Ltda. - 21.01.2013 a 06.12.2017 | 4 anos, 10 meses e 16 dias |
| Calçados Diana Ltda. - 20.02.1996 a 29.03.1996 | 1 mês e 10 dias |
| Calçados Marte Ltda. - 06.05.1996 a 28.11.2000 | 4 anos, 6 meses e 23 dias |
| Calçados Marte Ltda. - 06.05.2008 a 08.07.2010 | 2 anos, 2 meses e 3 dias |
| Calçados Nereu Ltda. - 02.05.2002 a 24.11.2004 | 2 anos, 6 meses e 23 dias |
| Calçados Juarez Ltda. - 01.03.2011 a 17.08.2012 | 1 ano, 5 meses e 17 dias |
| Total | 23 anos e 12 dias |
Com o exposto, examino o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição requerido pela parte autora. (...)"
A decisão do juízo a quo não merece reparos. A análise probatória foi precisa e a conclusão está em plena consonância com a jurisprudência consolidada nesta Corte.
A orientação desta Corte Federal está assim sedimentada quanto ao reconhecimento do tempo especial diante da exposição ao agente nocivo:
AGENTES QUÍMICOS (ÓLEOS, GRAXAS, HIDROCARBONETOS)
A exposição a hidrocarbonetos aromáticos, como óleos e graxas de origem mineral, é qualitativa, pois se trata de agentes químicos reconhecidamente cancerígenos, conforme a Portaria Interministerial nº 9/2014 e o Anexo 13 da NR-15. A utilização de EPI, ainda que atenue a exposição, não é capaz de neutralizar completamente o risco, conforme decidido pelo TRF4 no IRDR Tema 15. (TRF4, AC 5071483-41.2019.4.04.7000, 10ª Turma , Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI , julgado em 05/08/2025
Pelos fundamentos expostos na sentença, que adoto como razões de decidir, e em conformidade com a jurisprudência desta Corte, é de ser mantido o reconhecimento da especialidade do labor nos períodos controvertidos.
(iii) Data de Início dos Efeitos Financeiros
Adota-se o decidido no Tema 1124 do STJ, devendo o termo inicial dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ser a data da citação válida, tal qual determinado na sentença.
II - Honorários e Prequestionamento
Honorários Advocatícios Recursais Tendo em vista o desprovimento do recurso do INSS, majoro os honorários de sucumbência em 20%(vinte por cento), sobre o valor fixado na sentença, em observância ao disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Prequestionamento Para fins de acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as questões e os dispositivos legais invocados pelas partes, nos termos dos artigos 1.022 e 1.025 do CPC, evitando-se a oposição de embargos de declaração com propósito de prequestionamento.
Dispositivo
Voto por negar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005435781v12 e do código CRC f01ad46c.
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Apelação Cível Nº 5016708-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL E ESPECIAL. Data de Início dos Efeitos Financeiros.
1.Verifica-se que a parte autora apresentou provas documental e testemunhal capazes de atestar a atividade rural desempenhada pelo seu grupo familiar nos períodos reconhecidos em sentença, logo, nada a reparar.
2. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
3. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova. A contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
4. Comprovado nos autos a exposição da parte autora a agente nocivo, correta a sentença, conforme orientação delineada por esta Corte Federal.
5. Adota-se o decidido no Tema 1124 do STJ, devendo o termo inicial dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ser a data da citação válida, tal qual determinado na sentença.
6. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 2 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de novembro de 2025.
Documento eletrônico assinado por MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005435782v4 e do código CRC 3f92d054.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 04/11/2025
Apelação Cível Nº 5016708-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PROCURADOR(A) JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 04/11/2025, na sequência 650, disponibilizada no DE de 22/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 2, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 2 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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