
Apelação Cível Nº 5000068-65.2020.4.04.7031/PR
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação interposta pelo réu INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, contra a sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por O. D. A., nos seguintes termos:
(...)
Ante o exposto, declaro a carência de ação por falta de interesse processual no tocante ao pedido de reconhecimento do(s) período(s) de 01.01.1987 a 23.07.1991, afasto a prejudicial de mérito e JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para reconhecer o trabalho rural realizado no(s) período(s) de 24.09.1979 a 31.08.1984, bem como o trabalho realizado em condições especiais no(s) período(s) de 14.11.1995 a 15.05.1996, condenando o INSS a averbá-lo(s) como tal(is) e a converter o(s) último(s) pelo fator 1,4. Condeno, ainda, a autarquia previdenciária a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 1806950488), a partir da data de 23/03/2017 (DIB), tudo nos termos da fundamentação, e ao pagamento das parcelas vencidas, com os acréscimos legais nos termos do julgamento pelo Plenário do STF, em 20/09/2017, nos autos do Recurso Extraordinário n. 87947 (DJ N. 26, DE 25/09/2017), isto é, correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora a contar da citação consoante remuneração da poupança, observado, no que for compatível, o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal.
Considerando a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento dos honorários advocatícios à parte contrária.
Nos termos do art. 85, §§2º e 3º do Código de Processo Civil, considerando a natureza, a complexidade e a importância da causa, o grau de zelo e o trabalho desempenhado pelos advogados/procuradores, fixo em 10% do valor do condenação até o limite de 200 (duzentos) salários mínimos, em 8% sobre o valor que ultrapassar 200 salários mínimos e até o limite de 2.000 salários mínimos, em 5% sobre o valor que ultrapassar 2.000 salários mínimos e até o limite de 20.000 salários mínimos, em 3% sobre o valor que ultrapassar 20.000 salários mínimos e até o limite de 100.000 salários mínimos; e em 1% sobre o valor que superar 100.000 salários mínimos. Do montante a ser apurado com base nesses critérios, deverá o INSS pagar ao advogado da parte autora o correspondente a 50%. Por outro lado, deve a parte autora pagar aos Procuradores do INSS o correspondente a 50%, observada em relação a ela, entretanto, os benefícios da assistência judiciária gratuita.
A base de cálculo da verba honorária restringe-se às parcelas vencidas até a data da sentença, na forma da Súmula nº. 111 do STJ.
Sem custas processuais no caso concreto, tendo em vista a isenção da autarquia previdenciária, bem como por se tratar de parte autora beneficiária da justiça gratuita.
Caso haja recurso dentro do prazo legal e, comprovado o recolhimento das custas processuais devidas, se for o caso, intime-se a parte contrária para contrarrazões. Após, apresentadas ou não as contrarrazões, remeta-se o presente processo eletrônico ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Nos demais casos, à Secretaria para observância dos artigos 496 e 1009 e seguintes do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se os autos.
Nas razões recursais o INSS sustenta, em síntese: (i) inexistência de início de prova material idôneo para o período rural, com menção a registros laborais do genitor no CNIS; (ii) quanto ao tempo especial, alega extemporaneidade do laudo, ausência de informação de temperatura no PPP e exposição apenas intermitente a frio, o que afastaria a habitualidade e permanência; (iii) eventualmente, discorre sobre alteração/retroação da DIB e limitação do art. 122 da Lei 8.213/91.
Com as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do tempo de serviço rural
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), que pode ser complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991; Recurso Especial Repetitivo 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Atividade especial
Para fins de reconhecimento da especialidade, aplicam-se as normas vigentes à época da prestação do serviço, e que então definiam o que era atividade especial e a forma de comprovação.
A análise das sucessivas alterações legislativas relativas ao trabalho especial permite vislumbrar, basicamente, três momentos distintos:
[i] até 28/04/1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91, em sua redação original (arts. 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor;
[ii] a partir de 29/04/1995, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, entre esta data e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei nº 8.213/91, passou a ser necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
[iii] a contar de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei nº 8.213/1991 pela MP nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Vale ressaltar que, além dessas hipóteses de enquadramento, é sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica. Sob esse aspecto, é de observar que as perícias realizadas por similaridade ou por aferição indireta das circunstâncias de trabalho têm sido amplamente aceitas em caso de impossibilidade da coleta de dados in loco para a comprovação da atividade especial [STJ, REsp 1.397.415/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 20/11/2013]. E a eventual extemporaneidade dos formulários e laudos periciais não prejudica a prova da especialidade, pois presume-se que o nível de insalubridade atual não seja superior ao da época da prestação do serviço, ante as melhorias derivadas do progresso tecnológico e das inovações de medicina e segurança do trabalho [TRF4, APELREEX 5015284-77.2011.404.7000, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 18/10/2012; TRF4, 5001089-85.2010.404.7012, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Rogerio Favreto, D.E. 12/06/2012].
Além disso, é possível o reconhecimento da especialidade do labor, conquanto não se saiba o tempo exato de exposição ao agente insalutífero. Não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral. Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho [TRF4, EINF 2007.71.00.046688-7, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011].
Equipamentos de proteção individual - EPI
A utilização de equipamento de proteção apto a neutralizar os efeitos da exposição do trabalhador a agente nocivo à saúde descaracteriza o labor em condições especiais [STF, Tema nº 555].
Excetuam-se desse entendimento [i] as atividades desenvolvidas antes de 03/12/1998, quando alterada a redação do art. 58, § 2º, da Lei nº 8.213/1991; [ii] enquadramento por categoria profissional; [iii] a exposição habitual e permanente aos agentes nocivos [iii.a] ruído; [iii.b] calor; [iii.c] radiações ionizantes; [iii.d] reconhecidamente cancerígenos, previstos na LINACH; [iii.e] biológicos, observada a atualização do Manual da Aposentadoria Especial, editado pelo INSS em 2018; [iv] trabalho sob condições hiperbáricas ou ar comprimido; e [v] periculosidade [v.g., STF, Tema nº 555 e TRF4, IRDR nº 15].
Em qualquer caso, a nocividade somente restará constatada pela efetiva exposição do segurado ao agente físico, químico ou biológico - ou sua associação -, aferida a partir das circunstâncias, fontes e meios de liberação, vias de absorção, intensidade, frequência e duração do contato [art. 68, § 2º, do RPS], independentemente de se tratar de abordagem qualitativa.
A simples presença do agente no ambiente de trabalho, sem efetiva exposição ou potencial nocivo, não autoriza o enquadramento da atividade como especial.
De outro norte, havendo divergência real ou dúvida razoável sobre a real eficácia do EPI, provocadas por impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial [TNU, Tema Representativo nº 213].
Caráter exemplificativo das listas de atividades e agentes nocivos
À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais [STJ, Tema Repetitivo nº 534].
Para se ter por comprovada a exposição a agente nocivo que não conste do regulamento, é imprescindível a existência de perícia judicial ou laudo técnico apto, nos termos da Súmula nº 198 do extinto TFR, a qual, embora editada na vigência de legislação previdenciária já revogada, permanece válida.
Agente nocivo: frio
A exposição ao frio é nociva quando proveniente de fontes artificiais, com temperaturas inferiores a 12ºC (Código 1.1.2 dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79). Rol Exemplificativo: Embora não previsto expressamente nos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, o rol de agentes nocivos é exemplificativo, e a atividade pode ser reconhecida como especial pela exposição ao frio insalubre se houver comprovação do risco (Súmula nº 198 do TFR, REsp 1429611/RS). Habitualidade e Permanência: A habitualidade e permanência devem considerar a constante entrada e saída do trabalhador da câmara fria durante a jornada de trabalho, e não apenas a permanência dentro dela. EPI e Frio: A questão da eficácia do EPI para o agente frio é controversa e, em geral, o TRF4 (IRDR Tema 15) considera que, assim como o calor, a exposição ao frio artificial pode ensejar o reconhecimento da especialidade independentemente do EPI (TRF4, AC 5075824-13.2019.4.04.7000, 10ª Turma, Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI , julgado em 05/08/2025).
Caso concreto
Fixadas as premissas acima, passa-se à análise da especialidade das atividades desempenhadas pela autora nos períodos controvertidos.
A sentença reconheceu o seguinte:
(...)
- Do trabalho rural:
- Provas do trabalho rural
Desde logo saliento a impossibilidade de averbação de atividade rural após 24/07/1991 sem o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas. Após essa data, a atividade rural não contributiva só pode ser aproveitada pelo segurado especial para a concessão de aposentadoria por invalidez, por idade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, salário-maternidade e pensão por morte, no valor de um salário-mínimo, nos termos do que dispõe o Art. 39 da Lei 8213/91. Caso pretenda a concessão de outra espécie de benefício que não as previstas no referido dispositivo legal, deve o segurado verter contribuições ao RGPS como segurado facultativo. Nesse sentido a Súmula 272 do STJ: “O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas”. No caso dos autos, observo que no período posterior a 24/07/1991 (Lei 8.213/91) não há comprovação de que a parte autora tenha efetuado qualquer recolhimento à Previdência, razão pela qual não faz jus à averbação pretendida a partir de então.
Em se tratando de reconhecimento de tempo de serviço rural para fins de averbação e concessão do benefício pretendido, dada a precariedade de que usualmente se reveste a respectiva prova, tendo em vista, no mais das vezes, o transcurso de várias décadas, tenho entendido que o termo inicial do período a ser reconhecido deve corresponder à data indicada no primeiro documento validamente aceito como início de prova material.
Coerentemente, era de rigor que o termo final correspondesse, também, ao último documento carreado aos autos que indicasse a dedicação da parte autora às lides rurais. Tudo sempre tendo em vista a segurança na valoração da prova.
Todavia, a Lei n. 13.846/19, alterando a Lei n. 8.213/91, introduziu inovação que permite a consideração de períodos para além dos limites a que acima me referi.
Assim, em complementação ao início de prova material apresentado e atendendo ao despacho do evento nº. 12, a parte autora apresentou a autodeclaração do evento nº. 17, onde reforça o alegado na inicial e fornece detalhes sobre o grupo familiar e a atividade exercida. Como explicitado no referido despacho, o art. 38-B, § 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91 instituiu um novo sistema de prova da atividade rural, que pode dispensar a oitiva de testemunhas. A autodeclaração, tal como disciplinada internamente pelo INSS em obediência à LBPS, pode fornecer elementos que se combinam com a prova material e com as informações constantes de cadastros públicos, de modo a comprovar o alegado pelo segurado. Foi o que ocorreu no caso concreto.
No referido documento, a parte autora assevera que trabalhou no meio rural até 1984, com indicação dos componentes do grupo familiar, o modo como o trabalho era desenvolvido e os dados referentes às respectivas propriedades rurais. Por outro lado, observo que não existe, no presente feito, qualquer elemento apto a demonstrar que não houve trabalho rural pela parte autora no intervalo em questão.
Forte, portanto, nessa orientação, considero que, no caso presente, o(s) período(s) passível(is) de ser(em) judicialmente reconhecido(s) deve(m) ser 24.09.1979 a 31.08.1984, com base nos títulos eleitorais do genitor do autor, Sr. Juraci de Abreu, datado de 1966, constando a sua profissão como agricultor, e do próprio autor, datado de 1986, constando a sua profissão como lavrador, com residência na Faz. Água do Bugre e, enfim no teor da autodeclaração.
Assim, impõe-se a averbação do(s) período(s) compreendido(s) entre 24.09.1979 a 31.08.1984.
- Do tempo de serviço especial
Inicialmente, em face da revogação da Súmula 16 pela Turma Nacional de Uniformização, revejo entendimento anterior sobre a matéria e concluo pela possibilidade de reconhecimento/conversão para tempo comum da atividade especial realizada após 28 de maio de 1998.
Outro aspecto que merece especial atenção é o que diz respeito à forma pela qual deverá se dar a prova da atividade especial. Neste sentido, é importante salientar que, até 28/04/1995 (dia anterior à vigência da Lei 9.032/95), eram duas as formas de se considerar o tempo de serviço especial: 1) com base na atividade profissional ou grupo profissional do trabalhador, cujas profissões, uma vez inseridas nos Anexos dos Decretos nºs 53.831/1964 e 83.080/1979, presumiam-se exercidas sob condições agressivas ou perigosas; 2) ante a demonstração de submissão, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes insalubres arrolados na legislação pertinente, comprovada pela descrição no antigo formulário SB-40. Com a edição da Lei 9.032/95 foi retirada da legislação vigente a previsão da atividade profissional como fator de enquadramento da atividade especial, restando determinada a comprovação da efetiva sujeição aos agentes agressivos, por meio dos formulários SB-40 ou DSS-8030 e, a partir da edição da Medida Provisória n. 1.523, de 11/10/1996 (DOU 14/10/1996), também por laudo técnico, permitindo-se, a partir de então, apenas a conversão do tempo especial em comum. Com a edição da Lei 9.528/97, a partir de 05/03/1997, os agentes agressores deviam figurar no rol do Decreto 2.172/97 (que regulamentou a referida lei) e, após, no rol trazido pelo Anexo IV do Decreto 3.048/99.
Quanto ao agente ruído, cumpre referir que pelo Decreto nº 53.831/64, o elemento ruído começou a ser considerado como prejudicial à saúde, desde que acima de 80 db. Em 1979, o Decreto nº 83.080/79 passou a considerar como atividade insalubre o trabalho realizado em exposição permanente a ruído acima de 90 db. Essa limitação de 90 db foi mantida pelo Decreto nº 2.172/97 e pelo atual Decreto nº 3.048/99.
Para uniformizar os procedimentos observados para a concessão da aposentadoria especial, o próprio INSS editou as Ordens de Serviço 600/98 e 612/98, regulamentando a forma de enquadramento e comprovação do exercício de atividade especial.
O item 5.1.7 da OS 612 dispôs, em seus itens "a" e "b", que até 05.03.1997 o limite de ruído a ser observado é de 80 decibéis e, após esta data, de 90 decibéis.
Com o advento do Decreto nº. 4.882/2003, reconheceu-se, emprestando nova redação ao item 2.0.1 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, que o ruído em níveis superiores a 85 decibéis já ocasiona danos ao trabalhador.
O E. STJ, em incidente de uniformização, decidindo a petição n. 9.059/RS, assim estabeleceu:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ÍNDICE MÍNIMO DE RUÍDO A SER CONSIDERADO PARA FINS DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ÍNDICE SUPERIOR A 85 DECIBÉIS PREVISTO NO DECRETO N. 4.882/2003. IMPOSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. INCIDÊNCIA DO ÍNDICE SUPERIOR A 90 DECIBÉIS NA VIGÊNCIA DO DECRETO N. 2.172/97. ENTENDIMENTO DA TNU EM DESCOMPASSO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Incidente de uniformização de jurisprudência interposto pelo INSS contra acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais que fez incidir ao caso o novo texto do enunciado n. 32/TNU: O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 e, a contar de 5 de março de 1997, superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, quando a Administração Pública reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice de ruído.
2. A contagem do tempo de trabalho de forma mais favorável àquele que esteve submetido a condições prejudiciais à saúde deve obedecer a lei vigente na época em que o trabalhador esteve exposto ao agente nocivo, no caso ruído. Assim, na vigência do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, o nível de ruído a caracterizar o direito à contagem do tempo de trabalho como especial deve ser superior a 90 decibéis, só sendo admitida a redução para 85 decibéis após a entrada em vigor do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003. Precedentes: AgRg nos EREsp 1157707/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 29/05/2013; AgRg no REsp 1326237/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 13/05/2013; REsp 1365898/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 17/04/2013; AgRg no REsp 1263023/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 24/05/2012; e AgRg no REsp 1146243/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 12/03/2012.
3. Incidente de uniformização provido.
Considerando ser pacífica a matéria, passo a adotar as diretrizes fixadas no julgado supra.
Somente a título de esclarecimento quanto aos protetores auriculares, entendo que seu fornecimento - com ou sem utilização efetiva - não impede a conversão do tempo de contribuição, se superado o limite regulamentar. A doutrina especializada já vem ensinando há algum tempo que os protetores auriculares não são suficientes para afastar por completo a nocividade do ruído. "Lesões auditivas induzidas pelo ruído fazem surgir o zumbido, sintoma que permanece durante o resto da vida do segurado e, que, inevitavelmente, determinará alterações na esfera neurovegetativa e distúrbio do sono. Daí a fadiga que dificulta a sua produtividade. Os equipamentos contra ruído não são suficientes para evitar e deter a progressão dessas lesões auditivas originárias do ruído, porque somente protegem o ouvido dos sons que percorrem a via aérea. O ruído origina-se das vibrações transmitidas para o esqueleto craniano e através dessa via óssea atingem o ouvido interno, a cóclea e o órgão de Corti." (Irineu Antonio Pedrotti, Doenças Profissionais ou do Trabalho, LEUD, 2ª ed., São Paulo, 1998, p. 538).
Assim, não há que se falar em incidência do art. 58, § 2º, da LBPS, tendo em vista que o equipamento de proteção, no caso do ruído, não afasta a nocividade do agente.
Lembro, por fim, que a Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais já conta com posicionamento semelhante, expresso em sua Súmula nº 09, com o seguinte teor:
"O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado" (grifei).
Saliento, por oportuno, que a necessidade de comprovação, por meio de laudo pericial, para se aferir o excesso de ruídos, foi imposta administrativamente pela Autarquia Previdenciária por circular datada de 06/06/1984, sendo que no período de exercício laboral anterior a esta data, independia de laudo.
E, ainda, nos termos do pedido de uniformização 200651630001741, julgado em 03/08/2009, é dispensável a apresentação de laudo técnico, para a comprovação da exposição ao ruído, desde que seja apresentado o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP corretamente preenchido, já que se trata de documento necessariamente embasado em laudo técnico, o que, de fato, deve prevalecer, pelo mesmo raciocínio, para todos os agentes nocivos considerados.
No caso concreto, a parte autora requer o reconhecimento da especialidade do trabalho desempenhado nos períodos abaixo:

Ressalto, ainda, por considerar oportuno, que a extemporaneidade dos laudos apresentados em relação às épocas pesquisadas não os invalidam para fins de comprovação de atividade especial, uma vez que se em tempos mais modernos, com a inovação tecnológica e as novas providências para a proteção dos trabalhadores, permanece a nocividade da atividade, presume-se que, certamente, em tempos mais remotos, piores eram as condições de trabalho a que se encontravam expostos. Também a hipótese contrária, qual seja, a precedência do laudo em relação à atividade desempenhada, não autoriza desconsiderá-lo, desde que inexista notícia de que as condições de trabalho foram alteradas de modo a elidir as condições agressivas ao trabalhador. Saliento que é interesse do empregador atestar, com a elaboração de novos laudos, a melhoria do ambiente de trabalho com a eliminação ou minoração de riscos ao trabalhador, ante à possibilidade de realizar menores recolhimentos previdenciários, haja vista a previsão de alíquotas diferenciadas de acordo com o grau de risco da atividade realizada.
Anoto, também, que a análise do requisito da habitualidade e permanência previsto no §3º do artigo 57 da Lei 8.213/91, não exige a exposição do trabalhador durante a integralidade da jornada de trabalho aos agentes nocivos considerados, mas sim a verificação dessa exposição como condição inerente ao trabalho desempenhado, conforme determina o artigo 65 do Decreto 3.048/99 com a redação dada pelo Decreto 4.882/2003 . Transcrevo os dispositivos abaixo:
Art. 57 da Lei 8.213/91:
(...)
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
(...)
Art. 65 do Decreto 3048/99: Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/ 2003 - DOU DE 19/11/2003)
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial (Texto Acrescido pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/ 2003 - DOU DE 19/11/2003)
Feitas essas considerações, não há como reconhecer a especialidade pretendidado(s) período(s) compreendido(s) entre 14.11.1995 a 15.05.1996, conforme exposto acima.
Demonstrada a especialidade por exposição a agentes nocivos sujeitos à análise qualitativa, bem como comprovado o tempo de atividade rural exercida pelo autor, a sentença não merece intervenção.
Honorários recursais
Desprovida a apelação, é cabível a majoração da verba de sucumbência, a título de honorários recursais, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em 20% sobre a base fixada na sentença.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal é suficiente para efeito de prequestionamento dos dispositivos que as fundamentam junto às instâncias superiores, sendo desnecessária a oposição de embargos de declaração para tal finalidade.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
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Apelação Cível Nº 5000068-65.2020.4.04.7031/PR
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. TEMPO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
1. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova. A contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
3. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar mediante início de prova material contemporânea, corroborada por prova testemunhal idônea, é devida a averbação do período (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91).
3. Comprovado nos autos a exposição da parte autora a agentes nocivos, correta a sentença, conforme orientação delineada por esta Corte Federal.
4. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 2 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de novembro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 04/11/2025
Apelação Cível Nº 5000068-65.2020.4.04.7031/PR
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PROCURADOR(A) JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 04/11/2025, na sequência 513, disponibilizada no DE de 22/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 2, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 2 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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