
Apelação Cível Nº 5017237-51.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação interposta pelo réu INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, contra a sentença () que julgou procedentes os pedidos para:
"3 – Dispositivo:
Isso posto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por J. L. D. S. em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC, para o efeito de:
a) RECONHECER o trabalho urbano exercido pelo autor no período de 13/06/2001 a 22/12/2014 como especial;
b) CONCEDER para o autor o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição a contar da DER (01/02/2017), respeitada a prescrição quinquenal e abatidos os valores já pagos, condenando a parte requerida ao pagamento dos valores daí advindos.
Nas prestações em atraso deverão incidir juros de mora segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, a contar da citação, e a correção monetária deverá observar o vencimento de cada parcela, com aplicação do INPC no período posterior à vigência da Lei 11.430/2006.
Quanto à verba honorária devida pelo INSS, arbitro no percentual de 10% sobre o montante das parcelas vencidas, até a data da prolação da sentença, consoante o artigo 85, § 3º, I, observados os parâmetros do § 2º, do CPC, e conforme a Súmula 111 do STJ, por se tratar de demanda previdenciária.
Quanto às custas, considerando que a presente ação foi ajuizada após a data da publicação da Lei Estadual nº 14.634/14, de 15/06/2015, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais, a Fazenda Pública está isenta do pagamento das custas, por força do que dispõe o inciso I do art. 5º da referida lei, devendo arcar com as despesas."
Nas razões recursais, o INSS sustenta prefacial de ausência de interesse processual e, no mérito, aduz a inexistência da comprovação da exposição ao agente nocivo, conforme legislação, propugnando pela reforma da sentença. Outrossim, discute os índices negativos de inflação (deflação) e o recolhimento de custas processuais ().
Com as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINARMENTE
Do Interesse Processual
O interesse de agir afigura-se como uma das condições da ação e a sua ausência enseja o indeferimento da inicial com a consequente extinção do feito sem resolução do mérito, a teor do que dispõem os arts. 17, 330, III, e 485, VI, todos do Código de Processo Civil.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, em sede de repercussão geral, firmou a seguinte tese quanto ao Tema 350 (prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário):
I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas;
II – A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado;
III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão;
IV – Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014) que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir;
V – Em todos os casos acima – itens (a), (b) e (c) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014) - grifado
Assim, está assentado o entendimento da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto jurídico para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, o que não se confunde com o exaurimento daquela esfera.
Exceção à regra os casos de reiterado entendimento contrário da Administração. Entretanto, desconheço alguma atividade que, demandada a análise na via administrativa com prova hábil para reconhecimento da especialidade apresentada, seja de plano indeferida, sem a competente verificação da prova.
Contudo, considerando que o processo serve de instrumento à consecução do direito material e que as partes têm direito assegurado à tutela de mérito tempestiva, bem como à aplicação da lei com vista aos fins sociais e às exigências do bem comum (CPC, arts. 4º e 8º), não entendo viável a extinção do processo sem resolução do mérito, nesta fase processual, após o contraditório, ampla instrução probatória e prolação de sentença.
NO MÉRITO
Tempo Especial
A controvérsia recursal cinge-se ao reconhecimento do tempo especial na atividade laboral da parte autora.
A sentença de origem reconheceu a especialidade, fundamentando que:
"Na situação dos autos, analisando o laudo pericial de fls. 166/171 (complementado no evento 14), nota-se que o autor desenvolveu atividade considerada como insalubre, ficando exposto a agente físico, durante o período apontado na inicial.
Com efeito, o agente nocivo frio estava previsto como insalubre nos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, posteriormente abarcado pela Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, ainda admitido pela jurisprudência, quando decorrente de fontes artificiais, em temperaturas inferiores a 12ºC, conforme exemplificado pelo acórdão colacionado: (...)
Nesse sentido, o laudo pericial foi deveras claro em relação ao local de trabalho do autor, constatando a insalubridade da atividade, decorrente da exposição ao frio, nos termos descrito às fls. 166/171 e, posteriormente, complementado no evento 14.
Por outro lado, em relação ao uso de equipamentos de proteção, entendo que esses dispositivos não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade, a não ser que comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica e desde que devidamente demonstrada a existência de uma contínua fiscalização do empregador no uso permanente do EPI pelo empregado durante a jornada de trabalho, o que não resta evidenciado nos presentes autos.
Aliás, a Súmula 289 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece que: “O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado”."
A decisão do juízo a quo não merece reparos. A análise probatória foi precisa e a conclusão está em plena consonância com a jurisprudência consolidada nesta Corte.
O formulário de PPP corretamente preenchido, firmado por representante legal da empresa e baseado em laudo ou com indicativo de responsável técnico pelos registros ambientais é documento hábil a comprovar as condições do trabalho prestado.
O PPP (, págs. 32 a 33) está completo, sendo válidas as informações nele apontadas:

Já o LTCAT (, pág. 77) refere:

No mesmo sentido é o laudo pericial (, págs. 29 a 35):


De se manter a especialidade decorrente do contato com frio proveniente de fontes artificiais (câmara fria, câmara frigorífica), com temperaturas inferiores a 12ºC.
A orientação desta Corte Federal está assim sedimentada quanto ao reconhecimento do tempo especial diante da exposição ao agente nocivo:
AGENTE NOCIVO: FRIO
A exposição ao frio é agente nocivo quando proveniente de fontes artificiais, com temperaturas inferiores a 12ºC (Código 1.1.2 dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79). Rol Exemplificativo: Embora não previsto expressamente nos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, o rol de agentes nocivos é exemplificativo, e a atividade pode ser reconhecida como especial pela exposição ao frio insalubre se houver comprovação do risco (Súmula nº 198 do TFR, REsp 1429611/RS). A exposição ao frio é agente nocivo quando proveniente de fontes artificiais, com temperaturas inferiores a 12ºC (Código 1.1.2 dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79). Habitualidade e Permanência: A habitualidade e permanência devem considerar a constante entrada e saída do trabalhador da câmara fria durante a jornada de trabalho, e não apenas a permanência dentro dela. EPI e Frio: A questão da eficácia do EPI para o agente frio é controversa e, em geral, o TRF4 (IRDR Tema 15) considera que, assim como o calor, a exposição ao frio artificial pode ensejar o reconhecimento da especialidade independentemente do EPI.(TRF4, AC 5075824-13.2019.4.04.7000, 10ª Turma , Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI , julgado em 05/08/2025)
Pelos fundamentos expostos na sentença, que adoto como razões de decidir, e em conformidade com a jurisprudência desta Corte, é de ser mantido o reconhecimento da especialidade do labor no período controvertido.
II - Custas, Deflação, Honorários e Prequestionamento
Custas Processuais. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (art. 5.º, I, da Lei Estadual n.º 14.634/14), ressalvado o reembolso de eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora e as despesas processuais não incluídas na taxa única, como remuneração de peritos. Considerando que a sentença está neste sentido, nada a reformar.
Deflação. Quanto aos índices de deflação, incide a tese firmada no Tema 679 do STJ, no seguinte sentido: "Aplicam-se os índices de deflação na correção monetária de crédito oriundo de título executivo judicial, preservado o seu valor nominal."
Nesse sentido:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. RISCO SOCIAL. NÃO COMPROVADO. DEDUÇÃO DE GASTOS. DEFLAÇÃO. REVOGAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. 1. São dois os requisitos para a concessão do benefício assistencial: a) condição de deficiente ou idoso (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Embora a renda per capta familiar ultrapasse, em pouco, o máximo legal de 1/4 previsto em lei, a análise isolada do critério econômico não merece prosperar, devendo ser cotejada com demais critérios objetivos e especificidades de cada caso. 3. Não comprovada a situação de risco social é indevida a concessão do benefício assistencial. 4. A pretensão da Autarquia Previdenciária, no sentido de ver considerados eventuais índices inflacionários negativos na atualização monetária do valor da condenação, merece acolhida, conforme o entendimento desta Turma. 5. Revogada a decisão que concedeu a antecipação de tutela, pela improcedência do pedido e reforma da sentença. (TRF4, AC 5018094-34.2020.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 30/09/2021)
Não obstante, não se trata, aqui, de acolhimento do recurso do INSS, pois a sentença não tratou da matéria, aliás sequer ventilada na contestação (, págs. 1 a 20). Não há, ademais, indicativo da ocorrência de deflação no período de atualização das parcelas vencidas, considerados os índices citados.
Fica, portanto, apenas o registro da possibilidade de aplicação da deflação, se for o caso, porquanto não há ofensa aos princípios constitucionais da irredutibilidade e da preservação do valor real dos proventos.
Honorários Advocatícios Recursais. Tendo em vista o desprovimento do recurso do INSS, majoro os honorários de sucumbência em 20%(vinte por cento), sobre o valor fixado na sentença, em observância ao disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Prequestionamento. Para fins de acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as questões e os dispositivos legais invocados pelas partes, nos termos dos artigos 1.022 e 1.025 do CPC, evitando-se a oposição de embargos de declaração com propósito de prequestionamento.
Dispositivo
Voto por negar provimento à apelação do INSS.
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Apelação Cível Nº 5017237-51.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL.
1. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova. A contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
3. Comprovado nos autos a exposição da parte autora a agente nocivo, correta a sentença, conforme orientação delineada por esta Corte Federal.
4. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 2 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de novembro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 04/11/2025
Apelação Cível Nº 5017237-51.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PROCURADOR(A) JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 04/11/2025, na sequência 554, disponibilizada no DE de 22/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 2, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 2 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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