
Apelação Cível Nº 5014703-37.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que, em ação previdenciária, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos():

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O INSS sustenta: (i) a falta de interesse processual do autor em relação aos períodos laborados de 02/05/1979 a 24/04/1983, de 01/08/1983 a 08/09/1986, 01/03/1987 a 09/02/1990 e de 02/07/1990 a 30/9/1993; (ii) o descabimento da especialidade do labor, por inexistência de comprovação da exposição aos agentes nocivos e pela impossibilidade do uso de provas similares nos períodos de 01/06/1997 a 08/11/2000, 01/10/2001 a 28/04/2004, 01/09/2005 a 09/07/2008 e de 01/04/2009 a 28/06/2013; (iii) o descabimento ou, subsidiariamente, a alteração do valor da multa diária fixada na condenação, por considerá-la desproporcional; (iv) que em caso de procedência do pedido do autor, o termo inicial do benefício coincida com a data da citação da Autarquia; (v) a aplicação da TR como índice de correção monetária e; (vi) o reconhecimento da isenção do INSS quanto ao pagamento de custas processuais ().
Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal ().
É o relatório.
VOTO
I - Preliminares
Da Falta de Interesse Processual
O INSS alega, preliminarmente, a ausência de interesse processual em relação aos períodos de 02/05/1979 a 24/04/1983, de 01/08/1983 a 08/09/1986, 01/03/1987 a 09/02/1990 e de 02/07/1990 a 30/9/1993, em razão de não ter havido, por ocasião do requerimento administrativo, apresentação dos formulários exigidos pela legislação,
A controvérsia compreendendo a necessidade de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário restou apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do RE n.º 631.240/MG (Tema 350). Ao definir a tese sobre a questão, assim estabeleceu o STF:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. (...). 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir. (RE 631240, Relator Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 3/9/2014, Acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJE 220, divulgado em 7/11/2014, publicado em 10/11/2014 RTJ, volume 00234-01, pp 00220)
Fixou-se, pois, a indispensabilidade de prévio requerimento administrativo e não a necessidade de exaurimento da esfera administrativa, nos pedidos de concessão de benefício previdenciário, salvo notório e reiterado entendimento da Administração em sentido contrário ao postulado.
Ainda, o STF fixou uma fórmula de transição a ser aplicável a todas as ações ajuizadas até a data do julgamento da repercussão geral (03/09/2014), sem que, quando exigível, tenha havido prévio pedido administrativo. Confira-se, em continuação, a ementa do acórdão acima citado:
(...)
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte:
(i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito;
(ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão;
(iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
(...)
Nas situações previstas na regra de transição, o Supremo Tribunal Federal definiu, pois, que a análise administrativa superveniente ou a judicial deverá levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
A presente demanda foi ajuizada em 06/09/2013, anteriormente à data do julgamento do Supremo Tribunal Federal (03/09/2014), e versa sobre concessão de benefício, sendo, portanto, que não haveria necessidade de prévio requerimento administrativo, uma vez que a Autarquia Federal apresentou também carta contestatória de modo a caracterizar a pretensão resistida.
No caso em apreço, houve requerimento administrativo de concessão do benefício de aposentadoria por tempo especial, instruído com cópia da CTPS, formulários emitidos pelas empresas, e solicitação de perícias e de utilização de laudos similares, conforme se verifica na instrução processual administrativa ().
Importante destacar que se houve pedido de aposentadoria na via administrativa, com comprovação de tempo laborado, ainda que de forma genérica e não instruído com toda a documentação necessária para comprovação da atividade nociva que poderia ser agregada, o indeferimento do pedido pelo INSS é suficiente para ter por caracterizada a pretensão resistida, não sendo necessário o esgotamento da discussão naquela via com fins de pretensão judicial.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. INTERESSE DE AGIR. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240, em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo como pressuposto para que se possa ingressar com ação judicial para o fim de obter a concessão de benefício previdenciário (Tema 350). 2. A conclusão do processo administrativo, com o indeferimento da revisão postulada, demonstra a pretensão resistida e, por consequência, o interesse de agir. (TRF4, AG 5002704-14.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 25/05/2022)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO. AGENTES QUÍMICOS. RADIAÇÃO. INTERESSE DE AGIR. EFEITOS FINANCEIROS. 1. Mesmo para períodos em que não houve apresentação de documentos técnicos ou pedido expresso de reconhecimento de tempo de serviço especial, seria dever da Autarquia-ré orientar devidamente o segurado a trazer aos autos documentação técnica sobre a possível especialidade dos intervalos em que houve labor em categoria classificável como sujeita a reconhecimento de tempo especial. 2. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. 3. Até 28.4.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; a contar de 06.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. 4. A exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos a saúde permite o reconhecimento da atividade especial. Para tanto, basta a análise qualitativa (exposição aos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho), independentemente de análise quantitativa (concentração, intensidade, etc.). 5. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é possível reconhecer como especial a atividade de frentista, ainda que não prevista expressamente nos decretos regulamentadores, seja pela nocividade da exposição a hidrocarbonetos aromáticos, seja pela periculosidade decorrente das substâncias inflamáveis, quando comprovada a exposição do trabalhador aos agentes nocivos durante a sua jornada de trabalho. 6. As radiações não ionizantes podem ser consideradas insalubres, para fins previdenciários, quando provenientes de fontes artificiais. 7. Demonstrado o preenchimento dos requisitos, o segurado tem direito à concessão da aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo, respeitada eventual prescrição quinquenal. 8. Os efeitos financeiros da concessão do benefício de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição devem, em regra, retroagir à data de entrada do requerimento, quando o segurado já preenchia os requisitos naquele momento, ainda que haja necessidade de complementação da documentação. Quando se tratar de ação revisional de benefício já deferido na via administrativa, em que o segurado busque melhoria na sua renda mensal, não havendo decadência, os efeitos financeiros devem igualmente ser contados a contar da Data de Entrada do Requerimento - DER, respeitada eventual prescrição quinquenal. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 9. Determinada a imediata implantação do benefício, no prazo de 20 dias, via CEAB, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário. 10. Apelo do INSS desprovido. 11. Recurso do autor parcialmente provido. (TRF4, AC 5013079-21.2019.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 12/07/2024) grifei
Afasto, pois, a preliminar arguida.
Atividade especial
Para fins de reconhecimento da especialidade, aplicam-se as normas vigentes à época da prestação do serviço, e que então definiam o que era atividade especial e a forma de comprovação.
A análise das sucessivas alterações legislativas relativas ao trabalho especial permite vislumbrar, basicamente, três momentos distintos:
[i] até 28/04/1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91, em sua redação original (arts. 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor;
[ii] a partir de 29/04/1995, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, entre esta data e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei nº 8.213/91, passou a ser necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
[iii] a contar de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei nº 8.213/1991 pela MP nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Vale ressaltar que, além dessas hipóteses de enquadramento, é sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica. Sob esse aspecto, é de observar que as perícias realizadas por similaridade ou por aferição indireta das circunstâncias de trabalho têm sido amplamente aceitas em caso de impossibilidade da coleta de dados in loco para a comprovação da atividade especial [STJ, REsp 1.397.415/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 20/11/2013]. E a eventual extemporaneidade dos formulários e laudos periciais não prejudica a prova da especialidade, pois presume-se que o nível de insalubridade atual não seja superior ao da época da prestação do serviço, ante as melhorias derivadas do progresso tecnológico e das inovações de medicina e segurança do trabalho [TRF4, APELREEX 5015284-77.2011.404.7000, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 18/10/2012; TRF4, 5001089-85.2010.404.7012, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Rogerio Favreto, D.E. 12/06/2012].
Além disso, é possível o reconhecimento da especialidade do labor, conquanto não se saiba o tempo exato de exposição ao agente insalutífero. Não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral. Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho [TRF4, EINF 2007.71.00.046688-7, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011].
Custeio específico
O preenchimento do campo 13.7 do PPP com o código GFIP "0" ou "1", indica, em regra, a inexistência de agentes nocivos ou a integral eliminação de seus efeitos pelo fornecimento de EPI comprovadamente eficaz, afastando o fato gerador da contribuição adicional para custeio da aposentadoria especial, prevista nos arts. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91 e 22, II, da Lei nº 8.212/91.
Considerando, porém, que, tanto a correção das informações constantes do PPP, como o recolhimento das contribuições previdenciárias (art. 30, I, "a" e "b", da Lei nº 8.212/91), são encargos do empregador, eventual irregularidade não alcança o segurado, nem obsta o reconhecimento da atividade comprovadamente exercida em condições especiais.
Laudo Similar
No que tange à utilização de laudo similar impugnada pelo recorrente, observo que, muitas vezes, a solução para a busca da melhor resposta às condições ambientais de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a avaliação dessas em estabelecimento de atividade semelhante àquele em que laborou originariamente o segurado, no qual poderão estar presentes os mesmos agentes nocivos, o que pode vir a ensejar um juízo conclusivo a respeito.
Logo, em tese, não há óbice à utilização de laudo pericial elaborado em uma empresa para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo e no exercício de função semelhante. Nesse sentido, é a jurisprudência dominante deste Tribunal: AC 2006.71.99.000709-7, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 2/3/2007, APELREEX 2008.71.08.001075-4, Relator Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, D.E. 3/8/2009, AC 5000017-83.2022.4.04.7031, 10ª Turma, Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI, julgado em 20/05/2025.
Ademais, a Súmula 106 deste TRF assim estabelece: "Quando não é possível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor".
Ruído
Deve ser admitida como especial a atividade em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 80 dB, até 05/03/1997; superiores a 90 dB, entre 06/03/1997 e 18/11/2003; e superiores a 85 dB, a contar de 19/11/2003, quando passou a viger o Decreto n° 4.882/2003 [STJ, AgRg nos EREsp 1.157.707/RS, Corte Especial, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 29/05/2013].
Extrapolados esses limites, a utilização de EPI, ainda que promova redução a níveis tolerados, não descaracteriza a especialidade, dada a diversidade de efeitos nocivos relacionados ao ruído, muitos dos quais impassíveis de controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores [STF, Tema nº 555 da Repercussão Geral].
O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN) - que representa o nível médio de exposição, convertido para uma jornada padrão de 8 horas diárias, sendo exigível tal informação no PPP a partir do Decreto nº 4.882/2003 [TRF4, AC 5001035-06.2020.4.04.7001, 10ª Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 12/08/2025]. Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço [STJ, Tema Repetitivo nº 1083].
É possível, ainda, a comprovação da exposição nociva por outras técnicas que também levem em consideração a intensidade do ruído em função do tempo - como dosimetria, decibelimetria, sonometria, quantitativa, medição pontual -, já que essas também expressam uma medição representativa da exposição existente na jornada de trabalho do segurado [TRU4, PUIL nºs 5002328-90.2020.4.04.7007 e 5071786-55.2019.4.04.7000, Rel. Juíza Federal Alessandra Günther Favaro, juntado aos autos em 19/06/2023].
Calor
O calor é agente nocivo quando proveniente de fontes artificiais.
Limites de Tolerância: Até 05.03.1997: Acima de 28ºC (Código 1.1.1 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/64).
A partir de 06.03.1997: Devem ser observados os limites estabelecidos pela NR-15 (Portaria 3.214/78), que considera o tipo de atividade (leve - 30ºC, moderada - 26,7°C ou pesada - 25°C) pelo Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo (IBUTG). (Código 2.0.4 dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99).
EPI e Calor: O uso de EPI eficaz não é suficiente para descaracterizar a insalubridade da atividade exercida com exposição ao calor (TRF4, IRDR Tema 15 - Embargos de Declaração no IRDR 5054341-77.2016.4.04.0000).
Exposição ao Sol/Meio Ambiente: O trabalho sob calor decorrente da exposição ao sol ou outras intempéries naturais não é considerado especial, pois o calor deve ser proveniente de fontes artificiais.(TRF4, AC 5001295-61.2018.4.04.7031, 10ª Turma , Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI , julgado em 05/08/2025).
Caso concreto
Fixadas as premissas acima, passa-se à análise da especialidade das atividades desempenhadas pela autora nos períodos controvertidos.
A sentença reconheceu a especialidade do labor, sob os seguintes fundamentos:



Períodos de 01/06/1997 a 08/11/2000 e de 01/10/2001 a 28/04/2004 (Empresa Loreci Ãngela de Castro) e de 01/09/2005 a 09/07/2008; 01/04/2009 a 28/06/2013 (Panbelle LTDA)
Quanto ao reconhecimento da especialidade de tais interregnos, sustenta o INSS que, os PPPs apresentados registram níveis de ruído inferiores aos limites de tolerância vigentes quando da prestação do serviço, de forma que inviável é o enquadramento por força de prova documental plena. A utilização de laudo similar a fim de infirmar os documentos emitidos pelo empregador na hipótese é manifestamente descabida, porquanto já há prova documental sólida, muito embora não favorável ao autor.
Pois bem.
Consoante se extrai dos PPPs juntados aos autos (), as empresas informaram que o autor exerceu a função de padeiro, executando as seguintes tarefas:


Não obstante, os formulários limitaram-se a indicar como agente nocivo o ruído, cujo nível medido foi registrado como inferior ao limite de tolerância, nada referindo acerca da exposição ao calor.
Todavia, a omissão é evidente e injustificável, uma vez que a exposição ao calor é inerente às atividades de panificação, considerando o uso contínuo de fornos industriais e fontes térmicas intensas no ambiente de trabalho, como foi comprovado através da descrição das atividades do autor nos referidos PPPs. É inconcebível admitir que um trabalhador, atuando diariamente no feitio de pães, em local de cocção e manipulação de fornos aquecidos, não tenha sido exposto a calor, gerando dúvidas quanto ao teor das informações constantes no formulário.
Tal omissão retira dos PPPs ora em análise a fidedignidade necessária à prova técnica, de modo que, diante da evidente omissão do documento empresarial, mostra-se plenamente cabível a utilização de laudo técnico produzido em empresa similar, que reflita condições análogas de trabalho, para suprir a lacuna probatória.
Em hipóteses dessa natureza, a utilização de laudo similar, é cabível, uma vez que demonstrada a identidade substancial das funções exercidas e do ambiente laboral, sobretudo quando o documento fornecido pela empresa se mostra omisso ou inconsistente, como ocorre no caso presente.
Assim, o laudo similar acostado aos autos reflete a exposição do autor a agentes nocivos ruído em níveis de 91 dB(A) e calor de IBUTG de 35ºC, restando caracterizada a especialidade do labor executado pelo autor nos períodos.
Portanto, nego provimento ao apelo recursal do réu quanto ao ponto.
Arbitramento de Multa Diária
Não cabe fixação prévia de astreintes, sem qualquer indicativo de recalcitrância quanto ao cumprimento da determinação judicial.
A insurgência recursal deve ser provida no ponto, para afastar a multa diária pré-fixada.
Dos Efeitos Financeiros
No caso em análise, verifica-se que o autor levou a juízo os mesmos fatos e as mesmas provas que já haviam sido apresentadas ao INSS no processo administrativo, inexistindo qualquer elemento novo produzido exclusivamente na via judicial.
Assim, restando comprovado que o conjunto probatório utilizado pelo Juízo coincide com aquele submetido à apreciação administrativa, conclui-se que os requisitos necessários à concessão do benefício já estavam preenchidos na data da DER, em 02/09/2013.
Desse modo, a Data de Início do Benefício (DIB) deve ser fixada na DER, tendo em vista que a procedência da ação decorre apenas da revaloração judicial das provas já existentes, e não da produção de novos elementos que indiquem o preenchimento posterior dos requisitos.
Tal entendimento está em plena conformidade com a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.124, segundo o qual, quando as provas apresentadas em juízo são as mesmas que instruíram o processo administrativo, a DIB deve coincidir com a DER, pois o direito já se encontrava consolidado à época do requerimento.
Portanto nego provimento ao apelo recursal quanto ao ponto, devendo ser reconhecida a fixação da DIB na DER, com efeitos financeiros a partir desta data.
Consectários Legais
Nas condenações impostas à Fazenda Pública em ações judiciais de natureza previdenciária ou assistencial, as parcelas vencidas, consubstanciadas em obrigação de pagar, sujeitam-se à correção monetária, devida desde o vencimento de cada prestação, e à incidência de juros de mora, a contar da citação, observando-se os seguintes critérios [STF, Temas nºs 810 e 1.170 da Repercussão Geral, e STJ, Tema Repetitivo nº 905]:
[i] a partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009 (07/2009): (a) correção monetária: (a.1) com base na variação do INPC, para benefícios previdenciários; ou (a.2) pelo IPCA-E, em se tratando de benefício de natureza assistencial; e (b) juros de mora: (b.1) 0,5% a.m., entre 07/2009 e 04/2012, de forma simples; e (b.2) a partir de 05/2012, à taxa aplicável à caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, observadas as variações estabelecidas no art. 12, II, da Lei nº 8.177/1991, com as alterações promovidas pela Lei nº 12.703/2012; e
[ii] a partir de 12/2021, com o advento do art. 3º da EC nº 113/2021, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da Taxa SELIC, acumulado mensalmente.
Há de se observar que a Taxa SELIC engloba juros e correção monetária, e, por isso, é incabível sua cumulação com qualquer outro índice. Assim, ao se aplicar a SELIC a título de atualização monetária, tem-se, concomitantemente, a compensação da mora [v.g., STJ, AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp 573.927/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 24/04/2018] - o que, de resto, está expresso no art. 3º da EC nº 113/2021.
Em conclusão, a partir de 12/2021, sobre o valor da condenação, incidirá exclusivamente a Taxa SELIC, com o que resta atendida a atualização monetária do principal, devida desde o vencimento de cada prestação, e estarão contemplados os juros de mora.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei 9289/1996, e na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, I, da Lei Estadual 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais).
Honorários recursais
Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação [STJ, Tema Repetitivo nº 1.059].
Conclusão
Impõe-se o parcial provimento da apelação do INSS, para: (i) afastar a incidência das astreintes fixadas na sentença; e(ii) isentar a Autarquia do pagamento das custas processuais, de acordo com a fundamentação.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal é suficiente para efeito de prequestionamento dos dispositivos que as fundamentam junto às instâncias superiores, sendo desnecessária a oposição de embargos de declaração para tal finalidade.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5014703-37.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL.
1. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova. A contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
3. Comprovado nos autos a exposição da parte autora a agentes nocivos, correta a sentença, conforme orientação delineada por esta Corte Federal.
4. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 2 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de novembro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 04/11/2025
Apelação Cível Nº 5014703-37.2021.4.04.9999/RS
RELATOR Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PROCURADOR(A) JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 04/11/2025, na sequência 618, disponibilizada no DE de 22/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 2, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 2 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
Votante Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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