
Apelação Cível Nº 5011254-51.2020.4.04.7107/RS
RELATORA Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:
"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado neste processo, resolvendo o mérito, o que faço com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o efeito de:
1) reconhecer o exercício de atividade rural em regime de economia familiar no(s) período(s) de 17/05/1988 a 31/05/1997;
2) determinar ao réu apurar o valor correspondente à indenização do período de 01/11/1991 a 31/05/1997 e a expedir a competente guia de recolhimento, para pagamento dentro de prazo legal;
3) reconhecer o exercício de atividade de trabalho sob condições especiais no(s) período(s) de 19/11/2003 a 30/06/2008, 01/01/2009 a 16/08/2016, 02/10/2017 a 17/07/2018, 05/04/2001 a 07/02/2002 (aplica-se o fator de conversão 1,40);
(4) determinar ao réu, após o recolhimento da quantia apurada, proceder à averbação do período de tempo de serviço rural e conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 1870899021), a contar de 08/09/2018, mediante reafirmação da DER, com RMI a ser apurada pelo INSS; e
5) condenar o INSS a pagar à parte autora as diferenças vencidas e vincendas, decorrentes da concessão do benefício, a partir de 08/09/2018, atualizadas monetariamente pelo INPC, a contar do vencimento de cada parcela, sem prejuízo dos juros moratórios conforme índices da caderneta de poupança, sem capitalização e a contar da citação.
Indeferida a gratuidade da justiça.
Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado de acordo com as Súmulas 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111 do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil."
O INSS sustenta, em síntese: a) a impossibilidade de reconhecimento do tempo rural; b) a impossibilidade de reconhecimento da especialidade por exposição a frio e a ruído; e c) a incorreção dos efeitos financeiros da reafirmação da DER.
Com contrarrazões, vieram os autos para esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do Tempo de Serviço Rural
A parte recorrente alega a impossibilidade de reconhecer o período rural, pois os documentos apresentados como início de prova material estão em nome do genitor do autor, que já desempenhava atividade urbana, o que descaracterizaria o regime de economia familiar.
No caso concreto, o juízo reconheceu o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, considerando que os documentos em nome do pai constituem início de prova material válido, corroborado pela autodeclaração do autor.
No ponto, assim fundamentou a sentença:
"Os documentos juntados constituem, em seu contexto, início de prova material (...), pois demonstram a vinculação da parte autora com o campo. (...) A parte autora, cabe referir, colacionou aos autos a referida autodeclaração, devidamente preenchida (15, DECL02-03), com a qual o INSS não manifestou discordância. Portanto, da prova colhida nos autos, não restou qualquer dúvida de que a autora realmente trabalhou na agricultura com seu pai, em nome de quem estão os documentos. Assim sendo, firmando-se a autodeclaração no início de prova material, colacionado aos autos, reconheço exercício de atividade rural em regime de economia familiar no período postulado."
Assiste razão ao INSS.
Conforme consta no Acórdão da 15ª Junta de Recursos (Evento 1, OUT11, p. 4), o pai do autor, Sr. Paulo Falibuski, "é titular de aposentadoria por tempo de contribuição, com DER em 18/05/2001, NB 42-120.492.243-5". A titularidade de um benefício de natureza urbana pelo principal provedor e titular dos documentos rurais indica que a atividade agrícola não era indispensável à subsistência da família, requisito essencial do regime de economia familiar (art. 11, § 1º, da Lei 8.213/91).
A sentença errou ao não analisar este fato impeditivo, que descaracteriza o regime de economia familiar para o período postulado.
Do Tempo de Serviço Especial - Agente Frio
A parte recorrente alega que o agente nocivo frio não está mais previsto na legislação previdenciária desde 05/03/1997 e que a exposição do autor foi meramente ocasional e intermitente.
No caso concreto, o juízo reconheceu a especialidade do período, fundamentando que a constante entrada e saída de câmaras frias, inerente à atividade de açougueiro, não descaracteriza a permanência.
No ponto, assim fundamentou a sentença:
"Com relação ao agente nocivo frio, o Quadro Anexo ao Decreto n. 53.831/64, Código 1.1.2, e o Anexo I do Decreto n. 83.080/79, Código 1.1.2, definem como especiais as atividades desenvolvidas em temperaturas inferiores a 12ºC, provenientes de fontes artificiais. Outrossim, a exposição do trabalhador ao frio autoriza o reconhecimento do tempo de serviço especial também com relação aos períodos laborados depois do início de vigência do Decreto n. 2.172, de 05 de março de 1997. [...] Ademais, consoante já decidiu a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região e a Turma Nacional de Uniformização, a constante entrada e saída do trabalhador de câmaras frias, durante a jornada de trabalho (o que se verifica na atividade de açougueiro, conforme PPP juntado), não descaracteriza a permanência exigida para fins de reconhecimento do tempo de serviço especial."
A decisão de primeiro grau não merece reparos neste tópico.
O rol de agentes nocivos é exemplificativo (Súmula 198 do extinto TFR). Ademais, a jurisprudência desta Corte é pacífica ao entender que o ingresso intermitente em câmaras frias é inerente à função de açougueiro, caracterizando a exposição habitual e permanente ao agente nocivo. Nessa direção:
A exposição ao frio é agente nocivo quando proveniente de fontes artificiais, com temperaturas inferiores a 12ºC (Código 1.1.2 dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79). Rol Exemplificativo: Embora não previsto expressamente nos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, o rol de agentes nocivos é exemplificativo, e a atividade pode ser reconhecida como especial pela exposição ao frio insalubre se houver comprovação do risco (Súmula nº 198 do TFR, REsp 1429611/RS). A exposição ao frio é agente nocivo quando proveniente de fontes artificiais, com temperaturas inferiores a 12ºC (Código 1.1.2 dos quadros anexos aos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79). Habitualidade e Permanência: A habitualidade e permanência devem considerar a constante entrada e saída do trabalhador da câmara fria durante a jornada de trabalho, e não apenas a permanência dentro dela. EPI e Frio: A questão da eficácia do EPI para o agente frio é controversa e, em geral, o TRF4 (IRDR Tema 15) considera que, assim como o calor, a exposição ao frio artificial pode ensejar o reconhecimento da especialidade independentemente do EPI.(TRF4, AC 5075824-13.2019.4.04.7000, 10ª Turma, Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI , julgado em 05/08/2025)
Nega-se provimento ao apelo neste ponto.
Do Tempo de Serviço Especial - Agente Ruído
A parte recorrente alega que, para os períodos a partir de 18/11/2003, a metodologia de aferição do ruído não respeitou a legislação vigente, que exige a observância da NHO 01 da FUNDACENTRO.
No caso concreto, o juízo reconheceu a especialidade dos períodos, baseando-se na informação do PPP que indicava exposição a ruído superior a 85 dB(A).
No ponto, assim fundamentou a sentença:
"O PPP juntado (8, PPP2) indica que havia exposição ao ruído superior a 85 dB, sendo cabível o reconhecimento da especialidade da atividade, conforme fundamentação supra."
A sentença merece ser mantida, embora por fundamento diverso.
A controvérsia reside na comprovação da metodologia de aferição do ruído. Embora o PPP (Evento 8, PPP2) não detalhe a norma técnica utilizada, o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) da empresa San Marino Ônibus Ltda., referente ao ano de 2016 e juntado no Evento 8, LAUDO12, esclarece a questão.
Na página 16 deste documento, no item "CARACTERIZAÇÃO DOS RISCOS E PRIORIDADES DE AVALIAÇÃO E CONTROLE", consta expressamente: "Para o ruído, utilizamos como referência técnica o Nível de Ação de 80 dB(A) especificado na norma técnica NHO 01 da FUNDACENTRO para exposição ao ruído".
A menção explícita à norma técnica da FUNDACENTRO como referência é suficiente para validar as medições apresentadas, suprindo a eventual omissão do PPP.
Assim, nega-se provimento ao recurso do INSS neste tópico.
Do Direito ao Benefício
Com o provimento parcial do recurso do INSS para afastar o tempo rural, mas mantidos os períodos especiais, o tempo de contribuição do autor na DER reafirmada (08/09/2018) totaliza 25 anos, 11 meses e 16 dias, conforme recálculo (20a 03m 07d de tempo comum + 5a 8m 9d de acréscimo pela conversão dos períodos especiais + 1m 21d do período pós-DER). Este tempo é insuficiente para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, que exige 35 anos para homens.
Dessa forma, a sentença deve ser reformada para julgar improcedente o pedido de concessão do benefício.
Consectários
Tendo em vista a reforma da sentença para afastar o direito ao benefício, resta prejudicada a análise dos consectários legais, uma vez que não há condenação ao pagamento de parcelas vencidas.
Honorários de sucumbência
Afastado o direito ao benefício, tem-se decaimento mínimo do INSS, impondo-se a inversão dos ônus da sucumbência.
Portanto, deverá a autora, em caráter exclusivo, arcar com o pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Prequestionamento
Para fins de acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as questões e os dispositivos legais invocados pelas partes, nos termos dos artigos 1.022 e 1.025 do CPC, evitando-se a oposição de embargos de declaração com propósito de prequestionamento.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005308001v4 e do código CRC 678be86d.
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Apelação Cível Nº 5011254-51.2020.4.04.7107/RS
RELATORA Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DESCARACTERIZADO. VÍNCULO URBANO DO GENITOR. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. NHO-01. PREVISÃO EM LTCAT. FRIO. AÇOUGUEIRO. ESPECIALIDADE MANTIDA. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO INSUFICIENTE. BENEFÍCIO INDEVIDO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
1. As questões em discussão consistem em saber se: (i) é possível reconhecer tempo de serviço rural com base em prova material em nome do genitor que, no mesmo período, era titular de benefício de natureza urbana; e (ii) se a prova dos autos é suficiente para o reconhecimento da especialidade por exposição aos agentes nocivos frio e ruído.
2. O exercício de atividade urbana pelo membro do grupo familiar em nome de quem estão os documentos comprobatórios do labor rural descaracteriza o regime de economia familiar, por afastar a indispensabilidade da atividade agrícola para a subsistência do núcleo familiar. Período rural afastado.
3. A menção explícita no Laudo Técnico (LTCAT) de que a norma NHO-01 da FUNDACENTRO foi utilizada como referência técnica para a avaliação do ruído é suficiente para validar a prova, suprindo a omissão do PPP e permitindo o reconhecimento da especialidade.
4. A jurisprudência desta Corte reconhece a especialidade do labor de açougueiro por exposição ao frio, mesmo que de forma intermitente.
5. Realizado o novo cômputo do tempo de contribuição, com o afastamento do tempo rural e a manutenção dos períodos especiais, o tempo total é insuficiente para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mesmo que se considere o período laborado após a DER.
6. Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Central Digital de Auxílio 2 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de novembro de 2025.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 04/11/2025
Apelação Cível Nº 5011254-51.2020.4.04.7107/RS
RELATORA Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
PRESIDENTE Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
PROCURADOR(A) JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 04/11/2025, na sequência 22, disponibilizada no DE de 22/10/2025.
Certifico que a Central Digital de Auxílio 2, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A CENTRAL DIGITAL DE AUXÍLIO 2 DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
Votante Juíza Federal DIENYFFER BRUM DE MORAES FONTES
Votante Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante Juiz Federal MARCELO ROBERTO DE OLIVEIRA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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