Teste grátis agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. VIABILIDADE. PREENCHIMENTO D...

Data da publicação: 13/12/2024, 00:22:37

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. VIABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. 1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea. 2. A limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, a teor de orientação firmada pelas Cortes Superiores, encontra-se relacionada à vedação constitucional do trabalho pelo menor. Todavia, ainda que se trate de norma protetiva, não pode ser invocada em prejuízo ao reconhecimento de direitos, sendo possível, assim, a averbação da atividade campesina sem qualquer limitação etária (é dizer, mesmo aquém dos 12 anos de idade), desde que existente prova robusta confortando a pretensão. Precedentes do TRF4. 3. Não se pode impor ônus probatório especial justamente ao segurado que, em situação de vulnerabilidade, foi submetido a labor rurícola em idade na qual sequer poderia colher documentos a seu favor, tendo em vista a sua formação cognitiva incompleta e absoluta incapacidade. Assim, uma comprovado, por conjunto probatório suficiente, o efetivo desempenho de atividade rural em regime de economia familiar pelo requerente, mostra-se impositivo o reconhecimento do período como tempo de serviço na qualidade de segurado especial. Demandar que o segurado ainda provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem seria impor exigência desproporcional, que inviabilizaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses. 4. Recurso da parte autora a que se dá provimento, com determinação de implantação do benefício, tendo em vista o preenchimento dos requisitos legais. (TRF4, AC 5000595-64.2022.4.04.7219, 9ª Turma, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, julgado em 12/11/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000595-64.2022.4.04.7219/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

RELATÓRIO

Trata-se de recurso da parte autora contra sentença (e. 84.1), prolatada em 11/08/2024, após este Colegiado anular decisão anterior e determinar a reabertura da fase instrutória quanto ao tempo de labor rural (e. 6.1), que julgou parcialmente procedente o pedido de reconhecimento de tempo de labor rural de 27/01/1969 a 31/10/1991, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria conforme as regras de transição previstas nos arts. 16, 17 e 20 da da EC 103/19, a contar da DER reafirmada para 01/04/2021, com efeitos financeiros a partir da data de distribuição do feito, nestes termos:

"(...) Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:

1) reconhecer o labor rural em regime de economia familiar no(s) período(s) de 27/01/1969 a 31/10/1991;

2) condenar o INSS a:

a) averbar o labor rural em regime de economia familiar no(s) período(s) de 27/01/1969 a 31/10/1991;

b) conceder à parte autora o benefício de aposentadoria mais vantajoso a que tiver direito desde o requerimento administrativo reafirmado (01/04/2021);

c) pagar à parte autora os valores atrasados do benefício a partir de 25/04/2022, observada a prescrição quinquenal, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros na forma da fundamentação, descontados eventuais valores inacumuláveis recebidos no período.

Defiro à parte autora os benefícios da justiça gratuita.

Não há condenação do INSS em custas, tendo em vista o disposto no §1º, art. 8º, da Lei nº 8.620/93.

Considerando a sucumbência recíproca (art. 86, CPC), condeno: a) a parte autora em 30% das custas processuais, bem como ao pagamento de 30% dos honorários advocatícios, os quais fixo nos percentuais mínimos previstos no § 3º do art. 85 do CPC sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da concessão do benefício de AJG; b) o INSS ao pagamento de 70% dos honorários advocatícios, os quais fixo nos percentuais mínimos previstos no § 3º do art. 85 do CPC sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4).

Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, § 3º, I, CPC) (...)."

Em suas razões (e. 90.1) a parte autora insurge-se contra o não reconhecimento de tempo de labor rural no período em que o segurado contava com menos de 12 (doze) anos de idade, de 27/01/1965 a 26/01/1969. Sustenta, em síntese, a presença de provas de atividade rural nesse intervalo, e que jurisprudência pátria admite o reconhecimento do desempenho de labor rurícola por menores de 12 anos de idade.

Com as contrarrazões (e. 93.1), foram remetidos os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Limites da controvérsia

Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se ao reconhecimento de tempo de labor rural de 27/01/1965 a 26/01/1969, período em que o autor possuía menos de 12 (doze) anos de idade, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

Tempo de labor rural

O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula 149 do STJ.

Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural, consoante inclusive consagrado na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

De outra parte, afigura-se possível o reconhecimento de atividade rural para fins previdenciários no período dos 12 a 14 anos de idade. A jurisprudência deste Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é pacífica nesse sentido (TRF4ªR - 3ª Seção, EI 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 12/03/2003; STJ - AgRg no RESP 419601/SC, 6ª T, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 18/04/2005, p. 399 e RESP 541103/RS, 5ª T, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01/07/2004, p. 260; STF - AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. em 15.02.2005).

Cumpre gizar, por oportuno, que recentemente o Colendo STJ consolidou seu entendimento a respeito da extensão de validade do início da prova material na recente Súmula nº 577, cujo enunciado dispõe ser "possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".

Ademais, para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. Assim, início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática.

No caso dos autos, o juízo a quo reconheceu o período rural de 27/01/1969 a 31/10/1991, sem análise do conjunto probatório documental e sem a realização de audiência de instrução, por considerar a existência de coisa julgada administrativa em relação a tal interregno porquanto quando do requerimento anterior do segurado, a Autarquia havia já averbado o intervalo como tempo de labor rural, na qualidade de segurado especial,

Já em relação ao interregno de 28/01/1965 a 26/01/1969, o magistrado sentenciante rejeitou o pedido por entender que o autor "ão apresentou elementos contundes que ratifiquem o labor rural da parte autora antes dos 12 (doze) anos de idade, considerando que desenvolveu as alegadas atividades acompanhadas dos pais e irmãos, bem como frequentou regularmente a escola", de modo que "sua participação nas atividades campesinas, no tempo livre, não ocorreu de forma a contribuir, efetivamente, para a produção agrícola em regime de economia familiar".

De percuciente exame dos autos, consta-se que o demandante apresentou os seguintes documentos como início de prova material:

a) Certidão do INCRA, relativa a propriedade de imóvel rural titularizada pelo genitor do demandante de 1965 a 1971 (e. 1.7, p. 23)

b) Matrícula de registro imobiliário relativo a imóvel rural de propriedade do genitor, com averbação de cédulas hipotecárias emitidas em setembro/1970, março/1973 e setembro/1974, em nome dos genitores do demandante (e. 1.7, p. 29)

c) Recibo de pagamento de ITR emitido no exercício de 1969 em nome do pai do autor (e. 1.8, p . 15); e

d) Registro de matrícula escolar em nome do autor, relativo aos anos de 1968 a 1969, em que seu genitor é qualificado como "lavrador" (e. 1.10, pp. 05/13).

Ressalte-se que, além desses documentos contemporâneos aos períodos controversos, tem-se nos autos farta prova documental evidenciando a vocação rurícola da família de origem antes e depois do intervalo em análise.

Já em relação à prova oral, por ocasião da audiência de instrução, as testemunhas corroboraram a versão apresentada pela parte autora.

Com efeito, a testemunha ADELMINO GATTI (e. 81.3), em seu depoimento, afirmou que conhece o demandante desde criança, pois eram vizinhos na mesma localidade, sendo que os pais do autor moravam em pequeno sítio onde a família desenvolvia a atividade rurícola, sem mão de obra terceirizada. Asseverou que o requerente começou a auxiliar seus pais "na roça" já com seus "seis, sete anos" de idade. Referiu que frequentou a escola com o demandante e que o autor "estudava na escola e vinha embora" auxiliar os genitores no labor rural, "o pai dele não tinha condições de ter empregado" e por isso "o filho tinha que ajudar", o que era comum na época. Aduziu que o demandante "ajudava a plantar o milho, plantar o feijão" e depois auxiliava na colheita das culturas, condição que persistiu até o autor completar dezoito anos. Afirmou que viu o demandante trabalhar na agricultura pois era seu vizinho.

NATALICIO ROSSETTO, em seu testemunho (e. 81.4), afirmou que conhece o autor desde que esse tinha sete anos de idade, pois residiam na mesma localidade, sendo que na época via o demandante auxiliando seus pais "na roça", plantando milho, feijão e outras culturas, bem como uma "vaquinha de leite, um porquinho pro gasto e as galinhas", sendo essa a única forma de subsistência da unidade familiar, sem maquinário e mão-de-obra de terceiros. Referiu que o requerente frequentava na época a escola, até a quarta série, sendo que até o meio-dia ficava na aula e depois passava a auxiliar na atividade rurícola. Asseverou que após a quarta série do ensino fundamental, o autor passou a auxiliar seus pais na atividade rurícola em tempo integral. Afirmou que, quando criança, o demandante "amontoava o feijão e o milho" e ajudava a carregar a carroça, em colaboração com os irmãos. Asseverou que testemunhou o autor usando enxada para "capinar os matos" e foice para "roçar e limpar" o local de cultivo de milho, sendo tais atividades comuns para as crianças na época. Referiu que a família do demandante era pobre, sendo que o auxílio de todos os membros da família, inclusive do requerente, era imprescindível para a manutenção da subsistência.

Face a tanto, considerando-se o conjunto probatório supra referido, composto de documentação suficiente para demonstrar a vocação rurícola da família do autor no período controverso, bem como prova testemunhal relativa ao efetivo desempenho de atividade rural pelo demandante em auxílio relevante no labor de sua família de origem (inclusive com o manuseio de enxada e foice para limpeza de terrenos), considero ser imperativa a reforma da sentença no ponto.

Com efeito, em anteriores julgados, já registrei o entendimento de que, "no meio rural, a contribuição de cada um dos membros familiares detém significativa importância para a subsistência do grupo familiar como um todo, não devendo se exigir, rigidamente, que a parte demonstre a indispensabilidade das atividades realizadas especificamente pelo infante" (TRF4, AC 5009811-33.2018.4.04.7205, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 21/03/2022). Ademais, é de se reconhecer que, dependendo da época do ano, as atividades campesinas sejam diferentes e que as crianças ajudem na medida de suas capacidades físicas e peculiaridades, de forma que lhes sejam atribuídas mais funções de acordo com o seu desenvolvimento.

Não desconheço que essa Corte vem exigindo mais detalhamento probatório para fins de reconhecimento do labor rural antes dos 12 anos de idade. Porém, havendo amparo em prova testemunhal idônea, com o relato firme de que o segurado antes dos 12 anos já contribuía efetivamente para o regime de economia familiar pelo desempenho de atividades na lida rural, como no caso dos autos, parece-me suficiente para o reconhecimento do labor.

Sobre a discussão, tive a oportunidade de apresentar prefácio à brilhante e contemporânea obra literária do professor Adriano Mauss, Trabalho infantil: desafio para comprovar a filiação previdenciária, no qual realizei ponderações sobre a matéria. Peço vênia para transcrever alguns trechos que considero essenciais tanto para a solução da presente controvérsia, quanto para fins de verticalização do debate no âmbito deste colegiado (grifei):

(...) Não é possível uma compreensão sobre o fato social histórico trabalho infantil se não se conhece suas origens na formação e no habitus da sociedade brasileira, que, até há pouco tempo, era predominantemente rural. Esta realidade está aqui ilustrada com elementos históricos e dados que revelam uma tradicional e contumaz tendência de as famílias rurais se utilizarem da força de trabalho de crianças de tenra idade, sem considerar a diminuta força, a imaturidade física e as limitações inerentes aos indivíduos ainda em fase de crescimento.

(...)

Fruto de (pré)juízos e do desconhecimento da realidade histórica do trabalho campesino no Brasil, tudo se tem dito e afirmado para que o tempo de trabalho infantil não seja reconhecido para fins previdenciários.

Pode-se começar lembrando o preconceito da vedação legal do trabalho infantil, que encerra em si um paradoxo. Mesmo depois de uma sentença de procedência proferida em ACP proposta pelo MPF, devidamente confirmada pelo TRF4 e transitada em julgado, analisada no livro, ainda se invoca o princípio protetivo da infância em desfavor os próprios infantes protegidos, ao que tenho respondido em inúmeros julgados "que a infelicidade de terem perdido a infância tendo que trabalhar, quando deveriam estar brincando e estudando, não pode ser agravada com a desconsideração deste trabalho, mesmo que ilegal, imoral, inconstitucional ou coisa que o valha".

Depois, superada esta questão do óbice legal, objeta-se com fundamentos que verdadeiramente não se sustentam na realidade social sensível do ambiente de trabalho rural ao longo do tempo e principalmente em tempos pretéritos mais longínquos, tais como a exigência de comprovação de força física e efetiva contribuição no âmbito do regime de economia familiar. Com efeito, trata-se de fato irrelevante e dele não se pode exigir prova. Se a criança produzia mais ou menos, se a criança tinha maior ou menor dificuldade para pegar no cabo da enxada, além de constituírem circunstâncias de prova odiosa, a sua ausência não pode conspirar para o não reconhecimento do trabalho. São aspectos que não descaracterizam o trabalho e apenas podem representar que este se desenvolveu com mais ou menos sacrifício ou esforço.

(...)

Desconhecimento também é afirmar-se que se o infante estava estudando, não poderia, portanto, estar trabalhando em atividade rural. Olvida-se, à miúde, que era prática assente na sociedade rural brasileira o estudo em um turno e o trabalho em outro.

(...)

O preconceito é agravado quando se trata da “mulher” segurada especial, que precisou trabalhar desde a infância e agora vê seu direito à filiação previdenciária periclitar diante de afirmativas do tipo, “o seu trabalho não era indispensável para a sobrevivência do grupo familiar”, “apenas ajudava nas lides domésticas da casa”, “executava tarefas de limpeza e conservação”, “ajudava na cozinha”, “cuidava dos irmãos” etc. Vejo nestas suposições discriminação de gênero (contra a mulher) e penso que o julgamento na hipótese deve ser encaminhado na “Perspectiva de Gênero”, consoante tem orientado o Conselho Nacional de Justiça. Trago à colação, à guisa exemplificativa, passagem de voto-vencedor de minha relatoria na egrégia 9ª Turma do TRF4:

“Ademais, o adjutório da autora à economia familiar não pode ser considerado apenas em função dos valores auferidos com a produção agrícola, mas sim a partir da perspectiva de gênero e de uma análise mais ampla, que leva em consideração a fundamentalidade do papel da trabalhadora rural para viabilizar o próprio trabalho dos demais membros do conjunto familiar. Não se pode olvidar, ademais, da carga laboral extra que é social e automaticamente atribuída às mulheres, referente ao trabalho de "cuidado", e que envolve as mais diversas responsabilidades domésticas. Sobre o tema da "economia do cuidado", destaco a famosa frase atribuída à autora italiana Silvia Federici: "Isso que chamam de amor nós chamamos de trabalho não pago", a qual deve conduzir todos nós à reflexão. Trata-se, com efeito, de atividades (verdadeiro labor) essenciais para o gerenciamento da unidade familiar e que ganham relevo ímpar no meio rural diante da precariedade das condições sociais que o caracterizam, de forma que não podem ser ignoradas pelo julgador, o qual deve levar a perspectiva de gênero em consideração. Julgamento conforme diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ; art. 7º, inciso XX, da Constituição Federal; e Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002) (TRF4, AC 5006466-77.2022.4.04.9999, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 06/07/2023).

(...)

E diante desses aspectos particularizadores da realidade social de inúmeras crianças, as quais se viram obrigadas ao desempenho do sofrido labor rural para possibilitar a subsistência de sua família, invoco a Doutrina da Proteção Integral (art. 1º do ECA) e o Princípio da Prioridade Absoluta (art. 227 da CF), em verdade, metaprincípios decorrentes do Postulado Normativo do Interesse Superior da Criança e do Adolescente.

Com efeito, o mencionado dispositivo constitucional estampa que "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Já o § 3º, II, do referido artigo esclarece que a proteção especial de crianças e adolescentes abrangerá a "garantia de direitos previdenciários e trabalhistas".

Assim, pode-se concluir que as crianças e adolescentes possuem os mesmos direitos fundamentais que os adultos, acrescidos de tantos outros em atenção às especificidades que circundam a sua realidade de vida, sempre com respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, notadamente no que se refere ao trabalho (art. 69, I, do ECA), o que deve pautar não somente a implementação de políticas públicas, mas também a própria atuação do Poder Judiciário.

Logo, até mesmo às crianças e aos adolescentes abaixo da idade mínima para o exercício de trabalho devem ser plenamente assegurados os direitos previdenciários (sem a fixação de um limite etário rígido, conforme decidido na ACP 5017267-34.2013.4.04.7100), uma vez que a norma protetiva não pode vir em sentido contrário ao melhor/superior interesse dos infantes.

Dessa forma, a meu ver, essa rigidez jurisprudencial acaba criando amarras ao pleno exercício dos direitos fundamentais das crianças, notadamente o direito à previdência social, extrapolando a moldura constitucional referente à atuação judicial, de forma que, ao fim e ao cabo, o Poder Judiciário está negando à criança um direito fundamental, o que não se pode admitir. Não se está a dizer que não há necessidade de prova do labor rural pela criança! Mas que não há espaço para esse rigor extremo que tenho visualizado na jurisprudência e, em especial, no âmbito deste Regional, comparativamente com outros trabalhadores rurais com idêntica ou menor proteção constitucional e legal.

Penso, ainda, que o entendimento pela necessidade de demonstração cabal da indispensabilidade do labor do infante para o regime de economia familiar frustra, ainda que indiretamente, todo o avanço alcançado pelo julgamento da ACP 5017267-34.2013.4.04.7100, o que também não se pode permitir.

É inconcebível o rigorismo que se observa também na exigência do chamado “início material de prova” do trabalho infantil para fins de enquadramento previdenciário do segurado especial. Parece que o segurado que foi obrigado a trabalhar é discriminado diante do conceito legal e jurisprudencial de “início de prova material”. Para ele, por castigo pela petulância de pretender resgatar uma mora da sociedade que não lhe permitiu escolha, o início de prova material se transmuda em prova cabal, robusta, incontestável, deixando mesmo de ser um “mero início”, “um indício”, “um elemento documental relacionado”, assim como se exige de todos os demais segurados especiais. Trata-se de uma discriminação incompreensível que viola o princípio constitucional da igualdade entre os iguais. O elemento de discrímen (fato de ser criança) não se sustenta e desvela a flagrante inconstitucionalidade desta exigência despropositada e, no mais das vezes, praticamente insuperável pelo trabalhador infantil.

De fato, em reiteradas decisões, o STF já pacificou entendimento no sentido que o art. 7º, XXXIII, da Constituição 'não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos' (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). O Colendo STJ, por seu turno, analisando o art. 11 da Lei 8.213/91, igualmente assentou a orientação de que a norma de garantia do menor não pode ser interpretada em seu detrimento (REsp nº 1.440.024).

Prevalece, assim, o entendimento de que não obstante a limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), a realidade fática brasileira demonstra que uma gama expressiva de pessoas inicia a vida profissional em idade inferior àquela prevista constitucionalmente, sem possuir a respectiva proteção previdenciária.

Cumpre gizar, por oportuno, que no âmbito da 6ª Turma desta Corte foi acolhido recurso em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face do INSS para que a autarquia se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades previstas no art. 11 da Lei 8.213/91. O Acórdão restou assim ementado:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. (...) 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida." (AC nº 5017267-34.2013.4.04.7100, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, jul. em 09/04/2018, grifei)

Esgotando a vexata quaestio, em recente julgado, o Colendo STJ reiterou o entendimento pela inadmissibilidade de desconsiderar-se a atividade rural exercida por menos impelido a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o trabalhador. O Acórdão de tal decisão foi assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO. 1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise judicial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes. 2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância. 3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica. 4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância. 5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção. 6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969). 7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores. 8. Agravo Interno do Segurado provido. (AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020 - grifei)

Assim, tendo em conta as premissas anteriormente expressadas e o conteúdo da prova testemunhal, restou comprovado o tempo de atividade rural, na condição de segurado especial 28/01/1965 a 26/01/1969, com a reforma da sentença no ponto.

Conclusão quanto ao direito da parte autora

Reforma-se em parte a sentença, a fim de também reconhecer como tempo de labor rural o período de 28/01/1965 a 26/01/1969, o qual, quando computado ao tempo de atividade rurícola reconhecido pelo juízo a quo (27/01/1969 a 31/10/1991) e ao tempo averbado pelo INSS, tem-se o seguinte quadro na DER (06/03/2019):

Assim, em 06/03/2019 (DER), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenche a carência de 180 contribuições.

Resta, ainda, a possibilidade de reafirmação da DER, já contemplada pelo juízo a quo na sentença, quando a data de entrada do requerimento foi reafirmada para período posterior à vigência da EC 103/2019. Assim, com o acolhimento do recurso da parte autora, cumpre a análise da viabilidade de reafirmação para data em que resta concedido o benefício previdenciário mais vantajoso ao segurado.

A Terceira Seção desta Corte, no julgamento realizado nos autos do processo nº 5007975-25.2013.4.04.7003, realizado na forma do artigo 947, § 3º, do CPC (Incidente de Assunção de Competência), entendeu pela possibilidade de reafirmação da DER, prevista no art. 577, inciso II, da IN/INSS 128, de 28/03/2022, também em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa as condições para o benefício depois de concluído o processo administrativo, inclusive quanto ao tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, para fins inativação (Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 06-04-2017).

Tal orientação foi sufragada pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 995, realizado em 22/10/2019, ocasião em que a Primeira Seção concluiu por firmar a seguinte tese jurídica: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. (REsp 1.727.063/SP, REsp 1.727.064/SP e REsp 1.727.069/SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, publicados em 02/12/2019).

Posteriormente, o STJ, ao apreciar os embargos de declaração opostos aos REsp 1.727.063, REsp 1.727.064 e REsp 1.727.069, manifestou-se no sentido de que, no âmbito da reafirmação da DER: (a) é desnecessária a apresentação de novo requerimento administrativo; (b) independe de pedido expresso na inicial, podendo ser determinada de ofício e, existindo pertinência temática com a causa de pedir, o juiz poderá reconhecer de ofício outro benefício previdenciário daquele requerido; (c) o termo inicial do benefício (DIB) será fixado na data do implemento dos requisitos necessários à inativação pretendida, sem atrasados; (d) o julgamento da apelação poderá ser convertido em diligência, a fim de se viabilizar a produção de provas; e (e) deverá ser analisada, preferencialmente, no julgamento do recurso de apelação e, excepcionalmente, por ocasião dos embargos de declaração.

No tocante aos consectários, foram traçadas as seguintes diretrizes: (a) tendo sido reconhecido o direito da parte autora à concessão do benefício no curso da ação, não há falar em parcelas vencidas em momento anterior ao seu ajuizamento, mas tão somente a partir da DER reafirmada; (b) quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV. No caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirão, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, embutidos no requisitório de pequeno valor; e (c) com relação aos honorários advocatícios, descabe a sua fixação quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo. Por outro lado, havendo oposição da autarquia, configurada está a sucumbência, o que enseja o pagamento da verba honorária, a ser fixada em 10% sobre o montante das parcelas vencidas a contar da DER reafirmada e até a data do acordão, nos termos da Súmula nº 76 do TRF/4 (Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 21/05/2020).

Vale registrar que é descabido o sobrestamento do presente processo, eis que já foi certificado o trânsito em julgado dos REsps 1.727.063, 1.727.064 e 1.727.069, ocorridos, respectivamente, em 29/10/2020, 29/09/2020 e 29/10/2020.

Saliente-se, por oportuno, que, por ocasião da realização da I Jornada de Direito da Seguridade Social do Conselho da Justiça Federal, realizada de 21 a 23 de junho de 2023, foi aprovado Enunciado no sentido de que é possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê em embargos declaratórios, desde que opostos nas instâncias ordinárias, conforme uniformizado pelo Repetitivo nº 995 do STJ.

Estabelecidas tais premissas, observo que a parte autora conta com tempo de contribuição posterior à DER, conforme consulta ao extrato do CNIS, onde há registro do recolhimento de contribuições previdenciárias até a competência maio/2022, tendo em vista o vínculo laboral do segurado para o empregador TRANSMAJE TRANSPORTES LTDA. (e. 5.3). Consoante dispõe o art. 29-A da Lei nº 8.213/91, as informações constantes no CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados poderão ser utilizadas para fins de cálculo do salário de benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral da Previdência, tempo de contribuição e relação de emprego (grifei).

Logo, é possível que se compute o tempo de contribuição subsequente ao protocolo do pedido de concessão do benefício (DER 06/03/2019) e anterior ao ajuizamento da ação (25/04/2022), até o momento em que a parte autora implementou os requisitos do benefício postulado, o que ocorre em 01/04/2019, data em que fica reafirmada a DER e tem ela direito à concessão da aposentadoria especial/por tempo de contribuição integral, bem como ao pagamento dos valores devidos desde então.

Com efeito, uma vez computado ao tempo averbado pelo INSS os períodos de labor rural, na qualidade de segurado especial, reconhecidos no presente feito (de 28/01/1965 a 26/01/1969 e de 27/01/1969 a 31/10/1991), tem-se o seguinte quadro em 01/04/2019:

Assim, em 01/04/2019, data para a qual resta reafirmada a DER, o segurado tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).

Na hipótese dos autos, ainda que implementados os pressupostos para a inativação antes do ajuizamento da ação (25/04/2022 - e. 1), é de ver-se que na data de reafirmação da DER ainda pendia de conclusão o processo administrativo, tendo sido indeferido o benefício em 05/02/2020 (e. 1.12), razão pela qual a DIB deve ser fixada na data em que reafirmada a DER (01/04/2019), assegurado o pagamento de atrasados desde quando devidos.

Reitere-se que, com a reafirmação da DER para data anterior ao ajuizamento da presente demanda (25/04/2022 - e. 1) e à conclusão do processo administrativo (o benefício foi indeferido em 05/02/2020 - e. 1.12), a DIB e os efeitos financeiros da concessão devem ser fixados na data em que reafirmada a DER (01/04/2019), de forma que não se aplica ao caso os parâmetros fixados pelo STJ quando nos embargos de declaração interpostos ao Tema 995, que trata de reafirmação da DER com cômputo de tempo de contribuição posterior à propositura da demanda.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.

Em hipóteses como tais, constituindo-se o direito da parte autora à concessão do benefício em momento anterior ao ajuizamento da ação, configurada está a mora e, tendo em vista a previsão da Súmula nº 204 do STJ, Os juros de mora nas ações relativas a benefícios previdenciários incidem a partir da citação válida, conforme a regra do art. 240 do CPC/2015, segundo a qual A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor. Ademais, não se aplica a tese firmada pelo STJ nos embargos de declaração interpostos ao Tema 995, que trata de reafirmação da DER com cômputo de tempo de contribuição posterior à propositura da demanda.

SELIC

A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:

"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."

Honorários advocatícios recursais

Tendo em vista que o recurso da parte autora restou acolhido, com reconhecimento de tempo de labor urbano rejeitado pelo juízo a quo, cumpre afastar a sucumbência recíproca arbitrada em primeira instância, impondo-se à parte ré a integralidade dos ônus sucumbenciais, de forma que estabeleço a verba honorária, a que condenado o INSS, em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ), considerando as variáveis previstas no artigo 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Tutela específica - implantação do benefício

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTOImplantar Benefício
NB1948145119
ESPÉCIEAposentadoria por Tempo de Contribuição
DIB01/04/2019
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕESTempo de labor rural, na qualidade de segurado especial, a ser averbado: 28/01/1965 a 31/10/1991. DER REAFIRMADA para 01/04/2019.

Requisite a Secretaria da 9ª Turma desta Corte, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.

Conclusão

Reforma-se em parte a sentença, com provimento do recurso da parte autora, a fim de também reconhecer como tempo de labor rural o período de 28/01/1965 a 26/01/1969, o qual, quando computado ao tempo de atividade rurícola reconhecido pelo juízo a quo (27/01/1969 a 31/10/1991), bem como ao tempo averbado pelo INSS, assegura ao demandante o direito à concessão do benefício de APOSENTADORIA INTEGRAL POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO na DER reafirmada para 01/04/2019, data essa anterior ao ajuizamento da presente demanda e à conclusão do processo administrativo.

Determina-se a implantação do benefício.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora e determinar a implantação do benefício via CEAB.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004723141v28 e do código CRC 3c98ca62.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 14/11/2024, às 15:48:24


5000595-64.2022.4.04.7219
40004723141.V28


Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 21:22:34.


Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000595-64.2022.4.04.7219/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. menor de 12 anos de idade. viabilidade. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.

1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.

2. A limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, a teor de orientação firmada pelas Cortes Superiores, encontra-se relacionada à vedação constitucional do trabalho pelo menor. Todavia, ainda que se trate de norma protetiva, não pode ser invocada em prejuízo ao reconhecimento de direitos, sendo possível, assim, a averbação da atividade campesina sem qualquer limitação etária (é dizer, mesmo aquém dos 12 anos de idade), desde que existente prova robusta confortando a pretensão. Precedentes do TRF4.

3. Não se pode impor ônus probatório especial justamente ao segurado que, em situação de vulnerabilidade, foi submetido a labor rurícola em idade na qual sequer poderia colher documentos a seu favor, tendo em vista a sua formação cognitiva incompleta e absoluta incapacidade. Assim, uma comprovado, por conjunto probatório suficiente, o efetivo desempenho de atividade rural em regime de economia familiar pelo requerente, mostra-se impositivo o reconhecimento do período como tempo de serviço na qualidade de segurado especial. Demandar que o segurado ainda provasse a indispensabilidade de seu trabalho para a família de origem seria impor exigência desproporcional, que inviabilizaria, na prática, o reconhecimento da qualidade de segurado especial em tais hipóteses.

4. Recurso da parte autora a que se dá provimento, com determinação de implantação do benefício, tendo em vista o preenchimento dos requisitos legais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora e determinar a implantação do benefício via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de novembro de 2024.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004723142v3 e do código CRC 3ac7b49a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 14/11/2024, às 16:39:44


5000595-64.2022.4.04.7219
40004723142 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 21:22:34.


Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/11/2024 A 12/11/2024

Apelação Cível Nº 5000595-64.2022.4.04.7219/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/11/2024, às 00:00, a 12/11/2024, às 16:00, na sequência 169, disponibilizada no DE de 23/10/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO VIA CEAB.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 21:22:34.


Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Teste grátis agora!