
Apelação Cível Nº 5011013-63.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 12-04-2022, na qual o magistrado a quo assim decidiu (ev. 70, SENT1):
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na ação previdenciária ajuizada por I. M. S. em face do INSS – INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL para, nos termos do art. 487, I, do CPC:
a) RECONHECER a atividade rural exercia pela autora nos períodos de 15/12/1970 a 31/12/1971 e de 01/01/1991 a 31/10/1991 e DETERMINAR ao INSS a averbar 1 ano, 10 meses e 16 dias;
b) COMPUTAR os períodos 09/2009 a 01/2011, 02/2011 a 01/2014, 11/2014 a 06/2016, 08/2016, 10/2016 a 12/2016, 30/01/2017 a 28/12/2018, como contribuinte individual, para fins de carência e DETERMINAR ao INSS a averbar 8 anos, 3 meses e 29 dias, mediante indenização do período (complementação);
c) COMPUTAR os períodos 21/07/2005 a 30/09/2005, 22/10/2013 a 15/11/2013, 31/01/2014 a 14/12/2014, 11/07/2016 a 08/09/2016, em que percebeu benefício previdenciário, para fins de carência e DETERMINAR ao INSS a averbar 1 ano, 4 meses e 14 dias.
d) CONDENAR o INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da DER 28/12/2018.
Estes valores serão corrigidos de acordo com as teses firmadas pelo STF (tema 810) e STJ (tema 905): "O INPC será o índice aplicado para a correção monetária, a contar do vencimento de cada prestação, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91 e os juros de mora com incidência da remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Condeno a parte executada ao pagamento das custas e despesas processuais, observando-se o contido na Lei Complementar Estadual nº 156/1997, Lei Estadual nº 17.654/2018 e na Resolução CM nº 3/2019, no que couber. Honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da publicação desta sentença (Súmula n. 111 do STJ).
O débito é de natureza alimentar.
Sentença não sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 496, I), pois, não obstante ao disposto na súmula n. 490 do STJ, é possível prever que a condenação não ultrapassará, em fase de liquidação, o montante estabelecido no inciso I do §3º do artigo 496 do CPC.
A Autarquia Previdenciária, em suas razões recursais, sustenta a ausência de comprovação, mediante início de prova material, do exercício de atividades rurais no período reconhecido em sentença. Refere que há indícios de contato com o meio rural, mas não de elementos produtivos e que possam confirmar o labor em regime familiar indispensável à subsistência. Entende que descabe o reconhecimento de tempo rural em período anterior aos doze anos de idade, requerendo seja julgado improcedente o pedido. Pugna, ainda, pela improcedência do pedido de cômputo do período em gozo de benefício por incapacidade para fins de carência, uma vez que não houve contribuições.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Reexame necessário
Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.
A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).
Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)
No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.
1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.
2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.
4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, Nona Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).
Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.
Mérito
A controvérsia restringe-se ao reconhecimento (a) do tempo de serviço laborado em atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 15-12-1970 a 31-12-1971 e de 01-01-1991 a 31-10-1991, e (b) dos tempos de 21-07-2005 a 30-09-2005, 22-10-2013 a 15-11-2013, 31-01-2014 a 14-12-2014, 11-07-2016 a 08-09-2016 e de 30-01-2017 a 28-12-2018 em gozo de benefício por incapacidade para fins de carência, e a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Da atividade rural
A autora pretende comprovar o labor rural nos períodos de 15-12-1970 (8 anos) a 31-12-1971 e de 01-01-1991 a 31-10-1991.
O INSS já reconheceu o período de 01-01-1972 a 31-12-1990.
Refere que, desde os 8 anos de idade, ou seja, a partir de 15-12-1970, trabalhou como agricultora em terras de propriedade de seus pais, situadas na Linha Alto Tigre, interior do Município de Iporã do Oeste-SC. Já no período de 13-08-1986 a 31-10-1991, passou a laborar ao lado de seu marido em uma propriedade rural situada na Linha Três Pardos, interior do Município de Mondaí-SC.
Para a comprovação da atividade rural, foram trazidos aos autos os seguintes documentos:
• 1969 – Escritura de compra e venda do imóvel rural, em nome do genitor Asildo Sulzbacher;
• 1970 – Carteira de Filiado do Sindicato Rural de Mondaí-SC, em nome do genitor, com menção da autora como sua dependente;

• 1970-1991 - Declaração de exercício de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Mondaí-SC, em nome do genitor;
• 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980,1982, 1983, 1984, 1985 - Certificados de cadastro no INCRA do Ministério da Agricultura;
• 1982 – Escritura de título definitivo do INCRA em nome do genitor;
• 1986 – Certidão de inteiro teor, datada de 07-08-1986, com inscrição de compra e venda em nome de Walter Kretschmer, esposo da autora;
• 1986 – Certidão de Casamento da autora, celebrado em 13-08-1986, na qual consta a qualificação da autora como agricultora;
• 1987 – Certidão de Nascimento de Alex Kretschmer, filho da autora, datada de 13-02-1987, na qual consta a qualificação da autora e de seu esposo como agricultores;
• 1990 – Certidão de Nascimento de Alessanda Kretschmer, filha da autora, datada de 23-06-1990, na qual consta a qualificação da autora e de seu esposo como agricultores;
• 1997 - Certidão de inteiro Teor, datada de 18-06-1997, com inscrição de compra e venda em nome de Walter Kretschmer, esposo da autora.
Há, ainda, notas fiscais de produção rural, em nome do genitor da autora, indicando a venda de fumo, compra de insumos como uréia e adubo emitidas em 1982, 1985, 1986, e controle de notas de produtor simplificada, em nome do esposo Walter e também em nome próprio, referentes aos anos 1985 a 2000 (ev. 1, PROCADM5).

Portanto, diversamente do que aduz o INSS em seu apelo, há início de prova material relativamente a todo o intervalo pleiteado, seja em nome do genitor, no período de 1969 a 1985, em nome do esposo, de 1986 a 1997, e em nome da própria autora, referente aos anos 1987, 1990, 1999 e 2000.
A testemunha Irani Teresinha Hermes afirma que conhece a autora desde criança; que moravam na Alto Tigre, interior do município de Mondaí-SC; que a família plantava milho, feijão, mandioca, criava porco, plantava fumo; o fumo era vendido, o milho que sobrava vendiam também; não possuíam máquinas nem empregados; que eram em 6 irmãos; que a autora era uma das filhas mais velhas; que a autora começou a ajudar na roça aos 6, 7 anos, no interior é assim; que ajudava a lavrar, tirar o inço, tratar os bichos; que a autora estudava um período, no outro tinha que ajudar na roça; que ficou na roça até casar; que depois que casou saiu do Alto Tigre e foi para Três Pardos.
A testemunha Iracema Hilário Glases afirma que conhece a autora como vizinha; que o esposo Walter já morava em Três Pardos, depois que casaram a autora foi morar lá; que tiveram 2 filhos; que tinham propriedade rural; que plantavam mais milho e fumo, que era o que vendiam; que não tinham empregados; que viviam somente da agricultura; que trabalharam na roça por uns 6 anos depois que casaram; que depois o esposo passou a trabalhar na oficina, e ela continuou na roça.
A testemunha Alfredo Bock - compromissada - corrobora o depoimento da testemunha Iracema a respeito do trabalho rural da autora posterior ao casamento.
Entendo que as informações colhidas na prova oral são consistentes, convergentes e permitem o reconhecimento do trabalho rural nos períodos pleiteados. Segundo se extrai dos autos, a família natural da autora era composta por 7 membros (genitores e 5 filhos), sendo que a autora era a segunda filha, havendo apenas um irmão mais velho, e viviam unicamente da agricultura, sem auxílio de terceiros.
Outrossim, relativamente ao período posterior ao casamento, não apenas há prova material em nome do esposo, mas também em nome próprio, o que autoriza o reconhecimento pretendido.
A TNU, no julgamento do Tema nº 219, firmou a tese de que "É possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino".
Portanto, entendo devido o reconhecimento do trabalho rural da autora nos períodos pleiteados.
Tempo em gozo de benefício por incapacidade como tempo de contribuição e carência
Quanto à possibilidade de cômputo do período em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade como tempo de contribuição e carência, assim dispõe a Lei n. 8.213/91:
Lei n. 8.213/91:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.
(...)
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
(...).
§ 5.º Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo.
(...).
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; (grifei)
Em 21-09-2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou, em sede de repercussão geral (Tema n. 88), o Recurso Extraordinário n. 583.834/SC, da Relatoria do Ministro Ayres Britto, publicado no DJe de 14-02-2012, cuja ementa possui o seguinte teor:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER CONTRIBUTIVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. LIMITES.
1. O caráter contributivo do regime geral da previdência social (caput do art. 201 da CF) a princípio impede a contagem de tempo ficto de contribuição.
2. O § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) é exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição ficto com apoio no inciso II do art. 55 da mesma Lei. E é aplicável somente às situações em que a aposentadoria por invalidez seja precedida do recebimento de auxílio-doença durante período de afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária. Entendimento, esse, que não foi modificado pela Lei nº 9.876/99.
3. O § 7º do art. 36 do Decreto nº 3.048/1999 não ultrapassou os limites da competência regulamentar porque apenas explicitou a adequada interpretação do inciso II e do § 5º do art. 29 em combinação com o inciso II do art. 55 e com os arts. 44 e 61, todos da Lei nº 8.213/1991.
4. A extensão de efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário anterior à respectiva vigência ofende tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o § 5º do art. 195 da Constituição Federal. Precedentes: REs 416.827 e 415.454, ambos da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
5. Recurso extraordinário com repercussão geral a que se dá provimento. (Grifei)
O Superior Tribunal de Justiça, na sequência, também julgou recurso representativo de controvérsia acerca da questão (Tema 704), verbis:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE TRANSFORMAÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REVISÃO DA RMI. ART. 29, II E § 5º, DA LEI 8.213/91 ALTERADO PELA LEI 9.876/99. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA APURAÇÃO DO VALOR INICIAL DOS BENEFÍCIOS. EXIGÊNCIA DE SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO INTERCALADOS COM PERÍODOS DE AFASTAMENTO POR INCAPACIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal são unânimes em reconhecer a legalidade da apuração da renda mensal inicial - RMI dos benefícios de aposentadoria por invalidez oriundos de auxílio-doença.
2. Nos termos do disposto nos arts. 29, II e § 5º, e 55, II, da Lei 8.213/91, o cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-contribuição somente será admissível se, no período básico de cálculo - PBC, houver afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária.
3. A aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença, sem retorno do segurado ao trabalho, será apurada na forma estabelecida no art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99, segundo o qual a renda mensal inicial - RMI da aposentadoria por invalidez oriunda de transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral.
4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC.
(REsp n. 1.410.433/MG, Primeira Seção, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 11-12-2013) Grifei
Esse é o entendimento que vem, desde então, sendo aplicado de forma pacífica por esta Corte, no sentido de ser possível o cômputo, como tempo de contribuição e carência, dos períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, desde que intercalados com períodos de efetiva contribuição: REMNEC n. 5005532-76.2019.4.04.7202, Nona Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 11-05-2020; APELRE n. 0008717-03.2015.4.04.9999/RS, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, DE de 10-08-2017; APELRE n. 0011180-49.2014.4.04.9999/RS, Rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, Sexta Turma, DE de 16-06-2017; AC n. 5000771-41.2015.4.04.7105/RS, Rel. Des. Federal Vânia Hack de Almeida, Sexta Turma, DE de 06-06-2017; AC n. 5019104-65.2015.4.04.7000/PR, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, Quinta Turma, DE de 23-05-2017; AC n. 0003467-86.2015.4.04.9999/RS, Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, Quinta Turma, DE de 02-05-2017; e AC n. 0011023-08.2016.4.04.9999/RS, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Quinta Turma, Quinta Turma, DE de 02-05-2017.
Recentemente, em 18-02-2021, o plenário do STF reafirmou sua jurisprudência ao julgar, em sede de repercussão geral, o RE n. 1298832/RS, do qual foi Relator o Ministro Luiz Fux, publicado em 25-02-2021, e assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA INTERCALADO COM ATIVIDADE LABORATIVA. CONTAGEM PARA FINS DE CARÊNCIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
A tese firmada pelo STF foi a seguinte (Tema 1125):
“É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa.”
Portanto, é possível o cômputo, como tempo de contribuição e carência, dos períodos em gozo de auxílio-doença de 21-07-2005 a 30-09-2005, 22-10-2013 a 15-11-2013, 31-01-2014 a 14-12-2014 e 11-07-2016 a 08-09-2016, porquanto intercalados com períodos contributivos:

Resta mantida, pois, a sentença.
Correção monetária e juros
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11-08-2006 e 08-12-2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, os quais são devidos a contar da citação, observo que, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.
Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE 971.774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 19-10-2016; ARE 964.330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgInt no AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp 1.357.561/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas judiciais na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96, e na Justiça Estadual de Santa Catarina, a teor do que preceitua o art. 33, parágrafo primeiro, da Lei Complementar Estadual n. 156/97, com a redação dada pela Lei Complementar Estadual n. 729/2018.
Tutela específica
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a Terceira Seção desta Corte, buscando dar efetividade ao disposto no art. 461, que dispunha acerca da tutela específica, firmou o entendimento de que o acórdão que concedesse benefício previdenciário e sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, em princípio, sem efeito suspensivo, ensejava o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, independentemente do trânsito em julgado ou de requerimento específico da parte, em virtude da eficácia mandamental dos provimentos fundados no referido artigo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).
Nesses termos, entendeu o Órgão Julgador que a parte correspondente à obrigação de fazer ensejava o cumprimento desde logo, enquanto a obrigação de pagar ficaria postergada para a fase executória.
O art. 497 do novo CPC, buscando dar efetividade ao processo, dispôs de forma similar à prevista no Código de 1973, razão pela qual o entendimento firmado pela Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento da Questão de Ordem acima referida, mantém-se íntegro e atual.
Portanto, com fulcro no art. 497 do CPC, determino o cumprimento imediato do acórdão conforme os dados a seguir, a ser efetivado em 45 dias. Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
| TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
|---|---|
| CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
| NB | |
| ESPÉCIE | Aposentadoria por Tempo de Contribuição |
| DIB | |
| DIP | |
| DCB | |
| RMI | A apurar |
| OBSERVAÇÕES | |
Requisite a Secretaria da Nona Turma o cumprimento da decisão à CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício via CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004736521v15 e do código CRC b286e279.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5011013-63.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE E POSTERIOR AO CASAMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO EM AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CÔMPUTO COMO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E PARA EFEITO DE CARÊNCIA PARA A PERCEPÇÃO DE OUTRO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE, DESDE QUE INTERCALADO(A) COM INTERVALOS DE CONTRIBUIÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. A TNU, no julgamento do Tema nº 219, firmou a tese de que "É possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino".
3. Caso em que há início de prova material em nome do genitor, do esposo e também em nome próprio, e as informações colhidas na prova oral são consistentes, convergentes e permitem o reconhecimento do trabalho rural nos períodos pleiteados.
4. O tempo em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, desde que intercalado com períodos de efetiva contribuição, deve ser computado como tempo de contribuição e para efeito de carência, consoante o RE n. 1298832, julgado pelo pleno do STF em repercussão geral (Tema 1125), que reafirmou a jurisprudência daquela Corte, bem como em face do REsp n. 1.410.433, julgado pelo STJ como recurso repetitivo (Tema 704).
5. É possível o cômputo, como tempo de contribuição e para efeito de carência, de período em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, se intercalado(a) com período contributivo.
6. Comprovado o tempo de contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
7. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do CPC/2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício via CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de outubro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 14/10/2024
Apelação Cível Nº 5011013-63.2022.4.04.9999/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 14/10/2024, na sequência 22, disponibilizada no DE de 03/10/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO VIA CEAB - CENTRAL ESPECIALIZADA DE ANÁLISE DE BENEFÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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