
Apelação Cível Nº 5020262-77.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: MARIA ELENICE MARCHESINI
ADVOGADO: LUIS FERNANDO BASEI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença, proferida na vigência do novo CPC, que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais). A exigibilidade restou suspensa, contudo, em face da assistência judiciária gratuita deferida nos autos.
Em suas razões recursais a parte autora sustenta que juntou provas hábeis do alegado labor rural em regime de economia familiar, o qual foi adequadamente corroborado pelo depoimento das testemunhas ouvidas em audiência. Alega que o fato de o marido da autora exercer atividade urbana não descaracteriza a sua qualidade de segurada especial, pois há nos autos farta documentação dando conta da atividade rural da demandante. Pede o reconhecimento dos períodos de 29/04/1985 a 31/12/1988, 01/01/1995 a 31/12/1995 e 01/01/2001 a 08/04/2016, para fins de tempo de serviço e carência, bem como a concessãodo benefício postulado. Alternativamente, requer a reafirmação da DER para quando implementados os requisitos para a aposentadoria híbrida.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Aposentadoria por Idade Rural
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Saliento que, em recente decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
Caso Concreto
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 27-03-2016 e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 08-04-2016. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima ou à entrada do requerimento administrativo ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
No entanto, observando a prova oral colhida em Juízo, entendo que o pleito autoral não merece prosperar.
Evidenciou-se, do depoimento pessoal da autora e da oitiva das testemunhas, que a principal atividade que garante o sustento da família da requerente é urbana, proveniente do trabalho do marido como motorista de caminhão e, nos últimos 10 anos, da oficina de chapeação e pintura que abriu na cidade. Denota-se, ademais, que a autora saiu do campo aos 12 anos de idade, quando passou a morar na cidade com a família, mesma localidade em que permaneceu depois de casada.
Assim, por estar em consonância com o entendimento desta Relatoria, a sentença recorrida merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
"Por ocasião de seu depoimento pessoal revelou a postulante ter passado a residir no meio urbano desde por volta dos doze anos de idade, situação que denotam os demais dados incorporados ao processo permanecer inalterada até então.
Logo, não se trata de alguém que cresceu e amadureceu no campo. É pessoa que, desde tenra idade, passou a viver na cidade, tanto que sequer soube esclarecer, por ocasião da entrevista administrativa, a extensão de terra arrendada e cultivada, bem como destacou que era lavrada com trator por alguém contratado para tanto, sem saber, entretanto, indicar quem fazia essa atividade. Além disso, à míngua de prova em contrário, esse contexto permite presumir tenha frequentado escola no meio urbano e ali pautado sua vida social.
Não é sem razão que, ao se casar, a autora o fez com alguém que, conforme noticiou em sua entrevista rural (fl. 25), era motorista de cargas e funcionário do Município de Maximiliano de Almeida, alguém que “sempre trabalhou como empregado” e, mais recentemente, abriu negócio próprio – uma oficina de veículos que teria operado por aproximadamente dez anos.
Tal conjuntura restou confirmada pelo depoimento pessoal da autora e pelos relatos das testemunhas Clair da Silva e Ivo Patzlaff, os quais, apesar de nitidamente tentarem atenuar a relevância da atividade laborativa desenvolvida pelo marido da demandante, deixaram claro que Dirceu trabalhava como motorista e depois passou a ser proprietário de uma oficina de chapeação (mídia da fl. 169).
Interessante destacar que as atividades de motorista de cargas e, sobretudo, de mecânico com aptidão para chapeação/soldas, exigem especialização. Não são levadas a efeito por alguém que simplesmente se aventura nesses orbes. Exigem carteira nacional de habilitação especial para condução de caminhão e habilidade para correção de deformação de metal e estrutura veicular. Salta aos olhos, portanto, que o esposo da demandante, para o desenvolvimento das atividades urbanas que registra, não o fazia em caráter precário.
E dessas atividades urbanas, como regra, revelam a experiência e a notoriedade do fato, advém renda muito mais significativa do que a extraída de pequeno pedaço de terra que exige não apenas satisfação das despesas ordinárias de custeio (sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas), mas também o pagamento do arrendamento e o suposto deslocamento da autora até o campo, já que, como visto, reside no meio urbano.
Por esse motivo, inclusive, que se apreendem das notas fiscais de produtor acostadas nas fls. 107/121 valores baixos, dos quais ainda merecem ser deduzidos todos os custos da produção acima identificados, aptos a atestarem inexpressiva rentabilidade que assume caráter meramente complementar frente à atividade urbana desenvolvida pelo marido da demandante ao longo da vida conjugal, estabelecida, justamente, na época objeto do pleito, conforme denota a certidão de casamento acostada na fl. 102 – verso.
Em síntese, apresentam os autos situação na qual a parte autora, embora se proclame segurada especial rural, não merece ser assim qualificada. Distanciou-se da terra ainda criança, jamais tornou à residência rural e, depois do casamento, época em relação à qual pretende ver reconhecida neste feito a atividade rural, passou a usufruir da renda do marido como fonte principal de subsistência, tanto que sequer soube esclarecer a dimensão completa de sua área, o total cultivado e quem era a pessoa contratada para realizar o manejo com trator. Na realidade, transparece que a autora deseja se valer da exploração complementar pelo marido de pequena área rural, em concorrência ao desenvolvimento de atividade urbana, para ver-se socorrida por benefício previdenciário de caráter permanente e duradouro, sem que tenha vertido em favor da autarquia previdenciária, leia-se, da coletividade, único centavo a título de contribuição.
Desta forma, o desacolhimento da pretensão inicial é corolário lógico."
Desse modo, não comprovada a condição de segurada especial da parte autora, tendo em vista que a prova testemunhal indica que o trabalho urbano do marido sempre foi a principal fonte de renda da família, não faz jus ao benefício pretendido.
Honorários Advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência.
Conquanto os honorários advocatícios em matéria previdenciária, como regra, devam ser fixados em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa conforme as disposições do art. 85, §§ 2º, 3º e 4º do novo CPC, na espécie esta tem valor pouco expressivo, de modo que justificada a fixação do valor dos honorários por apreciação equitativa, nos termos do § 8º do art. 85 do NCPC, como estabelecidos na sentença.
Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no art. 85, §11.
Assim, os honorários fixados inicialmente em 800,00 (oitocentos reais), vão majorados em 50%, observado o trabalho adicional realizado em grau recursal.
Entretanto, a exigibilidade resta suspensa em face da AJG deferida nos autos.
Custas Processuais
Mantida hígida a sentença com relação às custas processuais. Suspensa a exigibilidade, contudo, por litigar ao abrigo da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
- sentença mantida integralmente;
- verba honorária majorada conforme o art. 85, §11, do NCPC;
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5020262-77.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: MARIA ELENICE MARCHESINI
ADVOGADO: LUIS FERNANDO BASEI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. conjunto probatório insuficiente. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO COMPROVADO. honorários advocatícios.
1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea.
2. Não demonstrado o efetivo exercício de atividade rural em regime de economia familiar, como principal fonte de subsitência da família, não faz jus ao benefício pleiteado.
3. Honorários advocatícios majorados a teor do § 11, do art. 85, do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de novembro de 2018.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/11/2018
Apelação Cível Nº 5020262-77.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: MARIA ELENICE MARCHESINI
ADVOGADO: LUIS FERNANDO BASEI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/11/2018, na sequência 276, disponibilizada no DE de 29/10/2018.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
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