
Apelação Cível Nº 5001124-49.2023.4.04.7122/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
RELATÓRIO
N. A. F. D. O. propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em 27/02/2023 (), postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, formulado em 11/01/2019 (), mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 29/12/1975 a 20/07/1985 e 27/09/1999 a 09/01/2019.
Em 02/07/2024, sobreveio sentença () que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido postulado na inicial para determinar ao INSS que averbe o tempo rural no(s) período(s) de 29/12/1975 a 31/07/1981, para fins previdenciários (inclusive carência de aposentadoria por idade híbrida).
Condeno as partes, na proporção de 70% do ônus para o(a) autor(a), por sua sucumbência majoritária (decaiu no pedido de reconhecimento da maior parte do período rural e de concessão do benefício), e 30% de ônus para o INSS, ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§2º e 4º, III, do CPC, sendo vedada a sua compensação nos termos do §14, parte final, desse mesmo artigo de lei".
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação (), postulando a reforma da sentença. Em suas razões, a recorrente sustenta, em síntese, que os autos estão instruídos com prova material suficiente à verificação do labor rural em todo o período controverso. Refere que o sustento da família decorria do labor rural, não obstante a existência de empresa registrada em nome do cônjuge.
Com contrarrazões ao recurso (), vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
VOTO
Legislação Aplicável
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.
Remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 4/11/2009, DJe 3/12/2009).
No caso concreto, tendo em conta que a sentença fixou tão somente a averbação de tempo rural, não se pode cogitar de condenação em parcelas vencidas até então, nem em resultado econômico da demanda, logo, a sentença proferida nos autos não está sujeita a reexame necessário.
Delimitação da demanda
Considerando que não há remessa oficial e não havendo interposição de recurso voluntário pelo INSS quanto ao ponto, deve ser mantida a sentença quanto ao reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, pela parte autora, no período de 29/12/1975 a 31/07/1981.
Assim, no caso em apreço, a controvérsia fica limitada ao reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no interregno de 01/08/1981 a 20/07/1985 e 27/09/1999 a 09/01/2019.
Atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/1991 e reafirmado na Súmula 149 do STJ (A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório:
(a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (artigo 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do artigo 194 da Constituição da República de 1988;
(b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido;
(c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17/12/2007; REsp 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13/9/2004; REsp 1.321.493-PR, DJe em 19/12/2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos);
(d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do artigo 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j. 10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias.
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577:
É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/1991 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no artigo 106 da Lei 8.213/1991 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16/4/1994, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Contemporaneidade da prova material
É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do artigo 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do artigo 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do artigo 11, VII da Lei 8.213/1991, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II, b, nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15/4/1971.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é per se stante para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do artigo 11 da Lei 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Aposentadoria Rural por Idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/1991:
(a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e
(b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (artigos 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, inciso II da Lei 8.213/1991), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no artigo 11, I,"a", IV ou VII:
a) o artigo 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício";
b) o artigo 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei 8.213/1991 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24/7/2006), não se lhes aplica o disposto no artigo 25, inciso II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do artigo 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, da CF/88 e artigo 102, §1º, da Lei 8.213/1991).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subsequentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do artigo 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/8/1994 (data da publicação da Medida Provisória 598, que alterou a redação original do artigo 143 referido, posteriormente convertida na Lei 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do artigo 142 da Lei 8.213/1991.
A disposição contida no artigo 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no artigo 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 29/12/1963, implementou o requisito etário em 29/12/2018 e requereu o benefício na via administrativa em 11/01/2019 ().
Neste contexto deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo; ou ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados aos autos os seguintes documentos:
| DOCUMENTO ANTERIORES AO CASAMENTO | PERÍODO/ANO |
| Certidão de óbito do pai, em que foi qualificado como agricultor () | 1977 |
| Certidão de nascimento da irmã, em que o pai foi qualificado como agricultor () | 1974 |
| Histórico escolar, indicando que estudou na Escola Rural Municipal Assis Brasil nos anos de 1974, 1975 e 1976 () | 2017 |
| DOCUMENTOS POSTERIORES AO CASAMENTO | |
| Certidão de casamento, em que o marido consta qualificado como agricultor () | 31/05/1980 |
| Contrato de promessa de compra e venda de uma área de terras, em nome do marido () | 1999 |
| Certidão de nascimento da filha, em que o marido consta qualificado como agricultor () | 2000 |
| CCIR em nome do marido (, ) | 2003/2005, 2006/2009 |
| Histórico escolar da filha, indicando que estudou na EMEF José Telmo Martins, localizada em Sertão Cantagalo, nos anos de 2006 a 2014 () | 2014 |
| Escritura pública de cessão e transferência de direitos de posse, em que o marido consta como cessionário e qualificado como marroeiro () | 2012 |
| Recibo de entrega de declaração do ITR (, ) | 2016, 2014 |
| Notas fiscais de produtor rural, em nome próprio (, , p. 10) | 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 |
| Guia de trânsito animal, em nome do marido () | 2016 |
| Declaração anual de rebanho, em nome do marido (, , p. 2) | 2017 |
| Carteirinha de sócio do Sindicato do Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, em nome do marido () | 2013 |
A sentença afastou a possibilidade de reconhecimento do labor rural, em regime de economia familiar, no período controvertido (de 01/08/1981 a 20/07/1985 e 27/09/1999 a 09/01/2019), ao entendimento de que "apesar do conteúdo probatório dos depoimentos, os demais elementos não permitem o reconhecimento da totalidade do labor rural", destacando a existência de diversos vínculos urbanos da autora e do cônjuge (inclusive o seu envolvimento na área de extração mineral), bem como a existência de empresa registrada em nome do esposo da requerente partir de 2004.
Inconformada, apela a parte autora buscando o reconhecimento do exercício de trabalho rural no interregno referido.
Todavia, sem razão a autora.
Embora o acervo possa sugerir o desempenho de atividade rural pela parte autora, tal circunstância não configura regime de economia familiar, que depende de haver caracterização da comunhão de esforços dos membros da família para terem o sustento assegurado das atividades campesinas. Esse não é o caso dos autos, onde se verifica diversos vínculos urbanos do cônjuge e da própria autora ao longo do período controvertido.
Cumpre destacar o entendimento nesta Corte de que o exercício de atividade urbana por integrante do núcleo familiar não tem o condão de descaracterizar, por si só, a condição de segurado especial de quem postula o benefício, sempre que o trabalho agrícola for "indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar", nos termos dispostos no § 1º do art. 11 da LBPS (Redação dada pela Lei 11.718, de 20/06/2008).
Contudo, no caso dos autos, há, claramente, uma inversão do entendimento da autora, quando afirma que a atividade rural desempenhada era para a subsistência da família. Não há sentido em se afirmar o caráter complementar da renda urbana advinda do cônjuge e da própria autora, considerando que ambos possuem diversos vínculos urbanos no período postulado.
Conforme se extrai do CNIS do cônjuge (), há período reconhecido como segurado especial (01/11/1969 31/07/1981), contudo, a partir de 1981 há extenso histórico de vínculos urbanos, especialmente no ramo calçadista, motivando, inclusive, a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição com DIB em 25/04/2023 ().
A autora, da mesma forma, apresenta diversos vínculos urbanos, também no ramo calçadista (), demonstrando que a família não retirava da agricultura a principal fonte de sustento.
Destaca-se, ainda, a existência de empresa registrada em nome do cônjuge e o seu envolvimento na extração de minérios ( e ). A respeito, são percucientes os fundamentos lançados na sentença, os quais adoto também como razões de decidir:
"A partir de 01/08/1981 o marido passou a desenvolver atividade urbana, sendo que a CTPS da autora foi emitida em 21/12/1983, em Sapiranga/RS. Logo, além da ausência de início de prova material para o período de 01/08/1981 a 20/07/1985, o marido dedicava-se à atividade urbana e há indícios de que a família tenha se mudado de Barracão/PR em época anterior à mencionada pela autora.
Quanto ao período de 27/09/1999 a 09/01/2019, há um cenário peculiar que merece ser cuidadosamente analisado, conforme se passa a expor:
- em 1999 o casal adquiriu (através de contrato de promessa de compra e venda) uma área de terras em Santo Antônio da Patrulha/RS;
- em 2000 nasceu Emilin, filha da autora, sendo o genitor qualificado como agricultor em sua certidão de nascimento;
- de 05/03/2002 a 11/09/2002 a autora desenvolveu atividade urbana ();
- de 08/10/2001 11/09/2002, 18/12/2003 a 15/02/2004, 15/03/2004 a 10/12/2004, 01/11/2007 a 15/10/2009, 01/07/2010 a 29/06/2012, 01/08/2013 a 28/02/2015, a 01/04/2015 a 30/11/2015, 01/01/2016 a 30/06/2022 o marido da autora consta com vínculos/contribuições urbanas ();
- 11/03/2004 o marido da autora se estabeleceu como empresário individual, na localidade de Canta Galo, interior de Santo Antônio da Patrulha/RS, com a atividade de extração de basalto e beneficiamento associado ();
- no período de 24/08/2012 e 07/11/2017 houve desmatamento irregular na propriedade do casal, com a finalidade de extração de minério ();
- em 2012 foi assinada escritura de cessão e transferência de direitos sobres a propriedade rural, em que o marido da autora foi qualificado como marroeiro;
- em 13/03/2003 a autora foi inscrita no CADÚnico, com última atualização em 17/05/2017, constando grupo familiar composto apenas pela segurada e sua filha;
- os talões de produtor rural constam em nome da autora e de seu marido, as contranotas apresentadas, contudo, estão todas em nome do marido, que, como já referido, exercia atividade urbana desde 2001, pelo menos.
Feito esse apanhado, importante registrar que a mudança da autora para o interior de Santo Antônio da Patrulha não impediu o labor urbano por ela, que contou com vínculo empregatício no ano de 2002, e não traz como consequência lógica a presunção do exercício da atividade rural. A atividade urbana exercida pelo marido, estabelecido como empresário desde 2004, impede o aproveitamento dos documentos em seu nome para comprovação do labor rural da autora.
O contexto probatório, portanto, não é apto a indicar a vocação rurícola do núcleo familiar e da própria autora, que, exceto em relação à inscrição como produtora rural, que permitiu a emissão de talões de notas, não apresentou documentos em nome próprio a demonstrar a atividade rural. Os documentos em nome do marido, como já dito, não servem como início de prova material para a comprovação da atividade rural, já que o seu histórico laboral é preponderantemente urbano".
Conclui-se, pois, que os documentos apresentados não indicam a vinculação da autora e de sua família ao meio rural, em regime de economia familiar, no lapso temporal em questão, não sendo possível a concessão da aposentadoria rural por idade à parte demandante.
Desse modo, não merece provimento o apelo da parte autora, devendo ser mantida a sentença de parcial procedência nos termos em que proferida pelo juízo a quo.
Honorários advocatícios
Mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais na forma proclamada na sentença.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária devida pela parte autora em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (artigo 85, §3º, inciso I, do NCPC), cuja exigibilidade fica suspensa em virtude do benefício de gratuidade da justiça deferida.
Cumprimento imediato do acórdão
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 9/8/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do período rural em favor da parte autora, a contar da competência da publicação do acórdão, a ser efetivada em quarenta e cinco dias.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, impende esclarecer que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
| TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
|---|---|
| CUMPRIMENTO | Emitir Averbação |
| NB | |
| DIB | |
| DIP | |
| DCB | |
| RMI | A apurar |
| OBSERVAÇÕES | Averbar o tempo rural no(s) período(s) de 29/12/1975 a 31/07/1981, para fins previdenciários (inclusive carência de aposentadoria por idade híbrida). |
Conclusão
Manter a sentença quanto à averbação do labor rural, desempenhado em regime de economia familiar, no período de 29/12/1975 a 31/07/1981, para todos os fins previdenciários.
Negar provimento ao apelo da parte autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo da autora e determinar a averbação do(s) período(s), via Central Especializada de Análise do Benefício - CEAB, com comprovação nos autos.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004649857v11 e do código CRC 58df25c4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 14/8/2024, às 13:42:57
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 14:42:18.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5001124-49.2023.4.04.7122/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AVERBAÇÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. VÍNCULOS URBANOS. registro de empresa em nome do cônjuge. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS.
1. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/1991, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
2. A parte autora não faz jus à concessão do benefício postulado, uma vez que não foram preenchidos os requisitos cumulativos exigidos pela legislação de regência.
3. A existência de diversos vínculos urbanos do casal, ao longo de todo o período controvertido, assim como de empresa registrada e o envolvimento do cônjuge na extração de minério, demonstram que a família não retirava da agricultura a principal fonte de sustento.
4. Assegura-se, à parte autora, o direito à averbação dos períodos rurais reconhecidos, para fim de obtenção de futuro benefício previdenciário.
5. Mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais.
6. A parte autora é isenta do pagamento das custas processuais por força do benefício da AJG previamente concedido.
7. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo da autora e determinar a averbação do(s) período(s), via Central Especializada de Análise do Benefício - CEAB, com comprovação nos autos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004649858v4 e do código CRC 5752a412.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 9/9/2024, às 12:19:50
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/08/2024 A 04/09/2024
Apelação Cível Nº 5001124-49.2023.4.04.7122/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/08/2024, às 00:00, a 04/09/2024, às 16:00, na sequência 521, disponibilizada no DE de 19/08/2024.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA E DETERMINAR A AVERBAÇÃO DO(S) PERÍODO(S), VIA CENTRAL ESPECIALIZADA DE ANÁLISE DO BENEFÍCIO - CEAB, COM COMPROVAÇÃO NOS AUTOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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