
Apelação Cível Nº 5000212-53.2021.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido postulado na inicial para determinar ao INSS que
a) averbe o tempo comum no(s) período(s) de 02/08/1977 a 30/08/1978 (Rafael Bufrem e Cia. Ltda.), 31/03/1982 a 13/10/1982 (Avícola industrial Chesini Ltda.), 01/05/1990 a 31/01/1995 e 01/04/1995 a 31/07/1996 (Contribuinte individual), para fins previdenciários, inclusive para efeito de carência;
b) averbe a condição de pessoa portadora de deficiência em grau leve da parte autora, tendo trabalhado desde 30/03/1981 nesta condição;
c) conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade da pessoa portadora de deficiência (deficiência leve), NB 191.287.766-7, a contar da DER, em 05/12/2018;
d) implante, administrativamente, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da requisição à CEAB DJ, a renda mensal do benefício da parte autora, em vista da antecipação de tutela deferida, conforme as seguintes informações DADOS PARA CUMPRIMENTO (X) CONCESSÃO ( ) RESTABELECIMENTO ( ) REVISÃO NB 191.287.766-7 Espécie aposentadoria por idade da pessoa portadora de deficiência DIB 05/12/2018 DIP 01/10/2022 DCB NÃO HÁ RMI A APURAR
e) pague à parte autora os valores em atraso, desde a DER (05/12/2018).
Condeno as partes, na proporção de 40% do ônus para o(a) autor(a), por sua sucumbência minoritária (decaiu no pedido de condenação em danos morais), e de 60% do ônus para o INSS, ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais a serem fixados em percentual apurado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos do art. 85, §§3º e 4º, II, do CPC, sendo vedada a sua compensação nos termos do §14, parte final, desse mesmo artigo de lei. A incidência do percentual deve recair sobre parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111, do STJ), se for o caso.
O apelante sustenta, em síntese, que a sentença incorreu em erro ao reconhecer a condição de pessoa com deficiência da parte autora. Argumenta que a perda de audição unilateral, com a funcionalidade do ouvido remanescente inalterada, não configura deficiência nos termos da Lei Complementar nº 142/2013, pois não gera restrição objetiva ou impedimento à participação plena na sociedade. Adicionalmente, insurge-se contra a condenação aos ônus da sucumbência, defendendo que a demanda tramitou pelo rito ordinário por culpa exclusiva da parte autora, que incluiu pedido de danos morais julgado improcedente, devendo, por isso, arcar integralmente com as custas e honorários.
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Aposentadoria por idade da pessoa com deficiência
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 201, §1º, estabeleceu a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social que sejam portadores de deficiência. A efetiva regulamentação desse dispositivo constitucional se deu com a edição da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, que instituiu as regras para a aposentadoria da pessoa com deficiência no âmbito do RGPS.
A definição legal de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 2º da referida lei complementar, adota critério biopsicossocial, em alinhamento com os tratados internacionais de direitos humanos. Considera-se pessoa com deficiência, portanto, “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
A Lei Complementar n° 142/2013 prevê duas modalidades de aposentadoria para a pessoa com deficiência: por tempo de contribuição, cujos requisitos variam conforme o grau da deficiência (grave, moderada ou leve), e por idade. O caso em tela versa sobre a segunda modalidade, cujos pressupostos estão dispostos no inciso IV do artigo 3º:
Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
(...)
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Para a efetivação dessas condições, os artigos 4º e 5º da mesma Lei Complementar tornam imperativa a avaliação da deficiência, estabelecendo que esta será médica e funcional, nos termos do Regulamento, e que o grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim. Essa exigência visa a uma avaliação técnica e padronizada, afastando o subjetivismo e garantindo a uniformidade na aplicação da lei.
A regulamentação infraconstitucional dessa matéria foi concretizada pelo Decreto nº 8.145/2013, que alterou o Decreto nº 3.048/99, e, mais detalhadamente, pela Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU n° 1, de 27 de janeiro de 2014. Esta Portaria aprovou o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA), instrumento de avaliação que, baseado na CIF, permite a aferição do grau de deficiência (grave, moderada, leve) ou a constatação de pontuação insuficiente para a concessão do benefício. O item 4.e da referida Portaria estabelece os seguintes parâmetros de pontuação total (soma das avaliações médica e funcional):
- Deficiência Grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739.
- Deficiência Moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354.
- Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584.
- Pontuação Insuficiente para Concessão do Benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585.
Dessa forma, a análise do direito à aposentadoria da pessoa com deficiência exige avaliação biopsicossocial minuciosa, que conjugue os aspectos clínicos da condição do segurado com o seu impacto na funcionalidade e na interação social, traduzindo-se em pontuação objetiva para a classificação do grau de deficiência.
Exame do caso concreto
A autarquia alega que a perda auditiva unilateral, com um ouvido funcionalmente normal, não constitui deficiência para os fins da Lei Complementar nº 142/2013, pois não implicaria em impedimento à participação plena na sociedade.
A sentença, ao reconhecer o direito da autora, fundamentou-se nas avaliações periciais judicial médica e social, que aplicaram o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA). O laudo médico pericial, elaborado por especialista em otorrinolaringologia (evento 108), diagnosticou a autora com Perda de audição unilateral neuro-sensorial (CID H90.4) e fixou a data de início da deficiência em 30/03/1981. A avaliação social (evento 104), por sua vez, analisou o impacto funcional da condição no cotidiano da segurada.
A soma das pontuações atribuídas pelos peritos judicial médico (3.725 pontos) e social (3.800 pontos, conforme laudo complementar no evento 121) totalizou 7.525 pontos. De acordo com os parâmetros normativos da Portaria Interministerial nº 1/2014, a pontuação entre 6.355 e 7.584 classifica a deficiência como leve. Portanto, a sentença não se afastou da prova técnica; ao contrário, fundamentou sua decisão exatamente na conclusão que emerge da avaliação biopsicossocial regularmente produzida nos autos.
O argumento do INSS de que a deficiência auditiva unilateral não gera repercussões cotidianas representa mera discordância com as conclusões técnicas dos peritos, sem apresentar elementos probatórios que as infirmem. A legislação previdenciária não exige incapacidade laboral, mas sim impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui a participação social em igualdade de condições. Foi precisamente essa interação que os peritos avaliaram por meio da metodologia legalmente estabelecida, concluindo, de forma objetiva e fundamentada, pela existência de deficiência em grau leve. A avaliação biopsicossocial, com seus 41 quesitos, visa justamente a aferir o impacto global da condição do indivíduo, e não apenas o diagnóstico clínico isolado.
Dessa forma, a sentença que reconheceu a deficiência leve da autora, com base no conjunto probatório e, em especial, nas conclusões das perícias judiciais, deve ser mantida.
Verifica-se que o benefício já foi implantado em razão de antecipação de tutela deferida (evento 153).
Sucumbência
O INSS apela também da distribuição dos ônus sucumbenciais, argumentando que, pelo princípio da causalidade, a parte autora deveria arcar integralmente com as custas e honorários, pois a inclusão do pedido de danos morais, julgado improcedente, foi o que determinou a tramitação da ação pelo rito ordinário.
A tese não merece acolhida. O princípio da causalidade deve ser analisado em sua inteireza. A causa primária para o ajuizamento da ação foi o indeferimento indevido do benefício previdenciário na via administrativa, ato praticado pelo INSS. O pedido principal e de maior proveito econômico da demanda era a concessão da aposentadoria, no qual a autora sagrou-se vencedora.
O juízo de primeiro grau, ao distribuir a sucumbência, já ponderou adequadamente o decaimento da parte autora no pedido de danos morais, atribuindo-lhe a responsabilidade por 40% das custas e honorários. Essa distribuição proporcional reflete o resultado do litígio. Imputar à autora a integralidade da sucumbência seria desproporcional e ignoraria a responsabilidade principal da autarquia, que deu causa à lide ao negar o direito ao benefício. Portanto, a sentença deve ser mantida também neste ponto.
Honorários advocatícios
Considerando o desprovimento do recurso de apelação interposto pelo réu, e em atenção ao trabalho adicional realizado pelo procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios.
Assim, com fulcro no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, majora-se em 20% (vinte por cento) a verba honorária fixada na sentença de primeiro grau em desfavor do INSS, observados os limites máximos previstos nas faixas de incidência do artigo 85, § 3º, do CPC.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005354723v3 e do código CRC 82ac5824.
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Apelação Cível Nº 5000212-53.2021.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR Nº 142/2013. DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL. COMPROVAÇÃO. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
1. A Lei Complementar nº 142/2013 exige, para a concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, a realização de avaliação biopsicossocial, por meio do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA), para determinar a existência e o grau da deficiência.
2. A sucumbência parcial da parte autora, determinada pela improcedência do pedido relativo à indenização por danos morais, impõe a sua condenação ao pagamento da parcela correspondente aos ônus sucumbenciais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005354724v3 e do código CRC 700c5b6c.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025
Apelação Cível Nº 5000212-53.2021.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 45, disponibilizada no DE de 08/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, MAJORAR A VERBA HONORÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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