
Apelação Cível Nº 5012867-86.2023.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação previdenciária, na qual é postulada a concessão do benefício de aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, apenas para declarar que a autora apresenta deficiência leve, desde 27 de setembro de 1994.
Em suas razões recursais, a apelante sustenta, em síntese, equívoco da decisão de primeiro grau ao não lhe conceder o benefício pleiteado. Argumenta que a legislação não exige concomitância entre o período de contribuição e a existência da deficiência para o preenchimento dos requisitos. Defende que, uma vez comprovados 15 (quinze) anos de tempo de contribuição e, de forma apartada, 15 (quinze) anos de deficiência ao longo da vida, o direito ao benefício estaria configurado, sendo indevida a exigência de que os períodos se sobreponham. Alega, ainda, a ocorrência de erro material na avaliação pericial realizada em juízo, aduzindo que a pontuação atribuída não reflete adequadamente suas limitações funcionais. Requer, ao final, a reforma integral da sentença para que seu pedido seja julgado totalmente procedente.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Nesta instância, o Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestou-se pela ausência de interesse público que justifique sua intervenção no mérito da causa, opinando pelo prosseguimento regular do feito.
VOTO
Aposentadoria por idade da pessoa com deficiência
A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, já previa a necessidade de proteção diferenciada aos segurados do Regime Geral de Previdência Social. Com a evolução legislativa, o artigo 201, §1º, estabeleceu a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários portadores de deficiência. A efetiva regulamentação desse dispositivo constitucional se deu com a edição da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, que instituiu as regras para a aposentadoria da pessoa com deficiência no âmbito do RGPS.
A definição legal de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 2º da referida lei complementar, adota critério biopsicossocial, em alinhamento com os tratados internacionais de direitos humanos. Considera-se pessoa com deficiência, portanto, “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
A Lei Complementar nº 142/2013 prevê duas modalidades de aposentadoria para a pessoa com deficiência: por tempo de contribuição, cujos requisitos variam conforme o grau da deficiência (grave, moderada ou leve), e por idade.
O caso sob exame versa sobre a segunda modalidade, cujos pressupostos estão dispostos no inciso IV do artigo 3º:
Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Para a concessão da aposentadoria por idade à mulher com deficiência, são exigidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) idade mínima de 55 anos;
b) tempo mínimo de contribuição de 15 anos (carência); e
c) comprovação da existência de deficiência, de qualquer grau, por período igual ao tempo mínimo de contribuição exigido, ou seja, por pelo menos 15 anos.
A legislação é inequívoca ao vincular o tempo de contribuição à condição de deficiente, conforme se depreende da expressão “durante igual período”. A avaliação da deficiência, conforme os artigos 4º e 5º da Lei Complementar, deve ser de natureza médica e funcional, realizada por perícia própria do INSS ou, em juízo, por peritos designados para tanto, por meio de instrumentos específicos desenvolvidos para essa finalidade, o que evidencia o caráter técnico e multidisciplinar da análise.
Mérito da causa
A controvérsia recursal cinge-se a dois pontos: a necessidade de concomitância entre o tempo de contribuição e a existência da deficiência e, ainda, a alegação de erro material na pontuação da avaliação pericial.
Da concomitância entre o tempo de contribuição e a existência da deficiência
A apelante alega que a legislação não exige que os 15 (quinze) anos de contribuição sejam exercidos na condição de pessoa com deficiência. Segundo sua interpretação, bastaria comprovar, de forma isolada, 15 anos de contribuição em qualquer tempo e 15 anos de deficiência, ainda que em período não contributivo. Este argumento, contudo, não encontra amparo na legislação e contraria a finalidade do benefício.
A aposentadoria da pessoa com deficiência com critérios diferenciados visa compensar o maior desgaste e as barreiras enfrentadas pelo segurado que exerce atividade laboral nessa condição. A lógica do legislador foi a de mitigar as desvantagens impostas pela deficiência no ambiente de trabalho, reconhecendo que o esforço para manter a produtividade e a inserção social é substancialmente maior. Desvincular o tempo de contribuição da existência da deficiência seria esvaziar por completo o propósito da norma, equiparando indevidamente a situação de quem trabalhou plenamente capaz com a de quem trabalhou superando as adversidades de uma limitação de longo prazo.
A redação do inciso IV do artigo 3º da Lei Complementar nº 142/2013 é expressa ao exigir “tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período”. A interpretação lógica e gramatical do dispositivo conduz à conclusão de que os períodos devem ser coincidentes. Se assim não fosse, o legislador teria utilizado redação diversa, como "desde que comprovado tempo de contribuição de 15 anos e, em qualquer época, a existência de deficiência por 15 anos".
Demais, o artigo 70-C, §1º, do Decreto nº 3.048/99 (com a redação dada pelo Decreto nº 8.145/2013), que regulamenta a matéria, dirime qualquer dúvida ao dispor que a comprovação da deficiência em período anterior à vigência da Lei Complementar nº 142/2013 será considerada para fins de cômputo do tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, reforçando a indissociabilidade entre os dois requisitos.
Este entendimento encontra respaldo no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme se extrai dos seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LC 142/2013. TEMPO MÍNIMO DE CONTRIBUIÇÃO. EXISTÊNCIA DE DEFICIÊNCIA. SIMULTANEIDADE EXIGIDA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE/AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO PROBATÓRIO. TEMA 629 STJ. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, NO PONTO. 1. É assegurada a aposentadoria por idade ao segurado com deficiência que possua 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência que possua, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período. 2. O tempo de contribuição considerado, para os fins de cumprimento dos requisitos da aposentadoria por idade prevista na Lei Complementar 142/2013, é àquele realizado enquanto o segurado possui deficiência. Inteligência do art. 70-C, 1º do Decreto 3.048/1999. 3. O segurado não preencheu os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade à pessoa com deficiência, pois não contabilizou tempo de contribuição suficiente na condição de pessoa com deficiência. 4. Em face da ausência de conteúdo probatório, extingue-se, sem resolução de mérito, o pedido de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente/auxílio por incapacidade temporária, postulado apenas em sede recursal, nos termos do Tema 629 do STJ. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004315-52.2020.4.04.7205, 9ª Turma, Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/06/2024)
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL INTERPOSTO PELO AUTOR. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. NECESSIDADE PREENCHIMENTO CONCOMITANTE DOS REQUISITOS. INCIDENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Demonstrada a existência de divergência na aplicação do direito entre Turmas Recursais da 4ª Região, o pedido de uniformização deve ser conhecido. 2. A finalidade da norma é a de reduzir o tempo trabalhado com a deficiência, pois mais desgastante, não se podendo igualar o tratamento conferido aos trabalhadores que não enfrentam dificuldades para inserção e atuação no mercado de trabalho àqueles que enfrentam diariamente barreiras físicas e sociais para o exercício de suas atividades. 3. Fixação da tese no sentido de que para a concessão de aposentadoria por idade ao portador de deficiência há necessidade de comprovação concomitante do exercício de atividade laborativa e da deficiência por no mínimo 15 anos. 4. Como o acórdão da Turma Recursal de origem decidiu no mesmo sentido da tese fixada, deve ser negado provimento ao pedido de uniformização regional. (TRF4, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TRU) Nº 5000382-66.2019.4.04.7121, Turma Regional de Uniformização - Previdenciária, Juíza Federal NARENDRA BORGES MORALES, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/06/2021)
Portanto, a sentença agiu com acerto ao considerar como tempo qualificado para o benefício apenas os períodos em que houve a sobreposição do exercício de atividade laborativa com a existência da deficiência, não merecendo reparos neste ponto.
Do alegado erro material na pontuação
A apelante insurge-se, de forma secundária, contra a pontuação que lhe foi atribuída na avaliação biopsicossocial realizada em juízo, alegando a existência de erro material. Contudo, a análise detida dos autos revela que a alegação é genérica e não aponta qualquer vício concreto que possa macular o trabalho pericial.
As perícias médica e social foram conduzidas por profissionais qualificados e de confiança do juízo, os quais aplicaram o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA), instrumento previsto na Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1, de 27 de janeiro de 2014. A avaliação baseia-se em critérios técnicos e objetivos, que buscam traduzir em pontuação o impacto da deficiência na funcionalidade do indivíduo em diversos domínios da vida.
O que se verifica da insurgência da apelante é mera discordância com as conclusões dos peritos, o que é natural no contexto de um litígio, mas que não se confunde com "erro material". Erro material seria um equívoco objetivo na soma dos pontos, na transcrição de dados ou na aplicação de uma fórmula preestabelecida, o que não foi demonstrado no caso concreto. A valoração das limitações da segurada e sua correspondente pontuação inserem-se no âmbito da discricionariedade técnica do perito, cujo laudo, quando bem fundamentado e coerente, deve ser prestigiado, conforme o princípio do livre convencimento motivado do julgador.
A apelante não apresentou qualquer prova técnica robusta capaz de infirmar as conclusões dos laudos judiciais. Suas alegações, desprovidas de suporte técnico-científico, não são suficientes para desconstituir o trabalho dos experts nomeados pelo juízo. Dessa forma, a sentença, ao se basear nas conclusões periciais para aferir a existência e o período da deficiência, não incorreu em qualquer vício, devendo ser mantida integralmente.
Honorários
Considerando o desprovimento do recurso de apelação interposto pela parte autora, e em atenção ao trabalho adicional realizado pelo procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios.
Assim, com fulcro no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, majora-se em 20% (vinte por cento) a verba honorária fixada na sentença de primeiro grau, observados os limites máximos previstos nas faixas de incidência do artigo 85, § 3º, do CPC, mantida a suspensão da exigibilidade nos termos do artigo 98, §§ 2º e 3º, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da gratuidade da justiça.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005336888v4 e do código CRC c617bbe0.
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Apelação Cível Nº 5012867-86.2023.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR Nº 142, DE 8 DE MAIO DE 2013. REQUISITOS LEGAIS. NECESSIDADE DE CONCOMITÂNCIA ENTRE O PERÍODO DE CONTRIBUIÇÃO E A EXISTÊNCIA DA DEFICIÊNCIA. ERRO MATERIAL NA AVALIAÇÃO PERICIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. A Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, ao regulamentar o artigo 201, §1º, da Constituição Federal, estabeleceu os requisitos para a aposentadoria da pessoa com deficiência. Para a modalidade por idade, exige-se, para a mulher, 55 anos de idade, tempo mínimo de contribuição de 15 anos e a comprovação da existência de deficiência durante igual período, o que impõe a simultaneidade entre a condição de deficiente e o tempo de contribuição.
2. O direito à aposentadoria por idade da pessoa com deficiência está condicionado ao preenchimento cumulativo dos requisitos legais. A interpretação teleológica e sistemática do artigo 3º, inciso IV, da Lei Complementar nº 142, regulamentado pelo artigo 70-C, §1º, do Decreto nº 3.048/1999, evidencia a indispensabilidade de que o segurado tenha vertido contribuições por, no mínimo, 15 (quinze) anos na condição de pessoa com deficiência, não bastando a soma de períodos não coincidentes.
3. A mera discordância da parte com as conclusões técnicas da perícia judicial, realizada por profissionais de confiança do juízo e com base nos instrumentos normativos aplicáveis, não caracteriza erro material passível de anular a avaliação ou reformar a sentença, mormente quando não se aponta vício concreto no método ou na aplicação dos critérios de pontuação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar a verba honorária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de outubro de 2025.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005336889v4 e do código CRC 3c5f4dab.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 14/10/2025
Apelação Cível Nº 5012867-86.2023.4.04.7112/RS
RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A) CARMEM ELISA HESSEL
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA DANIELA PEREIRA por G. H. U. D. M.
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 14/10/2025, na sequência 2, disponibilizada no DE de 03/10/2025.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, MAJORAR A VERBA HONORÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante Juíza Federal ANA INÉS ALGORTA LATORRE
Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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