
Apelação Cível Nº 5003543-44.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, integrada pela via aclaratória (
), publicada em 27/06/2022, proferida nos seguintes termos ( ):Ante o exposto, forte nas disposições do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por C. P. em face de INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS e, em consequência:
a) Declaro que o autor exerceu atividades especiais durante os períodos de 04/03/1988 a 08/12/1990, 29/04/1995 a 30/05/1997, 02/06/1997 a 27/04/1998 e 01/09/1997 a 03/05/2017, determinando ao réu a respectiva averbação para fins previdenciários;
b) Condeno o réu a implementar o benefício previdenciário de aposentadoria especial em favor do autor, nos moldes do artigo 57, §1º, da Lei 8.213/91, com RMI a ser calculada pelo INSS, bem como o seu pagamento desde o requerimento administrativo (03/05/2017), até a data que o benefício for efetivamente implementado. Ressalto que a presente verba possui natureza alimentar;
A atualização das parcelas vencidas até 08/12/2021 deverá ser feita pelo INPC, desde cada vencimento, com acréscimo de juros de mora a contar da citação (Súmula 204 do STJ), que deverão ser computados de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei 9.494/97.
Nas parcelas vencidas após 09/12/2011 (Emenda Constitucional 113), o cálculo da correção monetária e juros de mora deverá observar unicamente a taxa Selic.
c) Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, excluindo as prestações vincendas, considerando como tais as vencidas após a data da publicação da sentença, face ao que dispõe o artigo 85, § 3º do Novo Código de Processo Civil e a Súmula n. 111 do STJ;
d) Sem custas, ante a isenção prevista no art. 33, §1º, da Lei Complementar Estadual 156/97, com redação pela LCE 729/2018.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o deferimento do benefício, sob os seguintes argumentos: (a) inadmissível a prova por similaridade, pois não restou demonstrada a equivalência entre as condições ambientais com relação à empresa da prestação laboral e nem prestavam serviço à SEARA, onde realizada a perícia; (b) cômputo em duplicidade do período de 01/09/1997 a 27/04/1998; (c) a menção genérica da sujeição a hidrocarbonetos aromáticos, tais como "graxa" e "óleo mineral", sem referência à composição do produto químico, inviabiliza o enquadramento do labor como nocivo, segundo a tese fixada no Tema 298 da TNU; (d) ausente indicação dos limites de concentração e da composição dos agentes químicos, sendo que somente os hidrocarbonetos aromáticos, por seu potencial cancerígeno, são considerados insalubres à saúde do trabalhador; (e) impossibilidade de aplicação retroativa da regra do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99; (f) de acordo com a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09/2014, aplicável a partir de 08/10/2014, apenas os agentes químicos indicados no Grupo 1 (Agentes confirmados como cancerígenos para humanos) da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH se classificam como insalubres, para fins previdenciários; (g) a aferição do nível do ruído deve observar a dosimetria NEN (Nível de Exposição Normalizado), segundo dispõe a NHO 01 da Fundacentro; (h) a nocividade foi neutralizada pela utilização de EPIs eficazes; (i) impossibilidade de cômputo de tempo de serviço especial prestado pelo segurado na condição de contribuinte individual após 28/04/1995, especialmente porque não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias na forma do art. 57, § 6º, da Lei nº 8.213/91, não se podendo conceder o benefício sem a correspondente fonte de custeio; (j) descabido o enquadramento do tempo de serviço como especial em razão da exposição ao frio após o advento do Decreto nº 2.172/97; (l) ausente prova da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, na forma da Lei nº 8.213/91 e dos decretos regulamentares, acima dos limites de tolerância; e (m) a sujeição a produtos de limpeza não enseja o cômputo diferenciado do tempo de contribuição. Prequestiona afronta à matéria altercada (
, e ).Com contrarrazões (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Nos termos do art. 932, inciso III, do CPC, por ausência de interesse recursal, não conheço do apelo do INSS nos seguintes tópicos:
*matéria dissociada da lide: sujeição a produtos de limpeza e à poeiras; e
*assuntos não alegados no processo e não submetidos ao contraditório: (a) impossibilidade de cômputo de tempo especial pelo segurado contribuinte individual; (b) análise quantitativa e qualitativa de agente químico; (c) aplicação retroativa do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99; (d) reconhecimento da exposição ao frio; e (d) metodologia empregada na aferição do nível do ruído. Tais questões não foram objeto da contestação (
) ou de qualquer outra peça processual existente nos autos, tampouco se trata de matérias de ordem pública, a ensejar a apreciação de ofício por esta Corte.Trata-se de inovação recursal, fenômeno caracterizado pela presença, no recurso, de argumentos jurídicos não discutidos na instância originária, malferindo o princípio da ampla defesa, que, na instância revisora, deve prevalecer sobre o princípio iura novit curia, implicando o não conhecimento da argumentação inovadora. De fato, O processo caminha para a frente, de modo que o INSS não pode vir agora em sede recursal suscitar questão de fato que não alegou na contestação e em qualquer outro momento antes da sentença. O sistema processual brasileiro prevê a preclusão para o réu da possibilidade de deduzir fatos que impugnem o direito alegado pelo autor. O momento da preclusão se dá em caráter geral, ao se extinguir o prazo de contestação, o que se extrai do texto dos arts. 141, 336 e 342 do CPC. Aperfeiçoada a inovação recursal, fenômeno caracterizado pela presença, no recurso, de argumentos jurídicos não discutidos na instância originária, malferindo o princípio da ampla defesa, que na instância revisora deve prevalecer sobre o princípio iura novit curia, implicando o não conhecimento da argumentação inovadora. (TRF4, AC 5006468-97.2016.4.04.7205, NONA TURMA, Rel. p/ Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 08/07/2020).
Ora, o sistema processual brasileiro prevê etapa de preclusão para o réu da possibilidade de deduzir fatos que impugnem o direito alegado pelo autor. O momento da preclusão ocorre, em caráter geral, ao se extinguir o prazo de contestação, o que se extrai do texto dos arts. 141, 336 e 342, todos do CPC:
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.
Art. 342. Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando:
I - relativas a direito ou a fato superveniente;
II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição.
Os tópicos em discussão não se referem à matéria de direito ou fundamento jurídico de solução da demanda, mas sim a fatos que afetam o direito do autor, não alegados pelo réu em contestação.
A jurisprudência deste Colegiado não admite a inovação processual quando deduzida em recurso de apelação:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. APELAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. 1. Trazendo a apelação argumento não apresentado anteriormente, tem-se presente a hipótese de inovação em sede recursal, não sendo tal tese passível de apreciação por este Tribunal, uma vez que a questão não fora suscitada ou discutida anteriormente à sua interposição. 2. Apelação não conhecida. (TRF4, AC 5020547-36.2019.4.04.9999, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 11/03/2020)
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. INOVAÇÃO RECURSAL. 1. Nos termos dos arts. 71 e seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural no período de doze meses que antecede o início do benefício. 2. Hipótese em que parte da fundamentação exposta no recurso não foi aventada em momento anterior do processo, configurando flagrante inovação recursal. Se o argumento não foi submetido ao crivo do juízo de primeiro grau, não pode ser analisado por esta Turma, sob pena de supressão de instância. 3. Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora. (TRF4, AC 5016903-22.2018.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 11/04/2019).
Dito isso, ausente um dos pressupostos de admissibilidade, não deve ser conhecida a apelação do INSS, no ponto, nos termos do art. 932, inciso III, do CPC, por se tratar de inovação recursal, sob pena de supressão de instância.
Com efeito, É consabido que a inovação do pedido ou da causa de pedir na fase recursal é vedada pelo ordenamento jurídico, por violar o disposto no art. 329 do CPC, bem assim a cláusula do devido processo legal, os princípios do contraditório e da ampla defesa, em manifesta violação a diretos e garantias fundamentais que são aplicáveis a todos que litigam em processos judiciais. (TRF4, AC nº 5000135-11.2016.4.04.7018, DÉCIMA TURMA, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 03/04/2018).
Limites da insurgência recursal
A controvérsia nos presentes autos tem por objeto (a) o cômputo de tempo especial nos intervalos de 04/03/1988 a 08/12/1990, 29/04/1995 a 30/05/1997, 02/06/1997 a 27/04/1998 e 01/09/1997 a 03/05/2017, bem como (b) o direito da parte autora à concessão. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
As condições da prestação de serviço do autor são as seguintes:
PERÍODOS | EMPRESAS | AGENTES NOCIVOS |
04/03/1988 a 08/12/1990 | Mecânica e Chapeação Paluzi | *ruído de 88 dB *hidrocarbonetos aromáticos (tintas, solventes e pintura à pistola) |
29/04/1995 a 30/05/1997 | Tochetto Engenharia Ltda. | *ruído de 86,7 dB *hidrocarbonetos aromáticos (tintas, solventes e pintura à pistola) *frio, com temperatura aferida em - 4ºC |
02/06/1997 a 27/04/1998 | Empreiteira Tochetto Ltda. | *ruído de 86,7 dB *hidrocarbonetos aromáticos (tintas, solventes e pintura à pistola) *frio, com temperatura aferida em - 4ºC |
01/09/1997 a 03/05/2017 | Pinturas Pedrotti Ltda. ME - contribuinte individual | *ruído de 86,7 dB *hidrocarbonetos aromáticos (tintas, solventes e pintura à pistola) *frio, com temperatura aferida em - 4ºC |
Funções: auxiliar de chapeação e pintor industrial
Enquadramento legal:
*ruído: (1) até 05/03/1997: Código 1.1.6 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64 e Código 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, com limite de tolerância superior a 80 dB; (2) de 06/03/1997 a 06/05/1999: Código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97, com limite de tolerância superior a 90 dB; (3) de 07/05/1999 a 18/11/2003: Código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, na redação original, com limite de tolerância superior a 90 dB; e (4) a partir de 19/11/2003: Código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, sendo o limite de tolerância superior a 85 dB;
*agente químico: código 1.2.11 do quadro anexo ao Decreto 53.831/64; código 1.2.10 do Anexo I do Decreto 83.080/79; código 1.0.19 dos Anexos IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99 e Anexo 13 da NR 15 do MTE; e
*frio: Código 1.1.2 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64; Código 1.1.2 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e Anexo nº 09 da NR nº 15 do MTE c/c Súmula nº 198 do TFR.
Provas: formulários padrão (
, pp. 14, 17 e 26-31, e ) e laudo judicial ( , e ).No tocante à prova pericial, observo que ausente impugnação, de parte da autarquia, com relação à decisão do juiz a quo, que deferiu a produção da prova (
), tendo se operado a preclusão consumativa do ato. De fato, É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão (TRF4, AG 5013149-96.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 06/08/2018). E, intimado a respeito do laudo, o INSS não se insurgiu com relação à produção da prova. Vejamos ( ):INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pessoa jurídica de direito público, representado(a) pelo membro da Advocacia-Geral da União infra-assinado, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, manifestar ciência do laudo pericial juntado, ratificando os termos da contestação.
Descabida, pois, a pretensão de desvalidar, em sede recursal, as conclusões da perícia judicial, a pretexto de que não há prova de que as empresas das atividades prestavam serviços à SEARA, onde realizada a vistoria.
Conclusão:
Sentença mantida quanto ao reconhecimento da nocividade nos períodos de 04/03/1988 a 08/12/1990, 29/04/1995 a 05/03/1997 e 19/11/2003 a 31/12/2005, 01/02/2006 a 31/01/2007 e de 01/03/2007 a 03/05/2017, pela exposição a ruído. |
Sentença mantida quanto ao enquadramento pela exposição a agentes químicos nos lapsos de 04/03/1988 a 08/12/1990, 29/04/1995 a 30/05/1997, 02/06/1997 a 27/04/1998 e 01/09/1997 a 03/12/1998 (na ausência de recurso da parte autora). |
Sentença mantida com relação ao cômputo de tempo especial nos intervalos de 29/04/1995 a 30/05/1997, 02/06/1997 a 27/04/1998, 01/09/1997 a 31/12/1997, 01/04/1998 a 31/12/2005, 01/02/2006 a 31/01/2007 e de 01/03/2007 a 03/05/2017 pela submissão ao frio. |
Sentença reformada para afastar o reconhecimento de tempo especial, pelo ruído, nos interregnos de 06/03/1997 a 30/05/1997 e de 02/06/1997 a 27/04/1998, em que não foi ultrapassado o limite de tolerância de 90 dB. Cumpre anotar que, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.398.260/PR - Tema nº 694/STJ (Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo da controvérsia, restou assentada a impossibilidade de aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, que reduziu para 85 dB o nível de ruído necessário ao reconhecimento da natureza especial do tempo de serviço, por força do princípio tempus regit actum. |
Sentença reformada para afastar o cômputo de tempo de contribuição (comum e especial) nos lapsos de 01/01/1998 a 31/03/1998, 01/01/2006 a 31/01/2006 e de 01/02/2007 a 28/02/2007, em que não houve o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias. Tratando-se de segurado empregado, avulso e empregado doméstico, em que a obrigação do recolhimento e pagamento das contribuições previdenciárias é do empregador, admite-se a concessão de benefício ainda que haja débito relativo a contribuições. Diversa é, porém, a situação do contribuinte individual (obrigatório e/ou facultativo), em que a obrigação pela quitação das respectivas contribuições é do próprio segurado, afigurando-se, ainda, como condição para o reconhecimento de vínculo previdenciário, sem o qual não se pode computar tempo de serviço. Ausente prova do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pelo segurado contribuinte individual, ônus a ele atribuído, por força do art. 30, inciso II, da Lei nº 8.212/91, não é possível computar o tempo de serviço como especial. |
Não há óbice ao cômputo de tempo especial, em duplicidade, no lapso de 01/09/1997 a 27/04/1998, em que o autor prestou atividades a empresas diversas. O que não se admite, apenas, é a contagem em duplicidade, no cálculo do tempo especial da parte autora, o que não se deu no caso dos autos.
Agente químico hidrocarboneto aromático
O Decreto nº 53.831/64, no código 1.2.11 do seu quadro anexo, previa como agente insalubre ensejador do direito à aposentadoria com 25 anos de serviço as operações executadas com derivados tóxicos do carbono, arrolados, dentre as substâncias nocivas, os hidrocarbonetos (item I). Idêntica previsão foi incluída no Anexo I do Decreto nº 83.080/79 (código 1.2.10) e, sucessivamente, nos Anexos IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99, que classificaram como agentes nocivos o "carvão mineral e seus derivados" (código 1.0.7), abrangida a "extração, produção e utilização de óleos minerais" (letra b), assim como "outras substâncias químicas" (código 1.0.19), o que autoriza, portanto, o cômputo de tempo especial mesmo após 06/03/1997. De igual modo, o Anexo nº 13 da NR nº 15 do MTE descreve como insalubre o emprego de produtos contendo hidrocarbonetos aromáticos como solventes ou em limpeza de peças e a manipulação de óleos minerais, óleo queimado, parafina ou outras substâncias cancerígenas afins.
Os hidrocarbonetos aromáticos são compostos orgânicos considerados tóxicos, que possuem um ou mais anéis benzênicos ou núcleos aromáticos. O Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria Interministerial nº 9, publicando a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, sendo que, no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, está arrolado o agente químico benzeno (descrito no código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 e registrado na LINACH com CAS sob o código 000071-43-2). Esclareço que as disposições da Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09, de 07/10/2014, publicada em 08/10/2014, aplicam-se em época pretérita à sua edição, uma vez que o agente nocivo sempre foi cancerígeno, apenas reconhecido administrativamente atualmente.
Assim, comprovada a sujeição ao agente cancerígeno hidrocarboneto aromático, deve ser reconhecida a especialidade, independentemente da mensuração da concentração no ambiente de trabalho acima do limite de tolerância inserto na NR 15 do MTE, sendo suficiente a análise qualitativa, nos termos do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 8.123/13, porquanto se trata de atividade prestada antes da data de início da vigência do Decreto nº 10.410, de 01/07/2020.
Agente físico frio
Embora não contemplado no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade pela submissão ao frio dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto TFR (Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento).
Acerca da celeuma, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 534, concluiu que as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (REsp nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
Esta Corte pacificou a tese de que A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A ausência da previsão da especialidade do labor para o agente nocivo frio não deixa a descoberto o segurado, pois a Súmula nº 198 do extinto TFR prevê o reconhecimento do trabalho em condições especiais em caso de manifesto prejuízo à saúde do segurado. Ademais, a NR15, do MTE, em seus Anexos 9 e 10, reconhece a insalubridade das atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada. (TRF4, AC 5030242-48.2018.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 19/03/2021).
No tocante à continuidade, a permanência deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, conforme remansosa orientação assentada na jurisprudência pátria.
Com efeito, Considerados diversos julgados da Corte - é notório (sem a garantia do reconhecimento da especialidade por enquadramento da atividade profissional) que a atividade de Açougueiro, com a específica atribuição de adentrar em câmaras frias, expõe o trabalhador ao agente físico frio. (...) A permanência a que se refere o art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/91 para fins de concessão da aposentadoria especial, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica. Precedente do TRF4. 5. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição é ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. (TRF4, AC 5003766-32.2017.4.04.7016, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 17/03/2021). A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do trabalhador em câmaras frias durante sua jornada de trabalho, não sendo razoável exigir-se a permanência do segurado no interior da câmara frigorífica. (TRF4, AC 5001427-40.2017.4.04.7133, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 03/12/2020).
Equipamentos de proteção individual - EPIs
A utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89.
O Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no julgamento do Tema 555, firmou orientação de que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete (grifo nosso). Na ocasião, foi feita a ressalva de que, nas hipóteses de submissão a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracterizaria o tempo de serviço especial para aposentadoria (ARE nº 664.335, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJE 12/02/2015).
Realmente, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador, conforme se infere do próprio regramento administrativo do INSS (art. 279, § 6º, da IN/INSS 77/2015 e art. 291 da IN/PRES/INSS 128/2022):
Art. 291. Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância:
I - da hierarquia estabelecida na legislação trabalhista, ou seja, medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de EPI, nesta ordem, admitindo-se a utilização de EPI somente em situações de inviabilidade técnica, insuficiência ou provisoriamente até a implementação do EPC ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial;
II - das condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições de campo;
III - do prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação da Secretaria de Previdência do Ministério do Trabalho e Previdência ou do órgão que venha sucedê-la;
IV - da periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria; e
V - da higienização.
Parágrafo único. Entende-se como prova incontestável de eliminação dos riscos pelo uso de EPI, citado no Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010, de 23 de dezembro de 2010, o cumprimento do disposto neste artigo.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema 15), decidiu que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo, estabelecendo a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário. (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, julgado em 22/11/2017, trânsito em julgado em 07/11/2023).
Restou assentado no aresto que Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. Foram feitas as ressalvas, no entanto, de que (a) nos casos de empresas inativas e não sendo obtido os registros de fornecimento de EPI, as partes poderão utilizar-se de prova emprestada ou por similaridade (de outros processos, inclusive de reclamatórias trabalhistas) e de oitiva de testemunhas que trabalharam nas mesmas empresas em períodos similares para demonstrar a ausência de fornecimento de EPI ou uso inadequado, e de que (b) existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:
a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:
Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:
'§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)'
b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:
b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)
b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)
b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:
Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017 )
Saliente-se, por oportuno, que, por ocasião da realização da I Jornada de Direito da Seguridade Social do Conselho da Justiça Federal, realizada de 21 a 23 de junho de 2023, foi aprovado Enunciado no sentido de que São admissíveis outros meios de prova, além do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), para demonstrar a eficácia ou ineficácia do EPI (Equipamento de Proteção Individual).
Na situação em tela, não se pode afirmar, exime de dúvidas, que a nocividade foi elidida pelo uso de equipamentos de proteção individual, (a) quer porque não demonstrado o cumprimento das condições referidas no art. 279, § 6º, da IN/INSS 77/2015 e no art. 291 da IN/PRES/INSS 128/2022, (b) quer porque se trata da exposição a agente agressivo (ruído) para o qual é dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI (Tema 15/TRF4), (c) quer porque não há conclusão no(s) LTCAT(s) da(s) empresa(s) quanto à eficácia dos EPIs.
Tempo de exposição aos agentes agressivos
No que se refere à regra do art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/91, somente com o advento da Lei nº 9.032, de 28/04/1995, é que se tornou necessária a comprovação da exposição habitual e permanente ao agente nocivo para fins de cômputo de tempo especial.
A respeito do trabalhado prestado a partir de 29/04/1995, é assente na jurisprudência pátria a orientação no sentido de que a habitualidade e permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. O Regulamento da Previdência Social, conforme se infere do caput do art. 65 do Decreto nº 3.048/99, define o trabalho permanente como aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. Ou seja, nem o INSS requer a sujeição ininterrupta ao agente agressivo, bastando que seja habitual, que esteja presente em período razoável da jornada laboral, integrando a sua rotina e seguindo a dinâmica de cada ambiente de trabalho. A Terceira Seção desta Corte já decidiu que A habitualidade e a continuidade a caracterizar o trabalho especial não pressupõe a permanência da insalubridade em toda a jornada de trabalho do segurado. Na verdade, o entendimento extraído da norma legal é a exposição diuturna de parcela da jornada de trabalho, desde que referida exposição seja diária. (TRF4, EINF 5024390-63.2011.4.04.7000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 20/04/2015).
Com efeito, Para a caracterização da especialidade, não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). A habitualidade e permanência hábeis aos fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho. (TRF4, AC 5002353-50.2018.4.04.7209, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 24/03/2022).
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de 04/03/1988 a 08/12/1990, 29/04/1995 a 30/05/1997, 02/06/1997 a 27/04/1998, 01/09/1997 a 31/12/1997, 01/04/1998 a 31/12/2005, 01/02/2006 a 31/01/2007 e de 01/03/2007 a 03/05/2017.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM (com conversões)
Data de Nascimento | 03/08/1970 |
---|---|
Sexo | Masculino |
DER | 03/05/2017 |
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | MECANICA E CHAPEACAO PALUZI LTDA (AVRC-DEF) | 04/03/1988 | 08/12/1990 | 1.40 Especial | 2 anos, 9 meses e 5 dias + 1 anos, 1 meses e 8 dias = 3 anos, 10 meses e 13 dias | 34 |
2 | TOCHETTO ENGENHARIA LTDA | 11/11/1992 | 30/05/1997 | 1.40 Especial | 4 anos, 6 meses e 20 dias + 1 anos, 9 meses e 26 dias = 6 anos, 4 meses e 16 dias | 55 |
3 | EMPREITEIRA TOCHETTO LTDA | 02/06/1997 | 27/04/1998 | 1.40 Especial | 0 anos, 10 meses e 26 dias + 0 anos, 4 meses e 10 dias = 1 anos, 3 meses e 6 dias | 11 |
4 | AUTÔNOMO | 01/10/1997 | 30/11/1997 | 1.40 Especial | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitância | 0 |
5 | EMPRESÁRIO / EMPREGADOR | 01/12/1997 | 31/12/1997 | 1.40 Especial | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitância | 0 |
6 | EMPRESÁRIO / EMPREGADOR | 01/04/1998 | 30/11/1999 | 1.40 Especial | 1 anos, 3 meses e 3 dias + 0 anos, 6 meses e 1 dias = 1 anos, 9 meses e 4 dias Ajustada concomitância | 15 |
7 | RECOLHIMENTO | 01/12/1999 | 31/12/2000 | 1.40 Especial | 1 anos, 1 meses e 0 dias + 0 anos, 5 meses e 6 dias = 1 anos, 6 meses e 6 dias | 13 |
8 | RECOLHIMENTO | 01/01/2001 | 31/12/2002 | 1.40 Especial | 2 anos, 0 meses e 0 dias + 0 anos, 9 meses e 18 dias = 2 anos, 9 meses e 18 dias | 24 |
9 | RECOLHIMENTO | 01/01/2003 | 31/03/2003 | 1.40 Especial | 0 anos, 3 meses e 0 dias + 0 anos, 1 meses e 6 dias = 0 anos, 4 meses e 6 dias | 3 |
10 | AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS | 01/04/2003 | 31/12/2005 | 1.40 Especial | 2 anos, 9 meses e 0 dias + 1 anos, 1 meses e 6 dias = 3 anos, 10 meses e 6 dias | 33 |
11 | AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS | 01/02/2006 | 31/01/2007 | 1.40 Especial | 1 anos, 0 meses e 0 dias + 0 anos, 4 meses e 24 dias = 1 anos, 4 meses e 24 dias | 12 |
12 | AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS | 01/03/2007 | 03/05/2017 | 1.40 Especial | 10 anos, 2 meses e 3 dias + 4 anos, 0 meses e 25 dias = 14 anos, 2 meses e 28 dias | 123 |
13 | AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS | 04/05/2017 | 31/08/2024 | 1.00 | 7 anos, 3 meses e 27 dias Período posterior à DER | 87 |
Marco Temporal | Tempo especial | Tempo total (especial + comum s/ conversão) para fins de pontos | Carência | Idade | Pontos (art. 21 da EC nº 103/19) |
Até a DER (03/05/2017) | 26 anos, 8 meses e 27 dias | Inaplicável | 323 | 46 anos, 9 meses e 0 dias | Inaplicável |
- Aposentadoria especial
Em 03/05/2017 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria especial (Lei 8.213/91, art. 57), porque cumpre o tempo mínimo de 25 anos sujeito a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com o art. 29, II, da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99 (média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, sem incidência do fator previdenciário, e multiplicado pelo coeficiente de 100%).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709, concluiu pela constitucionalidade do artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 (RE nº 791.961/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 19/08/2020), implicando a cessação do pagamento do benefício, e não a sua cassação ou cancelamento, a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 12 anos, 4 meses e 25 dias | 108 | 28 anos, 4 meses e 13 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 7 anos, 0 meses e 14 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 13 anos, 3 meses e 6 dias | 115 | 29 anos, 3 meses e 25 dias | inaplicável |
Até a DER (03/05/2017) | 37 anos, 5 meses e 7 dias | 323 | 46 anos, 9 meses e 0 dias | 84.1861 |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Em 16/12/1998 (EC 20/98), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 30 anos.
Em 28/11/1999 (Lei 9.876/99), o segurado não tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 35 anos. Ainda, não tem interesse na aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (regras de transição da EC 20/98), porque o pedágio é superior a 5 anos.
Em 03/05/2017 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada (84.19 pontos) é inferior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Honorários advocatícios
Diante do acolhimento parcial da pretensão recursal da Autarquia, descabe a majoração da verba honorária, consoante a tese firmada no Tema 1059/STJ ["A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação"].
Conclusão
- Sentença mantida quanto (a) ao cômputo de tempo especial nos lapsos de 04/03/1988 a 08/12/1990, 29/04/1995 a 30/05/1997, 02/06/1997 a 27/04/1998, 01/09/1997 a 31/12/1997, 01/04/1998 a 31/12/2005, 01/02/2006 a 31/01/2007 e de 01/03/2007 a 03/05/2017; (b) ao direito do autor à concessão da aposentadoria especial, desde a DER (03/05/2017), e ao pagamento das parcelas devidas desde então; e (c) aos consectários da condenação (critérios de correção monetária e juros de mora incidentes sobre o débito).
- Sentença reformada para (a) determinar, de ofício, a observância da restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; (b) afastar o reconhecimento de tempo especial, pelo ruído, nos interregnos de 06/03/1997 a 30/05/1997 e de 02/06/1997 a 27/04/1998; e (c) afastar o cômputo de tempo de contribuição (comum e especial) nos lapsos de 01/01/1998 a 31/03/1998, 01/01/2006 a 31/01/2006 e de 01/02/2007 a 28/02/2007, em que não houve o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias.
- A parte autora tem direito à implantação do benefício na forma mais vantajosa: aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição. No caso, manifesta opção pela concessão da aposentadoria especial, inexistindo óbice, porém, a que, na fase de cumprimento do julgado, opte por benefício diverso.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por, de ofício, determinar a observância da restrição do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; conhecer, em parte, da apelação e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004708182v12 e do código CRC 6f60e68d.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5003543-44.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. benefício concedido. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. MELHOR BENEFÍCIO. OPÇÃO DO SEGURADO. EXAME DE ADMISSIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. APELO CONHECIDO EM PARTE. AGENTE químico. hidrocarbonetos aromáticos. agentes físicos ruído e frio. exposição abaixo do limite de tolerância. auxiliar de chapeação. pintor industrial. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DA NOCIVIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. contribuinte individual. contribuições previdenciárias. sentença reformada.
1. O sistema processual brasileiro prevê a preclusão para o réu da possibilidade de deduzir fatos que impugnem o direito alegado pelo autor. O momento da preclusão se dá, em caráter geral, ao se extinguir o prazo de contestação, o que se extrai do texto dos arts. 141, 336 e 342 do CPC. Aperfeiçoada a inovação recursal, fenômeno caracterizado pela presença, no recurso, de argumentos jurídicos não discutidos na instância originária, malferindo o princípio da ampla defesa, que na instância revisora deve prevalecer sobre o princípio iura novit curia, implicando o não conhecimento da argumentação inovadora.
2. Preenchendo a parte autora os requisitos para a obtenção de mais de um benefício, deve ser assegurada a concessão do mais vantajoso, nos termos da decisão proferida pelo STF no RE 630.501.
3. Afastado o reconhecimento da especialidade do labor no período em que a exposição ao agente físico ruído era inferior a 90 dB. Impossibilidade de aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03.
4. Embora o frio não esteja contemplado no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC.
5. A utilização de EPIs é irrelevante para o reconhecimento da nocividade do labor prestado no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi traçado pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89.
6. O uso de equipamentos de proteção individual, no caso de exposição a ruído, ainda que reduza os níveis do agente físico a patamares inferiores aos previstos na legislação previdenciária, não descaracteriza a nocividade do labor. Entendimento em consonância com o julgamento do Tema 555, exarado pelo STF no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335, com repercussão geral reconhecida.
7. No julgamento do Tema nº 555, o STF assentou que a nocividade do labor é neutralizada pelo uso eficaz de EPIs. Porém, é preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e peridiocidade do fornecimento dos equipamentos, sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador, a teor do art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade exercida, porquanto não comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e não demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho.
8. A falta de previsão legal para o autônomo recolher um valor correspondente à aposentadoria especial não pode obstar-lhe o reconhecimento da especialidade, o que se constituiria em ato discriminatório, se ele exerceu a atividade sujeita a agentes nocivos previstos na legislação de regência.
9. Tratando-se de segurado empregado, avulso e empregado doméstico, em que a obrigação do recolhimento e pagamento das contribuições previdenciárias é do empregador, admite-se a concessão de benefício ainda que haja débito relativo a contribuições. Diversa é, porém, a situação do contribuinte individual (obrigatório e/ou facultativo), em que a obrigação pela quitação das respectivas contribuições é do próprio segurado, afigurando-se, ainda, como condição para o reconhecimento de vínculo previdenciário, sem o qual não se pode computar tempo de serviço. Ausente prova do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pelo segurado contribuinte individual, ônus a ele atribuído, por força do art. 30, inciso II, da Lei nº 8.212/91, não é possível computar o tempo de serviço como especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, determinar a observância da restrição do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; conhecer, em parte, da apelação e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de outubro de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004708183v4 e do código CRC 5fd59271.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2024 A 08/10/2024
Apelação Cível Nº 5003543-44.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2024, às 00:00, a 08/10/2024, às 16:00, na sequência 52, disponibilizada no DE de 19/09/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, DETERMINAR A OBSERVÂNCIA DA RESTRIÇÃO DO ART. 57, § 8º, DA LEI Nº 8.213/91; CONHECER, EM PARTE, DA APELAÇÃO E, NESTA EXTENSÃO, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 18:52:18.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas