
Agravo de Instrumento Nº 5038332-35.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: RENI ROBERTO RODRIGUES VAS
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O presente agravo de instrumento, com requerimento de antecipação de tutela recursal, foi interposto contra decisão que indeferiu pedido de justiça gratuita.
Sustenta o agravante, em síntese, que o pagamento das custas processuais causará prejuízo ao sustento próprio e de sua família. Alega que sua renda mensal é destinada para o pagamento de despesas com água, luz, telefone, assim como para arcar com os descontos decorrentes do plano de saúde, imposto de renda e contribuição à previdência. Acrescenta que a legislação que regula a matéria não exige a comprovação de insuficiência de recursos, havendo legal previsão de veracidade da alegação do estado de pobreza. Por fim, menciona jurisprudência.
Foi deferido o pedido de antecipação de tutela recursal.
Foram apresentadas contrarrazões.
VOTO
A gratuidade da justiça vem expressamente disciplinada nos arts. 98 a 102 do Código de Processo Civil.
É direito de toda pessoa, natural ou jurídica, litigar judicialmente sem ser obrigada ao recolhimento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, desde que não disponha de recursos financeiros suficientes.
Sua afirmação por alguma das partes no processo, em petição inicial ou em contestação, estabelece presunção de veracidade da alegação de inexistência de condições econômicas para suportar o pagamentos destas verbas (custas, despesas processuais e honorários), conforme dispõe o art. 99, caput, do CPC.
Uma vez oferecida impugnação ao deferimento do requerimento (art. 100, caput, do CPC), o benefício pode ser revogado, após manifestação da parte interessada, à conta, ainda, do que determina o art. 8º da Lei n. 1.060, de 1950, que não foi revogado expressamente por determinação do art. 1.072, inciso III, do CPC.
Há possibilidade de o juiz indeferir o pedido, desde que nos autos existam elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade (art. 99, §2º, primeira parte, do CPC). Neste caso, antes de indeferir o pedido, incumbe-lhe determinar à parte requerente a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
Ressalva-se, à conta da própria disciplina legal, que é da parte contrária, em primeira linha de atuação processual, a faculdade de impugnar a justiça gratuita. Se ao juiz não se pode abstrair o poder de verificar o preenchimento dos fundamentos que lhe dão apoio, somente em situações evidentes à primeira vista deve exercê-lo.
O entendimento contrário impõe a obrigatória formação de critérios subjetivos para a concessão da justiça gratuita e, a um só tempo, enfraquece ao extremo a presunção que a lei quis deferir à parte que afirma a sua necessidade.
No presente caso, a decisão agravada indeferiu o pedido de gratuidade da justiça nos seguintes termos (evento 5 - DESPADEC1, do originário):
1. Recebo a petição inicial.
2. A gratuidade de justiça deve ser concedida àqueles que não tenham condições de arcar com as custas, despesas processuais e os honorários advocatícios (CPC, art. 98), sem prejuízo de sua própria subsistência. Consolidou-se o entendimento de que a mera declaração de insuficiência de recursos gera presunção iuris tantum de hipossuficiência, sendo possível o indeferimento do pedido de concessão do benefício caso exista prova que a infirme (CPC, art. 99, §§ 2º e 3º).
No caso, além da declaração de hipossuficiência, é preciso analisar a renda da parte autora, dentro do contexto econômico brasileiro, para verificar se faz jus ao benefício da gratuidade, não obstando futura reavaliação, caso sejam constatadas modificações em sua situação financeira.
Na inicial, a parte autora não apresentou qualquer elemento de prova que indique que o pagamento das despesas processuais trará prejuízos à sua subsistência ou de sua família, por, exemplificativamente, possuir gastos inadiáveis com medicamentos que comprometam grande parte de sua renda ou pessoas que dela dependem economicamente e que lhe causem despesas acima da normalidade. Observe-se, ainda, que a autora acosta aos autos os rendimentos indicados no CNIS (evento 01, CNIS11), no valor de R$ 5.725,48, no mês de março de 2019.
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem adotando como critério (embora não exclusivo, diante da vedação à adoção de critérios puramente objetivos para a aferição da hipossuficiência) para análise da impossibilidade de arcar com os encargos processuais o valor do teto dos benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência Social. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. comprovação. renda mensal inferior ao valor teto para aposentadoria pelo RGPS Nos termos do que dispõe a Lei n.º 1.060/50, a assistência judiciária é devida a quem não possui rendimentos suficientes para suportar as despesas de um processo sem prejuízo de seu sustento ou de sua família. A declaração de pobreza para fins de gratuidade de justiça goza de presunção iuris tantum de veracidade, podendo ser elidida por prova em contrário. Comprovado que a renda mensal auferida é inferior ao valor teto para aposentadoria pelo RGPS, utilizado como critério para o deferimento do benefício.situação de suficiência econômica para arcar com as despesas processuais, impõe-se o deferimento da AJG. (TRF4, AC 5006608-51.2013.404.7104, QUINTA TURMA, Relator (AUXÍLIO FAVRETO) TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 05/10/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. INDEFERIMENTO. 1. Não verificada a ocorrência de contradição, deve ser rejeitado os embargos de declaração. 2. Constatado que a renda do autor está acima do teto dos benefícios da Previdência Social, atualmente fixado em R$ 5.189,82 (cinco mil cento e oitenta e nove reais e oitenta e dois centavos) parâmetro recentemente adotado por esta Sexta Turma como limite ao critério objetivo para a concessão da gratuidade da justiça, deve ser indeferido o pedido. (TRF4, AG 5029063-74.2016.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 15/09/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. CORREÇÃO. ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. DEFERIMENTO. 1. Verificada a ocorrência de omissão no julgamento do agravo, na medida em que as despesas do autor não foram consideradas na apreciação do pedido de justiça gratuita, deve ser suprido o vício apontado. 2. Constatado que a renda do autor além de não superar a média de rendimentos dos cidadãos brasileiros em geral, está abaixo do teto dos benefícios da Previdência Social, atualmente fixado em R$ 5.189,82 (cinco mil cento e oitenta e nove reais e oitenta e dois centavos) parâmetro recentemente adotado por esta Sexta Turma como limite ao critério objetivo para a concessão da gratuidade da justiça, deve ser deferido o pedido. (TRF4, EDAG 5002987-13.2016.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 29/08/2016)[
Em sendo essas as circunstâncias, presente renda em patamar superior ao norte jurisprudencial, deve-se avaliar se as peculiaridades do caso concreto permitem inferir a carência de recursos. Não sendo este o caso dos autos, visto que a renda da autora permite concluir que possui condições de pagar as custas processuais e demais encargos, sem prejuízo do seu sustento ou do sustento de sua família, assim como a parte não alegou qualquer óbice ao custeio das despesas processuais, deve o benefício da gratuidade de justiça ser indeferido.
Diante do exposto, indefiro o benefício da gratuidade de justiça em relação à autora.
Intime-se a parte autora para que, no prazo de 15 (quinze) dias, proceda ao pagamento das custas processuais, sob pena de cancelamento da distribuição (CPC, art. 290).
3. Cumprida a determinação, cite-se.
4. Com a contestação, alegados fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito postulado, bem como as matérias do artigo 337 do CPC, dê-se vista à parte autora para réplica, pelo prazo de 15 (quinze) dias, nos termos dos artigos 350 e 351 do CPC.
5. Após, voltem os autos conclusos para sentença.
Verifica-se, pois, que a decisão agravada pautou o indeferimento do benefício no fato de o agravante possuir rendimentos acima do valor do teto do benefício do Regime Geral de Previdência Social.
Ocorre, todavia, que, a remuneração igual ou superior ao teto da Previdência Social não é dado indicativo da possibilidade de o segurado poder suportar os ônus financeiros do processo sem o comprometimento de seu próprio sustento. Daí não se poder, com apoio fundado exclusivamente na particular impressão subjetiva dos fatos, inverter a presunção por lei estabelecida.
Com base no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), infere-se que a renda mensal da parte autora, como empregado da empresa Mundial S.A - Produtos de Consumo, variou, no ano de 2018, de R$ 5.255,58 a R$ 6.416,34, sendo superior a R$ 7.000,00 apenas no mês de fevereiro, bem como que, em janeiro e fevereiro de 2019, seus rendimentos foram de R$ 7.233,19 e R$ 5.595,31, respectivamente (evento 1 - CNIS11, pág. 03, do originário).
Demais, verifica-se que o autor recebeu, a título de aposentadoria por tempo de contribuição, valores de R$ 2.563,74 a R$ 5.725,58, entre os meses de março a maio de 2019, sendo superior a R$ 8.000,00 apenas no mês de março (evento 1 - CNIS11, pág. 06, do originário).
O autor, por sua vez, juntou contracheques, datados de 06/03/2019, 05/04/2019 e 07/05/2019, que demonstram, respectivamente, que sua renda mensal líquida foi de R$ 2.306,35, R$ 2.562,28 e R$ 2.633,80, após efetuados os descontos com contribuição à previdência, imposto de renda, seguro de vida, convênio odontológico, plano de saúde, etc. Apresentou, ainda, comprovantes de despesas mensais, tais como água, luz, telefone, entre outras (evento 1 - DECLPOBRE3, págs. 02/17, do processo originário).
Ao contrário do que expõe a decisão agravada, referidos montantes, isoladamente considerados, não são dados indicativos da possibilidade de a parte autora poder suportar o ônus financeiro do processo, sem o comprometimento de seu próprio sustento.
Desse modo, tendo em conta a declaração da parte requerente no sentido de que não possui condições de suportar os ônus processuais, juntada no evento 1 - DECLPOBRE3, pág. 01, dos autos originários, bem como em atenção aos documentos juntados, não reconheço, neste momento, a presença de provas suficientes a afastar a presunção decorrente de tal declaração.
Assim, deve o processo seguir seus atos, com o restabelecimento do beneficio da justiça gratuita de forma integral até o julgamento do presente recurso ou, ainda, por comprovação superveniente a ser acolhida a partir de impugnação fundada da parte contrária.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5038332-35.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: RENI ROBERTO RODRIGUES VAS
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. DESCONSTITUIÇÃO. ÔNUS PROBATÓRIO E CONTROLE DE OFÍCIO.
1. É da parte contrária, em primeira linha de atuação processual, o ônus de infirmar a presunção de veracidade atribuída por lei à declaração de pobreza (art. 99 § 3º e art. 100, ambos do CPC).
2. Se ao juiz não se pode abstrair o poder de verificar o preenchimento dos fundamentos que suportam a concessão do benefício, somente em situações evidentes à primeira vista ele deve exercer esse controle de ofício e, ainda nessa hipótese, cumpre-lhe facultar a prévia manifestação da parte requerente a esse respeito (art. 99 § 2º, CPC).
3. Diante da inexistência de elementos que infirmem a presunção de veracidade atribuída por lei à declaração de pobreza, deve ser deferido o benefício da justiça gratuita.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de fevereiro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001522362v5 e do código CRC 3453ce19.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 04/02/2020
Agravo de Instrumento Nº 5038332-35.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
AGRAVANTE: RENI ROBERTO RODRIGUES VAS
ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA (OAB RS037971)
ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)
ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 04/02/2020, na sequência 165, disponibilizada no DE de 19/12/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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