
Apelação Cível Nº 5002410-59.2022.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação de A. S. F. contra sentença que julgou improcedente seu pedido de condenação da UFSM à concessão de pensão por morte, na condição de filho inválido de servidor público federal falecido.
Informa o apelante que é filho de Antero Scherer, falecido médico do Hospital Universitário da UFSM, que também foi professor junto à Universidade. Com seu falecimento em 07/08/2005, a mãe do Recorrente passou a receber pensão por morte até 29/05/2021 quando, em razão do falecimento da genitora, o benefício restou cessado. Aduz o Apelante que é pessoa com deficiência, sendo acometido de visão monocular, obesidade mórbida, hipertensão e artrose, situação que o acompanha desde o nascimento e que, apesar de maior de idade, sempre foi pessoa com deficiência e dependente financeiramente de seus pais.
Sustenta que o presente caso tem como fato gerador do direito o falecimento do genitor do Autor em 07/08/2005 e, portanto, a lei aplicável deve ser a vigente na data do óbito do servidor instituidor da pensão por morte.
Defende que os atestado acostados à exordial somados ao laudo emitido pelo perito judicial confirmam que o Recorrente é acometido por visão monocular, patologia definitiva e irreversível que o acompanha desde o nascimento e lhe confere a condição de pessoa com deficiência. Acrescenta que também padece de obesidade mórbida, hipertensão e artrose, patologias que apresentam barreiras para a vida plena em sociedade. Alega que a redação original do art. 217 não fazia distinção entre os tipos de deficiência, sendo necessária somente a prova da condição do Recorrente como tal, o que restou cumprido. Afirma que o preenchimento do requisito de dependência financeira foi esclarecido por diversas oportunidades no decorrer do processo. Por fim, conclui que preenchia todos os requisitos (filho, deficiente e dependente financeiro) na data do óbito do segurado, nos termos do artigo 217, I alínea “e” da Lei nº 8.112/91, pelo que deve ser-lhe concedido o benefício de pensão por morte.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
Do mérito
A sentença recorrida possui o seguinte teor (
):Trata-se de demanda pelo procedimento comum ajuizada por A. S. F. em face da UFSM, postulando a concessão de pensão por morte, na condição de filho inválido de servidor público federal falecido.
Narrou o autor que é filho de ANTERO SCHERER, servidor público federal, o qual veio a falecer em 07/08/2005, tendo sua mãe passado a receber o benefício de pensão por morte. Com o falecimento de sua mãe, cessou o benefício.
Relatou que, na data do óbito de seu pai, já era inválido, uma vez que é acometido de visão monocular, obesidade mórbida, hipertensão e artrose, não tendo condições de trabalhar, dependia da pensão recebida por sua mãe, tendo requerido administrativamente o benefício em 18/10/2021, pedido que foi indeferido.
Foi deferido o benefício da AJG -
.Citada, a UFSM contestou (
). Alegou, em síntese, que o autor não demonstrou dependência econômica, tampouco invalidez, requisitos para concessão da pensão por morte. Afirmou que, caso venha a ocorrer o deferimento do benefício, este somente poderia ser concedido a partir de junho de 2021, pois, do contrário, a UFSM virá a ser compelida a pagar o benefício em duplicidade. Pugnou pela improcedência do pedido. Juntou documentos.Foi realizada perícia (
.Foram apresentadas alegações finais.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o breve relato.
Decido.
Pensão por morte
A Lei nº 8.112/90 (RJU), antes das alterações promovidas pela Medida Provisória nº 664, de 30/12/2014, e pela Lei nº 13.135/2015 (pai falecido em 07/08/2005), era expressa quanto aos benefícios concedidos aos dependentes de servidor público federal, in verbis:
Art. 185. Os benefícios do Plano de Seguridade Social do servidor compreendem:
(...)
II - quanto ao dependente:
a) pensão vitalícia e temporária;
(...)
Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou provento, a partir da data do óbito, observado o limite estabelecido no art. 42.
Mais especificamente quanto aos beneficiários das pensões, o Estatuto dos Servidores Públicos - Lei n° 8.112/1990 - assim dispunha:
Art. 217. São beneficiários das pensões:
I - vitalícia:
(...)
II - temporária:
a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
b) o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade;
c) o irmão órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a invalidez, que comprovem dependência econômica do servidor;
d) a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos , ou, se inválida, enquanto durar a invalidez.
(...)
Art. 222. Acarreta perda da qualidade de beneficiário:
I - o seu falecimento;
II - a anulação do casamento, quando a decisão ocorra após a concessão da pensão ao cônjuge;
III - a cessação de invalidez, em se tratando de beneficiário inválido;
IV - a maioridade de filho, irmão órfão ou pessoa designada, aos 21 (vinte e um) anos de idade;
V - a acumulação de pensão na forma do art. 225;
VI - a renúncia expressa.
A controvérsia a ser dirimida cinge-se na possibilidade de concessão do benefício de pensão por morte ao autor, filho do instituidor do benefício, alegadamente inválido.
O art. 217, inciso II, alínea "a" do RJU é expresso ao prever a possibilidade de concessão de pensão temporária ao filho de servidor público, em qualquer idade, desde que comprovada sua invalidez. Nesse mesmo sentido, o art. 222 do mesmo dispositivo legal é claro que tal direito perdura enquanto permanecer o quadro de invalidez do beneficiário.
No caso em análise, da prova documental vertida nos autos, em especial, o processo administrativo em que a parte autora postulou a concessão do benefício de pensão por morte, é possivel verificar que o autor foi submetido a estudo social e exame por junta médica oficial por duas vezes, a qual concluiu que o autor não se enquadra nas condiçoes legais para concessão da pensão por morte (
).Somado a isso, a fim de melhor elucidar a questão, foi confeccionada prova pericial por Perito oficial deste juízo, a qual foi conclusiva em relação ao quadro de saúde do autor (
).O Sr. Perito concluiu que, muito embora o autor seja portador de visão monocular, não é incapaz. Transcrevo trecho do laudo:
Quesitos autor
1) Considerando as barreiras sociais, em conjunto com as patologias que acometem o autor (visão monocular; obesidade mórbida; hipertensão e artrose; idade: 49 anos; sua escolaridade; e a dependência dos pais falecidos), é possível afirmar que o periciando encontra-se inválido para o exercício de qualquer atividade laboral que possa promover o seu sustento? Quais os documentos que justificam sua resposta?
Não.
Na parte oftalmológica há visão monocular, o que impede certas profissões, mas não impede o mesmo de trabalhar em qualquer atividade laboral.
2) Caso a resposta do quesito 1 seja afirmativa, que dia aproximadamente o periciando ficou inválido ou incapaz total e permanentemente para o trabalho? Quais os documentos que justificam sua resposta?
Não é incapaz total.
3) Caso a resposta do quesito 1 seja negativa, é possível afirmar que o periciando se enquadra no conceito de pessoa com deficiência, assim entendida como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (artigo 1 do Decreto 6.949/2009)? Quais os documentos que justificam sua resposta?
Sim. Possui visão monocular, portanto deficiência visual que impede o mesmo realizar atividades que necessitem da visão binocular.
Diante disso, resta evidenciado que o autor apresenta deficiência de visão monocular que, embora produza significativas limitações para o individuo, longe está de configurar estado de invalidez, não fazendo jus ao benefício de pensão por morte.
Nesse sentido, já se manifestou o Egrégio TRF da 4° Região:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO. RMI. ART. 23, § 2º, I, DA EC 103/2019. VISÃO MONOCULAR. A teor do art. 23, § 2º, I, da EC nº 103/2019, faz jus à pensão por morte com a renda mensal inicial no valor de 100%, o beneficiário que apresentar invalidez ou deficiência intelectual, mental ou grave à época do óbito do instituidor do benefício. A visão monocular não se enquadra em tal previsão legal. (TRF4, AC 5004309-08.2021.4.04.7012, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 14/09/2022).
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VISÃO MONOCULAR. INCAPACIDADE LABORAL NÃO CONFIGURADA. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA. 1. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 2. Em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não é possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 3. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. 4. Não demonstrada a efetiva incapacidade do autor para o exercício da profissão de agricultor, por ser portador de visão monocular, não possui direito à concessão do benefício assistencial. 5. Os atos administrativos relativos à concessão, manutenção e revisão de benefícios previdenciários, não ensejam, por si só, indenização por danos morais, quando não há prova de ofensa à esfera subjetiva do segurado, de que o ato administrativo tenha sido desproporcionalmente desarrazoado, ou de que a conduta de seus agentes tenha extrapolado de modo relevante os limites de sua atuação. (TRF4 5004762-37.2015.4.04.7004, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 13/08/2021).
Dessa forma, improcede o pleito inicial.
ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido formulado na inicial, nos termos da fundamentação.
Honorários. Condeno a autora no pagamento dos honorários advocatícios à parte adversa, fixando-os em 10% do valor da causa atualizado (art. 85, § 2º, do CPC). Suspendo, contudo, tal cobrança, eis que o demandante litigou sob o abrigo da assistência judiciária gratuita.
Custas. Ausente condenação em custas, vez que a parte autora litigou sob o pálio da AJG.
Havendo recurso de apelação desta sentença, intime-se a parte recorrida para oferecimento de contrarrazões, observado o disposto nos artigos 1.009, § 2º e 1.010, § 2º, do CPC. Em seguida, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade, inclusive no que se refere à regularidade do preparo, nos termos do artigo 1.010, § 3º, do mesmo diploma legal.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Transitada em julgado, nada sendo requerido, lance-se o evento de baixa.
Pois bem.
A Lei nº 8.112/90 (Estatuto do Servidor), na data do óbito do genitor do recorrente (07/08/2005) vigia em sua redação original e previa:
Art. 217. São beneficiários das pensões:
I - vitalícia:
a) o cônjuge;
b) a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, com percepção de pensão alimentícia;
c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar;
d) a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor;
e) a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do servidor;
II - temporária:
a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
b) o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade;
c) o irmão órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a invalidez, que comprovem dependência econômica do servidor;
d) a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez.
§ 1º A concessão de pensão vitalícia aos beneficiários de que tratam as alíneas "a" e "c" do inciso I deste artigo exclui desse direito os demais beneficiários referidos nas alíneas "d" e "e".
§ 2º A concessão da pensão temporária aos beneficiários de que tratam as alíneas "a" e "b" do inciso II deste artigo exclui desse direito os demais beneficiários referidos nas alíneas "c" e "d".
Como se vê, tratando-se de filho maior que alega invalidez, a hipótese legal em que se deve verificar o enquadramento é a da pensão temporária do art. 217, II, a, enquanto durar a invalidez.
A pessoa portadora de deficiência que vivia sob a dependência econômica do servidor, constante do dispositivo indicado pelo recorrente - art. 217, I, e - não condiz com a sua condição de filho do servidor, tratando a previsão legal de terceira pessoa que deveria ser designada pelo servidor junto à Administração. Portanto, não calha à espécie o argumento de que cumpridos, pelo apelante, os requisitos previstos em tal dispositivo.
Assim, para fazer jus à postulada pensão por morte temporária, deveria o autor comprovar que estava inválido desde o óbito do seu genitor em 07/08/2005. No entanto, a prova produzida nos autos não milita em favor das suas afirmações.
Com efeito, como bem demonstrado pela sentença recorrida, a perícia médica judicial, realizada por oftalmologista, concluiu que o autor possui visão monocular, deficiência visual que impede o exercício de certas profissões, cujas atividades necessitem da visão binocular, mas não impede o mesmo de trabalhar em qualquer atividade laboral. Por tais razões, não há falar em invalidez total para o trabalho, em que pese a verificada deficiência.
Quanto às doenças referidas - obesidade mórbida, hipertensão e artrose - não foi realizada prova pericial. A prova pericial produzida restou limitada à verificação da incapacidade em decorrência de visão monocular.
Não houve apreciação - e sequer requerimento - a respeito de perícia médica por especialista das outras alegadas condições de saúde. Ora, incumbia ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, consoante art. 373, I, do CPC. Em não o fazendo, merece confirmação a sentença de improcedência da demanda.
Dos honorários advocatícios
Os honorários advocatícios foram adequadamente fixados, pois conforme previsto no art. 85 do novo CPC
De qualquer maneira, levando em conta o improvimento do recurso do autor, associado ao trabalho adicional realizado nesta Instância, no sentido de manter a sentença de procedência, a verba honorária deve ser majorada em favor do patrono da parte ré.
Assim sendo, em atenção ao disposto no art. 85, § 2º c/c §§ 3º e 11, do novo CPC, majoro a verba honorária em 2% (dois por cento). Suspensa, porém, sua exigibilidade tendo em vista que o autor litiga sob o pálio da justiça gratuita.
Conclusão
Mantém-se integralmente a sentença quanto ao mérito.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5002410-59.2022.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
VOTO-VISTA
Na sessão presencial ocorrida no dia 24 de setembro passado, a partir do sustentado em tribuna pelo procurador da parte apelante, bem como do conteúdo probatório produzido, pedi vista para melhor analisar a situação posta nos autos e, nesse sentido, pedindo vênia ao e. Relator, entendo por adotar conclusão diversa da alcançada.
A sentença julgou improcedente o pedido de concessão de pensão por morte, na condição de filho inválido de servidor público federal falecido, ao argumento de que a visão monocular da qual padece o autor, “embora produza significativas limitações para o individuo, longe está de configurar estado de invalidez.”.
Apelou a parte autora sustentando que, desde o nascimento, é pessoa com deficiência e que, além da visão monocular, é acometido de outras enfermidades, tais como obesidade mórbida, hipertensão e artrose, sendo desde sempre dependente financeiramente dos seus pais, satisfazendo, dessa maneira, na data do óbito do seu genitor, os requisitos constantes do artigo 217, I alínea “e” da Lei nº 8.112/91.
O voto do relator manteve a sentença de improcedência, por entender, em síntese, que a) “(...)hipótese legal em que se deve verificar o enquadramento é a da pensão temporária do art. 217, II, a, enquanto durar a invalidez.”; b) “(...) a prova produzida nos autos não milita em favor das suas afirmações”, seja porque, conforme a perícia realizada, a visão monocular “não impede o mesmo de trabalhar em qualquer atividade laboral”, não estando totalmente inválido, seja porque, em relação às demais enfermidades, não produzida e tampouco requerida prova pericial.
Feita essa breve síntese, peço vênia ao e. Relator para apresentar divergência.
Da análise dos autos, verifica-se que na seara administrativa foram realizadas duas perícias.
A primeira, uma Avaliação Social (
, p. 19-20), restou favorável ao autor nos seguintes termos:Por sua vez, a junta médica que avaliou o autor, inclusive em sede recursal, teve compreensão diversa, concluindo de modo muito lacônico, acerca do seu não enquadramento na condição de pessoa inválida (
, p. 13 e 28):Tal constatação foi reverberada pelo exame pericial realizado em juízo (
). o qual, não obstante ter reconhecido a deficiência, não entendeu haver invalidez absoluta do apelante:
“Na parte oftalmológica há visão monocular, o que impede certas profissões, mas não impede o mesmo de trabalhar em qualquer atividade laboral. (...)
1. O autor, no momento, apresenta incapacidade laboral? Parcial para algumas atividades, mas não total. 5. Se sim, classifique: parcial ou total; uniprofissional, multiprofissional ou omniprofissional; permanente ou temporária. Parcia, permanente. Devido a visão monocular existem atividades que requerem que o paciente enxergue bem dos 2 olhos, portanto tais atividades o paciente não pode exercer. 6. Se o autor está incapaz para o trabalho é possível afirmar que ele está inválido definitivamente para o trabalho? Ele não está incapaz. (...)".
Dadas as circunstâncias do caso concreto, em que reconhecida a dependência econômica e a existência de visão monocular desde o nascimento, sem, todavia, ter sido reconhecida a invalidez apta a ensejar o recebimento a pensão postulada, a meu ver, mostra-se imprescindível que nova perícia seja realizada, a qual deve enfocar a situação do apelante sob o prisma da proteção jurídica antidiscriminatória destinada a pessoas com deficiência. Explico.
No direito brasileiro, "Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas", conceito formulado a partir do reconhecimento de que "...a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas" (considerando "e" do preâmbulo da convenção), e, por sua vez, presente no artigo 2.o da Lei n. 13.146/2015 ("Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.").
Do texto normativo, constata-se a compreensão da deficiência a partir da concepção social, pois concatenados intrinsecamente tanto impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais, quanto a presença de barreiras, elementos cuja interação pode obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições (neste sentido, dentre outros, Debora Diniz, “O que é deficiência?”. São Paulo: Brasiliense, 2007; TRF4, AC 0000533-87.2017.4.04.9999, D.E. 22/06/2017). Sem essa atenção, pode-se produzir “... diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável”, em afronta à proibição jurídica de discriminação por motivo de deficiência, conforme artigo 2 da referida Convenção (RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação e discriminação por deficiência. In: DINIZ, Debora; SANTOS, Wederson. (Org.). Deficiência e Discriminação. 1ed. Brasília: Letras Livres e EdUnB, 2010. p. 73-96).
No caso, discute-se se a avaliação entendeu o apelante como filho não inválido para fins de recebimento da pensão por morte de seu pai e, portanto, como pessoa portadora de deficiência, tem respaldo jurídico.
Não se olvide, nesse sentido, o § 1º do art. 2º da Lei n.º 13.146/2015, e suas alterações que dispõe:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (Vigência) (Vide Decreto nº 11.063, de 2022)
I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação. (grifei)
§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide Lei nº 13.846, de 2019) (Vide Lei nº 14.126, de 2021)
Assentadas essas premissas e recapitulados os fatos de plano comprovados pela parte apelante, tenho que a sentença deva ser anulada, a fim de que nova perícia seja realizada.
Com efeito, a atenção exclusiva ao dado biomédico, sem a consideração conjugada da presença (ou não) de barreiras e dos respectivos efeitos revela que a decisão do juiz de primeiro grau está divorciada dos parâmetros jurídicos (constitucionais, legais e infralegais) de consideração obrigatória.
De fato, para responder adequadamente à questão sobre a qualificação jurídica da condição pessoal da parte apelante como pessoa portadora de deficiência (visão monocular), é necessário avaliar se tamanho prejuízo na acuidade visual, em interação com as barreiras sociais, não configura precisamente a situação que a legislação federal e a jurisprudência objetivam prover de proteção antidiscriminatória. Desta tarefa, a meu juízo, a instrução processual e a sentença não se desvencilharam a contento, cujos termos restringem-se a dados biomédicos, ainda que o estudo social a que submetido na esfera administrativa lhe tenha sido favorável.
Diante disso, deverá ser anulada a sentença, a fim de que nova perícia seja realizada, com a consideração da compreensão jurídica da condição de pessoa com deficiência ora indicada.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, de ofício, anular a sentença, determinando a realização de nova perícia, nos termos da fundamentação
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Apelação Cível Nº 5002410-59.2022.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. servidor público. pensão por morte. filho maior. art. 217, II, a, da lei nº 8.112/90 (redação original). invalidez não comprovada. sentença de improcedência confirmada.
Não faz jus ao benefício de pensão por morte de servidor público, previsto no art. 217, II, a, da Lei nº 8.112/90 (redação original) o filho maior de idade que não se desincumbe do ônus de comprovar invalidez para o trabalho.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, determinando nova prova pericial, a ser realizada na cancepção jurídica da condição da pessoa com deficiência, considerando também a morbidade alegada e as barreiras sociais incidentes, voltadas à proteção antidiscriminatória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de outubro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 24/09/2024
Apelação Cível Nº 5002410-59.2022.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: GUILHERME ZIEGLER HUBER por A. S. F.
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 24/09/2024, na sequência 112, disponibilizada no DE de 11/09/2024.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL ROGERIO FAVRETO NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO AO APELO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, PEDIU VISTA O DESEMBARGADOR FEDERAL ROGER RAUPP RIOS.
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Pedido Vista: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 17:53:31.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 17/10/2024
Apelação Cível Nº 5002410-59.2022.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Presencial do dia 17/10/2024, na sequência 149, disponibilizada no DE de 08/10/2024.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO DESEMBARGADOR FEDERAL ROGER RAUPP RIOS NO SENTIDO DE, DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO A REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO, A ALTERAÇÃO DE VOTO APRESENTADA PELO RELATOR, PASSANDO A ACOMPANHAR O VOTO DO DR. ROGER RAUPP RIOS, NO SENTIDO DE ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO NOVA PROVA PERICIAL, A SER REALIZADA NA CANCEPÇÃO JURÍDICA DA CONDIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, CONSIDERANDO TAMBÉM A MORBIDADE ALEGADA E AS BARREIRAS SOCIAIS INCIDENTES, VOLTADAS À PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO NOVA PROVA PERICIAL, A SER REALIZADA NA CANCEPÇÃO JURÍDICA DA CONDIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, CONSIDERANDO TAMBÉM A MORBIDADE ALEGADA E AS BARREIRAS SOCIAIS INCIDENTES, VOLTADAS À PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
VOTANTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Voto - GAB. 31 (Des. Federal ROGERIO FAVRETO) - Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO.
Inicialmente, registro que nos debates pós sustentação oral, remanesceu dúvida sobre a necessidade de complementação da prova pericial, diante da conclusão muito generalizada e lacônica.
Agora, diante do voto-vista do colega Roger Rauup Rios, que aborda a incapacidade do apelante numa "compreensão da deficiência a partir da concepção social, pois concatenados intrinsecamente tanto impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais, quanto a presença de barreiras, elementos cuja interação pode obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições", com a qual tenho convergência e remete-me a reconsiderar a posição inicial.
Logo, ajusto o voto para anular a sentença, determinando nova prova pericial, a ser realizada na cancepção jurídica da condição da pessoa com deficiência, considerando também a morbidade alegada e as barreiras sociais incidentes, voltadas à proteção antidiscriminatória.
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 17:53:31.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas