Teste grátis agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME PERICIAL....

Data da publicação: 19/11/2025, 07:09:10

PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME PERICIAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. 1. Compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas relacionadas a benefícios decorrentes de acidente de trabalho. 2. A realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do Código de Processo Civil. O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas. 3. O direito à aposentadoria por incapacidade permanente e ao auxílio por incapacidade temporária pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por incapacidade permanente) ou para seu trabalho habitual (auxílio por incapacidade temporária) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213. 4. A desconsideração de laudo pericial se justifica somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa. 5. Se não caracterizada a inaptidão para o trabalho, é imprópria a concessão de benefício por incapacidade. (TRF 4ª Região, 5ª Turma, 5051392-42.2024.4.04.7100, Rel. OSNI CARDOSO FILHO, julgado em 24/10/2025, DJEN DATA: 12/11/2025)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5051392-42.2024.4.04.7100/RS

RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

RELATÓRIO

A. G. interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio por incapacidade temporária, desde o requerimento administrativo, condenando-o ao pagamento dos honorários periciais (evento 53, SENT1).

Sustentou, em preliminar, que houve cerceamento de defesa, pois os laudos periciais são incompletos e foram elaborados de modo superficial, não tendo o juízo a quo determinado aos peritos a complementação dos respectivos pareceres, conforme as impugnações. Requereu a realização de novos exames, pois entende que as perícias não valiaram a contanto as reais condições de saúde. Alega que a sentença é nula, pois proferida de forma prematura, sem garantir o devido contraditório. No tocante ao mérito, argumentou que faz jus à concessão de benefício por incapacidade ou de auxílio-acidente por ser portador de doença cardíaca e ortopédica, que já lhe renderam quatro afastamentos previdenciários. Aduz que em decorrência do acidente sofrido, teve reduzida a sua capacidade laborativa, situação que recomendaria a concessão do benefício de auxílio-acidente, caso não reconhecida a incapacidade propriamente dita. Por fim, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido o auxílio por incapacidade permanente ou temporária ou auxílio-acidente, nos termos da petição inicial (evento 60, APELAÇÃO1). 

Sem contrarrazões, subiram os autos.

VOTO

Competência do Juízo

Embora não explicite na petição inicial e no recurso que os benefícios usufruídos administrativamente foram de natureza previdenciária e acidentária, a presente ação tramitou perante à Subseção Judiciária de Pitanga/PR. 

Das perícias realizadas administrativamente (evento 13, LAUDO1), verifica-se que, em 26/07/2017, a autora sofreu agressão física enquanto estava trabalhando como cobradora de ônibus, resultando em fratura no seu ante-braço:

.

Em decorrência do acidente sofrido, o INSS deferiu a favor da autora dois benefícios por acidente de trabalho (evento 5, CNIS3):

O processo e o julgamento de ações que decorrem de acidente do trabalho, porém, não competem à Justiça Federal, mesmo que uma pessoa jurídica de direito público federal, no caso, o Instituto Nacional  do Seguro Social, ocupe um dos polos da relação processual. Cuida-se de observação de norma constitucional:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (grifei)

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região existem diversos precedentes recentes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. BENEFÍCIO DE NATUREZA ACIDENTÁRIA. Quando o objeto da ação se limita à concessão de benefício que decorre de acidente de trabalho, o processo e o julgamento são de competência da Justiça Estadual, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal. (TRF4, AG 5005881-78.2024.4.04.0000, 5ª Turma, Relator OSNI CARDOSO FILHO, julgado em 22/10/2024)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-ACIDENTE. DOENÇA OCUPACIONAL OU DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas relacionadas a benefícios decorrentes de acidente de trabalho ou doença ocupacional. (TRF4, AC 5005365-05.2022.4.04.9999, 5ª Turma, Relatora para Acórdão ADRIANE BATTISTI, julgado em 17/12/2024)

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO OU DOENÇA PROFISSIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SÚMULA 15 DO STJ. 1. Por força da exceção constitucional prevista no art. 109, I, da CF, e nos termos da Súmula 15 do STJ e do entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, a competência para processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho, inclusive as ações revisionais de beneficio acidentário, é da Justiça Estadual. 2. Nos termos do art. 20 da Lei nº 8.213/91, a doença profissional e a doença do trabalho estão compreendidas no conceito de acidente de trabalho, e também nesses casos é reconhecida a competência da Justiça Estadual. 3. Não incidindo à espécie a regra de competência recursal prevista no parágrafo 4° do art. 109 da CF, impõe-se a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, competente para processar e julgar a remessa oficial. (TRF4, AC 5007778-20.2024.4.04.9999, 5ª Turma, Relator para Acórdão HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, julgado em 25/02/2025)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O processamento e o julgamento de ações que decorrem de acidente do trabalho não competem à Justiça Federal, mesmo que uma pessoa jurídica de direito público federal, no caso, o Instituto Nacional do Seguro Social, ocupe um dos polos da relação processual (artigo 109, inciso I, da Constituição Federal e Súmulas 501 do STF e 15 do STJ). 2. Tendo a alegada incapacidade origem em acidente do trabalho, cabe sua apreciação pela Justiça Estadual. (TRF4, AC 5010804-26.2024.4.04.9999, 10ª Turma, Relator para Acórdão MÁRCIO ANTONIO ROCHA, julgado em 18/02/2025)

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE DESDE A CESSAÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. BENEFÍCIO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SENTENÇA ANULADA. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE. - O apelante postula a concessão de auxílio-acidente desde a cessação de auxílio por incapacidade temporária decorrente de acidente do trabalho. - A competência para julgamento de ações postulando benefícios decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Estadual. - Sentença anulada, determinando-se a remessa dos autos à Justiça Estadual, que detém a competência para o julgamento da lide. (TRF4, AC 5002928-33.2024.4.04.7117, 6ª Turma, Relatora para Acórdão ANA PAULA DE BORTOLI, julgado em 17/03/2025)

PREVIDENCIÁRIO. QUESTÃO DE ORDEM. COMPETÊNCIA. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Diante do art. 109 - I da CF, não compete à Justiça Federal processar e julgar as ações relativas a benefícios concedidos em decorrência de acidente do trabalho. 2. Considerando que a parte autora efetivamente busca benefício acidentário, anulada a sentença e declinada a competência para o processamento e julgamento da ação à Justiça Estadual, determinando-se a remessa dos autos. (TRF4, AC 5002371-03.2024.4.04.7002, 10ª Turma, Relatora para Acórdão CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI, julgado em 04/02/2025)

QUESTÃO DE ORDEM. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. MERGULHADOR. EPICONDILITE E TENDINOPATIA DE OMBRO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas relacionadas a benefícios decorrentes de acidente de trabalho. (TRF4, AC 5008373-92.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/08/2020)

A propósito, cabe colher julgado análogo ao caso em discussão:

PREVIDENCIÁRIO. QUESTÃO DE ORDEM. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. ACIDENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a competência para julgar as demandas que objetivam a concessão de benefício previdenciário relacionado a acidente do trabalho deve ser determinada em razão do pedido e da causa de pedir contidos na petição inicial. Precedente da 1ª Seção do STJ. 2. A parte autora, embora não explicite na inicial que o benefício requerido era decorrente de acidente do trabalho, instruiu a petição inicial com documentos que revelam que as lesões incapacitantes foram causadas em acidente de automobilístico ocorrido durante o trajeto para o trabalho. Ainda, durante a instrução processual, o INSS informou que foi produzida CAT - Comunicação de Acidente do Trabalho. 3. O Juízo Federal, para o qual foi inicialmente distribuído o feito, declinou da competência para a Justiça Estadual, competente para julgar as causas relacionadas a acidente do trabalho, inclusive as decorrentes de acidentes in itinere. 4. Declinada a competência para o Tribunal de Justiça do Paraná. (TRF4 5012262-15.2023.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 06/03/2024)

No mesmo sentido, aliás, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 15, segundo a qual compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.

Idêntica posição é objeto da Súmula nº 501 do Supremo Tribunal Federal: compete à justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista.

Além disso, conforme entendimento igualmente firmado pelo STJ, a competência em razão da matéria é fixada a partir da observância da relação jurídica controvertida, notadamente no que se refere à causa de pedir e ao pedido indicados pelo autor da demanda (CC 132.034-SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 28/05/2014).

Logo, se os elementos objetivos da ação, definidos na petição inicial, mantêm vínculo à eventual ocorrência de acidente do trabalho ou, ainda, de doença profissional ou do trabalho, a competência para o processo e o julgamento respectivos é da Justiça Estadual.

Como somente a Justiça Estadual é competente para processar e julgar causas que envolvam acidente do trabalho, ela é também a única competente para afirmar se determinada enfermidade possui, efetivamente, vínculo com o trabalho, amoldando-se, assim, ao conceito de acidente do trabalho previsto na Lei nº 8.213.

Não cabe ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar ou afastar o nexo entre moléstia apresentada pela parte autora e o trabalho por ela desenvolvido, cumprindo-lhe apenas encaminhar os autos ao juízo competente para que este exame seja, lá, definitivamente empreendido - agora, em segundo grau de jurisdição.

Destaque-se que se trata de competência absoluta, que deve ser reconhecida de ofício e em qualquer grau de jurisdição (art. 64, parágrafo 1º, CPC).

Ressalta-se, por fim, que a fixação da competência para processar e julgar a causa antecede qualquer juízo sobre as condições da ação, sobre os demais pressupostos processuais ou mesmo sobre o mérito da demanda. Conforme lecionou o Min. Teori Zavascki, no conflito de competência nº 121.013/SP, julgado em 28/03/2012, a definição da competência para a causa leva em consideração os termos da demanda (e não a sua procedência ou improcedência, ou a legitimidade ou não das partes, ou qualquer outro juízo a respeito da própria demanda); portanto, tal definição é, lógica e necessariamente, anterior a qualquer outro juízo sobre a causa. Desse modo, este Tribunal está impedido de proceder a exame procedente àquele pertinente à sua própria medida de jurisdição.

Em face do que foi dito, reconheço a incompetência desse juízo para processo e julgamento do pedido relacionado à causa de natureza acidentária, extinguindo o processo, sem exame de mérito, com base no art. 485, IV, do CPC.

Remanesce, todavia, a competência desse juízo para a apreciação do pedido de restabelecimento do benefício por incapacidade 31/6150307305, cancelado em 31/08/2016, com fundamento na moléstia de natureza cardíaca.

Preliminar de cerceamento de defesa

A parte apelante requer, preliminarmente, a anulação da sentença e a reabertura da instrução probatória para a realização de novos exames periciais.   

Sem razão, todavia. O conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. Demais disso, o laudo, elaborado por médica especialista em medicina do trabalho, está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.

Deve-se ressaltar que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos.  

Por fim, registre-se que o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.

Rejeita-se, portanto, a preliminar.

Benefício por incapacidade

Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios por incapacidade, que está previsto nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213, verbis:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.

Os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença foram tratados pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, que instituiu a Reforma da Previdência, como aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, respectivamente. A nova nomenclatura já foi inserida nos artigos 43 e 71 do  Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99), com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410/00.

Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.

Note-se que a concessão do auxílio por incapacidade temporária não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por incapacidade permanente, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:

A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).

De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.

Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que "em matéria previdenciária, é possível ao magistrado flexibilizar o exame do pedido veiculado na peça exordial, e, portanto, conceder benefício diverso do que foi inicialmente pleiteado, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto, sem que tal técnica configure julgamento extra ou ultra petita" (AgInt no AREsp 1.706.804/SP, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/06/2021, DJe de 29/06/2021).

Mérito da causa

De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 27/11/2024 (evento 15, LAUDOPERIC1), a autora, a qual conta atualmente 54 anos de idade (nascida em 02/02/1971), exerceu a profissão de cobradora de ônibus por mais de dez anos, e encontra-se afastada de tal atividade desde 2023. Queixou-se de cardiopatia isquêmica

O diagnóstico foi de miocardiopatia isquêmica (CID I 25.5). Após avaliação física e análise da documentação médica complementar acostada aos autos, a expert concluiu que tal patologia não acarreta incapacidade laborativa atual. Confira-se:

 

Conclusão: sem incapacidade atual 

Justificativa:  Não há no presente, elementos objetivos que indiquem incapacidade laborativa para a

função declarada, considerando anamnese, exame físico e análise de documentosmédicos.

Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário?  NÃO

Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza?  NÃO

Em resposta aos quesitos da parte autora, ao final do laudo, o perito destacou que não há sequelas cardiovasculares. 

Assim, havendo o laudo médico oficial concluído pela inexistência de incapacidade para o exercício de atividades laborais habituais, e inexistindo prova substancial em contrário, não há direito a benefício por incapacidade. Desse modo, a prova produzida pela demandante se mostra insuficiente para infirmar o laudo médico judicial apresentado.

Destaque-se que o perito judicial detém o conhecimento científico necessário ao exame do segurado, ficando ao seu cargo a análise dos exames laboratoriais ou físicos para exarar o seu diagnóstico. A desconsideração do laudo pericial somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que coloque, efetivamente, em dúvida a conclusão do expert do juízo.

Embora o julgador não esteja adstrito à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. Dessa forma, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que não ocorreu no presente caso.

Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento das alegações da parte autora que, ressalte-se, não foram amparadas em dados técnicos. Nesse sentido, ressalto que não há sequer um documento médico que registre a existência de quadro incapacitante em decorrência da doença cardíaca, bem como a prova documental produzida é escassa. Com efeito, não foram juntados quaisquer documentos médicos com a petição inicial, tendo a autora colacionado apenas o  laudo da perícia administrativa relatando a realização de cateterismo e a colocação de stent (evento 1, LAUDO13):

Trata-se de documentação não robusta o suficiente para contrapôr a conclusão do laudo pericial, portanto.

Além disso, a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho. Doença e incapacidade podem coincidir ou não, dependendo da gravidade da moléstia, das atividades inerentes ao exercício laboral e da sujeição e resposta ao tratamento indicado. Portanto, nem toda enfermidade gera a incapacidade necessária ao deferimento dos benefícios previdenciários postulados.

Reconhece-se ainda que as condições pessoais do segurado (idade, escolaridade e experiência profissional) influenciam na definição do caráter total ou parcial da incapacidade laborativa. Isso porque, embora do ponto de vista estritamente médico o segurado possa ser reabilitado para o exercício de atividade diversa, as suas condições pessoais podem inviabilizar a efetiva reinserção no mercado de trabalho. Contudo, não fora demonstrada a incapacidade do ponto de vista cardiológico, não sendo demais destacar que nos requerimentos administrativos de benefícios por incapacidade que se seguiram ao cancelamento do benefício, a autora não cogitou a moléstia cardiológica (evento 13, LAUDO1).

Por fim, cabe destacar, novamente, que o laudo foi elaborado por profissional da confiança do juízo e especialista em cardiologia, detalhando, fundamentadamente, as razões por que o autor encontra-se apto a trabalhar, sendo que a atividade exercida por ele anteriormente e suas condições pessoais foram levadas em consideração pela médica perita para fins de expedição do referido documento. O laudo é válido e suficiente, dessa forma, a embasar a presente decisão.

Conclui-se, assim, que a autora se encontra em condições para o trabalho do ponto de vista cardiológico, motivo pelo qual não faz jus ao restabelecimento do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.

Prequestionamento

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto no sentido de reconhecer a incompetência da Justiça Federal para a análise do pedido relacionado ao acidente de trabalho, extinguindo o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV, do CPC, quanto ao ponto, rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa e negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.




Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005333033v9 e do código CRC a5296d59.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHOData e Hora: 12/11/2025, às 11:36:20

 


 

5051392-42.2024.4.04.7100
40005333033 .V9


Conferência de autenticidade emitida em 19/11/2025 04:09:08.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5051392-42.2024.4.04.7100/RS

RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME PERICIAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. 

 

1. Compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas relacionadas a benefícios decorrentes de acidente de trabalho.

2. A realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do Código de Processo Civil. O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.

3. O direito à aposentadoria por incapacidade permanente e ao auxílio por incapacidade temporária pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por incapacidade permanente) ou para seu trabalho habitual (auxílio por incapacidade temporária) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.

4. A desconsideração de laudo pericial se justifica somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.

5. Se não caracterizada a inaptidão para o trabalho, é imprópria a concessão de benefício por incapacidade.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, reconhecer a incompetência da Justiça Federal para a análise do pedido relacionado ao acidente de trabalho, extinguindo o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV, do CPC, quanto ao ponto, rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa e negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de outubro de 2025.




Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://verificar.trf4.jus.br, mediante o preenchimento do código verificador 40005333034v4 e do código CRC 79ede3e6.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHOData e Hora: 12/11/2025, às 11:36:20

 


 

5051392-42.2024.4.04.7100
40005333034 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 19/11/2025 04:09:08.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/10/2025 A 24/10/2025

Apelação Cível Nº 5051392-42.2024.4.04.7100/RS

RELATOR Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PROCURADOR(A) VITOR HUGO GOMES DA CUNHA

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/10/2025, às 00:00, a 24/10/2025, às 16:00, na sequência 482, disponibilizada no DE de 08/10/2025.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, RECONHECER A INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA A ANÁLISE DO PEDIDO RELACIONADO AO ACIDENTE DE TRABALHO, EXTINGUINDO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, COM BASE NO ART. 485, IV, DO CPC, QUANTO AO PONTO, REJEITAR A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 19/11/2025 04:09:08.



Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Teste grátis agora!