
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5062961-37.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: BENEDITO CORREA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: ALVARO AUGUSTO RODRIGUES - SP232951-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5062961-37.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS MOREIRA
APELANTE: BENEDITO CORREA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: ALVARO AUGUSTO RODRIGUES - SP232951-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de devolução de autos de apelação ao órgão julgador, após juízo de admissibilidade de recursos excepcionais, para reexame de acórdão que recebeu a seguinte ementa:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO LABOR COM 12 ANOS DE IDADE. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA COM A PROVA TESTEMUNHAL. TEMPO INSUFICIENTE À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AVERBAÇÃO.
- A Constituição da República (CR) previa na redação original do artigo 202, I e II, e § 1º, a aposentadoria por tempo de serviço, concedida com proventos integrais, após 35 (trinta e cinco) anos de trabalho, ao homem, e, após 30 (trinta), à mulher, ou na modalidade proporcional, após 30 (trinta) anos de trabalho, ao homem, e, após 25 (vinte e cinco), à mulher.
- A EC 20/1998, extinguiu a possibilidade de aposentação mediante a contagem do tempo de serviço, passando a ordem jurídica nacional a dispor sobre a aposentadoria por tempo de contribuição, além de não mais admitir a antecipação da aposentadoria com proventos proporcionais aos novos segurados ingressos no sistema.
- O direito à aposentadoria proporcional foi preservado aos que já se encontravam filiados ao RGPS, sem implementar os requisitos do artigo 52 da LBPS, contanto que cumprissem os requisitos da regra de transição do artigo 9º da EC 20/1998, a saber: contar com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos de idade, se mulher; somar no mínimo 30 anos, homem, e 25 anos, mulher, de tempo de serviço; além de um "pedágio" adicional de 40% sobre o tempo faltante ao tempo de serviço exigido para a aposentadoria proporcional, na data de entrada de vigência da emenda. Esse é, inclusive, o teor do artigo 187 do Decreto n. 3.048, de 06/05/1999, o Regulamento da Previdência Social (RPS).
- No que toca à aposentadoria integral, segundo o § 7º do artigo 201 da CR, incluído pela EC 20/1998, é reconhecido o direito aos segurados inscritos no RGPS que não preencheram os requisitos antes da vigência da emenda, pelas regras de transição permanentes, sendo necessário demonstrar o exercício de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher, na forma do artigo 53, I e II, da LBPS, ressaltando-se que a exigência de comprovação da idade mínima não prevaleceu.
- A EC 103/2019, implementou nova Reforma Previdenciária, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, passando a disciplinar a aposentadoria programada, com exigência de novos requisitos.
- Além do tempo de serviço, deve o segurado comprovar o cumprimento do período de carência, cuja regra geral estabelece 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, nos termos do artigo 25, II, da LBPS, observada a tabela do artigo 142 do mesmo diploma legal.
- A comprovação da atividade rural deve ser realizada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal, conforme o § 3º do artigo 55 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991.
- Em que pese a documentação apresentada, não foi anexado aos autos nenhum documento em nome da parte autora ou de seus familiares capaz de comprovar o seu efetivo labor campesino no período de 07/05/1978 (quando completou 12 anos) a 31/12/1985.
- Na espécie, no que tange ao período de 07/05/1978 a 31/12/1985 não há provas materiais a serem corroboradas pelo depoimento de testemunhas. No entanto, considerando-se o teor do Tema 629/STJ, a falta de conteúdo probatório material conduz à extinção sem julgamento de mérito, a teor do artigo 55, § 3º, da Lei n. 8.213, de 21/07/1991, por ausência pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, na forma preconizada pelo artigo 485, inciso IV, do CPC.
- Deve ser limitado o período rural reconhecido até 24/07/1991, pois após a edição da Lei n. 8.213/1991, o segurado deve comprovar o recolhimento das respectivas contribuições previdenciária para fazer jus ao reconhecimento do labor campesino. Precedentes.
- Não há como acolher o pedido de reconhecimento do labor rural nos períodos de 16/06/2001 a 28/02/2002 e 15/05/2010 a 30/08/2014, ante a ausência de comprovação dos recolhimentos das contribuições previdenciárias devidas.
- No caso, considerados os períodos reconhecidos pelo INSS e pela r. sentença, afere-se que a parte autora possuía na data de entrada do requerimento administrativo (DER), em 22/11/2019, o total de 27 anos, 2 meses e 15 dias de tempo de contribuição, tempo insuficiente para lhe garantir a concessão, desde a referida data, do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- Deve ser mantida a r. sentença que reconheceu a atividade rural, sem registro, desenvolvida pelo autor, no período compreendido entre 01/01/1986 a 24/07/1991, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, não podendo, entretanto, tal período ser computado para efeito de carência, nos termos do artigo 55, §2º, da Lei n. 8.213/1991.
- De ofício, extinto o feito, sem julgamento de mérito, na forma do artigo 485, IV, do CPC, quanto ao período de 07/05/1978 a 31/12/1985.
- Apelação da parte autora desprovida.
A Vice-Presidência deste Tribunal, em juízo de adequação, verificou incompatibilidade do acórdão com a tese fixada no RESP 1.348.633, Tema 638/STJ.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5062961-37.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS MOREIRA
APELANTE: BENEDITO CORREA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: ALVARO AUGUSTO RODRIGUES - SP232951-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, no Tema 638 (RESP 1.348.633), que a exigência de início de prova material para a demonstração de atividade rural é cumprida para os períodos anteriores ao documento mais antigo, quando houver convincente prova testemunhal, colhida sob a garantia do contraditório:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
Tema 638. "Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório".
Já o acórdão recorrido adotou a fundamentação de que não existe início de prova material para o período de atividade rural de 07/05/1978 a 31/12/1985, ainda que conste rescisão de contrato de trabalho rural datada de 16/11/1986 e tenha sido colhida prova testemunhal.
Nota-se que o acórdão recorrido diverge da orientação do STJ, desconsiderando tempo de atividade rural com base na ausência de início de prova material, num contexto em que existe documento mais antigo comprobatório de trabalho rural (rescisão de contrato de trabalho datada de novembro de 1986) e os depoimentos testemunhais colhidos em juízo apontam invariavelmente a presença do autor no campo desde os 12 anos de idade.
Dessa forma, em função da eficácia vinculante do julgamento de recurso representativo de controvérsia e dos princípios da isonomia, segurança jurídica e proteção da confiança, enquanto valores condicionantes dos precedente qualificados, o juízo de retratação deve ser exercido para reconhecer como tempo de serviço rural o período 07/05/1978 a 31/12/1985.
Com a retratação, os fundamentos adotados pelo acórdão para negar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ficam prejudicados, comportando revisão (artigo 1.041, §1º, do CPC).
O acréscimo do período de 07/05/1978 a 31/12/1985 ao reconhecido administrativamente pelo INSS e ao averbado por sentença sem recurso da autarquia (01/01/1986 a 24/07/1991) leva a que o segurado contabilize o tempo de serviço de 34 anos, 9 meses e 17 dias na DER (22/11/2019).
Esse fato, aliado à posse da idade de 53 anos, ao cumprimento do pedágio de 40% do tempo que faltava para atingir 30 anos de serviço em 16/12/1998 (artigo 9º da EC nº 20/1998) e ao alcance de todo o tempo de serviço antes da EC nº 103/2019 (13/11/2019), em típica situação de direito adquirido, possibilita a concessão de aposentadoria com proventos proporcionais, cujo cálculo deve seguir o fator previdenciário, sem a opção assegurada pelo sistema de pontos – o resultado da soma da idade e do tempo de contribuição do autor não excede a 95 pontos, segundo o artigo 29-C, I, da Lei nº 8.213/1991.
O termo inicial dos efeitos financeiros do benefício deve corresponder à data da entrada do requerimento (22/11/2019), com o cálculo dos acréscimos moratórios na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, mediante incidência de correção monetária a partir do vencimento de cada prestação e de juros de mora na data da citação (Tema 905/STJ e Súmula 204 do STJ).
O regime de distribuição das verbas de sucumbência se mantém recíproco, uma vez que o autor não obteve a averbação de todo o período de atividade requerida e a concessão da aposentadoria com proventos integrais. Os honorários de advogado devem observar as disposições contidas no inciso II, do §4º, do Art. 85, do CPC e a Súmula 111 do e. STJ.
Ante o exposto, exerço juízo de retratação para reconhecer como tempo de trabalho rural o período de 07/05/1978 a 31/12/1985, dando parcial provimento à apelação do autor, nos termos da fundamentação adotada, devendo os autos serem devolvidos à Vice-Presidência desta E. Corte para as providências cabíveis.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REEXAME DE CAUSA DECORRENTE DE RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CABIMENTO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. RETRATAÇÃO POSITIVA.
1. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, no Tema 638 (RESP 1.348.633), que a exigência de início de prova material para a demonstração de atividade rural é cumprida para os períodos anteriores ao documento mais antigo, quando houver convincente prova testemunhal, colhida sob a garantia do contraditório.
2. O acórdão recorrido adotou a fundamentação de que não existe início de prova material para o período de atividade rural de 07/05/1978 a 31/12/1985, ainda que conste rescisão de contrato de trabalho rural datada de 16/11/1986 e tenha sido colhida prova testemunhal.
3. O acórdão recorrido diverge da orientação do STJ, desconsiderando tempo de atividade rural com base na ausência de início de prova material, num contexto em que existe documento mais antigo comprobatório de trabalho rural (rescisão de contrato de trabalho datada de novembro de 1986) e os depoimentos testemunhais colhidos em juízo apontam invariavelmente a presença do autor no campo desde os 12 anos de idade.
4. Em função da eficácia vinculante do julgamento de recurso representativo de controvérsia e dos princípios da isonomia, segurança jurídica e proteção da confiança, enquanto valores condicionantes dos precedente qualificados, o juízo de retratação deve ser exercido para reconhecer como tempo de serviço rural o período 07/05/1978 a 31/12/1985.
5. O acréscimo do período de 07/05/1978 a 31/12/1985 ao reconhecido administrativamente pelo INSS e ao averbado por sentença sem recurso da autarquia (01/01/1986 a 24/07/1991) autoriza a concessão de aposentadoria por tempo de serviço com proventos proporcionais (artigo 9º da EC nº 20/1998).
6. Fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na DER. Acréscimos moratórios calculados na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Sucumbência recíproca, com o arbitramento dos honorários de advogado segundo a Súmula 111 do STJ.
7. Juízo de retratação exercido. Apelação a que se dá parcial provimento.