
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001213-25.2014.4.03.6113
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: PETRONIO LANDIGIR PINHEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A
APELADO: PETRONIO LANDIGIR PINHEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001213-25.2014.4.03.6113
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: PETRONIO LANDIGIR PINHEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A
APELADO: PETRONIO LANDIGIR PINHEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Vistos.
Trata-se de ação de conhecimento distribuída em 07/05/2014, na qual a parte autora postula o reconhecimento da especialidade de períodos trabalhados sob condições nocivas, bem como a concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
O Juiz da 3ª Vara de Franca/SP acolheu parcialmente os pedidos da parte autora em sentença proferida em 21/11/2016, condenando o INSS:
1) a reconhecer e averbar os períodos especiais de 01/06/1977 a 27/04/1981, 03/08/1981 a 22/10/1982, 01/06/1983 a 12/09/1983, 17/10/1983 a 24/09/1987, 08/10/1987 a 15/01/1988, 01/02/1988 a 12/10/1990, 09/07/1991 a 15/11/1991, 02/03/1992 a 30/05/1994, 08/06/1994 a 30/11/1994, 01/02/1995 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 01/03/1996, 03/06/1996 a 17/06/1996, 19/11/2003 a 19/12/2003, 16/03/2004 a 28/12/2004, 14/09/2005 a 12/11/2005, 01/02/2006 a 07/12/2006, 17/05/2007 a 16/12/2007, 04/02/2008 a 12/12/2008, 10/05/2011 a 23/05/2012, 01/10/2012 a 20/05/2013;
2) a conceder benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao segurado com termo inicial na data do requerimento administrativo;
3) ao pagamento de honorários advocatícios, a serem fixados por ocasião da liquidação do julgado.
Houve interposição de apelação pelo INSS, sendo os autos distribuídos nesta Corte em 15/08/2017.
Em síntese, alega que a atividade de sapateiro não admite enquadramento por categoria profissional, dada a ausência de previsão nos decretos regulamentadores. Sustenta, ainda, que o requerente não se desincumbiu do ônus de comprovar a exposição alegada, uma vez que os PPPs apresentados atestam que a intensidade de todos os agentes nocivos manteve-se dentro dos limites legais. Questiona, também, o valor probatório do laudo pericial produzido por similaridade. Por fim, requer a reforma da sentença para julgar totalmente improcedente o pedido do autor e, subsidiariamente, para fixar a DIB na data da citação, e não na data do requerimento administrativo.
Por outro lado, a parte autora também interpôs apelação, pleiteando o reconhecimento da especialidade de todos os períodos requeridos, com fundamento na exposição a agentes físicos (ruído) e químicos (hidrocarbonetos, colas, solventes, benzeno, tolueno, entre outros). Por fim, postula o cômputo dos períodos posteriores ao ajuizamento da ação e a adequação dos consectários legais.
Foram apresentadas contrarrazões pelo requerente.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001213-25.2014.4.03.6113
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: PETRONIO LANDIGIR PINHEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A
APELADO: PETRONIO LANDIGIR PINHEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: KLEBER ALLAN FERNANDEZ DE SOUZA ROSA - SP248879-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora):
Trata-se de recurso de apelação apresentado por ambos os litigantes contra sentença na qual foi reconhecida a especialidade de determinadas períodos no qual o autor trabalhou na indústria calçadista e determinada a implantação da a aposentadoria por tempo de contribuição em seu favor.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, passo à análise das questões preliminares.
DAS APOSENTADORIAS POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E ESPECIAL
A legislação previdenciária passou por diversas alterações ao longo do tempo, visando à manutenção de sua sustentabilidade e ao controle atuarial.
A Emenda Constitucional nº 20/1998 passou a exigir tempo mínimo de contribuição de 30 anos para mulheres e 35 anos para homens.
Com a edição da Lei nº 9.876/1999, a Renda Mensal Inicial (RMI) dos benefícios passou a ser calculada com base na média das 80% maiores contribuições vertidas desde julho de 1994 até a Data de Entrada do Requerimento (DER), multiplicada pelo fator previdenciário.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 103/2019 instituiu a sistemática das aposentadorias programadas, com requisitos diversos, além das regras de transição aplicáveis aos segurados filiados ao sistema anteriormente à sua promulgação.
O reconhecimento do tempo especial subdivide-se em dois períodos distintos. Até 28/04/1995, início da vigência da Lei nº 9.032/1995, a qualificação do tempo especial decorre da mera categoria profissional, conforme os Anexos dos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979, independentemente de comprovação adicional, conforme entendimento sedimentado na Súmula nº 49 da TNU.
A partir dessa data, passou-se a exigir prova efetiva da exposição habitual e permanente a agentes nocivos.
Nesse sentido, sobreveio intensa regulamentação, como o Decreto nº 2.172/1997, que excluiu da lista de agentes nocivos diversos elementos antes considerados prejudiciais à saúde. Também a Lei nº 9.528/1997 impôs a necessidade de apresentação de laudos técnicos ambientais para a comprovação da exposição nociva.
Ademais, a jurisprudência firmou-se no sentido de que os agentes listados nos regulamentos previdenciários têm caráter meramente exemplificativo, sendo possível o reconhecimento da atividade como especial sempre que exercida em condições insalubres, perigosas ou penosas, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
O laudo ambiental atualmente utilizado para a particularização das condições de trabalho do segurado é o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, instituído pelo Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), o qual deve estar devidamente assinado por engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, profissionais habilitados para tanto.
Cumpre observar que, ainda que o PPP não seja contemporâneo à prestação dos serviços, ou que nem todos os períodos nele registrados estejam assinados por profissional legalmente habilitado, tais circunstâncias não acarretam, por si só, a nulidade das informações constantes do documento, tendo em vista que a evolução tecnológica tende a atenuar as condições de nocividade no ambiente laboral. (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - Apelação Cível nº 0001652-31.2012.4.03.6105, Rel. Des. Federal Louise Vilela Leite Filgueiras, julgamento em 09/05/2024, DJEn 13/05/2024).
Consideradas tais premissas, o reconhecimento de períodos como especiais possibilita sua conversão em tempo comum, viabilizando que o segurado integralize, de forma mais célere, o tempo necessário à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. Para tanto, aplica-se o fator de conversão de 1,4 para homens e 1,2 para mulheres, conforme previsto no artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação conferida pelo Decreto nº 4.827/2020.
Por outro lado, a aposentadoria especial é devida aos segurados que tenham laborado por 15, 20 ou 25 anos, conforme o agente nocivo envolvido, expostos a condições insalubres, nos exatos termos do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Lei nº 9.032/1995. Ressalte-se que, nessa modalidade de benefício, não é admitida a conversão de tempo especial em comum, uma vez que se trata de aposentadoria com requisitos próprios, exigindo-se a exposição contínua e habitual ao agente nocivo durante todo o período de carência legalmente exigido.
INDÚSTRIA CALÇADISTA
Convém preambularmente ressaltar que o laudo pericial fornecido pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP, não se revela suficiente a atestar as condições de trabalho do autor, eis que se refere, de forma genérica, a todas as indústrias de calçados de Franca, sem analisar as especificidades de cada função desenvolvida e do ambiente de trabalho de cada uma delas.
Portanto, o documento não traduz, com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época, pela parte autora nos lapsos debatidos, conforme a jurisprudência desta Nona Turma:
“(...)Cumpre acrescentar que o laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP, não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais da requerente, com permanência e habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz, com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época, pela parte autora nos lapsos debatidos.(...)” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000570-30.2024.4.03.6113, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 28/03/2025, DJEN DATA: 03/04/2025)
“(...) Contudo, não prospera o pedido de reconhecimento da atividade especial (...) os ofícios desempenhados em indústria calçadista, tais como "sapateiro", "montador", "moldador", entre outros similares, não estão contemplados nos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979 (enquadramento por categoria profissional até a data de 28/4/1995), nem podem ser caracterizados como insalubres, perigosos ou penosos, por simples enquadramento da atividade.
(...)
Ressalte-se que o laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP (Id. 268594716, ps. 1/51), não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais à saúde do obreiro nas funções alegadas, com permanência e habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz, com fidedignidade, as reais condições do trabalho desempenhado pelo autor.(...)” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000756-92.2020.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal FERNANDO DAVID FONSECA GONCALVES, julgado em 19/09/2024, DJEN DATA: 24/09/2024)
“(...) É importante ressaltar que foi carreado apenas o laudo pericial (id 316122528), tendo como solicitante o Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca e, conquanto se reporte a natureza insalubre dos ambientes laborais das indústrias de calçados, não é hábil para demonstrar a especialidade do labor, tendo em vista que aponta os fatores de risco de forma genérica, referentes as Fábricas de Calçados de Franca, não considerando as especificidades do ambiente de trabalho dessas indústrias e, com isso, as reais condições de trabalho do requerente durante os lapsos questionados.(...)” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001889-33.2024.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 22/04/2025, DJEN DATA: 28/04/2025)
Descabe falar, ademais, em reconhecimento por atividade profissional na indústria calçadista, em que as atividades desenvolvidas nestes setores não se encontram previstas nos anexos dos Decretos de regência:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. APOSENTADORIA ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA.
- Não há que se falar em cerceamento do direito de defesa, uma vez que cabe tão-somente ao magistrado, como destinatário da prova, aferir a necessidade ou não da produção de prova pericial (art. 464, § 1º, inciso II, c/c art. 370, ambos do CPC).
- Analisado o conjunto probatório, verifica-se que, diversamente do alegado, não foi possível o reconhecimento da atividade urbana, como de natureza especial, dos períodos laborados em indústria de calçados na cidade de Franca/SP, uma vez que as atividades de sapateiro e correlatas em indústrias calçadistas, embora indiciar exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontram previsão nos Decretos n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979. Assim, por não constarem da legislação especial as atividades exercidas em empresas de calçados, sua natureza especial deve ser comprovada, citando precedentes desta C. Turma, o que não restou demonstrado nos autos.
- Agravo não provido.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0004323-71.2010.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal JOSE DENILSON BRANCO, julgado em 08/05/2024, DJEN DATA: 16/05/2024)
DAS PROVAS EMPRESTADAS
De início, rejeita-se a utilização de prova emprestada consistente em laudos ambientais pertencentes a outros segurados, bem como laudos periciais produzidos em demandas trabalhistas ou previdenciárias ajuizadas por terceiros, como meio idôneo para comprovação de tempo especial.
Nos termos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do artigo 2º da Lei nº 8.889/1973, a relação de trabalho possui caráter estritamente pessoal, sendo que os contratos de trabalho são individualizados, e cada empregado exerce um conjunto específico de atribuições dentro do estabelecimento empregador.
Embora as empresas possuam estrutura organizacional com definição de cargos e funções, tal circunstância autoriza a inferência segura de condições de exposição semelhantes apenas quando o trabalho paradigma é desempenhado nas mesmas funções e no mesmo setor do empregado demandante. O mero labor para o mesmo empregador, ou em empresas do mesmo ramo, não legitima a presunção de padrões idênticos de exposição a agentes nocivos.
Outrossim, a análise de laudos ambientais referentes a local de trabalho diverso daquele originalmente ocupado pelo empregado, especialmente quando há considerável intervalo temporal, prejudica a avaliação precisa da nocividade do ambiente laboral.
Assim, a aferição da especialidade deve priorizar, sempre que possível, laudos ambientais expedidos pelo próprio empregador ou documentos coletivos da época da prestação laboral (como PPPRA, LTCAT, entre outros), os quais são aptos a balizar o exame das condições reais de trabalho.
Neste sentido, destaco :
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL DEMONSTRADA POR MEIO DE PROVA EMPRESTADA. PPP EM NOME DE TERCEIRO. CARGO E SETOR DIVERSOS. INADMISSIBILIDADE. PROVA EMPRESTADA APROVEITADA EM PARTE. HONORÁRIOS REDUZIDOS. Cabe lembrar que constitui dever legal do empregador elaborar e fornecer ao empregado PPP regularmente preenchido que demonstre corretamente as condições de trabalho desenvolvidas, cabendo à Justiça do Trabalho, à luz do artigo 114 da CF/1988, dirimir eventual controvérsia, não ao juízo previdenciário. É possível valer-se da prova emprestada trazida em nome de outro empregado da mesma empresa, desde que tenha trabalhado na mesma função e sob as mesmas condições de trabalho. A r. sentença determinou ao INSS a análise do pedido de reconhecimento da atividade especial do autor com base em prova emprestada (PPP) e, conforme se extrai da cópia da CTPS, no período de 02/01/2004 a 13/12/2009 o autor trabalhou como “ajudante geral” na Suzanense Indústria e Comercio de Papeis Ltda.. Consta dos autos prova emprestada de outro empregado, para o fim de reconhecimento do período citado (id 146870992 - Pág. 13/14), indicando as funções de ‘operador de rebobinadeira’, ‘preparador’, ‘1º assistente’ e ‘condutor’ na mesma empresa, entre 2002 a 2016 (id 146870992 - Pág. 13/14). Como a função exercida pelo autor (ajudante geral) e as constantes do PPP emprestado são diferentes, não há como aproveitar o citado documento como prova material do alegado trabalho especial de 02/01/2004 a 13/12/2009. O documento não pode ser aproveitado como ‘prova emprestada’, uma vez que não há nenhum elemento de convicção que demonstre a efetiva sujeição do autor aos agentes nocivos constantes do PPP emprestado. Foi juntado aos autos PPP emitido pela empresa Suzano Papel e Celulose S/A em nome do autor, indicando que no período de 01/06/1983 a 31/01/1990 trabalhou como “ajudante geral” e, neste interregno, não houve exposição a nenhum agente nocivo, segundo as informações constantes da seção de registros ambientais (Id 146870992 - Pág. 8/9). O PPP emprestado não tem aptidão, por si só, a demonstrar que o autor, exercendo função diversa, esteve exposto a agentes nocivos de 02/01/2004 a 13/12/2009. No tocante ao período de 19/10/2010 a 10/12/2010, observo que consta da CTPS que o autor trabalhou como ‘condutor’ na Suzanense Indústria e Comercio de Papeis Ltda. (id 146870992 - Pág. 38). A prova emprestada juntada aos autos (PPP id 146870992 - Pág. 13/14) traz a indicação de que o empregado exerceu a mesma função, para a mesma empresa no período de 01/11/2009 a 24/11/2016, sob exposição a agentes nocivos. A prova emprestada (Id 146870992 - Pág. 13/14) pode ser utilizada para fins de análise administrativa da atividade especial vindicada pelo autor no período de 19/10/2010 a 10/12/2010. Honorários advocatícios reduzidos para R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015) e o disposto na Súmula nº 111 do C. Superior Tribunal de Justiça. Apelação do INSS parcialmente provida. (TRF-3 - ApCiv: 53558295520204039999 SP, Relator: Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, Data de Julgamento: 21/09/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 29/09/2022)
DO AGENTE RUÍDO
Em relação à exposição ao ruído, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Temas 534, 694 e 1083, definiu que a especialidade em razão da exposição a tal agente é regida pela legislação vigente à época da prestação do serviço. Nesta tocada, em síntese, são aplicáveis ao reconhecimento da especialidade, os seguintes limiares de pressão sonora, cada qual aplicável ao interregno de vigência das normas que cuidam da evolução legislativa e regulamentar do tema:
| Legislação Aplicável | Nível de Ruído | Técnica de Aferição |
| A partir de 28/08/1960 - Edição da LOPS | ||
| Decretos 53.831/1964, Item 1.1.6 do Quadro Anexo e Decreto 83.080/1979 Item 1.1.5 do Anexo I | 80 dB(A) | (NR-15) Pico de Ruído, Média Aritmética Simples ou NEN |
| A Partir de 06/03/1997 - Edição do Decreto 2.172/1997 | ||
| Decreto 2.172/1997, item 2.0.1, do Anexo IV | 90 dB(A) | (NR-15) Pico de Ruído, Média Aritmética Simples ou NEN |
| A partir de 19/11/2003 - Edição do Decreto 4.882/2003 | ||
| Decreto 3.048/99, item 2.0.1, do Anexo IV | 85 dB(A) | NEN - NHO 01 da FUNDACENTRO |
A metodologia de aferição dos níveis de ruído também sofreu alterações. O cotejo do agente, que anteriormente podia ser realizado por meio de medição pontual — identificando o nível máximo de ruído encontrado no ambiente laboral (pico de ruído) — ou pela média aritmética dos índices registrados, passou, com a edição do Decreto nº 4.882/2003, a exigir a utilização da técnica denominada Nível de Exposição Normalizado (NEN), conforme previsto na Norma de Higiene Ocupacional nº 01 (NHO-01) da FUNDACENTRO. Essa técnica tem como foco o exame dos níveis de ruído ao longo da jornada de trabalho, proporcional à sua duração.
Destaca-se, nesse contexto, o entendimento consolidado pelo Tema 1083 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual, constatados diferentes níveis de ruído no ambiente laboral, a medição deve ser realizada pelo critério NEN. Na ausência dessa informação, admite-se a adoção do critério do pico de ruído, desde que a perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição.
Observados tais critérios, é necessário ponderar que o tecnicismo não pode se sobrepor à realidade de que os laudos ambientais são elaborados exclusivamente pelos empregadores. Assim, compete ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a fiscalização das obrigações previdenciárias, nos termos do artigo 125-A da Lei nº 8.213/91.
Sem prejuízo, conforme precedentes desta Colenda 9ª Turma, a inobservância quanto à metodologia adequada para aferição do agente ruído não invalida, por si só, a medição em decibéis constante no documento, ainda que realizada por técnica inadequada. Isso porque o empregado é parte vulnerável na relação de trabalho, sendo hipossuficiente para impor ao empregador a forma de aferição acústica do ambiente laboral (TRF 3ª Região, 9ª Turma, Apelação Cível nº 5002888-87.2022.4.03.6102, Rel. Des. Federal Gilberto Rodrigues Jordan, julgado em 18/07/2024, DJEN de 24/07/2024).
DO LIMIAR DE TOLERÂNCIA
Em que pese a exposição a níveis de ruído situados no limiar estabelecido pela legislação, filio-me ao entendimento de que os níveis de ruído iguais aos limites legais autorizam o reconhecimento da especialidade da atividade. Isso porque não há viabilidade técnica para se afirmar que a exposição em patamar de igualdade seja menos prejudicial à saúde do trabalhador do que aquela em patamar superior, sobretudo considerando que a aferição está sujeita a variações decorrentes de diversos fatores.
Nesse sentido, colhe-se o seguinte precedente:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1981319 - SP (2021/0284669-3) DECISÃO Trata-se de Agravos em Recursos Especiais interpostos por Adilson José Pereira (art. 105, III, a e c, da Constituição da Republica) e pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS (art. 105, III, a, da Constituição da Republica) contra acórdão assim ementado (fls. 299-300, e-STJ): PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. NÍVEL DE RUÍDO IGUAL AO LIMITE LEGAL MÍNIMO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE(...) 16 Inexiste óbice ao reconhecimento do tempo de serviço especial no período de , não obstante tenha sido apontada 23/07/2012 a 26/08/2014 a exposição a ruído equivalente a 85 dB (A), pois, por mais moderno que possa ser o aparelho que faz a medição do nível de ruído do ambiente, a sua precisão nunca é absoluta, havendo uma margem de erro tanto em razão do modelo de equipamento utilizado, como em função da própria calibração. 17 - Diante da natureza social de que se reveste o direito previdenciário, seria de demasiado rigor formal deixar de reconhecer a atividade especial ao segurado exposto a ruído equivalente ao limite estabelecido pelo próprio legislador como nocivo à saúde. 18 - Razoável considerar a atividade como sendo especial em casos como o dos autos, em que tenha sido apurado o nível de ruído igual ao limite estipulado pela legislação previdenciária (STJ - AREsp: 1981319 SP 2021/0284669-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Publicação: DJ 01/02/2022).
DO USO DE EPIs – TEMA 1.090 DO STJ
Em 18/06/2025, o STJ concluiu o julgamento do Tema 1.090, firmando a tese de que “a informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial”. Tal entendimento deve ser analisado em consonância com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 555, que estabelece que “em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial”.
Embora haja aparente divergência entre os entendimentos consagrados nos Temas 555/STF e 1.090/STJ, especialmente quanto à presunção de eficácia do EPI declarada pelo empregador, os julgados são complementares. Ambas as Cortes reconhecem que a aposentadoria especial constitui hipótese excepcional na legislação, sendo inviável sua concessão quando o equipamento de proteção é totalmente eficaz. Contudo, subsistindo dúvida quanto à real eficácia do EPI, deve-se concluir pela sua inaptidão, com consequente reconhecimento da especialidade do período controvertido.
Ademais, cumpre destacar que, apenas em 22/04/2025, o STJ reassentou definitivamente a questão do ônus da prova quanto ao EPI declarado eficaz, estabelecendo que compete ao segurado demonstrar a ineficácia total do equipamento quando houver declaração expressa de eficácia no PPP. Tal orientação, entretanto, não pode ser aplicada retroativamente aos processos cuja instrução já foi encerrada sob a égide do entendimento anterior, especialmente quando o Tema 555 do STF considerava os EPIs intrinsecamente incapazes de prover proteção total contra agentes nocivos. A aplicação retroativa desse novo ônus probatório configuraria manifesta violação aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, considerando que as partes exerceram seus direitos de defesa e produção de provas com base na jurisprudência então vigente.
A análise do cotidiano previdenciário revela que pouquíssimos, ou nenhum, equipamentos de proteção possuem eficácia total contra os agentes nocivos que visam neutralizar. A eficácia apenas parcial pode ser demonstrada por exemplos concretos:
a) Protetores auriculares: O modelo tipo concha CA 29176 apresenta Nível de Redução de Ruído (NRRsf) variável conforme o usuário e as condições de uso. O protetor interauricular CA 5674 também possui nível de atenuação dependente de diversos fatores (fontes: https://multimedia.3m.com/mws/media/784863O/hearing-protectors-dielectric-1426, https://multimedia.3m.com/mws/media/1367349O/technical-bulletin-3m-disposable-earplugs-1100-1110.pdf).
b) Máscaras respiratórias: As máscaras PFF1, PFF2 e PFF3 apresentam eficácia parcial. A PFF1 CA 39201 impede apenas 80% da aspiração de compostos (fonte: https://files.tayco.com.br/fichastec/FICHA-TECNICA-T-650-651-CA39201-CA39202.pdf). A N95 PFF2 CA 7956, amplamente utilizada durante a pandemia, possui eficácia de 94% (fonte: https://multimedia.3m.com/mws/media/784624O/3m-respirators-1860-1860s.pdf).
c) Demais equipamentos: Luvas cirúrgicas (CA 39518), óculos de proteção (CA 9722) e calçados industriais (CA 12160) também não oferecem proteção integral.
O próprio INSS, ao regulamentar a análise técnica do PPP (art. 291 da IN nº 77/2015), estabelece que o uso de EPI apenas afasta a especialidade quando “comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade”, o que raramente ocorre. Além disso, exige-se que a empresa registre no PPP a observância das condições de funcionamento, uso contínuo, validade, troca e higienização do EPI.
A IN nº 170/2024, art. 291, § 2º, dispõe que “nos casos de exposição ao agente nocivo ruído, acima dos limites legais de tolerância, a declaração de eficácia do EPI no PPP não descaracteriza o enquadramento como atividade especial”.
Por fim, é notório que a perda auditiva induzida por ruído (PAIR) decorre da vibração causada por níveis acústicos contínuos superiores a 85 dB(A), provocando lesão nas células ciliadas da cóclea, sendo irrelevante o uso de EPI, pois a lesão ocorre por fatores mecânicos.
Assim, embora o STJ tenha reassentado que é ônus do segurado demonstrar a ineficácia dos EPIs declarados eficazes no PPP, tal orientação não pode ser aplicada aos processos já instruídos sob entendimento anterior. A dúvida razoável quanto à efetiva capacidade protetiva impõe o reconhecimento da especialidade, especialmente nas atividades econômicas em que o uso de EPIs é comum, mas sua eficácia é discutível.
DA PERÍCIA POR SIMILARIDADE
Admite-se a produção de prova pericial por similaridade para fins de aferição da exposição a agentes nocivos e comprovação da especialidade do labor, especialmente quando houver impossibilidade de obtenção dos dados necessários junto à empresa de origem. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. (...)
2. Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do caráter eminentemente social atribuído à Previdência, cuja finalidade primeira é amparar o segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção, no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica.
Em casos análogos, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à legalidade da prova emprestada, quando esta é produzida com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
(REsp 1.397.415/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 20/11/2013)
Observa-se que, em diversas situações, a melhor alternativa para apuração das condições ambientais de trabalho — quanto à presença ou não de agentes nocivos — é a avaliação realizada em estabelecimento de atividade semelhante àquele em que o segurado laborou originalmente. Estando presentes os mesmos agentes nocivos, é possível formar juízo conclusivo quanto à exposição.
Dessa forma, em tese, não há óbice à utilização de laudo pericial elaborado em empresa similar para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo, desde que referente ao exercício de função semelhante.
Não obstante, cumpre ressaltar que, em princípio, não se deve admitir a perícia por similaridade quando a empresa originária estiver ativa, sob pena de se desprezar as especificidades do ambiente laboral.
Nesse mesmo entendimento, destaca-se o seguinte julgado deste Egrégio Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. COBRADOR DE ÔNIBUS. ENQUADRAMENTO. LAUDO GENÉRICO. PERÍCIA POR SIMILARIDADE AFASTADA.
(...)
O laudo técnico pericial apresentado não traduz com fidelidade as reais condições vividas individualmente pela parte autora nos lapsos debatidos. Dessa forma, não se mostra apto a atestar condições prejudiciais nas funções alegadas, com permanência e habitualidade, por reportar-se às atividades de motorista e cobrador de ônibus de forma genérica, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas.
O laudo judicial produzido na reclamação trabalhista nº 01803201004820000 (Reclamante: Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte / Reclamada: Viação Campo Belo) não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais do obreiro, pois realizado em empresa similar à trabalhada pela parte autora, desprezando suas especificidades.
Apelação conhecida e desprovida.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, Apelação Cível nº 0000368-40.2015.4.03.6183, Rel. Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, julgado em 11/12/2017, e-DJF3 Judicial)
Dessarte, respeitados os limites pertinentes à natureza da respectiva prova, é cabível a avaliação da especialidade da atividade com base em laudo técnico produzido em empresa similar, desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como a inexistência de possibilidade de obtenção da prova diretamente na empresa de origem.
DO CASO DOS AUTOS
No caso em exame, recorre o INSS postulando a revisão quanto ao enquadramento dos seguintes períodos: 01/06/1977 a 27/04/1981, 03/08/1981 a 22/10/1982, 01/06/1983 a 12/09/1983, 17/10/1983 a 24/09/1987, 08/10/1987 a 15/01/1988, 01/02/1988 a 12/10/1990, 09/07/1991 a 15/11/1991, 02/03/1992 a 30/05/1994, 08/06/1994 a 30/11/1994, 01/02/1995 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 01/03/1996, 03/06/1996 a 17/06/1996, 19/11/2003 a 19/12/2003, 16/03/2004 a 28/12/2004, 14/09/2005 a 12/11/2005, 01/02/2006 a 07/12/2006, 17/05/2007 a 16/12/2007, 04/02/2008 a 12/12/2008, 10/05/2011 a 23/05/2012, 01/10/2012 a 20/05/2013
Por sua vez, a parte autora recorre, postulando o enquadramento dos seguintes períodos: 19/05/1997 a 26/10/1998, 05/04/1999 a 13/08/1999, 20/08/1999 a 11/02/2003 e16/07/2003 a 18/11/2003.
Considerando a controvérsia existente quanto a especialidade dos períodos citados, passa-se ao exame individualizado de cada interregno:
Período: 01/06/1977 a 27/04/1981, 03/08/1981 a 22/10/1982, 01/06/1983 a 12/09/1983, 17/10/1983 a 24/09/1987, 08/10/1987 a 15/01/1988, 09/07/1991 a 15/11/1991, 02/03/1992 a 30/05/1994, 08/06/1994 a 30/11/1994, 01/02/1995 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 01/03/1996, 05/04/1999 a 13/08/1999, 20/08/1999 a 11/02/2003 e16/07/2003 a 18/11/2003, 16/03/2004 a 28/12/2004,
Função: Auxiliar de acabador, sapateiro, arranhador, montador
Empresa: INDÚSTRIA DE CALÇADOS LV LTDA, CALÇADOS GUARALDO LTDA, INDÚSTRIA DE CALÇADOS LV LTDA., CIA. DE CALÇADOS PALERMO, TUAREG CALÇADOS LTDA. - ME, INDÚSTRIA DE CALÇADOS PAL-FLEX LTDA, CALÇADOS SIDIMAR LTDA, SORBONNE CALÇADOS LTDA, SAVINI EXPORTADORA DE CALÇADOS LTDA., CALÇADOS PENHA LTDA, CALÇADOS SAMELLO S/A, DONIZETE RODRIGUES PEIXOTO FRANCA – ME, INDÚSTRIA DE CALÇADOS VERONELLO LTDA.
Prova: CTPS (id. 89835518 - Pág. 52), Laudo Indústrias de Calçados de Franca (id. 89835519 - Pág. 16), Prova emprestada (id. 89835519 - Pág. 67)
Análise: Na CTPS apresentada consta que o autor exerceu uma série de funções junto à indústria calçadista (auxiliar de acabador, sapateiro, arranhador, montador). Contudo, como já salientado, o enquadramento categorial na indústria calçadista não se sustenta, por ausência de previsão nos decretos regulamentadores vigentes até a edição da Lei nº 9.032/1995, nos quais não se encontra o ofício de sapateiro ou qualquer atividade correlata que permita o enquadramento funcional como especial.
Adicionalmente, o laudo pericial fornecido pelo sindicato dos empregados nas indústrias de calçados de Franca/SP não se revela suficiente para atestar as condições de trabalho do autor, uma vez que se refere, de forma genérica, a todas as indústrias de calçados da cidade, sem analisar as especificidades de cada função desenvolvida e do ambiente laboral de cada uma delas.
Descabida também a utilização da prova emprestada, eis que o mero labor em empresas congêneres, não autoriza concluir pelos mesmos padrões de exposição nociva.
Por fim, para o período em que se admite o enquadramento por exposição, não é possível presumir exposição a agentes químicos como cola, verniz, tinta e outros elementos comumente utilizados na atividade. As atividades econômicas em referência comportam a execução de labor em diversas frentes, que podem ou não envolver contato com os agentes mencionados, a depender do tipo de calçado manufaturado, das substâncias e ferramentas utilizadas.
Dessa forma, não se pode assumir que o labor tenha ocorrido em condições temerárias apenas pela integração do trabalhador ao conjunto categorial da indústria calçadista ou pela menção genérica à presença de agentes químicos em laudo produzido de forma igualmente genérica.
Conclusão: Especialidade não comprovada.
Período: 01/02/1988 a 12/10/1990
Função: Sapateiro
Empresa: H. BETTARELLO S/A CURTIDORA E CALÇADOS.
Prova: CTPS (id. 89835518 - Pág. 52), PPP (id. 89835518 - Pág. 117)
Análise: Verifica-se que o PPP apresentado, além de não conter menção a agentes nocivos, é omisso quanto à identificação dos responsáveis técnicos pelos registros ambientais. Dessa forma, não preenche as formalidades legais necessárias para que seja atribuído valor probatório às medições nele constantes.
Conclusão: Especialidade não comprovada.
Período: 14/09/2005 a 12/11/2005
Função: Montador
Empresa: D & L CALÇADOS LTDA - EPP
Prova: CTPS (id. 89835518 - Pág. 52), PPP (id. 89835519 - Pág. 12)
Análise: Consta no PPP que no período em análise o autor permaneceu exposto ao agente ruído na intensidade de 85 dB(A), equivalente ao limite de tolerância previsto no Decreto 4.882/2003.
Em observância a entendimento já adotado pelo STJ no âmbito de sua jurisprudência (STJ - AREsp: 1981319 SP 2021/0284669-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Publicação: DJ 01/02/2022) cabe enfatizar que a exposição a ruído o nível do limiar admite o enquadramento do período como tempo especial.
Conclusão: Especialidade comprovada.
Período: 19/05/1997 a 26/10/1998, 01/02/2006 a 07/12/2006, 17/05/2007 a 16/12/2007, 04/02/2008 a 12/12/2008
Função: Montador
Empresa: SANBINOS CALÇADOS E ARTEFATOS LTDA., EDNALDO LUIS DA SILVA FRANCA, INDÚSTRIA DE CALÇADOS STAR FREE LTDA – ME.
Prova: CTPS (id. 89835518 - Pág. 52), Laudo pericial (id. 89835519 - Pág. 138)
Análise: Consta no laudo que no período analisado o autor permaneceu exposto a ruído na intensidade de 86,3 dB(A).
Tal medição é inferior ao limite de tolerância de 90 dB(A), vigente até 18/11/2003, nos termos do Decreto 2.172/1997. Contudo, o valor permite o enquadramento nos termos do Decreto 4.882/2003, para os períodos de 01/02/2006 a 07/12/2006, 17/05/2007 a 16/12/2007, 04/02/2008 a 12/12/2008, eis que, com a referida alteração legislativa, o limite legal para o ruído passou a 85 dB(A).
Conclusão: Especialidade comprovada para os períodos de 01/02/2006 a 07/12/2006, 17/05/2007 a 16/12/2007, 04/02/2008 a 12/12/2008.
Período: 10/05/2011 a 23/05/2012, 01/10/2012 a 20/05/2013
Função: Moldador
Empresa: C.C. RODRIGUES & CIA LTDA – EPP, LUMA VENTURA ARTEFATOS DE COURO LTDA.
Prova: CTPS (id. 89835518 - Pág. 52), Laudo pericial (id. 89835519 - Pág. 138)
Análise: Consta no laudo que no período analisado o autor permaneceu exposto a ruído na intensidade de 85,8 dB(A), acima do limiar de 85 dB(A) estabelecido pelo Decreto 4.882/2003.
Conclusão: Especialidade comprovada.
Em suma, o conjunto probatório permite concluir pelo reconhecimento da especialidade dos períodos de 14/09/2005 a 12/11/2005, 01/02/2006 a 07/12/2006, 17/05/2007 a 16/12/2007, 04/02/2008 a 12/12/2008, 10/05/2011 a 23/05/2012, 01/10/2012 a 20/05/2013 e afastamento da especialidade dos períodos 01/06/1977 a 27/04/1981, 03/08/1981 a 22/10/1982, 01/06/1983 a 12/09/1983, 17/10/1983 a 24/09/1987, 08/10/1987 a 15/01/1988, 09/07/1991 a 15/11/1991, 02/03/1992 a 30/05/1994, 08/06/1994 a 30/11/1994, 01/02/1995 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 01/03/1996, 05/04/1999 a 13/08/1999, 20/08/1999 a 11/02/2003 e16/07/2003 a 18/11/2003, 16/03/2004 a 28/12/2004, 01/02/1988 a 12/10/1990, 19/05/1997 a 26/10/1998.
No caso, impende consignar que os períodos em que a parte autora esteve em gozo de benefício por incapacidade, deve integrar o tempo de contribuição especial, consoante decisão exarada no Resp. n.º 1.723.181/RS, julgado em 22/05/2019, afetado ao sistema representativo de controvérsia
DO DIREITO AO BENEFÍCIO
Estabelece o artigo 57 da lei 8.213/91 que o segurado tem direito a aposentadoria especial ao integralizar 25 anos de contribuição sujeito a condições especiais.
Por seu turno, é viável que o segurado se aposente por tempo de contribuição, uma vez convertidos os períodos especiais em comuns, e preenchidos os requisitos previstos na legislação vigente.
No caso em exame, a parte autora 1) em 16/12/1998 não tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de que trata a Lei nº 8.213, art. 52, pois não cumpriu o requisito tempo comum (somou 17 anos, 11 meses e 20 dias, quando o mínimo é 30 anos); 2) em 20/05/2013 não tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral de que trata a EC 20, art. 1º, altera CF art. 201, § 7º, I, pois não cumpriu o requisito tempo comum (somou 28 anos, 9 meses e 20 dias, quando o mínimo é 35 anos); 3) em 20/05/2013 não tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional de que trata a EC 20, art. 9º, pois (i) não cumpriu o requisito idade (somou 52 anos, 1 mês e 28 dias, quando o mínimo é 53 anos); (ii) não cumpriu o requisito tempo com pedágio (somou 28 anos, 9 meses e 20 dias, quando o mínimo é 34 anos, 9 meses e 22 dias).
Verifica-se também que, até a presente data, não foram implementados os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que não se pode falar em reafirmação da DER.
Sucumbente na parte principal da demanda, a parte autora deverá arcar com honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa, observadas as normas decorrentes da concessão de gratuidade de justiça.
DO DISPOSITIVO
Posto isto, voto por NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora e por DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS para afastar a especialidade dos períodos de 01/06/1977 a 27/04/1981, 03/08/1981 a 22/10/1982, 01/06/1983 a 12/09/1983, 17/10/1983 a 24/09/1987, 08/10/1987 a 15/01/1988, 09/07/1991 a 15/11/1991, 02/03/1992 a 30/05/1994, 08/06/1994 a 30/11/1994, 01/02/1995 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 01/03/1996, 05/04/1999 a 13/08/1999, 20/08/1999 a 11/02/2003 e16/07/2003 a 18/11/2003, 16/03/2004 a 28/12/2004, 01/02/1988 a 12/10/1990, 19/05/1997 a 26/10/1998, bem como afastar a condenação de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição em favor do segurado.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. INDÚSTRIA CALÇADISTA. RUÍDO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISTOS PARA APOSENTADORIA. RECURSO DO AUTOR IMPROVIDO. RECURSO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Trata-se de ação em que se postula o reconhecimento de tempo de serviço especial, bem como a concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição.
2. Na sentença os pedidos foram parcialmente acolhidos para reconhecer alguns períodos especiais e conceder aposentadoria por tempo de contribuição. Ambas as partes interpuseram apelação.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber (i) se o enquadramento categorial na indústria calçadista e as provas apresentadas são válidas para comprovar a especialidade dos períodos controvertidos; (ii) se é possível atribuir valor probatório do laudo pericial produzido por similaridade; e (iii) se o segurado preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição.
III. Razões de decidir
4. O enquadramento categorial de atividades na indústria calçadista não é admitido, pois não consta no rol taxativo dos decretos regulamentadores. Adicionalmente, o laudo pericial elaborado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP é genérico e não é válido para comprovar as condições específicas de trabalho.
5. O laudo pericial produzido por similaridade é admissível quando houver impossibilidade de obtenção dos dados necessários junto à empresa de origem.
6. A especialidade de determinados intervalos controvertidos foi comprovada pela exposição a ruído em níveis superiores ao limite legal. Os demais períodos pleiteados não tiveram sua especialidade comprovada.
7. Não foram preenchimento os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mesmo mediante reafirmação da DER.
IV. Dispositivo
8. Recurso do autor improvido e INSS parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal