
D.E. Publicado em 27/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer da apelação do INSS e lhe dar parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Nº de Série do Certificado: | 11A21709124EAE41 |
Data e Hora: | 14/09/2018 19:13:36 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013094-23.2014.4.03.6105/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social, na qual a parte autora pleiteia o restabelecimento de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, suspenso após constatação de fraude; requer o reconhecimento de períodos que alega terem sido excluídos indevidamente pela autarquia, bem como a dispensa da obrigação de devolver os proventos auferidos irregularmente.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer o tempo de serviço comum nos períodos de 1º/2/1971 a 20/12/1975, de 1º/9/1977 a 25/2/1978 e de 18/3/1993 a 31/5/1993; (ii) condenar o INSS a implantar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com termo inicial fixado na data da citação (27/3/2015); (iii) condenar a autarquia ao pagamento dos valores em atraso, feita a devida compensação, desde 27/3/2015, acrescido dos consectários; (iv) considerar inexigível a cobrança dos valores recebidos em decorrência do pagamento indevido, em razão da boa-fé da parte autora; (v) conceder a antecipação dos efeitos da tutela, tendo em vista o caráter alimentar do benefício,
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação, no qual sustenta a impossibilidade do reconhecimento dos períodos de serviço comum, sob o argumento de que estes foram inseridos no sistema do INSS mediante fraude cometida contra a autarquia previdenciária. Requer, ainda, a devolução dos valores pagos ao autor em decorrência do recebimento indevido do benefício.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação, porquanto satisfeitos os requisitos de admissibilidade.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o presente caso não se enquadra na hipótese de erro administrativo cadastrada pelo STJ como "TEMA REPETITIVO N. 979" - (Ofício n. 479/2017- NUGEP, de 17/8/2017), porquanto o INSS busca o ressarcimento de benefício concedido com base em fraude.
No caso vertente, em razão da constatação de indícios de fraudes ocorridas na Agência da Previdência Social de Campinas/SP - Carlos Gomes, o INSS deu início à reconstituição do procedimento atinente ao benefício percebido pela parte autora.
O ora demandante foi convocado para apresentar os documentos que embasaram a concessão de sua aposentadoria por tempo de contribuição (DER - 7/6/2006).
Após análise da documentação apresentada pelo autor, o INSS concluiu pela ausência da comprovação da existência de determinados intervalos.
O requerente, por sua vez, concordou com a exclusão de alguns dos períodos por assentir que estes, de fato, inexistiam. Por outro lado, considerou indevida a exclusão dos interstícios de 1º/2/1971 a 20/12/1975, de 1º/9/1977 a 25/2/1978 e de 18/3/1993 a 31/5/1993, nos quais afirma ter efetivamente trabalhado.
Desta feita, o apelado pleiteia o restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição sob a alegação de que faz jus ao seu recebimento.
Assim, cumpre analisar a controvérsia existente em relação aos lapsos de 1º/2/1971 a 20/12/1975, de 1º/9/1977 a 25/2/1978 e de 18/3/1993 a 31/5/1993.
Quanto ao intervalo de 1º/2/1971 a 20/12/1975, declara o autor ter laborado junto à empresa Alfa Instalações Elétricas e Telefônicas Ltda. Compulsando-se os autos, verifica-se que a própria parte autora informa não ter sido possível juntar documentação capaz de demonstrar o alegado vínculo, sob o argumento de que a empresa encontra-se fechada. Diante disso, inviável seu reconhecimento.
Já no tocante ao lapso de 1º/9/1977 a 25/2/1978, laborado junto à empresa Darci Cavalcanti Pinto, o autor trouxe aos autos diversos documentos ensejadores do reconhecimento pretendido, a saber: (i) Registro de Empregados da empresa Darci Cavalcanti Pinto, em que consta a data de admissão do autor (fl. 54/55); (ii) Perfil Profissiográfico Previdenciário emitido em 2013, no qual consta o período em que o autor laborou na empresa (fl. 57/58); (iii) Anotação em CTPS do referido vínculo (fl. 83); (iv) Declaração autenticada em cartório e assinada pela sócia-proprietária da empresa, a qual atesta o período laborado pelo autor; (v) Declaração de atividade e documento de alteração de capital da empresa, com a finalidade de comprovar a sua existência.
No que tange ao período de 18/3/1993 a 31/5/1993, laborado junto à empresa Telenge Telecomunicações e Engenharia Ltda., há regular anotação do vínculo em CTPS (a data de emissão da carteira de trabalho é anterior a este interregno - fl. 102/103).
Nessa esteira, conclui-se pela viabilidade do reconhecimento dos intervalos de 1º/9/1977 a 25/2/1978 e de 18/3/1993 a 31/5/1993.
Do poder de autotutela administrativo e a questão da irrepetibilidade dos benefícios recebidos indevidamente
Pretende, ainda, a parte autora a não restituição dos valores percebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição, suspensa em virtude da constatação de irregularidades relacionadas a sua concessão. Sustenta que a verba ostenta natureza alimentar e que não pode ser compelida a devolver os proventos que recebeu, uma vez que estes teriam sido auferidos de boa-fé.
Deve ser enfatizado desde logo que a Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à espécie.
A Administração pode rever seus atos. Ao final das contas, a teor da Súmula 473 do E. STF "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial".
Enfim, deve o INSS observar as regras constitucionais, sob pena de ver seus atos afastados por intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, a garantia do inciso LV do artigo 5o da Constituição da República determina que em processos administrativos também deve ser observado o contraditório regular.
Saliente-se que quando patenteado o pagamento a maior de benefício, é reservado à Administração o direito de obter a devolução dos valores, ainda que recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade. A lei normatizou a hipótese fática controvertida nestes autos e já trouxe as consequências para tanto, de modo que não cabe ao juiz fazer tabula rasa do direito positivo.
É caso de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento).
O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito.
Reza o artigo 884 do Código Civil:
Para além, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.
A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.
A Justiça, a propósito, avançou na análise das questões relativas à repetibilidade de prestações previdenciárias, ainda que recebidas de boa-fé.
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário aja de boa-fé:
Destarte, uma vez que a própria parte autora confirma a inexistência de um dos vínculos que ensejou o recebimento imerecido da aposentadoria por tempo de contribuição (de 7/6/2006 a 23/2/2016), aliado ao fato de ter sido constatada fraude na concessão do benefício, resultando-lhe vantagem substancial em pagamentos indevidos, em prejuízo ao ente autárquico, é de rigor a devolução dos valores por ela recebidos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
In casu, somados os lapsos incontroversos aos períodos ora reconhecidos, o autor preenche os requisitos exigidos à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, pois na data da do termo inicial fixado pela r. sentença a quo (27/3/2015) havia superado a carência exigida e o tempo (35 anos de serviço), conforme planilha anexa.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux).
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser utilizada a taxa de juro aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09 (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux).
Em relação às parcelas vencidas antes da citação, os juros são devidos desde então de forma global e, para as vencidas depois da citação, a partir dos respectivos vencimentos, de forma decrescente, observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
Diante do exposto, conheço da apelação do INSS e lhe dou parcial provimento, para, nos termos da fundamentação: (i) deixar de reconhecer a existência do período de 1º/2/1971 a 20/12/1975; (ii) condenar a parte autora à devolução dos proventos mensais indevidamente recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição (de 7/6/2006 a 23/2/2016); (iii) ajustar, por consequência, os critérios de incidência dos consectários.
Comunique-se, via e-mail, para fins de readequação da tutela antecipatória de urgência concedida.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
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Data e Hora: | 14/09/2018 19:13:32 |